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Ecovilas na Bahia: Piracanga, Terra Mirim e Campina

April 25, 2018 9:30 , by Débora Nunes - 0no comments yet | No one following this article yet.
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Terra mirim para artigo

O artigo abaixo foi apresentado no Seminário URBa17, no Eixo Temático dois: produção contemporânea do espaço e a (des)construção do comum. Essa versão contém modificações.

 

PANORAMA DE ALGUMAS ECOVILAS BAIANAS SEGUNDO PRINCÍPIOS DE SUSTENTABILIDADE

 

Débora Nunes - Professora do Curso de Urbanismo da UNEB. Pós Doutora em História das Cidades e Cidades do Futuro pela Bangalore University

Karla Andrade - Professora adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo da |Rui Barbosa. Mestre em Arquitetura e Urbanismo UFBA. 

 

RESUMO

As ecovilas são comunidades intencionais e/ou sustentáveis que utilizam processos participativos locais a fim de regenerar ambientes sociais e naturais, que adotam soluções de baixo impacto ecológico, estabelecem uma economia sustentável, buscam o aperfeiçoamento e a harmonia das relações humanas. O objetivo deste artigo é realizar um breve panorama mundial e análise comparativa das ecovilas baianas: Fundação Terra Mirim (FTM), Ecovila Piracanga e Campina, quanto à aplicação dos princípios de sustentabilidade: local, proteção ecológica; interação social, cultural e saúde; desenvolvimento político e econômico; transporte sustentável; gestão integrada da água; energias alternativas; construções sustentáveis; política dos 3R’s. Como resultados, identificamos alguns pontos comuns nas ecovilas estudadas: desenvolveram formas horizontais de liderança e gestão com abordagem mais ecológica, solidária e participativa; ajudaram a preservar as áreas de grande biodiversidade; praticam agrofloresta e permacultura; adotam energia solar. Diferenciam-se nas atividades econômicas, socioculturais, construtivas, de gestão da água, energia e etc. Conclui-se que as experiências das ecovilas poderão ser usadas como novos insumos e diretrizes para comunidades com características semelhantes, inspirando novos conceitos para profissionais de arquitetura e urbanismo que buscam real aplicação de princípios de sustentabilidade. Recomenda-se, ainda, a ampliação das pesquisas sobre esse farto material de inovação.

 PALAVRAS-CHAVE

Ecovilas; permacultura; sustentabilidade.

 


PANORAMA DE ALGUMAS ECOVILAS BAIANAS SEGUNDO PRINCÍPIOS DE SUSTENTABILIDADE

O objetivo deste artigo é realizar um breve panorama e análise comparativa de algumas ecovilas brasileiras do Estado da Bahia: Fundação Terra Mirim (FTM), Ecovila Piracanga e Campina, quanto à aplicação de princípios de sustentabilidade desenvolvidos em metodologia específica aqui descrita. As ecovilas são comunidades autônomas formadas por pessoas que escolhem outra forma de vida, oposta ao cotidiano vivido nos grandes centros urbanos, de competitividade, individualismo, consumismo, busca pelo poder e materialismo. São, portanto, comunidades intencionais que utilizam processos participativos locais a fim de regenerar ambientes sociais e naturais. Essas comunidades adotam um estilo de vida que busca integrar a ecologia interna com a externa, ou seja, buscando, ao mesmo tempo, a transformação pessoal e a social, visando uma vivência que rompe com a lógica imposta na sociedade, considerando práticas de horizontalidade, de igualdade e de respeito a cada pessoa. (BRAUN, 2008)

Muitas pessoas optam por morar em ecovilas por sentirem necessidade de contribuir para minimizar os danos que a vida contemporânea causa ao planeta, por se identificarem com o estilo de vida e os princípios éticos adotados nessas comunidades: a relação com a Natureza, a relação colaborativa entre os moradores, o modelo político autogerido e, sobretudo, o sentimento de coletividade e pertencimento. Para tal, utilizam soluções criativas de baixo impacto ecológico, buscam estabelecer uma economia mais sustentável e solidária, chegando mesmo ao uso de moedas alternativas e procuram aperfeiçoar as relações humanas por meio do autoconhecimento e do crescimento espiritual. (CUNHA, 2012)

O modo de vida nas ecovilas varia muito de acordo com sua história, contexto, características ecológicas regionais, de suas origens em termos de motivações de fundação e perfil de seus integrantes, etc. Todas, porém, buscam propiciar um cotidiano coerente com seus objetivos, produzindo alimentos orgânicos, usando medicinas alternativas, fazendo restauração ecológica, e adotando, quando possível, técnicas construtivas de baixo impacto, utilizando materiais e recursos locais, fazendo captação de água de chuva e reuso, uso de energias renováveis, dentre outras técnicas a fim de atingir a sustentabilidade em todos os âmbitos. (CUNHA, 2012)

 

Breve panorama mundial e princípios das ecovilas

Segundo recente publicação da Global Ecovillage Network (GEN, 2015), estima-se que existam hoje cerca de 15.000 no mundo, sendo aproximadamente 600 cadastradas na entidade. Esse número vem tendo um crescimento expressivo a partir da metade do século XX. A implantação de comunidades sustentáveis vem sendo uma alternativa à perspectiva de catástrofe ecológica largamente comprovada pelos dados acerca das mudanças climáticas.  Desde o final da década de 1980, os seres humanos já ultrapassaram a capacidade de carregamento ecológico do planeta (GFN,2016), ou seja, condições para que a humanidade obtenha recursos naturais para a vida e que permitam a absorção de seus resíduos e emissões de gases. Desde 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem emitindo relatórios que analisam os efeitos do aumento das emissões dos gases de efeito estufa desde a revolução industrial, verificando as mudanças nas médias de temperaturas e modelando as perspectivas de impacto ambiental.

