Blog do Alan, contém pensamentos saídos diretamente da minha cabeça.
O Som ao Redor: A realidade escancarada e a conciliação que jamais vai acontecer
February 12, 2013 22:00 - One commentCrítica do filme "O Som ao Redor" por uma pessoa que não entende nada de cinema, mas é curioso por saber como funciona a sociedade.
O filme O Som ao Redor, do diretor Kléber Mendonça, consegue com uma simplicidade genial retratar o dia a dia da luta de classes num bairro de classe média em Recife. Mas podia ser em qualquer lugar do Brasil.
O “problema” é que ele é tão real que alguém pode pensar: “Pra que eu preciso vir ao cinema ver minha própria vida?”. Entretanto, um olhar um pouco mais aguçado, junto com algumas discretas pistas dadas pelo diretor revelam uma sociedade em que depois de mais de 100 anos da suposta abolição da escravatura, a estrutura de dominação e exploração pouco se alterou.
No filme, a luta de classes é travada entre uma classe dominante paranoica com a violência urbana e com a insubordinação de seus capatazes, e uma classe trabalhadora que se recusa a abaixar a cabeça e tem sede de vingança de seus algozes, sejam senhores de escravos ou moradores de um prédio.
O som ao redor conta a história desta luta de classes com muita inteligência e sutileza. Pena é que a sutileza às vezes é tão sutil que aqueles que se identificam com a família de Seu Francisco, ou seja 99% do público do filme, podem não perceber do que se trata. Mas o diretor ajuda, bastante.
A primeira pista aparece logo no início do filme. Fotos antigas de engenhos e cortadores de cana nos lembram que a escravidão clássica em nosso país, e especificamente nos engenhos de cana em Pernambuco é um passado tão recente que ainda ressoa forte nos dias atuais.
Com essas imagens postas na cabeça do espectador, o filme faz a passagem do confronto entre senhor de engenho e escravos no campo de antigamente, para o confronto entre uma “classe média” e seus empregados – seguranças, empregadas domésticas e porteiros – nos dias de hoje. O pivô desta transição é, em primeiro lugar, Seu Francisco, um latifundiário da cana, dono de engenho, que é proprietário de todos os prédios de uma rua, e cuja família trabalha como corretora dos apartamentos. No final, a transição é completada pela vingança urbana dos seguranças por um crime rural, fazendo a ligação direta do origem da violência nas cidades.
Violência é tema central do filme
A paranoia com a violências é tema central no filme. Os personagens da classe dominante têm pesadelos e se armam até os dentes por conta dela, obviamente sem nunca questionar a origem desta violência. O filme escancara a desigualdade e a exploração como fatores fundamentais para entendermos a sociedade em que vivemos, em geral, e a violência urbana, em especifico. Os trabalhadores que não abaixam a cabeça (o arranhão no carro, o telefonema dos seguranças para Dinho, e a cena final, por exemplo) mostram um sede de vingança provocada por séculos de exploração, e ilustram a famosa frase de Brecht: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”. Um roubo ou um assassinato é considerado violento, mas a exploração e humilhação do dia a dia, não.
Um dos momentos mais “reais“ (e por isso engraçados) do filme é a reunião de condomínio. Moradores revoltados por causa do porteiro que quer ser demitido destilam o ódio de classes sem o menor pudor. A frase sobre a revista Veja que vem fora do saco é uma piada hilária, mas que só ri quem entende o que esse veículo representa.
Nessa hora, é também o momento em que a máscara de João cai. Esse personagem representa uma tentativa de conciliação de classes, ou seja, uma esperança de que é possível que exploradores e explorados vivam em paz. Mesmo com toda sua bondade no trato com os serviçais, João jamais abrirá mão de seus privilégios em favor dos trabalhadores. Vai até onde sua consciência burguesa se acalma, mas entre defender o porteiro e encontrar sua namorada, fica obviamente com a segunda opção.
Desenho Sonoro e Fantasia
A simplicidade na atuação dos personagens e na composição das cenas é complementada com um desenho sonoro que cumpre função fundamental na narrativa. O nome do filme não é por acaso. O medo, a angústia, a paranoia e o suspense são contados pelos barulhos exagerados da máquina de lavar, do elevador, do latido, e das bombinhas, que ao mesmo tempo resolvem o problema do cachorro e vingam a morte do trabalhador rural assassinado pelo latifundiário por uma disputa terras. Outro complemento sutil são as cenas fantásticas, em particular o banho de cachoeira que ilustra o sangue por trás de um história de exploração e crimes.
