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27 de Janeiro de 2010, 22:00 , por Alan Freihof Tygel - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

Blog do Alan, contém pensamentos saídos diretamente da minha cabeça.


Da favela para as favelas, de verdade

8 de Setembro de 2011, 21:00, por Alan Freihof Tygel - 0sem comentários ainda

Capa_fiell

Conheci o Fiell no dia 22 de maio de 2010. No IML. Pra quem não sabe, IML é o Instituto Médico Legal. É pra onde os cadáveres são levados, para verificar a causa da morte. É também o se faz o exame de corpo de delito, para atestar legalmente se alguém sofreu agressão.

No mesmo dia, um sábado, fui assistir à aula do curso de comunicação comunitária do NPC. Estava programado um debate sobre UPP, conduzido por um morador de favela pacificada. Este morador havia escrito uma cartilha de abordagem policial, motivado pelos crescentes abusos cometidos pelos policiais pacificadores na favela do Santa Marta.

Depois de cerca de uma hora de atraso, a Cláudia Santiago, coordenadora do curso, chega com uma notícia: Fiell não pode vir hoje, porque foi agredido e preso pela UPP ontem à noite. Que coincidência né? O convidado do curso para debater a questão da UPP não pode vir porque foi preso e agredido pela UPP.

Mesmo assim, Fiell saiu da delegacia pela manhã, tomou um banho e foi para o curso. Chegou machucado, cheio de hematomas, mancando. Contou para nós o que havia acontecido (leia o livro, tá tudo lá!) e participou das atividades da tarde. No final do dia, sobramos poucas pessoas.

Convencemos o Fiell de que ele deveria ir ao IML para fazer o exame de corpo de delito e processar os policiais que o haviam agredido. Eu estava de carro, e resolvi levá-lo lá.

Ficamos cerca de duas horas esperando nos chamar. A todo instante passavam homens vestidos de açougueiro, com botas de plástico brancas. Que eu me lembre, foi a primeira vez que conversei a fundo com um morador de favela.

Depois do exame, em que o que o médico atestou que ele havia sofrido agressão, Fiell me convidou para tomar uma cerveja no Santa Marta. Que eu me lembre, também foi a primeira vez que entrei numa favela.

Hoje, um ano e meio e muitas cervejas no Zé Baixinho depois, já me sinto em casa no Santa Marta. Tive a oportunidade de acompanhar de perto o nascimento, a construção, e o fechamento violento da Rádio Santa Marta. A parceria musical com o Fiell, os shows de reggae e o trabalho no projeto Rio Economia Solidária fizeram com que o Santa Marta fosse minha segunda casa.

Alanefiell

Linguagem clara, objetiva, e sempre provocadora: e você?

Por tudo isso, por esse um ano e meio acompanhando o Fiell nas palestras, shows, debates, eu imaginei que não fosse me surpreender com o livro. Imaginei que me soaria muito familiar tudo que estivesse escrito alí.

Obviamente, levei uma rasteira pra lá de prazerosa. O livro é simplesmente genial. Sua clareza e objetividade fazem do título aparentemente senso comum - da Favela para as Favelas - uma verdade absoluta.

O livro é dividido em capítulos temáticos, que abordam a favela, a comunicação, a educação, os direitos, o movimento hip-hop, o tráfico, a UPP, o trabalho e a cidadania. Em cada um deles, é contada um pouquinho da história do Fiell, do ponto de vista de cada tema.

De cantor consumista a repper-repentista, Fiell conta de forma delicada - e não por isso menos provocante - seu processo de politização e desalienação. Esta transformação lhe custou alguns empregos, ao denunciar aos colegas a exploração que sofriam: "... ele passou meu dinheiro e foi argumentando que eu não poderia mais trabalhar com ele, que eu era muito intelgente e tinha mais é que cantar rap."

Ao perceber que sua condição de pobreza não era culpa sua, como pensava, Fiell decide revolucionar sua vida e lutar por uma sociedade mais justa para todos. E descobriu na comunicação popular - jornal, rádio, e agora o livro - um meio bastante eficaz para isso.

Fiell disse que o livro era pra ser lido no ônibus, na volta do trabalho. Foi exatamente o que eu fiz: o formato pequeno e a linguagem simples e direta fizeram com que eu devorasse as 81 páginas em uma hora de trânsito no 485. Em certo momento a luz acima do meu banco queimou. Mas era um dia de sorte. O ônibus estava vazio e pude mudar de lugar pra continuar lendo.

Se tivesse que definir o livro em uma palavra, não teria dúvidas: provocador. O livro é recheado de provocações do início ao fim. "Existe democracia no Brasil? Pra quem?"; "Eu uso o (o rap) para revolucionar o povo trabalhador das periferias do Brasil. E você?"; "Vamos nos organizar porque as remoções vão vir e toda nossa história irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas."

Fiell escancara as contradições daqueles que se dizem do povo, mas na primeira oportunidade, fazem anúncio para televisão e escapam da favela. A questão da imagem é abordada também de forma bastante direta. "Sabemos que para ter um Nike, que a mídia nos obriga a ter através de propaganda diária, vários jovens negros e brancos das favelas e periferias do nosso Brasil matam e morrem."

E dá-lhe provocação: neste contexto, qual a responsabilidade de um rapper famoso que usa Nike?

Por fim, ficou na minha cabeça uma indagação, que eu coloco em forma de provocação a todos nós: como fazer esse livro chegar de fato às mãos dos trabalhadores que pegam ônibus lotado, chegam em casa cansados e só têm forças para ligar a TV e dormir para aguentar o dia seguinte?

Ao descrever sua rotina antes de se mudar para o Santa Marta, Fiell diz que saia de casa às 4:30 e partia pra comprar o Extra ou Meia Hora, para ver as notícias de violência e as bundas. E se saísse atrasado, já não tinha mais jornal.

Se existe algum livro que pode competir com o Meia Hora, que o trabalhador possa ler e refletir na viagem de volta pra casa, esse livro se chama Da Favela Para as Favelas - História e Experiência do Repper Fiell.

É nosso dever divulgá-lo.

O livro pode ser adquirido na livraria Antonio Gramsci - Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, no Centro do Rio - tel.: 2220-4623, ou então pela internet: http://www.educarliberdade.com.br/fiell.html