O IPCC e a GFN são importantes instituições, entre muitas outras, que atestam a gravidade da situação ambiental. Segundo a GFN (2016), por exemplo, a manutenção do modo de vida atual da humanidade implicaria hoje na necessidade de 1,6 planetas para dar conta dos recursos necessários para a vida humana na Terra. Esse quadro vem causando grande desequilíbrio ecológico e influenciando diretamente na extinção de espécies, em catástrofes naturais como furações, secas extremas, enchentes, etc, assim como infestações de insetos causadores de doenças, problemas cardiorrespiratórios e infecções, entre muitos outros efeitos. (KEELER; BURKE, 2010)

Por tudo isso, a opção pelas ecovilas vem se expandindo cada vez mais chegando a ser reconhecido pela ONU como modelo de excelência de vida sustentável. Os exemplos mais destacados de ecovilas em nível internacional são Findhorn (Escócia) e Auroville (India), sendo também as mais antigas, sendo a primeira fundada em 1962 e a segunda em 1968. Elas são as maiores referências no movimento das ecovilas, possuindo um nível maior de desenvolvimento em relação à sustentabilidade, ou seja, são aquelas que possuem maior experiência e consistência interna. Como no caso das ecovilas brasileiras que serão descritas a seguir, as particularidades de cada uma revelam como o lugar, o contexto e a cultura influenciam definitivamente no resultado final das experiências.

Os princípios de organização, gestão e funcionamento das ecovilas em geral e também das ecovilas brasileiras estudadas, aproximam-se da lógica da Permacultura (proposta por David Holmgren) a da ideia de uma Sustentabilidade Ecológica (proposta por Fritjof Capra). É fato que nem sempre esses princípios, as obras, ou os autores, são conhecidos pelos membros das ecovilas, porém, esses conceitos permitem compreender a unidade na imensa diversidade das práticas concretas. Fritjof Capra (2005) em seu trabalho para difundir novos paradigmas, trouxe um conjunto de seis conceitos que se inspiram no próprio modo como a Natureza sustenta incansavelmente a “Teia da Vida”: os ciclos, as redes, as parcerias, a diversidade e a resiliência, sustentadas pela energia solar. Já a Permacultura, conceito criado por Bill Mollison e David Holmgren na Austrália, nos anos 1970, tem princípios orientadores sobre a posse da terra e comunidade; o manejo da terra e a relação com a natureza; o espaço construído; uso das ferramentas e da tecnologia; a cultura e a educação; a saúde e o bem estar espiritual; assim como sobre a economia e finanças. (HOLMGREIN, 2013)

 

Princípios de Sustentabilidade para comunidades rurais

Fundamentando-se nos princípios da Permacultura (HOLMGREIN, 2013) e na contribuição de ANDRADE (2005) sobre os Princípios de Sustentabilidade para Reabilitação de Assentamentos Urbanos, chegou-se aos princípios adotados a seguir para análise das ecovilas. ANDRADE (2005) fundamenta-se na visão ecossistêmica das cidades, como sistemas interconectados e interdependentes, totalmente dependentes dos sistemas de suporte da vida, dos ecossistemas naturais. Chegando à definição dos princípios de sustentabilidade para assentamentos urbanos: proteção ecológica e biodiversidade, adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de bairro, desenvolvimento da economia local, transporte sustentável, moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, energias alternativas, políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar, reciclar).

A síntese dos dois autores que partem da visão sistêmica e ecológica permite integrar aspectos sociais e políticos mais presentes em HOLMGREIN (2013), e urbanísticos e construtivos mais presentes em ANDRADE (2005). Esta integração deu origem aos indicadores e critérios a seguir: Proteção ecológica e biodiversidade; Desenvolvimento político e econômico; interação social, cultural e saúde; Mobilidade sustentável; Energias alternativas; Gestão integrada da água; Política dos 3R’s; Construções sustentáveis. Para cada um desses itens foram desenvolvidos subitens que se observados identificam favoravelmente a ecovila em relação à sustentabilidade. O Quadro 1 detalha esses itens e subitens.

Quadro 1: Princípios de Sustentabilidade para Avaliação das Ecovilas.

1-       Proteção ecológica e biodiversidade

Localização

Preservação dos ecossistemas existentes

Preservação da paisagem rural

Relação com o território do entorno

Ocupação do solo

5-       Energias alternativas

Integração de energias renováveis (energia solar, eólica, hidráulica)

2-       Desenvolvimento político e econômico

Estratégias de geração de renda

Estatuto da comunidade

Acordos de convivência

Cultura econômica

6-       Gestão integrada da água

Reaproveitamento de águas de chuva

Sistemas de tratamentos de águas residuais e negras e amarelas

Drenagem natural

Tratamento de esgoto alternativo

3-       Interação social, cultural e saúde

Identidade cultural

Participação

Liderança

Educação

Espiritualidade

Cuidados com a saúde

Relação com o alimento

7-       Políticas baseadas nos 3R’s (Reduzir, Reusar, Reciclar)

Redução do consumo

Coleta seletiva

Reutilização e/ou reciclagem dos resíduos

4-       Mobilidade/ transporte sustentável

Facilidade de acesso

Meios de transporte

Caminhos para pedestres e ciclistas

Traçado das ruas

8-       Construções sustentáveis

Materiais e tecnologias construtivas

Estratégias bioclimáticas

Bioconstrução

Sistema de mutirão/ autoconstrução/ contratação de mão de obra

Fonte: Quadro baseado em ANDRADE (2005) e em HOLMGREIN (2013).

