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12 de Janeiro de 2009, 22:00 , por Desconhecido - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

TESTEMUNHO ÀS COMISSÕES NACIONAL E ESTADUAL DA VERDADE

29 de Julho de 2015, 19:04, por Marcos Arruda - 0sem comentários ainda

Dia 30.7.2015 a Comissão da Verdade do RJ vai promover uma audiência pública para ouvir o testemunho de presas e presos políticos que estiveram internados no HCE - Hospital Central do Exército nos anos tenebrosos da ditadura empresarial-militar (1964-1985). Vamos testemunhar que o HCE fez parte do que chamo de "cadeia produtiva da tortura e do assassinato". As pessoas torturadas nos centros de repressão eram frequentemente levadas para o HCE para serem tratadas em preparação para retornarem aos centros de tortura. Foi o caso da brava Estrella Dalva Bohadana, falecida em maio passado. 

Aproveito esta ocasião para divulgar aqui o meu testemunho às Comissões Nacional e Estadual da Verdade, RJ, em setembro de 2013, com algumas pequenas correções ao texto original. O objetivo daqueles que irão depor amanhã, apoiados pelo Projeto Clínicas do Testemunho, é mostrar a importância de o Governo Federal dar continuidade às investigações sobre os crimes da ditadura, e ao pagamento da dívida política, social e moral para com a cidadania do País que teve a coragem de se opor ao regime ditatorial e lutar pela emancipação e pelo autêntico desenvolvimento do povo e da Nação brasileira.

TESTEMUNHO DE MARCOS ARRUDA

ÀS COMISSÕES NACIONAL E ESTADUAL DA VERDADE

Rio de Janeiro – 170913

  1. SENTIDOS DO MEU TESTEMUNHO
    1. Identificar os crimes do Estado ditatorial, ocupado por militares e civis autoritários, que usurparam o poder por um golpe inconstitucional em 1964, e estabeleceram o terrorismo de Estado, aprofundando o atrelamento da economia brasileira ao Império corporativo transnacional.
    2. Purificar a memória do Brasil – Resgatar o heroísmo dos que morreram por um Brasil libertado dos seus jugos, próspero, igualitário, livre, fraterno, verdadeiramente democrático e feliz: menção especial aos desaparecidos PEDRO ALEXANDRINO DE OLIVEIRA, PAULO WRIGHT, LUIS HIRATA, HONESTINO GUIMARÃES, EDUARDO BACURI, JOSÉ CARLOS DA MATTA MACHADO, MARIA AUXILIADORA LARA BARCELOS, FREI TITO. Mostrar que nós - sobreviventes da ditadura - e eles somos parte viva da história do nosso país.
    3. Somar o meu grito ao de todxs que exigem O FIM DE TODAS AS DITADURAS: a das torturas, a dos sequestros, a dos assassinatos impunes (CADÊ AMARILDO?), a das armas contra o povo. E também a ditadura da dívida pública, da corporatocracia e do lucro acima da vida. A vitória sobre todas as ditaduras é viável somente através da reestruturação radical do sistema de segurança pública em todo o país; o fim das Polícias Militares; e uma profunda reforma política e eleitoral, capaz de introduzir a Democracia Direta como principal fator de uma governança verdadeiramente republicana.

 

  1. MINHA MOTIVAÇÃO PARA LUTAR CONTRA O SISTEMA DO CAPITAL – antes e agora:
    1. Primeiro, eu acredito que a Humanização da humanidade é possível, e procuro ser aquele ser humano que eu desejo para o mundo.
    2. Segundo, o sistema do Capital se veste com diferentes roupagens, da democracia representativa excludente até a ditadura mais sanguinária. Por trás delas está sempre a ditadura do capital, do corporativismo consumista e produtivista, do sistema antidemocrático de propriedade e gestão, da ditadura da classe do capital sobre as/os trabalhadores.
    3. O objetivo deste sistema é sempre perpetuar os privilégios das classes que controlam o capital. O sistema político que prevalecia nos 21 anos de ditadura, e continua a prevalecer na democracia representativa é a corporatocracia. A maioria dos políticos que ocupam o Estado – federal estadual e municipal - ou são membros da classe capitalista ou são políticos que escolheram servir ao capital, mesmo usando como disfarce o eufemismo “representantes do povo”.
    4. Este sistema patriarcal e patrimonialista de dominação e alienação submete, coopta e mercantiliza todos os aspectos e dimensões do ser humano, inclusive seu mundo mental e psíquico. Manipula com a propaganda comercial e o domínio da mídia e do sistema educativo a visão de mundo, as fantasias e os desejos das pessoas de todas as idades. Cria seres desumanos, esterilizando sua capacidade de cooperar, de dar com gratuidade e de amar com autenticidade.

 

