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Crise climática global e mudança de comportamento de consumo nas IES brasileiras

13 de Agosto de 2019, 9:58 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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CRISE CLIMÁTICA GLOBAL E MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE CONSUMO NAS IES BRASILEIRAS: TESTANDO NOVAS TECNOLOGIAS SOCIAIS

 

Débora Nunes

 

Resumo O aquecimento global é conseqüência da ação do homem, que desequilibra os ciclos naturais e põe em risco a vida humana no planeta. Mudanças econômico-sociais e culturais são urgentes para enfrentar o problema e o consumo inconsciente e predatório precisa ser superado, pois grande parte da emissão de gases poluentes se dá pela produção, uso e descarte de itens de consumo. As Instituições de Ensino Superior (IES), como formadoras de uma categoria social influente, os graduados, podem dar sua contribuição e exemplo à sociedade brasileira, implantando programas de conscientização da sua própria comunidade acadêmica. O FOREXP - Fórum de Extensão das IES Particulares, propõe uma mobilização nacional em torno do tema e apresenta o exemplo do Programa Interno de Consumo Consciente (PICC), que já tem dado resultados concretos, como  fonte de inspiração. Refletir sobre os temas do consumo e do aquecimento global são os objetivos deste artigo, que apresenta também os dados do PICC, desenvolvido pela UNIFACS, na Bahia.

 

ABSTRACT

Global warming is a consequence of man´s action, that unbalance the natural cycles and endangers human life on planet. Changing economic, social and cultural rights is urgent to address the problem. Therefore, the unconscious consumption and predatory needs be overcome, because much of the emission of greenhouse gases is given by the production, use and disposal of items of consumption. The Higher Education Institutions, as forming a category of social influence, the graduates, can make its contribution to Brazilian society and example, implementing programs to raise awareness of their own academic community. The FOREXP - Forum of Extension of the Private HEIs, proposes a national mobilization around the issue and gives the example of the Consumer Responsible Program Internal (PICC), which has data results, as a source of inspiration. Reflect on the themes of consumption and global warming are the objectives of this article, which also presents data from the PICC, developed by Unifacs, Bahia.

 

Palavras-chave: aquecimento global, extensão universitária, consumo consciente

Keywords: Global warming, University Extension, responsible consumption

 

Introdução

 

      Desde janeiro de 2007, com a publicação do quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) não resta mais dúvidas de que o aumento da temperatura do planeta em 0,8 graus nas últimas décadas foi conseqüência da ação humana (IPCC, 2007). A opinião de dois mil e quinhentos pesquisadores de 193 países que compõem o IPCC é de que, se medidas urgentes não forem tomadas, as mudanças já observadas (derretimento das calotas polares, aumento de furacões, secas e inundações mais freqüentes e severas, temperaturas atípicas no verão e no inverno, aumento do nível do mar, etc.) irão tornar a vida humana na terra cada vez mais inviável.

      Há um certo consenso nas publicações de respeitadas instituições que atuam na área ambiental, como o Worldwatch Institut, o Greenpeace, ou o Instituto Akatu[1], entre outros, de que profundas mudanças comportamentais na sociedade serão necessárias para fazer face aos desafios atuais da humanidade. A história ensina que geralmente as transformações nos modos de vida começam com mudanças de comportamento surgidas entre os formadores de opinião, como o são as pessoas que circulam por Instituições de Ensino Superior. Visando mobilizar este imenso público de estudantes[2], professores e funcionários, o Fórum de Extensão das IES Particulares – FOREXP, elegeu como prioridade de ação nos próximos anos uma ampla campanha nacional para evitar desperdícios no dia a dia acadêmico. Esta campanha visa estimular a reflexão e práticas conscientes de consumo no interior das faculdades e universidades, entendendo que este público, conscientizado, tem um poder multiplicador de mudanças de comportamento de consumo na sociedade.

      O modelo inicial do programa do FOREXP foi desenvolvido na Universidade Salvador, UNIFACS, na Bahia, onde a vertente ambiental do Programa Engajamento Cidadão chama-se “Programa Interno Consumo Consciente”. Este programa foi distinguido com o Premio Top Social em 2007 e este artigo será baseado na metodologia e nos resultados obtidos na UNIFACS desde 2006. Este modelo está sendo discutido em reuniões com instituições de norte a sul do Brasil e pretende-se estimulá-las a inspirarem-se nele e a entrarem na mobilização nacional, buscando cumprir a responsabilidade social e ambiental do ensino superior e ser exemplo para a sociedade brasileira.