 

Breve descrição de Ecovilas Brasileiras e seus princípios de sustentabilidade

Os exemplos nacionais aqui apresentados resumem diversos aspectos de sustentabilidade encontrados em outras ecovilas brasileiras. De modo geral cada experiência consegue desenvolver melhor a sustentabilidade nas dimensões mais ligadas à sua própria filosofia e propósito enquanto comunidade. As características comuns encontradas são: uso de energias renováveis; processos coletivos de decisão; renda advinda de cursos, hospedagens e venda de produtos; número reduzido de moradores vivendo em grande integração; escolha de áreas rurais com recursos naturais abundantes para potencializar uma vida autossuficiente; respeito à escolha espiritual de cada membro e estilo de vida cooperativo e coletivo. Atuam localmente em projetos diversos, além de estarem em um processo cada vez mais crescente de interação e conexão com outras ecovilas nacionais e internacionais, criando grupos e projetos comuns além de favorecer intercâmbios entre os próprios moradores.

Com relação às ecovilas brasileiras, os exemplos raramente se repetem em trabalhos acadêmicos e publicações sobre o tema, o que evidencia que ainda não é fácil identificar ecovilas com posição de referência no cenário brasileiro, como ocorre com as ecovilas internacionais. Muitas experiências se encontram em processo de formação, experimentação, e poucas em consolidação. Mesmo as mais antigas possuem metade ou ainda menos tempo de existência considerando as experiências internacionais. De todo modo, a Fundação Terra Mirim, a Comunidade Campina e a Ecovila Piracanga, situadas no estado da Bahia, foram escolhidas por se destacarem por seu tempo de existência, atuação e consolidação. Será realizada a seguir uma descrição geral de cada ecovila em termos dos aspectos históricos e ecológicos, e destacados os aspectos relativos ao desenvolvimento político e econômico; interação social, cultural e saúde; mobilidade; energias alternativas; gestão integrada de água; políticas dos 3R’s e construções sustentáveis, conforme quadro apresentado anteriormente.

 

Ecovila Piracanga

A ecovila Piracanga, fundada em 2002, é fruto do sonho de Angelina Ataíde (Portuguesa) de criar uma comunidade para as pessoas viverem de acordo com os princípios espirituais na vida cotidiana, compartilhando tudo em união, na constante busca interior. Localiza-se na região leste da Bahia, na Península de Maraú no entorno de uma APA, na foz do rio Piracanga, beneficiada pelo encontro do rio com o mar tendo grande beleza natural, com coqueirais por toda a costa. Quando ocuparam o terreno, grande parte estava desmatada, ao longo dos anos desenvolveram a preservação e a recuperação da Mata Atlântica através de práticas de agrofloresta e de permacultura. Na ocupação do terreno destinaram 80% para área de preservação ambiental e 20% para ocupação com lotes.

Além das casas dos moradores, existe o Centro Inquiri, que compreende ao conjunto de edificações às margens do rio Piracanga, composto por recepção, administração, restaurante, lanchonete (espaço Açaí), 4 lojas, espaços para terapias, escola infantil, casa de artes, casa dos aromas, marcenaria, viveiro de mudas, espaço de permacultura, 4 cabanas para vivências além de alojamentos para 90 pessoas. No Centro os moradores realizam atividades comunitárias, espirituais, educacionais e de hospedagem. Além disso, são oferecidos cursos, retiros e programas de imersão, fonte da geração de recursos econômicos para a comunidade.

Os moradores criaram algumas regras para uso e ocupação do solo: a edificação pode ocupar o terreno em até 10%; as casas podem ter até dois pavimentos; a casa térrea com área até 70m² pode utilizar cobertura cerâmica, a partir de dois pavimentos deverá adotar a cobertura de piaçava; não pode ter cercas, só cerca viva; não pode ter piscina; o ponto de fogo (local para fogueira) tem que ser preservado envolto em um círculo de pedras; no caso de fogão a lenha ou a gás a cobertura será em telha cerâmica. Moram atualmente em Piracanga aproximadamente 120 pessoas, sendo pelo menos 35 crianças. A população moradora possui poder aquisitivo médio, com nível de escolaridade superior. A população é composta por estrangeiros europeus e brasileiros de diversas partes, com formações variadas: psicologia, arquitetura, pedagogia, artes, terapia, permacultura, bioconstrução, etc.

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

Segundo os moradores, a relação de vizinhança é boa, encontram-se freqüentemente nas casas uns dos outros, no centro de yoga, no rio e no mar. Também têm o hábito de comemorar os aniversários. Coletivamente cultivam como valores: honestidade, integridade, coerência, simplicidade, empatia, harmonia, confiança, liberdade, união, paixão e amor. Os moradores de Piracanga desenvolvem uma cultura própria alheia à cultura nacional e regional, não comemoram as festas tradicionais brasileiras como São João, carnaval, etc. Possuem duas lideranças espirituais, representadas por Angelina Ataíde e seu filho Raji Ataíde, são como gurus. Adotam a alimentação vegana, acreditam que a alimentação saudável à base de vegetais orgânicos, somados à prática de meditação, curas energéticas e uso de ervas, promovem a saúde física, que é o reflexo da saúde emocional e espiritual.

Na ecovila existe o Centro Inquiri onde são gerados recursos econômicos para Piracanga.  Realizam-se atividades comunitárias, espirituais, educacionais, além de funcionar como uma pousada. No local há lojas onde comercializam roupas e produtos de higiene confeccionados pela comunidade. Possuem três restaurantes de comida e lanches veganos. Promovem eventos variados na área de terapias alternativas, meditação, yoga, permacultura, educação, alimentação.  A distribuição dos recursos para quem trabalha no Centro é igualitária. Em 2014 todos recebiam hum mil reais por seus serviços prestados, independente da atividade realizada.

