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Estudos sobre meio ambiente em Salvador: ÁREAS VERDES

4 de Agosto de 2015, 15:22 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Continuando a publicação do texto do professor Emerson Sales, em que ele denuncia a falta de planejamento e as decisões tomadas para favorecer grupos e não a cidadania soteropolitana, veja agora uma abordagem geral sobre o verde urbano.

(em breve publicarei as referências bibliográficas completas do texto, para os/as interessados/as)

 

Áreas verdes:

Inúmeros trabalhos atestam a importância das áreas verdes em centros urbanos, sobretudo a vegetação arbórea, por exercerem muitas funções benéficas, tais como a função ecológica, a social através do convívio, lazer e educação, além do embelezamento das cidades. Os múltiplos efeitos benéficos para a saúde e bem estar humano, assim como para todos os demais seres vivos, muitas vezes não é evidente ou tangível, e talvez por isso não receba a devida atenção e prioridade dos gestores públicos, e mesmo do cidadão comum, apesar de todos terem a sensação de bem estar quando vivenciam o contato com a natureza.

Além disso, a cobertura vegetal também desempenha um papel fundamental na manutenção da geomorfologia, na medida que impede a desagregação das camadas superficiais do solo, reduzindo o risco de erosão e de deslizamentos e dificultando o transporte de materiais para o sistema de drenagem que possam resultar em assoreamento dos cursos d'água e comprometimento da qualidade dos mananciais hídricos. A remoção da vegetação, principalmente quando associada a cortes acentuados das camadas de solo e a aterros mal planejados, se constitui em elemento de desestabilização das estruturas naturais, com efeitos danosos, de grande alcance e de difícil reversão, sobre o ambiente (CADERNOS DA CIDADE, 2009). A triste história de desabamentos de encostas de Salvador, que já custou tantas vidas, é consequência direta destes fatores.

Mais uma vez, decisões tomadas movidas por circunstancias, interesses de pequenos grupos, ou mesmo ausência de decisões, levaram Salvador ao seu atual estágio de degradação ambiental; inúmeros bairros populosos praticamente não apresentam cobertura vegetal; restaram apenas áreas de conservação já institucionalizadas, a exemplo das Áreas de Proteção Ambiental (APA) da represa do Cobre, do Joanes/Ipitanga, do Abaeté, do Parque da Cidade (Joventino Silva), do Parque Zoobotânico de Ondina, do Parque de Pituaçu, e do Parque São Bartolomeu, quase todas constantemente ameaçadas por ocupações urbanas. Além destas, devem ser mencionadas as reservas florestais sob domínio da União correspondentes às áreas de segurança do Exército e da Marinha, respectivamente a mata do 19° Batalhão de Caçadores, próxima ao Cabula, e a da Base Naval, na Baía de Aratu, além de outras menores mais centrais, também áreas de segurança, como nos bairros da Barra e Ondina.

Olhando Salvador do alto, com o uso de fotos aéreas, ou de satélites, pode-se realizar estimativas da área total do município, e das suas áreas verdes. A primeira contradição aparece em relação à área total: estimamos esse valor em torno de 310 km2, o que está coerente com os dados historicamente utilizados pelos profissionais da cidade, enquanto que o IBGE, através da Resolução no 24/1997, atribuiu  ao Município de Salvador um território  de 709,50 km², mais do que o dobro da área até então reconhecida, de 313 km², conforme o próprio Censo de 1991. Uma imprecisão dessa magnitude só poderia ser explicada pela inclusão de parte da Baía de Todos os Santos no território municipal, o que pode ser confirmado pelo mapa atualmente apresentado no próprio website do IBGE[1].

Para o Censo de 2000, a área de Salvador voltou a ser revista pela instituição, passando a ser 325 km², ainda assim díspar, uma vez que equivale à área existente antes da emancipação do Município de Madre de Deus, em 1989. Conforme dados da Prefeitura de Salvador (Cadernos da Cidade, Vol.1, página 30), a área de 313 km² é a mais próxima da realidade, embora para efeito dos estudos realizados para o Plano Diretor (especialmente o cômputo de áreas relativo ao espaço municipal) tenham sido adotadas  as dimensões medidas na Base Cartográfica Digital (CONDER, 1992, referência interna da anterior), que resulta numa superfície de aproximadamente 309 km².