      Antes de partir para a exposição mais detalhada destes dados, entretanto, serão abordadas as temáticas do consumo e do aquecimento global, como forma de enquadrar a discussão em torno de uma abordagem mais ampla. Passar de uma visão catastrofista – onde a tragédia parece inevitável – para uma visão realista, que entenda os mecanismos mais profundos do que está se passando com o planeta é necessário, inclusive face à imensidão do problema (SACHS, 2008 e BARANSKI e ROBIN, 2007).  Quando se tem poucos dados e pouca compreensão dos fatos, a ignorância para uns e o medo do desconhecido para outros, paralisam. Buscar entender o problema e refletir sobre ele e sobre as ações possíveis é o meio mais sensato de preparar-se para enfrentá-lo.  

     

A questão do Consumo

 

      Consumir é um dos atos mais naturais e mais antigos dos seres humanos, se entendermos o verbo consumir como o ato de incorporar ao corpo ou a vida cotidiana, objetos e serviços que vêm do exterior. Assim, vestir-se, por exemplo, é um ato de consumo de objeto usado desde os mais remotos tempos do homo sapiens. Utilizar-se dos serviços de sábios, como os sacerdotes egípcios ou os pajés de tribos indígenas brasileiras, por exemplo, também é um hábito de consumo remotíssimo, que vem do início da civilização humana.

      Nem sempre o ato de consumir esteve ligado ao pagamento monetário dos bens, e a troca direta, ou escambo, foi uma prática comum nos primórdios da civilização. Enquanto o conjunto dos membros dos povos mesopotâmicos ou pré-colombianos, por exemplo, vestiam-se mais ou menos do mesmo modo, os dirigentes tinham roupas e adereços diferenciados, que os distinguia em posses e de forma simbólica. Esta distinção de alguns pelos objetos consumidos, pela moradia, pela alimentação, etc. estava vinculada à função social destas pessoas e muitas vezes era a própria comunidade que oferecia aos seus dirigentes os objetos simbólicos (BAIROCH, 1990). A norma que organizava o consumo estava vinculada generalizadamente às necessidades básicas, de um lado, e de outro, à lógica simbólica de diferenciação de pouquíssimos indivíduos, e com pouquíssimos objetos e facilidades, pelas funções por estes exercidas na comunidade.

      Ao longo da história, o consumo foi se diferenciando por categorias de poder e de riqueza dos indivíduos e grupos humanos. A diferenciação social foi se tornando cada vez mais vinculada à propriedade, particularmente da terra, e assim, aos poucos, o consumo simbólico, geralmente de objetos de luxo e de situações privilegiadas de conforto, foi sendo regalia também das pessoas que podiam pagar por ele e não apenas dos que tinham poder. Estas famílias ricas consumiam assim o que de melhor era fabricado pelos artesãos, enquanto as demais fabricavam, elas próprias, ou trocavam com vizinhos ou em feiras, a maior parte de seus utensílios domésticos e os de uso pessoal. Estes bens, por serem artesanais e feitos em materiais naturais, eram mais ou menos personalizados e levavam tempo significativo para serem produzidos e tinham grande durabilidade. Por milênios a lógica de consumo foi esta: uma minoria consumia, em pequena escala, produtos sofisticados em material e qualidade, enquanto a maioria consumia estritamente objetos simples e feitos à mão, com pouco impacto ambiental (HUBERMAN, 1986).

      O desenvolvimento tecnológico, que se acelerou depois da Revolução Industrial, renovou a diferenciação de consumidores a partir da sofisticação técnica dos objetos de consumo. Se antes esta diferenciação, reveladora de status, estava vinculada principalmente aos materiais de confecção do objeto (algodão cru para a roupa dos pobres e seda para aquelas dos ricos, por exemplo) e a qualidade técnica do artesão, a possibilidade de pagamento da inovação tecnológica inerente ao objeto passou a ser uma possibilidade a mais da diferenciação do consumo. Um relógio, mesmo realizado de forma artesanal, mas com a mais alta tecnologia da época da sua invenção, era uma possibilidade de consumo para poucos que podiam pagar por ele.