As decisões do Centro Inquiri sobre planejamento, aquisição de objetos, gestão, convivência, etc. são tomadas em reuniões semanais e existem reuniões específicas de cada setor de trabalho, como também reuniões gerais. A articulação política de Piracanga dá-se a nível internacional, com relações estreitas com outras ecovilas e mercado internacional no âmbito da divulgação de suas atividades e captação de recursos.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

Como para acessar Piracanga não existe transporte público, a Ecovila disponibiliza este serviço com carros especiais, que transportam moradores e visitantes à comunidade. Alguns funcionários (motoristas, zeladores, etc) moradores de localidades vizinhas, deslocam-se a pé, de bicicletas e motos. A melhor opção de acesso se dá por Itacaré, através de um barco fretado. Atravessa-se o rio e na outra margem funcionários da ecovila esperam os passageiros com carros off road. A ida desta praia à Piracanga é uma grande aventura, adentra-se a mata através de uma estreita estrada de barro, com muitas poças de lama, atravessa-se também alguns rios.

A energia elétrica e térmica é exclusivamente realizada através da captação solar, não há conexão com a mantenedora Coelba. Nas construções, observa-se a predominância da iluminação natural e ventilação cruzada. Procuram reduzir o consumo energético, evitam o uso de eletrodomésticos e ar condicionado, substituindo por geladeiras a gás ou soluções manuais. Adotam lâmpadas fluorescentes e led.

O abastecimento de água se dá através de poços perfurados, que captam a água dos lençóis freáticos. A água é potável, boa para consumo, não é tratada e é bombeada para os reservatórios.  Poucas casas captam e reutilizam a água de chuva, justificam que é devido à predominância das coberturas de piaçava, que deixa a água escurecida, dificultando a reutilização. Utilizam soluções permaculturais para o destino final das águas servidas amarelas, cinzas e negras. Adotam as bacias de evapotranspiração ou fossas sépticas com filtro biológico como solução das águas negras e círculo de bananeiras para as águas cinzas.

A maioria das casas possui sanitário seco, localizado na área externa, o design padrão possui dois vasos para fezes e um vaso separado para a urina. O resíduo sólido após seis meses de tratamento aeróbico, numa caixa de tampa metálica preta, que recebe a incidência solar, é levado ao minhocário e depois é utilizado como adubo na agrofloresta. A urina é canalizada para as composteiras, onde é misturada com o resíduo orgânico, gerando fertilizante.

 

 

Construções Sustentáveis e política dos 3R’S

A Ecovila avança nas soluções construtivas apesar dos materiais não serem do próprio terreno, e também precisam investir alto por conta do transporte dos materiais e do pagamento da mão de obra, que vem de localidades vizinhas que estão num raio de aproximadamente 100 quilômetros. Caracterizam-se por edificações bem construídas de padrão médio, projetadas por arquitetos ou engenheiros e construídas por empreiteiros de localidades vizinhas.

O processo construtivo é apoiado por profissionais (arquitetos, construtores, empreiteiros) contratados para projetar e construir suas casas. Utilizam-se tecnologias construtivas mistas, inicialmente em alvenaria de bloco cerâmico, estrutura em madeira eucalipto e cobertura de piaçava ou telha cerâmica. Atualmente têm sido realizadas várias experiências construtivas utilizando o bambu, o bloco de solo cimento, a madeira de reflorestamento ou de demolição (fig.9), o ferro-cimento, e introduzem o material reciclado como garrafas plásticas e/ou de vidro na alvenaria. Para reboco adotam a mistura de barro e cimento, e no piso predomina o uso de tabuado de madeira ou cimentado.

As construções são soltas do solo, a fim de evitar infiltrações e preservar a declividade natural do terreno. São predominantemente abertas, não existe preocupação com segurança. Possuem grandes vãos de iluminação e ventilação, as esquadrias são em madeira eucalipto e vidro, utilizam também elementos como brises, cobogós, pergolados a fim de minimizar a incidência solar, filtrar a luminosidade, e ao mesmo tempo, permitir a ventilação cruzada.

Em Piracanga faz-se a coleta seletiva, cada morador é responsável pelo destino final do seu lixo. Adotam solução para os resíduos orgânicos e papel que são enviados para as composteiras e reutilizados como composto orgânico nas plantações. Quanto aos plásticos, os vidros e metais são levados para Itacaré, cada morador é responsável pela destinação de seus resíduos. Os resíduos do Centro Inquiri são entregues para associações de reciclagem, ou para o lixão da cidade.

 

Fundação Terra Mirim

A Fundação Terra Mirim é uma comunidade intencional, fundada em 1992, por Alba Maria, xamã e escritora, que ali desenvolve formação e vivências xamânicas de cura individual, coletiva e do planeta. Possui uma população em torno de 30 habitantes, fato comum nas experiências brasileiras, destacando-se que a Terra Mirim encontra-se na segunda geração de moradores. A interação dos jovens com os moradores antigos, da primeira geração, é um exemplo de como laços afetivos profundos fortalecem o compromisso de manutenção da comunidade e favorecem a tomada de decisões coletivas mais sábias e abrangentes geracionalmente. Localiza-se no Município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador/BA, no Km 07 da Rodovia BA-093, no entorno da sub bacia do rio Itamboatá, afluente do Rio Joanes, inserida na Área de Proteção Ambiental Joanes Ipitanga. O objetivo maior dessa APA é a preservação das nascentes, das represas dos rios, propiciando a preservação, conservação e recuperação dos ecossistemas existentes.

Desenvolveram campanha junto às comunidades ribeirinhas para revitalização do rio Itamboatá, com a plantação de mais de 50.000 árvores no seu entorno. Ministram cursos sobre meio ambiente para a população nativa, envolvem-se na conscientização da população e dos gestores para questões sociais, ambientais, educacionais, políticas e econômicas da região. Conseguiram mostrar a importância das fontes de água do município aos gestores municipais e, recentemente, junto com a comunidade do entorno, travaram uma importante luta contra a implantação de um lixão na região e foram vitoriosos.