O território municipal é composto por dois espaços geograficamente distintos, o continente e as ilhas. A porção continental abrange 279 km², equivalentes a aproximadamente 90% do Município e corresponde à península onde está implantada a Cidade do Salvador. A porção insular compreende um pequeno arquipélago situado no interior da Baía de Todos os Santos, constituído pelas ilhas de Maré, dos Frades, do Bom Jesus dos Passos, de Santo Antônio e pelas ilhotas dos Santos e dos Coqueiros, que juntas perfazem 30 km², equivalentes aos 10% restantes  do território municipal.

Para o Censo Demográfico de 2010, a área do Município de Salvador adotada pelo IBGE foi de 693,276 km², ou seja, volta a ser considerada uma grande superfície marítima, o que significa considerar a superfície da cidade mais que o dobro do seu valor físico, real, utilizável pelos cidadãos; com base neste valor, e também na população medida pelo IBGE em 2010 (2.675.656 hab.), a densidade demográfica de Salvador foi calculada em 3.859,4 hab./km2, a oitava maior do Brasil.

Área territorial é um parâmetro físico, real, geográfico, não deveria ser determinada por Decreto ou Resolução. Salvador tem seus limites físicos bem claros, determinados pelo contorno da península. Se considerarmos a área real da cidade, continental, de aproximadamente 313 km², pois a população não vive no mar, flutuando ou submersa, e a estimativa da população da cidade feita pelo próprio IBGE em 01/07/2013 de 2.883.682 habitantes, encontramos uma densidade demográfica de 9.213 hab./km2, o que coloca Salvador como a cidade brasileira com MAIOR densidade demográfica do país, e uma das maiores do mundo, e admitir isso certamente influenciaria os gestores municipais, estaduais e da esfera federal a adotarem políticas públicas adequadas à gestão de uma cidade tão populosa, ou no mínimo alteraria a prioridade nas ações de planejamento, voltadas à saúde, habitação, mobilidade, abastecimento de água e energia, saneamento e todas as demais necessidades dos cidadãos, incluindo o direito à áreas verdes, que tem relação direta com a qualidade de vida.

Quanto à quantificação das áreas verdes em Salvador, também fazendo-se uma estimativa com base em fotos do alto, encontramos uma superfície total de cerca de 80 km², coerente com o valor reportado por Anderson Gomes de Oliveira e colaboradores (2013), de 86 km² em 2009. Isto significa aproximadamente 25% do território do município, e um Índice de áreas verdes (IAV) em torno de 28 m²/hab., o que seria razoável, quando comparado o valor bruto com o de outras cidades no Brasil e no mundo. Por exemplo, com base nos dados disponibilizados pelo Eng. Urbanista Vagner Landi[2], este valor está acima do de capitais europeias como Viena (19,8 m²/hab.), Zurique (10,3 m²/hab.), ou mesmo do de Nova York, nos Estados Unidos (23,1 m²/hab.); também é bem maior que o IAV de São Paulo (5,2 m²/hab.), mas bastante inferior ao de cidades bem arborizadas como as brasileiras Curitiba (64,5 m²/hab.), Vitória (91 m²/hab.), ou a campeã Goiânia (94 m²/hab.), que tem quase o mesmo índice de área verde por habitante que a campeã mundial, Edmonton, no Canadá (100 m²/hab.)

Na nossa opinião, o maior problema no tocante aos espaços verdes em Salvador não se resume ao valor de um índice, tal como o IAV, em metros quadrados por habitante, e sim à má distribuição, ou segregação destes espaços, essenciais para a qualidade de vida de todos. Em muitos bairros o índice de cobertura vegetal não alcança sequer 1m²/hab., enquanto outras regiões da cidade apresentam uma boa cobertura vegetal, como o parque São Bartolomeu, grande reserva de Mata Atlântica que permaneceu abandonada por muitos anos e agora passa por obras de requalificação sob responsabilidade do governo do Estado. Além das áreas de conservação institucionalizadas já citadas, existem várias outras áreas com alta qualidade ecológica, mas de uso não público, como a da família Mariani, em frente à Igreja Santo Antônio da Barra, ou a imensa reserva da ilha dos Frades, que integra o município de Salvador. Vê-se também uma área remanescente de cobertura vegetal no miolo da cidade, em torno do bairro de Cajazeiras, e no entorno da Avenida Paralela, porém ambas vem sendo continuamente agredidas por ocupações imobiliárias desde as alterações impostas na LOUS/PDDU em 2008 e 2011. A recente decretação de inconstitucionalidade (ADIN) destas alterações, por iniciativa da sociedade civil organizada, certamente contribuirá para uma gestão mais racional dos recursos naturais de Salvador.