      Com a Revolução Industrial surgem os objetos de consumo de massa, pois surge a produção industrial em massa. Ao permitir o barateamento do custo dos objetos e o assalariamento de um grande número de pessoas, a industrialização aumentou a oferta e a acessibilidade destes objetos a um número cada vez maior de famílias e indivíduos. A indústria, portanto, ao permitir a produção em larga escala, fez com que idênticos copos de vidro ou alumínio, de fabricação industrial, passassem a ser vistos em todas as casas de pessoas de um mesmo padrão de renda. Neste mesmo período observa-se também o início do crescimento explosivo da população mundial – antes praticamente estável – devido à melhoria das condições sanitárias. Observa-se assim uma produção e consumo de massas e aí começa o conflito da produção com o meio ambiente: a capacidade de regeneração dos ecossistemas face à ação humana começa a diminuir.

      O que se viu ao longo do século XX foi um consumo cada vez maior de objetos por um número cada vez maior de pessoas, o que foi aos poucos constituindo o que veio a se chamar de “sociedade de consumo” (BAUDRILLARD, 2007). Isto coincide com a consolidação de uma classe média, formada principalmente por profissionais de nível superior ou trabalhadores especializados com salários maiores do que os dos operários, capazes de consumir uma quantidade crescente de objetos. A competição inerente à sociedade capitalista provocou também inovações tecnológicas contínuas, implicando em produtos cada vez mais variados e sofisticados.

      Na expressão “sociedade de consumo”, relativamente recente, está embutida também o simbolismo exacerbado que o tipo de objeto consumido passou a ter, principalmente a partir do século XX. O que era uma atividade principalmente vinculada à necessidade, passou a ter cada vez mais uma conotação simbólica, sendo que em muitos casos hoje o simbolismo é maior que a função utilitária original do objeto. Este fato tem determinado um poder cada vez maior à área de marketing, que estabelece estas ligações simbólicas propulsoras do consumo.

      Uma particularidade do modo de produção dominante da época atual é a chamada “obsolescência programada”, que consiste em fazer com que um produto tenha uma durabilidade reduzida para implicar na sua substituição programada para um curto espaço de tempo – e os computadores e telefones celulares são exemplos bem visíveis. Do mesmo modo foi criada a “obsolescência simbólica” em que um produto em bom estado deixa de ser utilizado por ser visto como ultrapassado – como pode ser visto no exemplo da moda (LEONARD, 2005). As obsolescências programada e simbólica, que são inerentes ao modo de produção capitalista, são exemplos destacados de uma irracionalidade inata ao sistema econômico-social que modela a sociedade em que vivemos. O cidadão, ao consumir acríticamente, ajuda a sustentá-lo e precisa estar ciente disto.

      O barateamento dos produtos, a obsolescência programada e a função simbólica do consumo, bases da “sociedade de consumo”, transformaram-se atualmente num grande problema para a humanidade: desperdiça-se demais matéria prima e energia para criar objetos rapidamente descartados e com isto polui-se em demasia o planeta, ameaçando-se a já precária estabilidade do meio ambiente. Sabe-se hoje que desde meados da década de oitenta, o planeta já não tem mais a capacidade de se auto-regenerar e manter regulado o clima da terra (WWF Brasil, 2006). Os acontecimentos climáticos dos últimos anos mostram os efeitos deste fato. Basta juntar um mais dois para que se perceba que as devastadoras mudanças climáticas em curso são, em última instância, decorrentes do modo de produção e consumo vigente no planeta (IPCC, 2007).

      Nunca é demais relembrar, entretanto, que o consumo dos mais pobres é muito diferente do consumo dos mais ricos. Enquanto os pobres gastam a maior parte dos seus recursos com alimentos e despesas de sobrevivência básica, tendo menos desperdício e deixando menos resíduos, os ricos, mesmo poucos, geralmente consomem muito e de modo perdulário, deixando uma quantidade de dejetos muitas vezes superior àquele produzido pelas populações pobres, muito mais numerosas. Isto é válido para as pessoas, como é válido para os países e a população americana é um exemplo negativo, pois equivale a 5% da população do planeta e consume 35% da energia e produz cerca de um terço dos resíduos [3].

      Consumir conscientemente significa, portanto, atentar para os efeitos que este ato acarreta ao meio ambiente e a toda a humanidade e entender o desperdício como uma espécie de “delito ambiental”. Buscando contribuir para a melhoria das condições ambientais e sociais do planeta, o consumidor consciente identifica o consumo mínimo que lhe é suficiente e escolhe produtos ambientalmente e socialmente responsáveis, priorizando a reciclagem, a reutilização e o compartilhamento de bens. Um exemplo simples é ilustrativo: beber água de côco faz bem pra saúde, deixa recursos na economia local e evita processos industriais, embalagens plásticas, etc.