Sua estrutura física é composta por uma casa grande onde funcionam a recepção, a área administrativa e financeira, cozinha e refeitório, quartos e chalés onde acolhem pessoas, espaços para aluguel que comportam até 120 pessoas, templos cobertos para meditação: templo original e casa dos mestres, templos abertos para os Quatro Elementos da Natureza - Terra, Água, Ar e Fogo como veículo de cura e conexão profunda com a Mãe Terra - e muita área verde. Há áreas destinadas ao cultivo de plantas fitoterápicas e para meliponicultura. Um novo espaço contíguo, um loteamento intitulado Colméia, abriga boa parte das novas famílias da comunidade.

 

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

A cultura principal da comunidade é a natureza como centro de tudo. Desenvolveram uma forma de viver onde a meta é a busca da consciência no cotidiano. Vivem com simplicidade, plantam parte do que comem, sentam em volta da fogueira, tocam tambores, usam roupas do campo, tiram os sapatos para entrar nos espaços, lavam os próprios pratos e talheres após as refeições, cantam e celebram o alimento, possuem o hábito de se recolher cedo para suas casas e acordam cedo para suas rotinas diárias.

A espiritualidade da Terra Mirim diz respeito à religação com o divino e com a natureza, adotam o xamanismo como forma de viver, tendo a natureza comoMestra maior e a Deusa Mãe como guia e fonte”. Não possuem nenhuma vinculação com religião institucional ou seitas.

Por muito tempo funcionou uma Escola com o objetivo de tirar as crianças das ruas, promover a ampliação de seus conhecimentos, e que atuava como escola complementar ao ensino regular. Essa Escola tinha como princípio metodológico o aprendizado com a natureza, onde se aprendia experienciando os quatro elementos e respeitando todos os seres gerados pela Natureza. Atualmente essa escola para crianças foi desativada e estão desenvolvendo a Escola XamAM, que segue os passos dos ensinamentos do Xamanismo da Deusa Mãe em resgate da cultura espiritual milenar da América Nativa.

Uma das formas de sobrevivência é acolher pessoas que colaboram contribuindo financeiramente e participando da vida cotidiana local. Recebem visitantes que partilham o cotidiano da comunidade, celebrações, meditações, ritos, jornadas e grupos de estudo. Cada serviço desses tem um valor específico, depende do tempo de realização de cada um deles e do profissional que o focaliza.

Terra Mirim dispõe de produtos orgânicos para a comercialização:
húmus de minhoca (fertilizante), composto orgânico  (adubo), mudas de árvores nativas da Mata Atlântica (negocia-se valores pela quantidade), mudas de ervas medicinais e aromáticas e mel. Mantém um restaurante vegetariano, de predominância orgânica, que oferece essa opção para seus estudantes e a comunidade em geral, demonstrando seu compromisso cotidiano com a ecologia. É responsável pelo projeto Incubadora Eco solidaria de  produção familiar, que inclui os pequenos produtores do Vale do Itamboatá beneficiando agricultores e artesãos da região. Participação na implantação da política de segurança alimentar e nutricional do Município de Simões Filho com a Meliponicultura no Vale do Itamboatá.

Terra Mirim atualmente atende, com seus projetos, um público constituído por crianças, adolescentes e adultos, ONGs, instituições públicas e empresas da Região Metropolitana de Salvador, desenvolvendo cursos, workshops, eventos e projetos sociais. A instituição, ainda recebe, com seu serviço de hospedagem, pessoas de outros estados e de diferentes países, interessadas em conhecer a experiência comunitária e as ações socioambientais. A escola XamAM vem crescendo internacionalmente, recebendo dezenas de alunos de vários países e contribui para a manutenção da comunidade.

A Xamã Alba Maria foi a fundadora e continua a ser a liderança espiritual de Terra Mirim, sendo referência marcante para os moradores que possuem um grande respeito à sua pessoa. Ela hoje atua cada vez mais na esfera de aconselhamento da comunidade. O processo de decisões passa por um colegiado, previsto no estatuto, cujo conselho curador é formado por 1/3 de voluntários da fundação e os outros 2/3 são escolhidos pelos envolvidos na organização (incluindo gerências, voluntários, diretores, e superintendente). É sempre fomentado um processo de discussão e decisão horizontalizada. A tomada de decisões acaba sendo descentralizada, cada gerência tem certa autonomia dentro da sua esfera de atuação.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

Situa-se a 25 quilômetros de Salvador, nas margens da rodovia BA-93, em Simões Filho-BA, servida de transporte público convencional (ônibus). Os moradores da FTM utilizam deste modal ou de veículos particulares para sua mobilidade. A energia abastece a FTM é proveniente da rede elétrica convencional, fornecida pela COELBA. Alguns chalés têm banheiros privativos e atualmente possuem energia solar para água quente em alguns alojamentos. A FTM oferece a riqueza de viver na Mata Atlântica sob um lençol freático de água mineral, pura e cristalina. A água utilizada tem origem em poço artesiano, e não possui sistema de reaproveitamento ou tratamento, sendo descartada em fossas convencionais (sumidouros). Possui também a fonte da Guia em seu entorno, água puríssima e cristalina que abastecia os romeiros da Nossa senhora da Guia, em épocas remotas. A água do rio Itamboatá e da Lagoa não são apropriadas para uso potável.

A política dos 3R’s e a sustentabilidade das construções

A FTM vem introduzindo a coleta seletiva e buscando o lixo zero e o processamento de resíduos orgânicos é o mais antigo esquema de reciclagem existente na comunidade. Os resíduos orgânicos são acondicionados em composteiras e minhocários, sendo convertidos em fertilizantes e utilizados localmente ou vendidos a granel.

