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Gennaio 27, 2010 22:00 , by Alan Freihof Tygel - | No one following this article yet.

Blog do Alan, contém pensamentos saídos diretamente da minha cabeça.


Pau-de-arara, tortura e capitães-do-mato: as práticas modernas da Marinha no Quilombo Rio dos Macacos

Febbraio 22, 2012 22:00, by Alan Freihof Tygel - 0no comments yet

O sol já vai se pondo, e os escravos aproveitam o fim de tarde na senzala para descansar da jornada extenuante. O trabalho no engenho de cana é duro. Açoitados, acorrentados, longe da terra natal, separados de suas famílias, os negros ainda assim jogam capoeira e cultuam seus orixás. Nesse mesmo dia, houve duas fugas na fazenda: Zé Preto tentou sair por trás das amendoeiras de baixo. Almeida, o capitão-do-mato, não teve muita dificuldade: o negro não tinha mais forças, fugiu por desespero. As chibatadas que levou ali mesmo, no mato, foram suficientes para encerrar seu sofrimento e levá-lo para a outra vida. Gangá não teve a mesma sorte: foi para o tronco, e deve ficar lá por dias. Para todo mundo saber o que acontece com escravo fujão.

Num lugar não muito distante dali, cerca de 300 anos depois, a situação não mudou muito. Para os moradores do Quilombo Rio dos Macacos, foi como se a escravidão tivesse acabado e depois voltado. Alguns ainda possuem fotos de seus bisavós vestidos com trapos trabalhando na fazenda. Os mais idosos se lembram do jongo, da capoeira e do samba-de-roda na comunidade. Da época em que eram felizes, na sua roça, com seu pescado, sua dança e sua religião. Há cerca de 30 anos, voltaram a ser cativos.

Nos anos 60, a Marinha de Guerra do Brasil começou a construção da base naval de Aratu, nas terras das antigas fazendas Ponta da Areia, Pombal e Boca do Rio, nas proximidades de Simões Filho, subúrbio de Salvador (BA). Chegando ao local, encontraram algumas comunidades remanescentes de quilombos, dentre elas, o Rio dos Macacos. No início, lembram os moradores, a convivência era tranquila: “Trabalhamos na construção das casas da vila, fazíamos os partos aqui mesmo”.

Aos poucos, a cerca começou a apertar. A comunidade foi sendo pouco a pouco espremida pela vila, proibida de plantar, até que o direito fundamental de ir e vir lhes foi negado: o quilombo foi cercado com arame, e a única entrada hoje é pela portaria da vila. Lá, guardas possuem fotos dos moradores, e decidem ao bel-prazer quem pode e quem não pode passar.

Moradores de Rio dos Macacos durante assembleia, realizada no quilombo

Ao final do ato realizado na última quarta-feira (15/02), no Pelourinho, Rosimeire dos Santos Silva, uma das lideranças,terminou a noite sem saber se poderia voltar para casa. “Agradeço a todos pela presença, mas preciso ir. Já são onze horas, e acho que não vão me deixar entrar. Mas a gente dá um jeito, dorme em qualquer canto.”

A lista de violações é enorme. As mais chocantes dão conta das ameaças a crianças e idosos. “Quando eu tinha 8 anos, fui buscar água no riacho com minha irmã mais nova, de 2 anos. Quando olhamos para o lado, tinham 5 soldados armados dizendo que não podíamos pegar água ali. E descarregaram a metralhadora no balde”, lembra Rosimeire. E ainda misturando escravidão e ditadura, ameaçaram: “Vamos te colocar no pau de arara!”

A situação na comunidade, hoje, é caótica. Proibidos de plantar e pescar, moradores passam fome e relatam ainda a invasão de suas casas e roubo de comida. “Eles entram nas nossas casas e furam os sacos de comida”. Casas, aliás, que hoje chegam a abrigar cinco famílias sob o mesmo teto. Várias moradias foram destruídas, e a Marinha não permite novas construções.

A tentativa de despejar o Quilombo Rio dos Macacos já vem se arrastando há anos. Quando receberam a primeira ordem de despejo, quatro idosos faleceram. “Nós vivemos estressados. Ninguém dorme, nós só cochilamos, com medo de acontecer alguma coisa.”

Diferente da maioria dos casos de disputa de terras no Brasil, o conflito neste caso se trata de terras da União. A comunidade foi reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares e o território ocupado já foi demarcado e identificado pelo Incra. No entanto, a Advocacia Geral da União, em atendimento aos interesses da Marinha de Guerra do Brasil, ingressou com uma ação de reintegração de posse, que implica no despejo da comunidade. Uma das alegações é de que o laudo antropológico que fundamenta o reconhecimento da comunidade como quilombola seria apenas uma “farra antropológica”. A esperança agora é de que o Incra e a Fundação Cultural Palmares, duas autarquias federais, se manifestem em defesa da comunidade, mas ambos os órgãos se negam a seguir em frente. Uma ordem da presidenta Dilma já bastaria para a suspensão do processo. Dilma, aliás, passou o ano novo na base, separada apenas por um muro do Rio dos Macacos.

Quilombolas reivindicam atuacao dos governantes contra o despejo da comunidade

 
“Nós não queremos ajuda para sair. Queremos ficar. E só saímos daqui dentro do caixão.” É com esse espírito que a comunidade espera a próxima data de remoção: 4 de março. Entidades do movimento negro estão se mobilizando para a realização de vários atos em Salvador. Uma vigília também está programada a partir do dia 2 de março, em frente à base.