  1. BREVE PASSAGEM PELOS CONTEXTOS
    1. Minha formação cristã serviu de base para o despertar da minha consciência social, no contexto da Juventude Universitária Católica, nos anos 60. Rapidamente, fui eleito presidente do diretório dos estudantes da Escola Nacional da Geologia (ENG) da Universidade do Brasil (hoje, UFRJ), mais tarde, presidente da Executiva Nacional dos Estudantes de Geologia. Foi no meu mandato que os generais deram o golpe e depuseram o presidente constitucional.
    2. Participei do movimento em defesa da Constituição, contra o golpe militar e pela tomada de posse do vice-presidente João Goulart, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros. Daí por diante, concentrei minha ação política no campo da profissão de geólogo, defendendo uma política nacional de controle do subsolo brasileiro a serviço do desenvolvimento do Brasil e o bem estar da população, e contra a entrega das riquezas minerais a outros países através de suas empresas transnacionais e da exportação não regulada de matérias primas minerais. Minha convicção era estar dando testemunho do amor evangélico, do serviço, da compaixão pelos que sofrem exploração e opressão. Isto atraiu ataques e perseguições pelo diretor da ENG, que me denunciou como comunista e armou toda sorte de constrangimento, até mesmo ao meu estudo e graduação. O que ele conseguiu foi motivar-me para estudar as obras de Marx e aspirar ao socialismo democrático.
    3. Em colaboração com colegas de Belo Horizonte e Ouro Preto, participei da organização da Conferência “Minério não dá duas Safras”, em fevereiro de 1964, que atraiu a participação de lideranças políticas nacionais, entre elas o líder sindical Clodesmidt Riani, o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, e o Ministro do Trabalho Almino Afonso. Nossa campanha era pela adoção de uma política mineral nacionalista e pela criação da Minerobrás, que seria um monopólio estatal semelhante à Petrobrás, que teria o controle estratégico das riquezas minerais do Brasil.
    4. O golpe militar de 1964 obrigou a uma mudança na forma da militância. O foco passou a ser a luta contra a ditadura, pela democracia e pelos direitos e liberdades individuais e sociais. Trabalhei três anos como geólogo e professor de geociências, atuando na Ação Popular como alfabetizador de trabalhadores pelo método de Paulo Freire, e ajudando a organizar os intelectuais do Rio contra a ditadura. Em 1967 a polícia foi me prender em casa, eu estava ausente, fiquei sabendo e tive que partir com a roupa do corpo. Fui para São Paulo, onde o amigo Frei Betto me acolheu com minha esposa de então, e me apresentou à equipe da Revista Realidade. Aí trabalhei até decidir deixar tudo e trabalhar como operário para aprofundar a militância junto às classes oprimidas.[1] Trabalhei na Sofunge, fundição pertencente à Mercedes Benz, e na Stora, metalúrgica sueca de tubulações de aço. Atuei na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, focalizando a educação e organização dos operários para o que eu acreditava ser uma ‘guerra prolongada entre classes sociais’. Na Oposição Sindical convivi com Waldemar Rossi, Vito Gianotti, Aparecida, Luis Hirata, Raimundinho e muitos outros, entre eles Pedro Alexandrino de Oliveira.[2]
    5. Emoções: minha motivação profunda era colaborar no despertar da consciência crítica e criativa das classes trabalhadoras, pois só elas poderiam ser autoras da sua própria libertação. Sem uma classe que usurpa as riquezas naturais, escraviza o trabalho, saber e criatividade daquelxs que vivem somente do seu trabalho, não haveria luta de classes. As classes oprimidas precisam lutar para libertar-se desse jugo e criar uma socioeconomia onde o empoderamento de cada pessoa, a cooperação, a solidariedade e a partilha oferecem o suficiente para todas as pessoas; as classes sociais, assim, deixarão de existir. A educação e a comunicação têm um papel libertador fundamental.

 

  1. PRISÃO – TORTURA – NOMES
    1. Prisão – Eu estava buscando trabalho. Depois de várias visitas a portas de fábricas, vim à casa na Vila Baronesa e saí para o encontro com Marlene Soccas, dentista, que ia sair da organização dela para entrar na AP e se integrar na produção fabril. Eu devia encontrar uma nova moradia para ela. Hasiel Pereira, que vivia na mesma casa que eu, me aconselhou a não ir. Meu sentimento de responsabilidade para com Marlene levou-me a ir encontra-la. Ela havia sido presa quatro dias, violentamente torturada e levada para o encontro comigo.
    2. Fui agredido já na rua e levado para a Operação Bandeirantes pela equipe do Capitão Albernaz. Os detalhes das torturas, transferência para o Hospital Geral do Exército, retorno à OBAN para acareação com Marlene, retorno ao HGE, transferência para o Rio – Doi-Codi, depois Hospital Central do Exército, retorno ao Doi-Codi e, afinal, libertação estão na carta que escrevi ao Papa Paulo VI, pedindo-lhe que interviesse para que a tortura parasse de ser praticada no Brasil.[3]
    3. TORTURADORES DA OBAN, São Paulo: Capitão Benoni de Arruda Albernaz, Capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, Capitão Homero César Machado, Capitão Maurício Lopes Lima, Capitão Faria (interrogatórios na OBAN e no Hospital Militar), Sargento Tomás, Chico e Paulinho. Na sessão de tortura ao longo da acareação com Marlene Soccas, o Major Gil (seria ele o Coronel Waldir Coelho, diretor da OBAN na época?), Capitão Dalmo Cirillo, um tenente do Corpo de Bombeiros e o carcereiro Roberto. Na OBAN, interrogou-me um sargento médico nissei, com o nome coberto por esparadrapo, que se assemelha às fotos do legista Harry Shibata, que vi posteriormente. No Hospital Geral do Exército, Sérgio Adão. Companheiros presos na OBAN mencionaram o assassinado do metalúrgico Olavo Hansen pelos mesmos torturadores, 10 dias antes da minha prisão.
    4. No DOI-CODI do Rio de Janeiro: o Capitão Gomes Carneiro, que liderou meu transporte do Hospital Central do Exército para o DOI-CODI em 22 de dezembro de 1970. Passei três dias de terror no DOI-CODI do Rio de Janeiro, até 25.12.70, esperando a qualquer momento ser levado para a sala de tortura, onde outros companheiros já haviam sido assassinados, como Mario Alves. Passei toda a noite de Natal vendo outros presos ser levados para a tortura, ouvindo seus gritos lancinantes, e vendo-os arrastados de volta à cela pelos “catarinas”, arrasados, ensanguentados.
    5. O Comandante do 1º. Exército na época era o General Siseno Sarmento, que chefiava de cima toda a operação da repressão, tortura e assassinatos. O Diretor do HCE na época era o General Galenno, vice-diretor Tenente-Coronel Aquino, e Drs. Oscar, Elias e Mota. O chefe da segurança do HCE foi o Major Sadi, depois substituído pelo Capitão Morais (que nos reconhecia e nos tratava como seres humanos). O responsável pelo tratamento das presas e presos políticos era o Major Boia, dermatologista. Ele é que dava alta para que fossem levados de volta à tortura.
    6. No Ministério do Exército, o Tenente-Coronel Mello, da Cavalaria, chefe da PE do I Exército afirmou que o Exército estava convencido de que eu era um “subversivo irrecuperável”, e fez comentários agressivos e ameaças antes da minha libertação, em 1.2.1971. Minha mãe já o tinha visitado, com o nosso advogado Técio Lins e Silva, Miguel, meu irmão, o Prof. Clemildo, meu pai, e o Cônsul estadunidense.
    7. PRESOS COM QUEM CONVIVI: na OBAN, apenas MARLENE SOCCAS. Não sei quem foram meus companheiros de cela na única noite que passei numa cela comum no andar térreo. Nessa noite ouvi prolongados e repetidos gritos lancinantes de pessoas sendo torturadas. No Hospital Militar de São Paulo estive em cela na enfermaria dos soldados. Convivi e gravei o nome de alguns,[4] que se mostraram solidários comigo. Ali convivi várias semanas com o argentino HUGO MIGUEL MORENO. No Rio, JOSÉ CARLOS TORTIMA. ESTRELLA BOHADANA e IRONY BEZERRA, aos quais presto homenagem aqui.[5]