Na FTM alguns dos espaços existentes não foram construídos com tecnologias de baixo impacto, até pela época de fundação, uma da mais antigas ecovilas brasileiras. Observa-se que é difícil se conseguir ser sustentável em todas as ações e âmbitos mesmo nas ecovilas. Não há adoção sistemática de técnicas de permacultura e este conceito vem tornando-se  mais presente na ecovila com as novas gerações. Como as edificações, em sua maioria não são bioconstruídas, os materiais empregados são na sua maior parte vindos de fora, embora se observe a utilização de elementos provenientes do local, como bambu e partes das estruturas de madeira.

Com relação às expressões materiais da cultura, observam-se alguns detalhes que marcam as características locais, como a existência de construções circulares (especialmente as destinadas à meditação e a encontros), as pinturas decorativas em algumas edificações e as decorações da Casa das Artes com motivos regionais (bambu e tecidos de chita). A noção de construção circular tem a ver com os princípios do local: “o círculo permite uma maior circulação da energia, além de aproximar as pessoas”, conforme explica uma moradora. Além disso, os desenhos dos templos refletem a integração mística com os elementos da natureza.

 

 

Comunidade Campina

A Comunidade Campina existe desde 1991 e nasceu da reunião de amigos com o mesmo sonho de romper com a vida nas grandes cidades, com o consumismo material e com os valores de uma sociedade capitalista. Buscava a prática de um modo de vida simples e natural, a partir da dimensão de espiritualidade e da busca do autoconhecimento. Localiza-se no Vale do Capão, localidade pertencente ao Município de Palmeiras, no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina, banhada pelo rio Riachinho. A área da Campina é de 200 hectares, a ocupação com as casas é mínima, a maior parte da área é para preservação ambiental.

Quando a comunidade chegou, o terreno era um pasto, o solo estava ácido e muito prejudicado por queimadas, além de grande parte estar em cima de rocha. A terra não era muito adequada para agricultura. Atualmente encontra-se recuperada, reflorestada, os moradores fizeram este trabalho deixando a própria natureza renascer e remanejando as mudas. Dedicam-se à preservação do meio ambiente, à restauração da biodiversidade do entorno do Parque Nacional e, quando necessário, ao combate aos incêndios, frequentes na região. Qualquer pessoa pode vir a ser morador da Campina, desde que trabalhe na comunidade um turno por dia e contribua com um valor em dinheiro. Após um ano, com a adaptação e a integração com a comunidade, pode construir a sua casa. Entretanto estas são de propriedade da comunidade. Atualmente as edificações e setores existentes são: cozinha comunitária; casa de beneficiamento de ervas; alojamento/biblioteca; apiário; oficina; horta orgânica; herbário; minhocário; SAF – Sistema de Agro Floresta; camping e moradias.

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

A Comunidade Campina é fundamentada nas práticas da permacultura, vegetarianismo e livre expressão. São poucas regras num ambiente familiar, propõem um estilo de vida alternativo, em contato direto com a natureza, constroem uma vida comunitária em busca da melhoria da qualidade de vida. Todos os dias, fazem as refeições principais na cozinha comunitária. A educação ambiental é um dos objetivos, incentivando pessoas que queiram aproximar-se desse modelo de vida. Entretanto a escolinha infantil da comunidade está desativada. Para seu desenvolvimento econômico, a comunidade se empenha na produção orgânica de mel e de outros alimentos, ervas medicinais, produtos medicinais e cosméticos (sabonetes, pomadas, tinturas). No herbário, cultivam ervas orgânicas, e destas produzem tinturas, que envazam ou também utilizam para produzir os sabonetes, cremes e shampoo, também comercializam arroz integral, aveia e açúcar demerara, ensacam e comercializam distribuindo na região, atendem pedidos para outros estados através da internet. Atualmente entre outras ações, a Comunidade aluga o espaço para realização de cursos de permacultura, bioconstrução, vivências, além de práticas de ecoturismo.

Na Campina as decisões são tomadas em reunião por consenso, entretanto identifica-se Luís como liderança, por ser o proprietário da terra e um dos fundadores, sendo o único que permaneceu e sustentou a proposta da comunidade até os dias atuais. Na Comunidade, existe uma escala de trabalho semanal onde os moradores e visitantes participam das atividades do dia por quatro horas, geralmente pela manhã após o café. O trabalho nas atividades é requerido para as pessoas que estão visitando, para facilitar a integração e  o conhecimento da vida comunitária. Em grupo, toda segunda feira, acontece uma reunião, cada membro coloca a sua pauta e a sua opinião, se for alguma coisa boa para todos é colocada em prática. Antes de começar cada um diz o assunto que quer falar, fazem o balanço das atividades realizadas e definem a escala da semana. As atividades podem ser escolhidas de acordo com a vontade, o talento de cada um e procuram executá-la da melhor forma possível.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

O acesso à comunidade Campina não é fácil, pois não há transporte regular. Dista uns 5 quilômetros da Vila do Capão, pode ser feito a pé, de bicicleta, a carro ou moto. A estrada que dá acesso não é pavimentada, esburacada e com sítios nas suas laterais. A parada do ônibus escolar, dista 2 quilômetros da comunidade.

Na comunidade não há energia elétrica convencional, captam a energia solar com placas fotovoltaicas para três casas: a casa da cozinha comunitária, a casa amarela e a casa de um morador. Não possuem eletrodomésticos (geladeira, fogão a gás, televisão...). Utilizam latovelas (lanternas com velas) ou lampiões para iluminação à noite em suas casas. O fogão e o forno da cozinha comunitária são à base de lenha. No local não há sinal de telefone ou celular. Consegue-se acesso à internet em alguns pontos do terreno.