      Observando de modo amplo o contexto atual, percebe-se que em cada gesto cotidiano de consumo de cada um, joga-se o destino de todos. Neste tema, mais do que em qualquer outro, a fábula do beija-flor que leva sua parte de água no bico para apagar o incêndio da floresta, fazendo aquilo que está ao seu alcance para contribuir com o problema de todos, é significativa. O conceito de “pegada ecológica”, que refere-se à marca do gasto em energia e matéria prima que todo ser, toda instituição, ou toda a população deixa no planeta por existir (REES e WACKERNAGEL, 1995) foi criado dentro desta concepção. Se cada um observa o quanto gasta em água, em energia elétrica e combustível, em alimentos, em roupas, em produtos de higiene e beleza, em papel, etc., pode identificar possibilidades de diminuição deste consumo e conseqüentemente minorar a sua pegada ecológica. Poderá também, compensá-la, por exemplo, plantando árvores, pela grande capacidade que essas têm de absorver o CO2 que está aquecendo a atmosfera.

       A adoção de um padrão de consumo consciente está ao alcance do cidadão comum e pode ser vista como uma ação de efeitos duradouros e progressivos[4]. Duradouros, pois dificilmente alguém, ou uma instituição, que passam por uma mudança de consciência relativa à sua pegada ecológica, volta a praticar os mesmos atos de consumo inconscientes do passado. Progressivos, porque esta é uma mudança que pode se irradiar de um setor à outro da vida da pessoa, assim como se irradiar também da pessoa à sua família, amigos e colegas de trabalho e assim, sucessivamente. Cidadãos que consomem de forma consciente podem mudar o mundo.

      Evidentemente a transformação do modo de consumo individual precisa ter conexões com mudanças nas políticas públicas: para transformar uma opção de existência individual em um movimento coletivo, o entorno precisa mudar para não penalizar demasiadamente aqueles que estão optando por fazer sua parte.  Os governos precisam apoiar massivamente os produtores e consumidores que vão ao encontro de práticas de consumo consciente, de reuso, de reciclagem, de troca das soluções individuais pelas coletivas. Melhorar o transporte coletivo e implantar a coleta seletiva são bons exemplos destas políticas, assim como criar legislação pós-consumo que obrigue empresas a responsabilizar-se pela durabilidade e descarte de seus produtos e embalagens. Cabe à sociedade cobrar ação governamental e construir estas alternativas.  

       

O aquecimento global

 

      O aquecimento global verifica-se pelo aumento da temperatura na superfície da terra e do mar e particularmente dos pólos, aonde este aumento chegou a três graus nas últimas décadas. Está é uma tendência que, segundo os especialistas, tende a se perpetuar e a se aprofundar, havendo previsões diversas que apontam para até seis graus a mais na temperatura média do planeta, hoje em torno dos 15ºC, nas próximas décadas (WWF Brasil, 2006). Este aumento de temperatura é causado pela ampliação do efeito estufa, que é um fenômeno natural de retenção média de cerca de 10% da radiação solar que chega ao planeta, o que permite a vida na terra nas condições que conhecemos.

      A ampliação do efeito estufa para níveis perigosos vem acontecendo pelo desequilíbrio entre a produção e a absorção de gases estufa, principalmente o gás carbônico (CO2) e o metano (CH4), causando uma concentração cada vez maior destes gases na atmosfera.  Estes gases estão presentes no ar que respiramos através de inúmeros processos, sendo os mais simples e corriqueiros a própria expiração humana e das plantas à noite (para o CO2) e, para do metano, os resíduos gasosos oriundos da degradação de matéria orgânica como os resíduos fósseis, a biomassa (lixo orgânico, plantas), a flatulência humana e animal, etc.. Acontece que os processos industriais, o desmatamento e o escapamento dos carros jogam na atmosfera toneladas destes gases que não conseguem ser totalmente absorvidos pelos mecanismos naturais, entre eles, o principal, a fotossíntese de plantas e algas, que “fixam” o carbono, necessário ao seu crescimento. Além disto, a degradação do meio ambiente terrestre e marítimo afeta ainda mais este equilíbrio entre emissão e absorção/fixação, piorando o quadro.