Em resumo, O Som ao Redor conta a história da vingança de uma morte ocorrida há cerca de 50 anos (mas que poderia ter sido há três semanas, em Campos dos Goytacazes) na disputa entre trabalhadores e latifundiários. Nesta narrativa, o filme mostra o cotidiano de uma sociedade que, guardadas as proporções, continua alimentando a mesma estrutura de classes até hoje. E deixa claro que a exploração, seja com chicote, seja com salário mínimo, seja bruta ou meiga, é sempre exploração, e por isso, nunca haverá conciliação de classes. E que a classe trabalhadora jamais irá abaixar a cabeça, e que a resistência sempre vai existir, seja num arranhão de carro, no sexo na casa do patrão, nos roubos, ou finalmente no assassinato dos algozes.
Não quero ser comunicador
January 26, 2013 22:00 - no comments yetEu nunca escolhi ser comunicador. Mas sempre foi a melhor maneira que encontrei de contribuir com a luta dos movimentos sociais, principalmente do MST. E sempre foi o que soube fazer melhor, e sempre tive muito prazer em fazer isso. A comunicação popular hoje pra mim é um vício.
Mas hoje eu não quero. Não quero escrever uma matéria dizendo que mataram Cícero. Não quero ter que escrever o admiração profunda que sentia por uma liderança legítima. Ninguém nunca disse que ele tinha que ser uma liderança. Ele simplesmente era.
Não quero ter que lembrar dos seus gritos de ordem, que estremeciam cercas e corações. Da sua paixão pela agroecologia, do seu ódio ao latifundo.
Não queria ter que lembrar que deste homenzarrão chorando ao falar dos mortos da Camabahyba. E dizendo que tanta gente no mundo faz coisa ruim é não é queimado.
E tanta gente no mundo faz coisa ruim e não leva nem um tiro.
A parte boa dessa história é que temos companheiras. Que bom que posso ter meu momento de fraqueza, chorando de longe. Obrigado, Vivian, eu não tinha nenhuma condição.
http://www.brasildefato.com.br/node/11732
E a possivelmente a última entrevista que fizemos, Vivian e eu, em 11 de dezembro de 2013:
http://www.youtube.com/watch?v=r-hGf_kyilQ
Agrotóxicos violam direito humano à alimentação adequada
October 21, 2012 22:00 - no comments yet12/10/2012 :: Agrotóxicos violam direito humano à alimentação adequada
Entrevista concedida ao site do COEP: http://www.mobilizadores.org.br
Há três anos, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de consumo de agrotóxicos no mundo. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dois terços dos alimentos consumidos, diariamente, pelos brasileiros estão contaminados pelos agrotóxicos, que contribuem para a insegurança alimentar da população e causam danos à saúde e ao meio ambiente.
De acordo com Alan Tygel, membro da Coordenação Nacional da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o agronegócio atua como propulsor no uso de agrogóxicos no país e, ao mesmo tempo, não estimula nem a oferta nem a distribuição de alimentos, pois sua produção é voltada à indústria alimentícia.
Alan vê na agricultura familiar e na agroecologia alternativas para a produção e distribuição de alimentos, e o fim da situação de insegurança alimentar no país. Segundo ele, a campanha contra os agrotóxicos, lançada em 2011, tem, hoje, uma grande adesão em todo o país e apresenta três bandeiras principais: o fim do uso de agrotóxicos já banidos em outros países do mundo; a proibição da pulverização aérea, extremamente danosa; reversão da isenção de impostos destinados ao custeio dos gastos com agrotóxicos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Rede Mobilizadores - Embora as safras agrícolas brasileiras tenham alcançado nos últimos anos patamares produtivos bastante elevados, parcela significativa da população convive diariamente com uma situação de insegurança alimentar. A que se deve este paradoxo?
R.: Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o que se convencionou chamar “safra agrícola” na verdade quer dizer “produção do agronegócio”. Por quê? Se você for olhar como essa safra é calculada, ela, por exemplo, ignora as 24 milhões de toneladas de mandioca que a agricultura familiar produz por ano. A tal safra agrícola vai se concentrar em pouquíssimos itens, como soja, milho, algodão, trigo, arroz e feijão.
Aí alguém pode concluir: tudo bem, então o agronegócio é muito importante porque produz arroz e feijão, certo? Errado! Se pegarmos a comparação entre 2006 e 2011, feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vamos ver que a produção de soja ficou num patamar de 66 milhões de toneladas (25% de crescimento), e o milho, em 52 milhões (15% de aumento), enquanto o arroz chegou a 12 milhões (subiu 6%) e o feijão chegou a 3 milhões (diminuiu 1%). Não custa lembrar que a soja e o milho são produzidos para exportação, mais especificamente para ração animal.