A água que abastece a comunidade Campina é a do Rio Riachinho e outra que vem direto da nascente da serra através da gravidade. Não existem tratamentos da água. Não fazem captação da água da chuva. Como solução para as águas cinzas e negras, utilizam os círculos da bananeiras, as bacias de evapotranspiração, sanitários secos e o “minhocagário”. Trata-se de um banheiro seco criado no local, integrado ao cultivo de minhocas que processa os resíduos e produz húmus para agrofloresta. Nos alojamentos, residências e camping adota-se o sistema de evapotranspiração (BET) e/ou as fossas secas para águas cinzas e negras.

Política dos 3R’s e sustentabilidade das construções

Os resíduos orgânicos são levados para o minhocário e depois são utilizados como adubo na agrofloresta. A urina é armazenada no coletor e misturada com água, em seguida é despejado na composteira e utilizado para biofertilização. Quanto aos outros resíduos sólidos, fazem a separação da seguinte forma: orgânico x inorgânico, seco x molhado, reciclável x dispensável, o papel higiênico é enterrado. Cada morador é responsável por seu lixo, o plástico, o vidro e o metal são levados para a cidade.

A maioria das casas da comunidade é construída em adobe, material abundante do local, através de mutirão. Utilizam também alguns materiais como pedra ardósia para revestimento de piso e parede, bancadas e telhas. A madeira nativa também é adotada para pilares, vigas e estrutura de telhado. O tijolinho de solo cimento e o telhado cerâmico também são adotados. As casas possuem espaço externo com chuveiro e lavanderia. No interior das casas utilizam a ventilação passiva, iluminação natural e onde tem energia elétrica adotam leds ou lâmpada fluorescentes.

     

Discussão

Ao longo da pesquisa, percebem-se pontos comuns nas ecovilas estudadas, particularmente em termos da busca de desenvolvimento pessoal e comunitário focado no autoconhecimento, na partilha de responsabilidades e no contato com a Natureza. Percebe-se também, e isso era esperado, grande variedade de soluções, em aspectos variados. Os itens do quadro metodológico esboçado anteriormente serão utilizados para a discussão a seguir que compara as três ecovilas.

Preservação ecológica e biodiversidade

Observa-se que, em todas as ecovilas estudadas, existe um trabalho sério de recuperação ecológica e de preservação das características ambientais locais e dos ecossistemas existentes, até porque todas estão situadas em áreas de preservação ambiental com forte biodiversidade, banhadas por rios e no caso de Piracanga, também por mar. A preservação dos ecossistemas existentes é evidente na mínima ocupação do solo com residências, na alta permeabilidade do solo e na presença de mata nativa, ou recuperada, em relação ao território total. No caso de Piracanga e Comunidades Campina esta área corresponde a aproximadamente 80% do total. Mesmo na menor das ecovilas estudadas, Terra Mirim, a área verde é muito maior do que a área ocupada por residências. Essa ecovila é também a que estabelece uma relação mais estreita com o território do entorno, promovendo trabalhos regulares e de longa duração com as comunidades vizinhas, enquanto Campina e Piracanga estão mais voltadas para o seu próprio espaço.

Desenvolvimento político e econômico

Todas as ecovilas estudadas buscam formas de autossustento, gerando renda principalmente através de oferta de cursos, hospedagem e produção de alimentos orgânicos, ou outros produtos ecológicos. Embora sendo a mais recente, Piracanga se destaca em termos de dinamismo econômico pela promoção de vivências e cursos, divulgação e marketing pela internet. Isso faz dela um expoente das ecovilas baianas, atraindo novos moradores constantemente, que trazem vitalidade ao local.

Em termos de práticas políticas, as ecovilas tentam uma governança horizontal e estimulam a participação de todos os membros, tendo estatutos que favorecem a gestão compartilhada. É comum a divisão de tarefas em grupos de trabalho e a descentralização da gestão. Piracanga e Terra Mirim, por terem lideranças espirituais fortes desde sua fundação, adotam também essa forma de liderança em seu sistema político, que valoriza a sabedoria dos guias espirituais. 

Interação social, cultural e saúde

A dinâmica sociocultural das ecovilas é intensa, pois, por serem comunidades intencionais, ou seja, pessoas que se juntam por valores e projetos comuns, elas tendem a organizar eventos, ações e encontros de todo tipo, vinculadas à sua “intenção”. Em relação a outras comunidades, sobretudo de mesmo tamanho, a vida social e cultural nas ecovilas é bem mais intensa. Uma dinâmica cotidiana que favorece a interação são as refeições partilhadas, comuns nas ecovilas estudadas, particularmente em Campina, onde todas as refeições são realizadas na cozinha coletiva.

Em termos de saúde, as pessoas que habitam as ecovilas são naturalmente engajadas em ter uma alimentação mais saudável, vegetariana ou vegana, a buscar um ritmo mais tranquilo de vida, a ter mais contato com a Natureza, a realizar trabalhos corporais coletivos ou individuais e a fazer uso de plantas medicinais, cultivadas localmente.  Tudo isso favorece grandemente a saúde, além de terem a facilidade de acesso a terapeutas alternativos de diversos tipos que moram nas comunidades e prestam serviços gratuitamente, por troca ou com preços moderados.

Sobre redes de serviços: mobilidade, energia e água

Em relação à sua integração com as redes convencionais, as ecovilas têm perfis muito diferentes, principalmente em função da sua proximidade, ou não, de centros urbanos importantes, e de seu tempo de fundação. Em termos de mobilidade, por serem comunidades que se situam áreas rurais, todas as ecovilas estudadas enfrentam desafios para acessar outros centros. O caso de Terra Mirim é o mais simples, pois ela é servida por uma rodovia movimentada com transporte público disponível, embora deficiente. Pirancanga, localizada em área rural remota, necessita de transporte off road para sair de seu perímetro, enquanto Campina acessa à pé a vila mais próxima, situada a cinco quilômetros. Para mobilidade interna, por serem pequenas vilas, priorizam a caminhada ou a bicicleta.