      Este desequilíbrio entre fontes de emissão e fontes de absorção de gases de efeito estufa é o que causa o aquecimento global e ele é fruto, como já foi dito, do modo de vida dos humanos. Como dizem os especialistas, a “biocapacidade de fixação do carbono”, presentes no CO2 e CH4, entre outros, foi rompida, pela ampliação das fontes de emissão e pela diminuição das florestas e dos organismos marinhos que absorvem majoritariamente este elemento químico (ROUER e GOUYON, 2007). 

      A discussão em curso sobre o que fazer face ao problema aborda inúmeros aspectos, sendo o mais mediatizado, inclusive pela posição importante do Brasil no tema, a substituição de combustíveis derivados do petróleo, altamente poluentes, pelos biocombustíveis, como o álcool e o biodiesel, menos poluentes e renováveis (NASCIMENTO e VIANNA, 2007). Para a mobilização da população em geral, inclusive a que não tem carro, entretanto, é urgente que se divulguem medidas simples, passíveis de serem implementadas todos os dias, para que a inconsciência e a apatia não façam tardar ações urgentes que precisam ser incorporadas à vida de cada um de nós. O caso que será apresentado a seguir segue esta linha, no ambiente das instituições de ensino superior.

 

Material e Métodos: o Programa Interno de Consumo Consciente (PICC) da Universidade Salvador – UNIFACS

 

      A Universidade Salvador - UNIFACS, instituição baiana criada em 1972, iniciou o PICC dentro das suas ações de Extensão através da criação de uma Comissão de Monitoramento do programa, nomeada oficialmente pelo Reitor. Esta Comissão é constituída por professores, funcionários e estudantes motivados por uma consciência ambiental desenvolvida e com disposição para atuar voluntariamente. Em reuniões quinzenais, a Comissão discutiu a estruturação do programa e passou imediatamente a estudar, como o apoio do setor administrativo da Universidade, o consumo de todos os itens utilizados no cotidiano da instituição. 

      Um dos primeiros passos para o convencimento da comunidade acadêmica a engajar-se no Programa foi a negociação com a direção da UNIFACS do compromisso de que recursos economizados com a mudança de comportamento e diminuição do desperdício seriam utilizados para ampliar as conquistas ambientais no dia a dia acadêmico.  A adesão da comunidade universitária ao PICC foi certamente influenciada pela informação de que os frutos do esforço cotidiano de mudança de comportamento seriam usados em uma série de investimentos para diminuir ainda mais o consumo e o impacto ambiental da atividade acadêmica.

      Em seguida, a Comissão de Monitoramento do PICC desenvolveu uma metodologia participativa para acompanhar os cálculos das economias realizadas pela UNIFACS. Com a consulta a especialistas das áreas ambiental, administrativa e da estatística, professores da própria instituição, criou-se coletivamente essa metodologia, que será comentada mais adiante. Um segundo passo foi a implementação de ações de sensibilização no ambiente acadêmico. Entre essas ações, uma das mais importantes é a mobilização dos responsáveis pedagógicos pelos cursos e os professores, pois eles detêm muita legitimidade face à comunidade e particularmente aos estudantes. No caso da UNIFACS, os cursos de graduação incluíram em disciplinas pertinentes a discussão do tema do consumo, adaptada a cada desafio profissional. Para o Curso de Psicologia, por exemplo, tratou-se das causas e conseqüências psíquicas do consumismo, o Curso de Publicidade fez campanhas de marketing social em torno da idéia do Consumo Consciente e o de Engenharia Civil tratou do desperdício de matéria prima nos canteiros de obra.

      Outra ação que favoreceu a conscientização para evitar desperdício foi a comunicação feira através da colagem de etiquetas adesivas espalhadas em todos os prédios, convidando a comunidade acadêmica a refletir sobre como consumir conscientemente.  As etiquetas foram coladas de maneira definitiva diante de interruptores, torneiras, monitores, impressoras, etc. - exatamente nos locais onde o consumo se dá – para lembrar as pessoas  a usar aparelhos elétricos e outros itens da forma mais parcimoniosa e útil possível. Essas etiquetas ajudaram também a popularizar a marca do Programa.