Então, percebemos que não há nenhuma contradição entre recorde da “safra agrícola” e a situação de insegurança alimentar vivida no Brasil. Esse aumento da produção do agronegócio não aumenta a oferta nem a distribuição de alimentos. Principalmente porque o agronegócio tira a comida dos circuitos curtos e joga no furacão do mercado de alimentício.
Um exemplo: imaginem uma comunidade rural, onde vários pequenos agricultores produzem arroz, feijão, mandioca e hortaliças. Além do autoconsumo, vendem e trocam na feira local. Isso é segurança alimentar. Agora passemos um trator e um avião pulverizador por cima desta comunidade, agora transformada num latifúndio, digamos, de produção também de arroz e feijão. Vamos imaginar que todos os antigos moradores estejam empregados na fazenda (mentira, pois o agronegócio gera pouquíssimos empregos por área), produzindo o dobro da quantidade dos grãos. Esses alimentos não vão pra feira local e nem para o autoconsumo de ninguém! Vão para a indústria alimentícia e serão vendidos mais caros a vários quilômetros de distância. As pessoas perdem a autonomia de produção, perdem sua soberania na produção de alimentos e passam a uma situação de insegurança alimentar e nutricional.
Rede Mobilizadores - De que forma o uso de agrotóxicos contribui para agravar o quadro de insegurança alimentar no Brasil?
R.: O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) é bem claro ao afirmar, em seu relatório “Os impactos dos agrotóxicos na segurança alimentar e nutricional: contribuições do Consea”, que o uso de agrotóxicos viola o direito humano à alimentação adequada, considerando-se que segurança alimentar não é somente ter alimentos disponíveis, mas sim alimentos de qualidade. Portanto, o uso de agrotóxicos, assim como de sementes transgênicas, e alimentos com alto teor de sal, açúcar e gordura, viola esse direito humano fundamental.
Rede Mobilizadores - De acordo com o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa, em 2010, das amostras de alimentos coletadas em todas as unidades da federação, um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. Poderia comentar a respeito?
R.: Aqui acho que cabe esclarecer um pouco a metodologia do PARA. Cada amostra*1 coletada aleatoriamente em feiras e mercados pelo Brasil foi analisada para saber a quantidade de resíduos de determinados tipos de agrotóxicos existentes nelas. Após a análise, a amostra podia ter os seguintes resultados: (1) não foram encontrados resíduos; (2) foram encontrados resíduos dentro dos limites permitidos; (3) foram encontrados resíduos acima dos limites permitidos; (4) foram encontrados resíduos de agrotóxicos não autorizados para aquela cultura; ou (5) foram encontrados resíduos de agrotóxicos proibidos no Brasil.
As amostras classificadas nas categorias (1) e (2) foram consideradas regulares, e as demais, irregulares. Daí se chega ao número de um terço de contaminação. Isso por si só já é alarmante. O problema é que o tal do Limite Máximo de Resíduos, que diferencia os resultados (2) e (3), é um conceito altamente questionável. Esses limites são calculados em sua maioria pela própria indústria, e não há nada que garanta que o acúmulo de pequenas doses não cause doenças crônicas a longo prazo. O filme “O veneno nosso de cada dia”, da Marie-Monique Robin, mostra isso muito bem. Então, na verdade, dois terços dos alimentos estão nas categorias (2) a (5). Em apenas um terço dos alimentos não foram encontrados resíduos de venenos. Achou ruim?
Pois bem, como mencionei no início, a pesquisa procurou apenas por alguns tipos de agrotóxicos em algumas culturas. Só pra dar um exemplo, o agrotóxico glifosato, e a cultura da soja, os dois campeões de utilização no país, não entraram no estudo. Para ver o estudo em detalhes, acesse http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarArquivo.aspx?ID=151e6e29-cd22-4736-bf5c-4467c75012ba
Rede Mobilizadores - Neste sentido, pode-se considerar um contrassenso estimular o consumo de hortaliças, frutas e legumes para melhorar a segurança alimentar da população, tendo em vista o risco potencial de estarem contaminados por agrotóxicos?
R.: De jeito nenhum! Em nenhum momento podemos dizer que o consumo de frutas, verduras e legumes é perigoso. Até porque, essa impressão de que alimentos in natura são mais contaminados pelos agrotóxicos é mentira. Os alimentos processados também apresentam alto teor de contaminação, pois o processamento não reduz a quantidade de agrotóxicos.