Maria Lucia Zuccari e colaboradores estudaram a relação das áreas verdes com a qualidade de vida em Salvador.  Os autores se basearam em estudos anteriores, realizados em outras cidades, como o de Moreira e colaboradores (2007) onde índices de desenvolvimento humano (IDH) mais elevados foram encontrados em bairros de São Paulo mais arborizados; ou o de Takano e colaboradores (2002), que mostra correlação positiva entre a longevidade da população de Tóquio e o acesso às áreas verdes; ou ainda o de Lewis (1995) afirmando que a visitação de parques, jardins botânicos e áreas verdes em geral está relacionada ao bem-estar humano, como a redução de estresse, batimento cardíaco e  pressão arterial.

Sobre o estudo em Salvador, os autores concluíram que os benefícios das áreas verdes ligados ao bem-estar da população podem ser tão importantes quanto seus benefícios ecológicos, e justificam esforços públicos para sua implantação e manutenção, mas em Salvador a maior densidade de cobertura vegetal está associada a bairros residenciais das classes socialmente  mais  privilegiadas.  Bairros  das  classes  sociais  menos  favorecidas,  com ocupação já consolidada, normalmente apresentam alta densidade populacional e maiores percentuais de áreas construídas e impermeabilizadas.

Recentemente, Anderson Gomes de Oliveira e colaboradores (2013) apresentaram um estudo detalhado com dados do mapeamento de índices de cobertura vegetal dos bairros de Salvador, e confirmam o que foi dito acima, pois dos 163 bairros analisados, 108, ou seja, 66,26% possuem um Índice de áreas verdes (IAV) inferior ao recomendado pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), de 15 m²/hab., e apenas 53 bairros (32,52%) estão acima deste índice. Destaca-se a ocorrência de 30 bairros, onde este índice de cobertura vegetal não alcança sequer 1m²/hab. Estes bairros estão localizados nas áreas de consolidação mais antiga da cidade, com alta densidade populacional, variando de 8.904 hab./Km2 em Mares até 48.283 hab./Km2 em Pero Vaz, e predominância de população de baixa renda. Os autores chamaram a atenção para a situação preocupante dos bairros de Caminho de Areia, Curuzu, Uruguai e Massaranduba, os quais tem alta densidade populacional, todos acima de 30.000 hab./km2, e apresentam 0% de cobertura vegetal.

Conforme Ângelo Serpa (2008), "os problemas ambientais urbanos são de ordem sobretudo ética, política e econômica... Desenvolvimento Sustentável para quem? Metros quadrados de áreas verdes para quem? A questão emblemática da distribuição espacial dos espaços públicos de natureza nas cidades, por exemplo, deveria ser o cerne de uma discussão acadêmica profunda, que pudesse fundamentar em outras bases a gestão de áreas assim nos territórios municipais e metropolitanos... A correlação entre riqueza e pobreza de certos bairros da cidade e o valor ecológico de certas áreas, classificadas como unidades de conservação, são fatores importantes para a compreensão dos processos de segregação sócio-espacial em Salvador... Parques que passaram por processos recentes de reabilitação urbana como os de Pituaçu ou o Parque da Cidade encontram-se imediatamente próximos aos bairros considerados “nobres”... Assim, fica evidente que projetos, programas e intervenções recentes foram realizados em função de estratégias de valorização do solo urbano, em bairros com maior concentração de população de melhor poder aquisitivo. Estas estratégias baseiam-se em um modelo ideal de cidade, onde a criação de espaços públicos, o "embelezamento urbano", entre outros, constituem estratégias de marketing urbano, de acordo com o paradigma de Barcelona. As opções de desenho urbano adotadas e a estética desses espaços reforçam seu caráter mercadológico... O problema é que esses programas não atendem, via de regra, as áreas periféricas da cidade, onde o abandono de parques e praças é notório.

            Em resumo, este é mais um tema que carece de um plano diretor urbanístico de longo prazo, multidimensional, estruturado para atender as necessidades de todos os cidadãos, reconhecendo os inúmeros benefícios que as áreas verdes trazem para a saúde e bem estar humano, assim como para todos os demais seres vivos que também habitam a cidade.

 

[1] http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=292740

[2] http://engvagnerlandi.com/2011/08/06/indice-de-areas-verdes-por-habitantes-nas-cidades

 


Categorias

Meio-ambiente, Desenvolvimento territorial, Políticas públicas

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