 

  1. IGREJAS
    1. Minha formação cristã havia sido provada pela proximidade da morte. Quando o capelão militar veio para confissão e extrema unção no Hospital Militar de São Paulo, eu soube que ele era também capitão. Contei-lhe da tortura e pedi que avisasse à minha família que eu estava nas mãos da OBAN. Ele não avisou nem voltou para me trazer a comunhão.
    2. Dom Aluísio Lorscheider, Arcebispo do Rio de Janeiro, foi um bravo opositor da ditadura e das suas agressões aos direitos dos cidadãos. Recebeu minha família quando eu ainda estava preso, ofereceu todo o apoio ao seu alcance. E nos recebeu quando eu saí da prisão, querendo saber de tudo que passei e se comprometendo a continuar a defender os direitos das pessoas que eram presas e brutalizadas.
    3. Também recebi pleno apoio de antigxs companheirxs da JUC, dos ex-colegas de seminário jesuíta, e dos meus colegas geólogos.
    4. Suspeito, mas não posso confirmar, que o bispo que me visitou no HCE em dezembro de 1970, talvez tenha sido Dom Alberto Trevisan, que havia sido Bispo Auxiliar para o Ordinariado Militar do Brasil(1964 - 1966). Naquele momento, ele era Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro (1966-1973). Veio me perguntar se, quando fosse libertado, iria “cuidar da vida e silenciar sobre o que passei”, ou se ia fazer alarde e criar constrangimentos...
    5. IGREJAS DO EXTERIOR: além da Anistia Internacional, o Escritório da América Latina do Conselho dos Bispos Católicos dos EUA, o Conselho Nacional de Igrejas dos Estados Unidos e o Conselho Ecumênico de Igrejas, de Genebra, todos deram significativa contribuição no combate à tortura e às violações dos direitos humanos pela ditadura brasileira. Menciono, em especial, o Pe Louis Michael Collonese e Thomas Quigley, do Escritório da América Latina, o pastor William Wipfler, do CNI-EUA, Ralph della Cava, Brady Tyson, Charles Harper, do COE-Genebra.

 

  1. REFUGIADO POLÍTICO
    1. EUA – logo que cheguei a Washington DC fui convidado a trabalhar no Escritório da América Latina, do Conselho dos Bispos Católicos dos EUA. Gesto solidário, que me deu um ganha-pão naquele início, em que eu estava dependente dos cuidados de minha mãe e irmã.
    2. Convivi com pessoas ligadas às igrejas católica e protestantes, que não apenas me ajudaram com amizade, moradia, apoio financeiro (Elizabeth e Patrick French financiaram meu primeiro semestre no Mestrado em Economia da American University), mas também colaboraram de forma determinante na criação do Comitê Contra a Repressão no Brasil e, a partir do golpe no Chile em 1973, do Comitê pela Libertação da América Latina (Coffla).[6]
    3. Gratidão especial a pessoas ligadas à Igreja Católica dos EUA, como Loretta e Harry Strharsky, Marjorie and Thomas Melville, Mary Harding, Francisco Otero e outros que colaboraram conosco no Comitê Contra a Repressão no Brasil, que, a partir do golpe do Chile, tornou-se Comitê pela Libertação da América Latina.
    4. Gratidão especial também ao Prof. James Green, da Universidade Brown, pela sua incondicional solidariedade à luta de libertação do povo brasileiro.
    5. GENEBRA - Trabalhei durante quatro anos no Instituto de Ação Cultural, liderado pelo Prof. Paulo Freire, e três anos e meio no Conselho Ecumênico de Igrejas, como consultor econômico responsável pelo Programa sobre Empresas Transnacionais.