No caso da soja, que recebe metade do total de agrotóxicos aplicado nas plantações brasileiras, o veneno vai ser encontrado no leite de soja e em todos os derivados. O trigo do macarrão e da pizza também está contaminado.
A batalha tem que se dar nas duas frentes: aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras, já que a praga dos enlatados e industrializados infesta cada vez nossa alimentação, e ao mesmo tempo lutar por um outro modelo de produção, que produza alimentos saudáveis para o agricultor, o meio ambiente e o consumidor.
Quando a pesquisa que constatou agrotóxicos no leite materno no Mato Grosso foi divulgada, houve muita pressão, porque a campanha pela amamentação também é uma das grandes estratégias de saúde pública hoje no Brasil. Nós sabemos da importância do aleitamento, mas isso não pode impedir que uma pesquisa importante como essa seja divulgada.
O objetivo não é que as mães parem de amamentar, ou que as pessoas parem de comer, mas é sim criar um clima na sociedade que permita avançarmos na proibição de agrotóxicos banidos em outros países do mundo, na proibição da pulverização aérea, e, principalmente, nas políticas públicas de incentivo à produção agroecológica.
Rede Mobilizadores - Que lugar o Brasil ocupa em termos de consumo de agrotóxicos? Por que o uso destas substâncias é tão disseminado no país? Qual a relação entre o uso de agrotóxicos, monoculturas intensivas e grandes propriedades?
R.: Infelizmente, nosso país vem ocupando há três anos o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Mas é preciso voltar um pouco no tempo para entender como isso foi acontecer, e, mais ainda, como isso nos afeta hoje.
Os agrotóxicos foram introduzidos no Brasil na década de 1960, durante a chamada Revolução Verde*1. Prometia-se aumento de produtividade e diminuição do trabalho com o uso de agrotóxicos, fertilizantes e maquinário pesado, e o estado apostou nesse modelo. Dessa forma, foi grande o incentivo ao uso, registro e produção de agrotóxicos no país.
Mas o grande boom mesmo se deu na década passada, quando chegamos, em 2008, aos 7 bilhões de dólares em vendas. Nesse ponto, é bom fazermos uma divisão entre o uso dos agrotóxicos na agricultura familiar e no agronegócio.
O aumento do uso de agrotóxicos na agricultura familiar se deu principalmente por conta das políticas de incentivo, como, por exemplo, aquelas que atrelam o recebimento do crédito do agricultor ao uso de venenos. O problema é que isso, entre outras coisas, vai aos poucos apagando uma história de 10.000 anos de agricultura familiar sem uso agrotóxicos! Então, hoje os agricultores se lembram vagamente das técnicas que seus avós utilizavam décadas atrás para plantar sem uso de venenos. E a humanidade vai perdendo estes conhecimentos. Ainda assim, vale a pena destacar que apenas 20% das pequenas propriedades usam agrotóxicos.
Agora, o uso no agronegócio é bem diferente. Ele segue a lógica capitalista de maximização da exploração dos bens da natureza, a qualquer custo, obtendo a maior produtividade possível em menor espaço de tempo. Depois de explorar intensivamente as terras, se move para outro lugar e deixa a herança maldita, o rastro de destruição e contaminação nos territórios, de pobreza. Várias empresas do agronegócio estão se mudando do Nordeste brasileiro para a África, pois envenenaram tanto as terras que, atualmente, elas já não produzem mais. E o mais triste ainda é que essas terras vão ficando para a reforma agrária.
Rede Mobilizadores - Quais os riscos da ingestão de transgênicos?
R.: A questão dos transgênicos é bastante complexa, e os riscos vão além apenas da saúde humana. Neste momento, está ocorrendo uma batalha no mundo científico justamente sobre os riscos da ingestão de transgênicos. Pela primeira vez, um estudo científico de longo prazo conseguiu comprovar os danos à saúde causados pela ingestão de transgênicos. Ratos alimentados com transgênicos e agrotóxicos adoeceram mais cedo e desenvolveram mais tumores do que aqueles com alimentação saudável. Imediatamente, a rede de pesquisadores a serviço da indústria se armou até os dentes para questionar o estudo e desqualificá-lo.
Este episódio mostra que a questão dos transgênicos está muito mais relacionada aos interesses econômicos do que ao aumento de produtividade ou diminuição do uso de agrotóxicos, como eles dizem.
Sempre gosto de deixar claro que a transgenia em si não é um problema. Ela se torna um problema quando é utilizada sem obedecer ao princípio da precaução. O estudo revela que, por princípio, o transgênico é perigoso, e por isso devem ser feitos estudos extensivos para garantir que ele não vá ter efeitos ruins sobre o meio ambiente e sobre a saúde de quem o comer.