    Engajamento cidadão consumo consciente

      A mobilização dos funcionários, foi outra estratégia importante, pois são eles que controlam grande parte do consumo.  Várias reuniões e oficinas foram feitas com este público tentando chamar a atenção para a questão ambiental, e uma das ferramentas poderosas foi a exibição de filmes, como o “Uma verdade inconveniente”, de Al Gore. A elaboração participativa de uma cartilha, onde os funcionários discutiram em grupo o que eles poderiam fazer para evitar o desperdício e assim diminuir a contribuição da UNIFACS na degradação ambiental, foi fundamental para e conquistar a adesão deste setor e mudar comportamentos.

      A mobilização de professores e estudantes – e de suas entidades representativas - tem sido um desafio constante da Comissão de Monitoramento e dos setores de Extensão e de Marketing da instituição, pelo grande número de pessoas que se busca atingir, num público que é mais disperso. Uma estratégia foi incorporar o tema nos grandes eventos anuais da instituição, como as aulas inaugurais, o dia do meio ambiente e o Dia da Responsabilidade Social, organizado nacionalmente pela ABMES. No maior destes eventos, a “Semana Universitária”, abordou-se em 2006, o Aquecimento Global e em 2007, o Consumo Consciente. Em 2008 discutiu-se o futuro da Bahia daqui a vinte anos, o que propiciou em muitas atividades que se pudesse captar a dimensão dos efeitos do aquecimento global e das mudanças comportamentais necessárias nas próximas décadas. Neste percurso, o apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Associação de Professores (APFACS), vem sendo crescente. 

      Várias outras ações foram feitas, entre elas, a distribuição de 5000 cartilhas sobre o Consumo Consciente; a participação constante nos eventos semestrais de discussão dos líderes estudantis; a nomeação de “multiplicadores”, entre pessoas interessadas, visando ampliar a ação da Comissão de Monitoramento; a publicação de um boletim informativo do PICC feito por estudantes do Curso de Relações Públicas, chamado “Se Plante”; a entrega de 300 copos de vidro para pessoas que trabalham nos escritórios da instituição, para evitar o uso de copos descartáveis; um acordo com uma cooperativa de catadores para a reutilização do papel da instituição; a realização de oficinas de reciclagem artística; a adoção de farda dos funcionários com tecido reciclado de garrafas pet; as melhorias no site da instituição, inserindo textos sobre o tema para servir de fonte de pesquisa e a confecção de brindes pertinentes como saco para lixo de carro e copo plástico reutilizável para usar na bolsa.

      Um grande evento anual, o Brechó Eco-solidário, que estimula o reuso de bens através da troca destes, vem sendo realizado com sucesso e mostrando caminhos para uma sociedade que busca superar o consumismo. Estudantes, professores e colaboradores são convidados a trocar, no espaço de sua faculdade, objetos que lhes são inúteis, mas estão em bom estado de conservação, por uma moeda social, o “Grão”. No dia do Brechó, com os “Grãos” eles compram o que lhes é útil e podem doar o restante para financiar ações de caráter cultural e social. Em 2008 o evento foi realizado em espaço público da cidade de Salvador, já em parceria com as outras três universidades existentes em Salvador: uma pública federal, outra estadual e uma comunitária, mostrando o vigor da idéia no ambiente acadêmico. Constrói-se para 2009 um Brechó Eco-solidário com a participação de todas as instituições de ensino superior interessadas ,instaladas na capital[5].

 

Resultados e discussão: A metodologia e os efeitos do PICC em termos quantitativos

 

      Para uma melhor compreensão, a metodologia foi dividida em quatro etapas: Na primeira etapa foi feita a coleta de dados de todos os itens consumidos na Universidade, e posteriormente uma depuração destes dados, para cálculo do montante de itens consumidos e da despesa trimestral. Nesta etapa encontraram-se diversas incongruências nos dados, que foram aos poucos corrigidos. Coletou-se ainda dados referentes à população (estudantes, professores e colaboradores) para possibilitar a efetuação do cálculo per capita dos itens apurados. Observe-se que normalmente os dados administrativos nunca são per capita, mas para a identificação de mudanças comportamentais precisava-se comparar o consumo com a população, para evitar distorções que seriam fruto da flutuação do público da Universidade. Desde esta primeira etapa, a construção metodológica implicou em interação entre diferentes setores, particularmente o administrativo e o pedagógico.