7. PROJETO CLÍNICAS DO TESTEMUNHO – Presto homenagem ao bravo e persistente trabalho não só de apoiar as vítimas de tortura da ditadura, mas as da ditadura do capital que prevalece até hoje no Brasil. Tenho sido beneficiado pela dedicada competência das/dos profissionais do Projeto, assim como minha irmã e minha mãe. Expresso aqui minha gratidão à psicóloga Tania Kolker e à dedicada equipe de terapeutas-pesquisadoras. Solicitamos ao Estado brasileiro que dê continuidade a este trabalho, como uma das formas de reparar os danos físicos, psíquicos e morais causados a milhares de cidadãs e cidadãos que ousaram expressar seu desacordo com o regime autoritário, muitos dos quais foram privados da vida ou da sua saúde física e mental.

8. COMISSÃO DA ANISTIA – Gratidão ao Dr. Marcello Lavenère e aos membros da Comissão da Anistia de então, em especial a advogada Beatriz Bargieri, e ao Dr. Paulo Abrão, seu atual Presidente.

9. RENASCIMENTO DA NAÇÃO - O Brasil começa a revisar sua história, com grande atraso em relação aos países irmãos do Cone Sul. A COMISSÃO DA VERDADE tem um papel muito relevante a desempenhar, realizando em nome da Nação o esforço de forçar a abertura da “caixa preta” da ditadura, revelando os responsáveis pelo terror de Estado e o destino dos mortos e desaparecidos da ditadura, que as Forças Armadas ainda não demonstram a coragem de reconhecer e assumir, a fim de redimir-se e purificar-se de seu passado recente tão tenebroso.

10. SENTIDO ÚLTIMO DO MEU TESTEMUNHO

  1. Chefe Seattle, em sua carta ao presidente Franklin Pierce escreveu: "De uma coisa sabemos. A Terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à Terra. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo que agride a Terra, agride os filhos da Terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará."
  2. A humanidade também é uma família, e tudo que fazemos de bom ou de ruim uns aos outros, fazemos a nós mesmos. Embora responsáveis pelo regime de terror que reinou durante os 21 anos de ditadura empresarial-militar, os algozes, os torturadores, os ditadores e seus financiadores, apoiadores e beneficiários também são nossos irmãos. Temos dois modos de ajuda-los a evoluir, a fazer a difícil passagem de seres infra-humanos a seres humanos: o perdão, a ser dado pelo mais íntimo do nosso ser (“Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem!”), e a justiça, a fim de que, mediante a exposição e punição dos crimes hediondos por eles cometidos, sua consciência desperte para nunca mais desejarem ou tolerarem qualquer violência e opressão contra pessoas e contra o povo brasileiro e latino-americano, que eu amo e a quem presto a última homenagem.

[1] Relato esta experiência num Capítulo do livro, “Educação para uma Economia do Amor”, 2011, Editora Ideias&Letras.

[2] Pedro e eu éramos muito amigos. Ele saiu da fábrica em Osasco, depois de preso e solto decidiu ir para a Guerrilha do Araguaia. É um dos desaparecidos cujo paradeiro faz parte da gigantesca dívida do Exército brasileiro para com sua família e o nosso povo.

[3] A carta está publicada no livro de Lina Penna Sattamini, 2000, “Esquecer Nunca Mais”, OR, produtor editorial independente – Osmar Rodrigues, a quem agradeço cordialmente! Rio de Janeiro.

[4] Ver minha carta ao Papa Paulo VI.

[5] http://www.torturanuncamais-rj.org.br/denuncias.asp?Coddenuncia=73&ecg=

[6] Ver James Green,  2009, “Apesar de Vocês – Oposição à Ditadura Brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985”, Companhia das Letras, São Paulo



ASHRAM-ECOVILA INTEGRAL - FAZENDA PLENITUDE - VASSOURAS, RJ

23 de Julho de 2015, 21:39, por Marcos Arruda

FICHA INFORMATIVA DO PACS
 
Um grupo de pessoas/famílias motivadas por uma espiritualidade engajada e pelo amor à Pachamama comprou coletivamente uma área de quase 100ha perto de Vassouras, RJ, para aí construir uma inovadora combinação de Ashram Purna Ananda (Morada da Plena Felicidade) e Ecovila Integral, isto é, que contempla o desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano - pessoa e coletividade. Eis uma breve narrativa do onde estamos neste meado de 2015.

APAAEI - Associação Purna Ananda Ashram Ecovila Integral
Fundo Solidário Plenitude
 
APAAEI
A associação tem cerca de 50 associadxs. Foi criada com o objetivo singular de construir um espaço que seja cooperativo e solidário, ecologicamente sustentável, e orientado por uma espiritualidade viva e aberta, não doutrinária. Que desenvolva uma práxis comunitária, no sentido do compartilhar um projeto em comum de vida solidária e sustentável, valorizando ao mesmo tempo o único de cada pessoa. Uma comunidade em que as pessoas desejem ver crescerem seus filhos e acolherem seus anciões e anciãs.
A associação tem uma diretoria formal e um conselho gestor de seis membros. As decisões estratégicas são todas tomadas em Assembleia geral. 
Membros da associação criaram o Fundo Solidário Plenitude, com o objetivo inicial de apoio mútuo no financiamento da construção de suas moradias.
A associação faz parte de uma grande família, que é a Rede Global de Ecovilas, e também da Rede de Fundos Solidários do Rio de Janeiro.
 
FAZENDA PLENITUDE
Situa-se a 1 1/2 km da rodoviária nova de Vassouras, na Estrada Barão de Vassouras. São quase 100ha de terras com relevo irregular, cuja propriedade é associativa. As pessoas que possuem o título de associadas têm direito de construir sua casa num terreno entre 400 e 600m2. Esta benfeitoria pertence à pessoa, mas a terra é da associação. Neste momento, temos duas aldeias de pioneiros, que estão iniciando as construções de suas casas. Temos uma Casa Mãe (antiga casa de caseiro, reformada) e um galpão grande (400m2), onde realizamos eventos diversos; e outro galpão menor no qual estão guardados materiais de construção. Temos também uma pequena casa que está sendo reformada para abrigar temporariamente pessoas que querem morar na Fazenda antes do final de suas construções. E outra pequena casa, onde está abrigado o caseiro da Fazenda. As pessoas associadas pagam uma mensalidade de manutenção de R$ 190,00, mais uma taxa de manutenção de R$ 50,00. As famílias que estão construindo depositam mais R$ 250,00/mês para os gastos com a infraestrutura, que é coletiva.
 