Em termos de abastecimento energético as três ecovilas têm soluções completamente diferentes: enquanto a Terra Mirim está conectada com a rede tradicional da COELBA, Campina e Piracanga têm abastecimento solar. Esse é reduzido em Campina, que o usa prioritariamente nas construções coletivas e usa velas e lampiões em construções residenciais. A energia solar é generalizada em Piracanga, cuja população tem um nível de renda mais alto que a das demais.

Sobre a gestão integrada das águas, as soluções também são variadas e são principalmente alternativas. Para a captação, existem os poços artesianos e das nascentes. Estranhamente, por motivos variados, nenhuma delas faz uso extensivo da captação da água de chuva. Como solução para as águas cinzas e negras, as ecovilas experimentam muito: existem círculos da bananeiras, bacias de evapotranspiração, sanitários secos (e sanitário seco integrado ao cultivo de minhocas – minhocagário), além de fossas ecológicas. Em Terra Mirim, usa-se a fossa tradicional tipo sumidouro, que, pelas distâncias entre elas, não prejudicam o lençol freático, nem o rio que foi recuperado em seu território.

 

A Política dos 3R’s e a sustentabilidade das construções

Todas as ecovilas demonstram preocupação com a reciclagem, destacando-se no aproveitamento dos resíduos orgânicos para compostagem. A separação do lixo em diferentes materiais para o reaproveitamento também é realizada, porém a responsabilidade é individual e a destinação é a mesma, a da cidade mais próxima. Em Piracanga, plásticos, papéis, metais e vidros produzidos no Centro Inquiri são enviados diretamente para cooperativas de reciclagem.

Em termos de construções busca-se soluções bioconstruídas, porém esse item não é generalizado. A população de Campina autoconstruiu seus imóveis adotando o adobe, a madeira nativa e pedras locais, como base, sendo, portanto, quase inteiramente bioconstruída, apenas usando telhas produzidas nas proximidades. Piracanga tem dificuldades, pela distância e pela indisponibilidade de energia para manejo de materiais locais e assim traz da região os materiais de construção, destacando-se pela qualidade arquitetural e construtiva e pela criatividade e variedade de tipos de construção. Terra Mirim, no seu início, adotou técnicas convencionais, mas vem inovando na bioconstrução nas obras mais recentes.

 

Considerações Finais

Essa pesquisa mostra que as ecovilas vêm constituindo-se em exemplos para a sustentabilidade dos aglomerados humanos. Elas demonstram, com suas práticas, que existem soluções simples para os desafios do convívio da humanidade com a Natureza, em diferentes frentes, tanto social, quanto ambiental, ou econômica. Observa-se que não se exige uma quantidade expressiva de recursos, apenas comunidades determinadas a viverem de outro modo e dispostas e encarar a busca da coerência entre o que dizem e o que fazem como desafio cotidiano. A divulgação das práticas das ecovilas pode estimular que mais e mais pessoas se disponham a mudar suas formas de viver, assim como influenciar as posturas profissionais em arquitetura e urbanismo e incentivar a comunidade acadêmica a ampliar pesquisas e ações que tenham como foco o exemplo das ecovilas, rumo à maior consciência ambiental.

É verdade que até aqui, mesmo experiências internacionais mais antigas e de peso, como Findhorn ou Auroville, ainda são comunidades que não ultrapassam três mil habitantes e que a ecovila baiana mais populosa, Piracanga, não chega a ter duas centenas de moradores. Esse fato mostra, de um lado, que o número de pessoas dispostas, ou que tenham condições objetivas, de passar do discurso à prática ainda é pequeno. Por outro lado, mostra que o agravamento da insustentabilidade da sociedade atual, tanto em termos de condições climáticas, quanto sociais e econômicas não está sem resposta e que modelos de comunidades e modos de vida alternativos à insustentabilidade já estão sendo testados e aprovados. A escala limitada não é empecilho para sua propagação e multiplicação.

Referências

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AUROVILLE – The City of Dawn. Disponível em: <http://www.auroville.org/> Acesso: Outubro, 2015 e FINDHORN FOUNDATION. Disponível em: <https://www.findhorn.org/> Acesso: Outubro, 2015.

BRAUN, Ricardo. Novos Paradigmas Ambientais: desenvolvimento ao ponto sustentável. 3. Ed.  Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

CUNHA, Eduardo Vivian da. A sustentabilidade em ecovilas: práticas e definições segundo o marco da economia solidária. UFBA: 2012.

KASPER, Debbie Van Schyndler. Redefining Community in the Ecovillage. Human Ecology Review, Vol. 15, No. 1, 2008. Disponível em http://www.humanecologyreview.org/. Acessoem jan/2014.

HOLMGREN. David. Permacultura, Princípios e caminhos além da sustentabilidade. Tradução Luiza Araújo. Porto Alegre: Via Sapiens, 2013.

 

GEN- Rede Global de Ecovilas. Disponível em: <http://gen.ecovillage.org> Acesso: Outubro, 2015 e  GFN – Global Footprin Network- disponível em http://www.footprintnetwork.org Acesso: novembro, 2016.

KEELER, Marian, BURKE, Bill. Fundamentos de projeto de edificações sustentáveis. Tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2010.

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005.

BISSOLOTTI, Paula Miyuki Aoki. Ecovilas: Um método de avaliação de desempenho da sustentabilidade. 148f. Tese (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2004.

 

 


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