      Rapidamente evidenciou-se que uma comissão de voluntários, mesmo apoiada pelo setor administrativo, não teria condições de monitorar todos os itens de consumo da Universidade e, após diversas revisões, a Comissão escolheu os itens energia, água, papel A4, tonner, papel toalha e copo descartável, para serem monitorados. Os critérios que basearam a escolha destes itens foram: o impacto financeiro, decorrente do custo unitário do produto ou da importância do custo em função da quantidade consumida (ex: tonner e papel toalha); o impacto ambiental gerado pela poluição causada na produção e descarte do item (ex: papel A4, energia elétrica, água); e o impacto simbólico, que seria a importância do item face ao compromisso pessoal de cada um com o consumo consciente (ex: copo descartável).

      Na segunda etapa fez-se a organização dos dados em planilha por item e per capita, trimestralmente, e foi lançado o total de consumo referente aos períodos de 2005 e 2006, para análise, conferência de relatórios e lançamento de dados em gráficos e tabelas. Este mecanismo evidenciou a sazonalidade (mudanças periódicas por férias, época de provas, estações do ano, etc.) do consumo e mostrou que não se poderia comparar um trimestre face ao anterior, e sim os mesmos trimestres de cada ano, para respeitar as mudanças sazonais.

      Na terceira etapa, foram feitos os cálculos do consumo per capita dos itens selecionados para o último trimestre de 2006, comparado com o último trimestre de 2005, quando já haviam sido executadas inúmeras ações do Programa Interno de Consumo Consciente. A fórmula usada foi a seguinte: Valor total consumo / População anual, para cada item. Em seguida foi realizado o cálculo da diferença do consumo referente a 2005 e 2006 para identificar o percentual de redução alcançado. Em 2007 e 2008 o mesmo procedimento foi utilizado.

      Os resultados obtidos estão inseridos nos gráficos abaixo, produzido pela Comissão de Monitoramento do PICC/UNIFACS, que revela uma diminuição constante, desde 2006, no consumo de papel A4 (resmas de 500 folhas), tonner impressora (unidades), cartuchos de impressora (unidades), papel toalha (fardo de 1250 folhas), energia (kw/h) e água (m2). O pequeno aumento verificado em 2008 no consumo de copos descartáveis (tiras de 100 unidades), deve-se à abertura de um setor de atendimento a um público que antes não tinha acesso a esse produto. O gasto per capita anual de energia elétrica vem baixando de 432,91Kw/h em 2006, para 426,47Kw/h em 2007 e 381,73Kw/h, o que significa uma economia muito significativa de recursos financeiros.Resultados picc

Fonte: Comissão de Monitoramento do Programa Interno de Consumo Consciente - PICC/UNIFACS

Na quarta etapa, foram feitos os cálculos para identificar o valor em reais referentes ao consumo de cada item, para calcular o valor devido ao Fundo do Consumo Consciente, por causa de diminuição de consumo. Para tal, foi desenvolvido o conceito de despesa média anual, que significa o valor médio pago pelo item, a partir da média de preços vigentes durante o ano, dividido pela quantidade total do item. Para comparação com o ano anterior, é considerado o preço atual médio de cada item, para compensar efeitos de inflação. Encontra-se assim, o valor monetário per capita pago anualmente, considerando a população total em cada ano. Para apurar o ganho relativo à mudança de comportamento da comunidade acadêmica, multiplica-se o custo per capita total pela população total em cada ano, porém a comparação tem que ser feita como se a população fosse constante. Assim, a cada variação de público consumidor na instituição, deve-se comparar o custo total atual com o custo total que seria apurado caso o consumo per capita se mantivesse no padrão anterior.

      O resultado conseguido pela comunidade acadêmica da UNIFACS gerou recursos que permitiram à instituição investir em duas frentes: melhorias materiais, pela adoção do uso de itens mais sustentáveis e ações de comunicação, visando aumentar a conscientização através da sensibilização da comunidade acadêmica. Entre as melhorias materiais estão: a adoção do papel reciclado em todas as suas atividades da instituição, a mudança de torneiras para modelos com desligamento automático, a instalação de luminárias e equipamentos com melhor eficiência energética. Entre as ações de comunicação, estão o boletim Se Plante e o próprio Brechó Eco-solidário.