O SENTIDO MAIOR DO ASHRAM-ECOVILA 
Foi na busca do novo que a Fazenda Plenitude nasceu. Suas raízes foram calcadas na busca da essência - do Ser, da Vida e da Natureza. Muitos se aproximaram do projeto buscando seus aspectos de ashram: autoconhecimento, busca pelo sagrado em si mesmo, no outro e em toda parte. E não apenas para encontrar esse sagrado, mas também para expressa-lo na vida e na matéria, transformando uma existência egoísta e limitada em uma vida de plenitude, paz, liberdade, amor e solidariedade.
Outros conheceram e foram atraídos ao projeto pelos seus aspectos de ecovila: sustentabilidade social e ambiental, harmonia com o ambiente, autogestão, autoempoderamento e solidariedade, vida simples, governança circular, produção local e orgânica de alimentos, utilização de energias renováveis, bioconstrução, economia solidária, entre outros.
A Fazenda Plenitude não é apenas um ashram nem apenas uma ecovila. Pretende ir além. Possibilita a adoção de uma disciplina espiritual, sem cercear a liberdade dos que não compartilham das mesmas aspirações. Abre campos de pesquisa para as relações humanas e o ambiente desde seus aspectos materiais até as sutilezas energéticas e espirituais. Não tolera comportamentos que envolvam exploração e opressão de pessoas e ações nocivas e à vida e ao ambiente natural. Adota uma governança compartilhada, avessa à centralização do poder, buscando lideranças naturais que ajam com humildade e com talento para servir e integrar.
 
A COMUNIDADE PLENITUDE
A Fazenda Plenitude pode ser considerada um experimento de busca por uma nova consciência de unidade na diversidade, de respeito à individualidade humana em harmonia com o coletivo e o ambiente. Enfim, um espaço para a realização dos seres em todas as suas dimensões. Pretende desabrochar como uma comunidade intencional que pratica a posse compartilhada da terra e o desfrute compartilhado dos bens comuns. Ao mesmo tempo, respeita a individualidade de cada pessoa e grupo familiar, promovendo a complementaridade e o diálogo como modos de valorizar o entendimento e o aumento da riqueza do grupo, e também de superar conflitos e desacordos de forma pacífica e amorosa. 
Entendemos que as pessoas, a sociedade e o ambiente natural estão enfermos, devido à forma como a economia brasileira e mundial está organizada, com base na busca do lucro a qualquer custo, do consumismo desenfreado, da sobrevalorização dos bens materiais e do dinheiro, tornados fins que justificam qualquer violência ou opressão como meios para obte-los, e da mercantilização, destruição e negação da essência sagrada da vida e da natureza. 
Este mesmo espírito de desenvolvimento endógeno, autogestionário e solidário da totalidade que é cada pessoa e nossa comunidade, irá inspirar nossa ação educativa, terapêutica e de apoio ao desenvolvimento das comunidades da região.
 
O FUNDO SOLIDÁRIO PLENITUDE - Dinheiro da gente na mão da gente!
 
O nosso Fundo tem atualmente 11 associadxs e está em fase de ampliação. Nesta etapa, o Fundo focaliza empréstimos para a construção das moradias das famílias associadas. Até o momento só temos arrecadado, pois apenas duas famílias iniciaram suas construções, usando recursos próprios. Elas utilizam quanto possível materiais locais, e procuram formas sustentáveis lidar com a energia, a água, os esgotos e o panorama. Cada associadx deposita um valor mensal na conta de poupança do Fundo na CEF, cujo montante depende da possibilidade de cada um. Desde agosto de 2013 até hoje, quando criamos o Fundo, até junho de 2015, já temos em caixa em torno de R$ 70.000,00. Os empréstimos estão previstos para serem feito num valor proporcional ao do saldo de cada associadx. Serão pagos em prestações, sem os juros com os quais o capitalismo remunera o credor. Quem toma empréstimo paga apenas, em acréscimo à prestação, uma pequena taxa de manutenção do Fundo. 
Numa etapa futura, em que o desafio já não seja a construção das moradias, poderemos redefinir o objetivo dos recursos recolhidos pelo Fundo.
Estamos empenhados em participar da Rede de Fundos Solidários do estado do Rio de Janeiro, pois acreditamos na força da união das nossas iniciativas, entre nós e junto ao poder público, que nos deve apoio político e material. Também pretendemos obter o reconhecimento como membros da Rede Global de Ecovilas, a grande família que agrega a diversidade de experiências singulares e plurais altamente inovadoras, que acenam para outro mundo, outra humanidade e outro ser humano possíveis!
Um por todos! Todos por um!



ENTREVISTA SOBRE A ENCÍCLICA LAUDATO SI, DO PAPA CHICO - 260615

22 de Julho de 2015, 9:29, por Marcos Arruda

Neste portal do programa Faixa Livre você pode ouvir a entrevista feita por Paulo Passarinho com Ivo Lesbaupin (IserAssessoria), Jean-Marc von der Weid (ASPTA) e Marcos Arruda (PACS) sobre a extraordinária Encíclica do Papa Francisco, que focaliza a crise socioambiental que aflige cada vez mais gravemente o Planeta, e suas causas profundas. Esta reflexão sobre os fatores determinantes da crise planetária e civilizatória que vive a humanidade, é o aspecto mais inovador e surpreendente da Encíclica. 