Agora, mais do que nunca, somos todos mãe África, somos todos negros, somos todos Quilombo Rio dos Macacos.



O Quilombo vive porque resiste!

Febbraio 20, 2012 22:00, by Alan Freihof Tygel - 0no comments yet

Por Alan Tygel, publicado originalmente na revista Vírus Planetário.net

A luta pela terra segue no Brasil. Das favelas cariocas aos índios de Brasília, chegamos aos quilombolas da Bahia. O grande confronto que vem atraindo a mídia alternativa baiana é a luta da comunidade quilombola do Rio do Macaco por um espaço que é seu por direito, mas que vem sofrendo tentativas de saque pela Marinha do Brasil.

Instalada há mais de 200 anos na localidade de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, a comunidade já foi reconhecida como quilombola pela Fundação Palmares. Entretanto, há 50 anos, a Marinha do Brasil se instalou no local e vem fazendo de tudo para expulsar os moradores do local. A força armada vem se utilizando tanto de procedimentos judiciais quanto de ameaças e cerceamento de direitos. Hoje, os moradores precisam dar uma longa volta para entrar na comunidade, pois a Marinha fechou a entrada principal. A pesca também está proibida, e são frequentes os relatos de intimidações com armas contra crianças, jovens e idosos, alguns com mais de 100 anos.

A história completa pode ser vista aqui: http://www.youtube.com/watch?v=bwUXjUzqU6w. E, por incrível que pareça, a presidenta Dilma passou o ano novo na base da Marinha, com apenas um muro dividindo ela da comunidade: http://www.youtube.com/watch?v=ASbf4vMRja8.

 

Comunidade do Rio do Macaco sofre violações aos direitos humanos e ameaça de remoção pela Marinha, enquanto Dilma, do outro lado do muro, curtia férias na praia paradisíaca na Base Naval de Aratú, em Simões Filho, BA

O assunto é de extrema importância, e merece toda atenção. Mas eu gostaria de, na primeira coluna do ano, mostrar um aspecto positivo da luta pela terra. Também na Bahia, o NEPPA – Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias vem construindo uma prática exemplar no apoio à reforma agrária por grupos oriundos da universidade.

Formado por estudantes de várias Universidades de Salvador, e também por trabalhadores, o NEPPA tem como atividade principal a realização do Estágio de Vivência em Áreas de Reforma Agrária, este ano em sua sexta edição. O estágio consiste em fazer com que cerca de 80 pessoas por ano, a maioria estudantes, tenham a oportunidade de “pisar os pés no chão” para fazer a “cabeça pensar”.

O Estágio, entretanto, não é a única a atividade do grupo. Ao longo do ano, o NEPPA realiza atividades permanentes nas 7 áreas que participam do EIVI. Aliás, o nome EIVI – Estágio Interdisciplinar de Vivência e Intervenção é outra inovação em relação aos demais estágios de vivência praticados no Brasil.

Trabalho coletivo na hortas comunitárias em São Sebastião do Passé, BA

Justamente por conta das atividades permanentes nos assentamentos, o Estágio tem um caráter explícito de intervenção, pois os estagiários dão continuidade aos trabalhos que o grupo já realiza. Esses trabalhos incluem intervenções nas áreas de saúde, rádio, educação popular, agroecologia e juventude.

No último ano, o grande projeto do NEPPA foram as hortas e viveiros comunitários construídos nas 4 comunidades de São Sebastião do Passé: Santa Maria, Recanto da Paz, Nova Panema e Bento. A metodologia inclui um curso de agroecologia, com foco na abordagem política das diferenças entre agricultura familiar e o agronegócio. Até porque, na hora de botar as mãos na terra, quem ensina são os assentados.

Com a produção estabilizada em São Sebastião do Passé, os desafios agora se dão em torno do escoamento da produção, um problema histórico do campesinato brasileiro, que sempre acaba deixando os ganhos nas mãos dos atravessadores. A meta é levantar fundos para a compra de um caminhão que possa levar os produtos às feiras das cidades vizinhas.

Neste ano, o planejamento tem o foco na construção das hortas e viveiros de mudas comunitários  nas áreas de Sano Amaro da Purificação. Os assentamentos Nova Suíça, Pitinga e Bela Vista já possuem uma boa produção, mas a maior parte é individual. Através do incentivo ao trabalho coletivo, o NEPPA pretende resgatar o espírito do mutirão, indispensável quando falamos em luta da classe trabalhadora do campo e da cidade.

Os produtos das hortas ainda contam com um valor adicional por não utilizarem agrotóxicos. O NEPPA também participa da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, e já realizou oficinas nas áreas utilizando o filme O Veneno está na mesa, de Sílvio Tendler. “É impressionante a identificação dos agricultores com o filme. O povo que costuma dormir às 9 da noite, ficou até às 11 debatendo o filme”.

Cerca de 40% dos participantes da edição deste ano do EIVI são de fora de Salvador, alguns inclusive de fora do Brasil. Com isso, o NEPPA espera incentivar a formação de novos grupos de apoio à reforma agrária, num momento em que a pauta continua estagnada no Brasil.

E que surjam vários Neppas pelo Brasil, espalhando agroecologia e revolução pelo campo de nosso país! 

Veja mais:

http://cirandas.net/neppa/

http://cirandas.net/neppa/estagios/vi-eivi

http://cirandas.net/alantygel/blogdoalan/eivi-mst-ba