 

Conclusões:

     

      Os efeitos do Programa Interno de Consumo Consciente ultrapassam largamente a diminuição de consumo de matéria prima e energia e consequentemente a diminuição da “pegada ecológica” da atividade acadêmica e a economia de recursos financeiros. O FOREXP entendeu que se instalou aí um círculo virtuoso ao se conseguir concatenar ações conjuntas benéficas a todos os envolvidos.  Ganham as instituições, a comunidade acadêmica, a sociedade e o planeta. Instaura-se um jogo “ganha-ganha” que tem um grande potencial mobilizador. Não é à toa que ações semelhantes se espalham para outras universidades baianas e têm obtido a atenção de inúmeras Instituições de Ensino Superior Brasil afora.

      A metodologia do PICC continua sendo afinada para refletir com mais precisão as mudanças em andamento nos diferentes públicos, mas já permitiu uma interação pouco comum entre os setores pedagógico e administrativo das IES.  Esta interação é benéfica para todos, pois começam a entender melhor as razões de cada um nas práticas dos dia-a-dia, melhorando as condições de entendimento e o desempenho de todos.  No caso do setor administrativo, ao incorporar nos seus cálculos a lógica do consumo per capita, ele está aperfeiçoando a gestão dos recursos materiais e financeiros. No caso do setor pedagógico, ter um exemplo próprio para estudo, o consumo da instituição, permite a reflexão numa lógica de pesquisa-ação.

      Espera-se que o modelo construído pela UNIFACS, que neste momento está sendo implantado, em projeto piloto, em escolas públicas baianas, e que já está sendo aperfeiçoado por várias IES, espalhe-se pelo Brasil e possa constituir-se em mais um motor da mobilização nacional que se faz necessária para que a sociedade brasileira enfrente uma das causas mais importantes do aquecimento global: o consumo inconsciente.

 

Referências Bibliográficas

 

BAIROCH, Paul. De Jericó a México. México. Trillas. 1990. 504 p.

BARANSKI, Laurence e ROBIN, Jacques. L´Urgence de la Métamorphose. Paris: Edição Des Idées et des Hommes, Collection Convictions Croisées, 2007. 

BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo.  São Paulo: Civilização Brasileira, 2007

Estado do Mundo 2004. Edição: World Watch Institute – Universidade Livre da Mata Atlântica, 2004.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.

IPCC, Quarto Relatório. Janeiro 2007.

LEONARD, Anne. A História das Coisas. Documentário produzido pelo Free Range Studios, 2005. Acessível em www.portalcab.com/solidariedade/meioambiente/historia-das-coisas.php - 26k -

NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do e VIANNA Joao Nildo (Organizadores). Dilemas e Desafios do Desenvolvimento Sustentável no Brasil. São Paulo: Editora Garamond, 2007.

REES, William e WACKERNAGEL, Mathis. Our Ecological Footprint: Reducing Human Impact on the Earth. Ed: The New Catalyst  Bioregional Series, 1995.

ROUER, Maximilien e GOUYON, Anne. Réparer la Planète. La révolution de l´économie positive. Paris: Edição Jean Claude Lattès/BeCitizen, 2007.

SACHS, Ignacy. A terceira grande transição: da era petrolífera para a biocivilização. Envolverde/IPS, 2008. Disponível na internet, acesso em 20/08/2008 http://www.catalogosustentavel.com.br/arquivos/file/A%20terceira%20grande%20transi%C3%A7%C3%A3o%20-%20da%20era%20petrol%C3%ADfera%20para%20a%20biociviliza%C3%A7%C3%A3o.pdf

WWF Brasil, Relatório Planeta Vivo 2006. Editor responsável: Chris Hails. Disponível na internet, acesso em 20/08/2008: http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/index.cfm?uNewsID=4420

 

 

[1] INSTITUTO AKATU. Poder do consumidor pode frear mudanças climáticas e garantir sustentabilidade. In http://www.akatu.org.br/central/noticias/poder-do-consumidor-pode-frear-mudancas-climaticas-e-garantir-sustentabilidade, acessado em 15/09/2008.

 

[2] Dados do INEP mostram que cerca de 75% dos 4,7 milhões de estudantes matriculados no ensino superior em 2006 estavam nas IES particulares. (www.inep.gov.br)

[3] Estado do Mundo 2004, WWI – UMA.

[4] CONSUMO SUSTENTÁVEL. Manual de Educação. Brasília : Consumers International /MMA/MEC/IDEC, 2005

[5] Para saber mais sobre o funcionamento do Brechó Eco-solidário, existe um documentário realizado pelas TVs universitárias, que pode ser acessado através de demanda pelo e-mail [email protected].

 


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