Esperamos que a entrevista motive você a ler a Encíclica!

http://www.aepet.org.br/faixalivre/pagina/422/Programa-Faixa-Livre-26062015



GRÉCIA - O CASSINO GLOBAL E A DEMOCRACIA - 140715

19 de Julho de 2015, 17:17, por Marcos Arruda

GRÉCIA - O CASSINO GLOBAL E A DEMOCRACIA

Marcos Arruda - Genebra, 14.7.15
socioeconomista e educador do PACS, da Rede Jubileu Sul, e associado do Instituto Transnacional (Amsterdam)
 
Os dirigentes da Europa e a grande mídia insistiram em mostrar suas garras: a vontade do povo grego, expressa no referendo de domingo passado, não lhes importa à mínima. A ameaça de expulsão da Grécia da zona do euro prevaleceu, e o governo Syriza recuou. A primeira ministra da Alemanha fez uma proposta macabra ao eurogrupo. Ela  falou em quebra da confiança e insistiu em condições já rejeitadas pelo povo grego. Uma vez mais, é a ditadura do grande capital financeiro armada para esmagar a democracia das ruas. 
 
O novo acordo imposto pelo eurogrupo e assinado pelo primeiro-ministro Tsipras virtualmente retira da Nação grega o direito à soberania. A vitória dos credores, a meu ver, é uma vitória de Pirro. Perdem todos. Perde o povo grego, que vai experimentar ainda mais empobrecimento, mau viver e subordinação a poderes externos. Perde o governo Syriza, que aceitou os termos da Troika e o novo memorando, depois de ter sido eleito em janeiro de 2015 com base na postura de que para a Grécia Troika e memorando terminavam ali. Perde a Europa, que trata uma nação-irmã como pária, quebrando o preceito da solidariedade e da partilha dos custos da recuperação. E perde a família humana, ferida pela execração de um povo por uma crise provocada pelas próprias elites financeiras globais. Os prognósticos são, pois, os piores possíveis.
 
A proposta alemã
No dia 11.7, sábado, Merkel, com postura de general da Europa, apresentou as condições que desejava impor à Grécia:
1. recusar a proposta grega, que incluía 53,5 bilhões de euros para cobrir as dívidas até 2018;
2. exigir que 50 bilhões de euros de ativos gregos sejam congelados num 'fundo fiduciário' fora da Grécia, como garantia para os novos empréstimos;
3. exigir que as receitas das privatizações do pacote vão para o pagamento dos juros da dívida pública grega;
4. se não houvesse acordo, que a Grécia seja expulsa da zona do euro por pelo menos cinco anos.
 
O acordo assinado 
O acordo assinado ao fim das negociações de ontem inclui o congelamento de ativos gregos, mas situa o fundo fiduciário na Grécia, e não no Luxemburgo, como queria Merkel. Prevê a utilização das receitas das privatizações do patrimônio público de modo diferente da proposta alemã: 1/4 das receitas será investido na Grécia, 1/4 será usado para pagar os juros, e a metade restante irá capitalizar os bancos gregos. Tais concessões não mudam a substância perniciosa da proposta do eurogrupo.
 
As 'novas' medidas de austeridade, segundo a imprensa europeia, são piores que as que foram rejeitadas pelo povo grego no referendo de nove dias atrás:
1. aumentar dos impostos para companhias de transporte marítimo;
2. unir todas as taxas de valor agregado no padrão de 23%;
3. cancelar comunicar a renda básica solidária para pensionistas até 2019;
4. cortar 300 milhões de euros nas despesas de defesa até 2016;
5. privatizar os portos e liquidar as ações que ainda são estatais da OTE, gigante das telecomunicações;
6. retirar a isenção de 30% das ilhas mais ricas.
 
O acordo é invasivo, viola a soberania da Grécia e fere gravemente sua capacidade de gerar receitas do orçamento para as necessidades da economia doméstica e da população a quem esta economia deve servir. Impede o país de gerar excedentes e de pagar num ritmo sustentável o que tem que pagar aos credores. Noutras palavras, pretende perpetuar a sangria financeira da Grécia, como a de todos os países endividados.
 
Perguntas que a Comissão da Verdade tenta responder
Mas as perguntas mais gritantes ninguém consegue calar: como foi possível que a dívida pública grega, que equivalia a 129% do PIB em 2010, passou para quase 180% do PIB atualmente, tendo o país sofrido os pacotes de austeridade impostos pelos credores ao longo destes 9 anos em troca de empréstimos bilionários da Troika, cuja justificação era o pagamento da dívida pública? Aonde foi este dinheiro? Que contrapartida teve a Nação grega em troca desta dívida?
 
No fim de junho, o Parlamento grego havia recebido os resultados preliminares da auditoria iniciada pela Comissão da Verdade sobre a Dívida Pública, que apontava os seguintes fatos:
1. Entre 2001 e 2009 os maiores endividados foram as famílias (aumento de sete vezes no período) e as empresas (aumento de quatro vezes), ao passo que a dívida pública aumentou apenas 20%. 
2. Na crise de 2008, o governo grego avançou 28 bilhões de euros para resgatar o setor bancário privado. Dada a insuficiência deste montante, os juros escalaram. Iniciou-se uma campanha de desinformação sobre a dívida pública, com base na falsificação das estatísticas, agravando assim o déficit e a dívida pública. Foi entre 2010 e 2015 que a dívida pública grega explodiu. Justamente no período dos programas de austeridade e megaendividamento. 
3. Em 2010 o FMI circulou um documento confidencial, ao qual a Comissão teve acesso em 2015, antecipando o futuro da Grécia no caso de implementação do plano de austeridade: corte de salários e pensões, queda do PIB e aumento exponencial da dívida pública, gerando um alto custo econômico e social, e a insustentabilidade dos pagamentos. 
4. Mesmo ciente destas desastrosas consequências do pacote de 'resgate', na verdade uma receita de desastre, o FMI não reteve a Troika. O retardamento da reestruturação da dívida deu tempo aos bancos credores de se livrarem do 'risco grego', engendrando um mecanismo que privilegiava os grandes credores privados, que tiveram amortecidos os custos da operação.
5. Um dos efeitos do pacote foi a perda de mais de 50% dos ativos dos fundos de pensão gregos, que atingiu 15 mil pequenos pensionistas. 
6. O pagamento de 100% do valor de face dos títulos equivalentes a 4,2 bilhões de euros, exigido do governo grego pelo BCE em julho e agosto é abusivo, pois esses títulos foram comprados a preço deprimidos no mercado secundário em 2011. 
 
Em suma, o aumento exponencial da dívida pública parece ser o resultado de um esquema secreto que em última instância beneficia os credores, sobretudo os bancos privados. Este esquema inclui a tomada de empréstimos para pagar juros. Esta prática foi condenada como criminosa pela legislação internacional. A Comissão estima que mais da metade da dívida pública grega provém daí. A estratégia neoliberal que prevalece no sistema de poder da União Europeia visa aproveitar o sobre-endividamento para arrancar concessões político-econômicas da Grécia  às custas da submissão total da Grécia a este sistema de poder.
 
É surpreendente que a postura do governo Syriza durante a negociação não parece ter-se apoiado nos achados da Comissão da Verdade sobre a Dívida Pública. Por que Tsipras jamais mencionou o relatório preliminar da auditoria, apresentado por dois dos membros estrangeiros da Comissão, o belga Eric Toussaint e a auditora brasileira Maria Lucia Fattorelli? Por que Tsipras jamais questionou a legalidade da dívida pública, nem o fato de ela ter aumentado exponencialmente ao longo dos últimos anos de austeridade imposta pela Troika? Isto teria levado as negociações para um outro terreno, colocando o eurogrupo na defensiva e enfraquecendo a ameaça de exclusão da Grécia da zona do euro. Por que Tsipras não lembrou a Merkel a posição grega em 1953 de apoiar o cancelamento de metade da dívida alemã relativa à destruição e massacre que os nazistas alemães perpetraram nos seis anos de guerra total de conquista? Por que Tsipras não propos que se adotasse para a Grécia o mesmo ritmo de pagamentos concedido à Alemanhã em 1953 - apenas 3% das receitas anuais das exportações? 
 
Negociação foi draconiana 
Um jornal inglês, referindo-se ao eurogrupo,  traz o título "Cúpula Europeia da Tortura". Tsipras disse que o processo foi mais uma inquisição do que uma negociação. Ele também afirmou ao eurogrupo que ele "não tinha o mandato de vender a metade do país." Mas depois de assinar o acordo, tendo obtido concessões apenas táticas, de detalhe, disse, segundo The Guardian, jornal inglês, que tomaria iniciativas contra qualquer um que se rebele contra a decisão súbita de ter-se curvado às forças econômicas externas.
 
Tendências
O texto do acordo assinado por Tsipras, em nome do governo grego, terá que passar pelo Parlamento grego amanhã, quarta 15.7. Até agora, o Parlamento tem se posicionado em defesa da soberania e da dignidade da Grécia. É o Parlamento que está promovendo a auditoria através da Comissão da Verdade sobre a Dívida Pública. Sob a liderança do partido Syriza, o Parlamento parece sintonizado com a indignação e as aspirações da maioria da população. 
 
Existe a possibilidade de um recuo do executivo grego para unificar-se com o Parlamento, caso a opção deste seja alinhar-se com o voto popular. Existe também a possibilidade de um racha no Syriza. Panagiotis Lafazanis, líder da plataforma de esquerda e membro proeminente do Syriza, lançou uma declaração pública conclamando o executivo a unir-se com o legislativo na recusa dos termos do acordo e na busca de um caminho soberano para a Nação Grega. 
 
Será que Tsipras ficará no governo que vai implementar um plano que vai subordinar da Grécia à ambição dos credores, e vai impor uma austeridade que pretende esmagar a população e empenhar o patrimônio público, justamente aquilo que Tsipras e o governo por ele liderado têm condenado há tanto tempo?
 
 

 

 



OXI! FESTA DA DEMOCRACIA NA GRÉCIA

5 de Julho de 2015, 17:12, por Marcos Arruda


OXI! FESTA da democracia na Grécia! A luta

continua!

Marcos Arruda - PACS e Rede Jubileu Sul - www.pacs.org.br
 
61,3% de votos NÃO, eis o resultado do referendo grego. 
 
Vitória da democracia direta, vitória do povo contra a tirania dos credores externos e das classes ricas da Grécia. 
 
É preciso relembrar. Em 1953, a Grecia assinou o acordo que reduzia em 50% a dívida alemã do pós-Guerra e permitia à Alemanha pagar anualmente até 3% do valor das suas exportações! Hoje, a mesma Alemanha quer  'arrancar os olhos' do povo grego, com uma demanda de pagamento imediato de dívidas impagáveis, algumas delas ilegais, conforme descobriu a comissão de auditoria da dívida pública grega. 
 
Todo o problema tem girado em torno dos prazos. Mas o problema real é bem mais grave. Trata-se de uma dívida que está marcada por fatos e suspeitas de ilegalidade e aberrante comportamento, tanto dos governos anteriores, que sobre-endividaram o país, como também dos credores inescrupulosos, interessados em ganhar imediatamente por meios espúrios, e mesmo criminosos contra a economia do Nação e dos contribuintes.
 
Eis os principais itens da proposta de ajuste do Eurogrupo ao governo grego, rejeitada nas ruas neste domingo, 5.7.15:
- Taxa de valor agregado (TVA): criar um novo sistema com três taxas para aumentar o PIB em 1% (às custas de quem?)

1. taxa aumentada em 23% sobre a maior parte dos bens (isto sufocaria o povo grego e o turismo, a principal fonte de renda em divisas do país;

2. taxa aumentada em 13% para alimentos básicos, energia elétrica, hoteis e água;
3. taxa aumentada em 6% para medicamentos, teatro;
- Fim das isenções e eliminação dos descontos da TVA para as ilhas gregas;
- Criação de fortes desincentivos para a jubilação antecipada;
- Aumentar a idade de jubilação para 67 anos até 2022;
- Fim do EKAS 'solidário - ajuda a mais de 200 mil pensionistas mais pobres; corte imediato do EKAS para os recipientes de maior renda; cancelamento do EKAS até 2020;
- Aumento das contribuições do plano de saúde de 4 para 6%.
A fonte desta informação é o documento da Comissão Econômica Europeia de 26.6.15. 
 
Os gregos chamam este pacote de uma violência contra o povo grego e contra o turismo, sua principal fonte de renda em divisas. 
O pacote não é de 'bailout' (resgate para fora da crise) mas sim de  'bailin' (afundamento ainda maior na crise). O que os banqueiros querem é receber do governo grego já, a qualquer custo, o pagamento dos juros de uma dívida moral e contabilmente duvidosa. A maior parte do dinheiro aprovado pela Troika para manter o governo grego em dia com o pagamento dos juros não entra no país - serve apenas para aumentar sempre mais, e tornar sempre mais impagável, a dívida pública do país.
Isto é reconhecido pelo próprio FMI. E o primeiro-ministro Tsipras vai usar este fato como um dos argumentos para negociar soberanamente novos termos para o pagamento da dívida pública.
 
Ninguém fala na auditoria dessa dívida que o governo de Syriza está realizando, e que está bem avaliada em artigo recente pela coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli.
 
Em relatório preliminar ao governo grego de junho de 2015, a Comissão da Verdade Sobre a Dívida Pública da Grécia aponta que a dívida contraída com a Troika nos últimos anos tem forte probabilidade de ser ilegítima, ilegal e odiosa. A Comissão mostrou que os credores e os negociadores dos pacotes de resgate desde 2010 já sabiam antecipadamente que a dívida pública grega era impagável. Em vez de agirem de acordo com este fato, escamotearam a verdade, mostrando ao público uma falsa situação e formando um conluio criminoso com o governo grego, a fim de beneficiar os credores privados. Finalmente, a Comissão explica que o uso dos recursos para o resgate foi ditado pelos credores, e apenas 10% dos valores dos pacotes de 2010 e 2012 foi destinado a gastos correntes do governo grego. O resto foi engolido pelos encargos da dívida, aumentando-a desmesuradamente.
 
O estrondoso NÃO do povo grego no domingo 5.7.15 representa uma recusa a se submeter à ditadura da Troika. Os próximos dias serão importantes, pois o governo Tsipras, fortalecido pelo resultado do referendo, voltará à mesa de negociações com os credores, que têm agido em função dos seus interesses imediatos, desprezando a voz do povo grego. Esta postura é vesga, pois vai contra seus próprios interesses de médio prazo. Seria mais inteligente da parte deles ajudar a Grécia a criar as condições econômicas de continuar pagando. Mas eles sabem que esta dívida é impagável. E seu grande temor é que o exemplo da Grécia se reflita em posturas soberanas de outros credores do Mediterrânea, como a Espanha e Portugal. Na verdade, até um estado associado dos EUA, como é Porto Rico, hoje afogado pela dívida pública impagável, pode se beneficiar da postura soberana adotada pela Grécia.
 
A crise torna evidente um dos aspectos mais negativos do processo de criação do euro, que foi a eliminação das moedas nacionais. Como a moeda é um fator de soberania na gestão do seu próprio caminho de desenvolvimento, os países da zona do euro passaram a depender de uma autoridade monetária supranacional - o Banco Central Europeu, que é dominado pelos maiores e mais ricos países da União Europeia, Alemanha e França.
 
Caso os credores não flexibilizem os termos do acordo com o governo grego, revelando assim uma postura antidemocrática e arrogante, o governo da Grécia tem a opção de consultar novamente a população sobre a ideia de ressuscitar a moeda nacional grega - o dracma. Este seria um meio de aprofundar a soberania da nação sobre sua economia e viabilizar a gestão doméstica dessa economia, em detrimento do atual domínio monetário, financeiro e político-econômico pelas potências do euro.
 
Mais importante seria uma decisão do governo grego de apoiar e estimular a população a organizar-se para a realização de uma pesquisa sobre as necessidades e os recursos disponíveis a nível das comunidades que compõem o país. Poderiam ser adotados para isto novos indicadores de desenvolvimento socioeconômico, político, cultural, tecnológico e humano, contemplando também a sustentabilidade ecológica. Eles forneceriam uma abordagem holística do desenvolvimento da Grécia. Os resultados da pesquisa, ancorada nesses indicadores, serviriam para o planejamento participativo do desenvolvimento socioeconômico e humano da Grécia e a redefinição da estrutura e das prioridades do orçamento público.
 
Todo apoio ao povo grego e ao seu direito de definir um caminho próprio de desenvolvimento!
 
Lyon, França, 5.7.15