Quando pensamos num modelo agroecológico, por exemplo, consideramos que o ambiente integra agricultura, ser humano, floresta, água, bichos – o chamado agroecossistema – e precisa estar sempre em equilíbrio. Quando introduzimos um elemento estranho nesse agroecossistema, como é o caso dos transgênicos, as consequências precisam ser muito bem estudadas.
Os transgênicos podem, por exemplo, fazer polinização cruzada com espécies crioulas, e destruir milênios de história de preservação e melhoramento de sementes, como foi o caso do México, em Oaxaca. Esse e vários outros casos estão bem documentados no filme e livro “O mundo segundo a Monsanto”, de Marie-Monique Robin, fundamental para entender bem a questão dos transgênicos.
Mas, o mais cruel de tudo é a perda da autonomia do agricultor. O sujeito que antes era dono de todos os meios de produção: terra, água, sementes e adubo, aos poucos vai perdendo tudo e ficando dependente das empresas. Fica apenas com a sua força de trabalho. As sementes transgênicas não podem ser reproduzidas pelos agricultores, e sobre a produção há a cobrança de royalties, cerca de 2% da produção.
E não custa lembrar que as empresas de agrotóxicos estão comprando, a cada dia, mais empresas de sementes, para vender o pacote completo: semente e veneno. Algumas vão ainda além, como a Bayer, que além de semente e veneno, vende o remédio no fim das contas pra curar sua doença
Rede Mobilizadores - E quanto à contaminação da água destinada ao consumo humano? Os sistemas de abastecimento de água são avaliados quanto à contaminação por agrotóxicos?
R.: Este é outro problema sério. Muitos dos agrotóxicos usados hoje simplesmente não são possíveis de serem detectados na água. Seja porque não possuem reagentes, ou porque suas moléculas se transformam no contato com a água, ou com a luz, às vezes ficando mais tóxicos, e não há formas de serem detectados.
Mas vamos pelo começo: no Brasil, existe a Portaria 518, do Ministério da Saúde, publicada em 2004. Ela estabelece um limite máximo de resíduo para 22 tipos de agrotóxicos (sendo que existem mais de 500 registrados no país!). Pois bem, o fato é que essa coisa de limite máximo de resíduo é muito duvidosa, como já disse antes. Esses limites são calculados como uma fração da dose letal para ratos. Portanto, nenhum efeito de longo prazo é avaliado, é como se dissessem que “não tem problema beber agrotóxico até certo limite”, o que me parece muito estranho e perigoso.
Mesmo assim, essa portaria simplesmente “não pegou”. Não temos notícia de nenhum município que a implemente, porque são poucos os laboratórios que fazem este estudo, que é muito caro. Além disso, a indústria vem fazendo lobby para aumentar os limites do glifosato, o veneno mais usado no Brasil.
Já existem estudos que indicam a presença de agrotóxicos nos aquíferos Guarani*3 e Jandira*4. No Ceará, uma pesquisa verificou mais de 12 tipos de agrotóxicos em caixas d'água na região da chapada do Apodi, onde aviões pulverizam veneno cotidianamente nas plantações de frutas.
Rede Mobilizadores - Qual a alternativa para reduzir os impactos dos agrotóxicos sobre a segurança alimentar e saúde humana?
R.: Quanto a isso, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida tem uma posição bem clara. Defendemos a agroecologia como único modelo de produção agrícola capaz de oferecer alimentos saudáveis para todos – agricultores, consumidores e meio ambiente – e em grande quantidade. Portanto, acreditamos, lutamos e, sobretudo, construímos o caminho para uma sociedade livre de transgênicos e agrotóxicos, bem como livre da exploração do trabalho dos agricultores, da opressão de gênero e de outras opressões que são reproduzidas pelo modelo de agricultura da Revolução Verde.
Na agroecologia, juntamos os saberes tradicionais dos agricultores com a pesquisa científica da academia para produzir alimentos de forma integrada à natureza, e não apesar dela, como é feito no modelo convencional.
Explica-se: o modelo de agricultura convencional desmata uma área, deixa o solo “limpo” e depois planta uma grande área com o mesmo cultivo – a monocultura. Com isso, destrói -se o ecossistema que havia ali e cria-se algo artificial. Nesse ambiente desequilibrado, insetos, fungos ou outras plantas podem encontrar condições apropriadas para se proliferar de forma desordenada, e é aí que entra a necessidade do uso dos agrotóxicos. O solo descoberto também vai perdendo sua vida, e para isso precisa cada vez mais de fertilizantes. É uma luta contra a natureza e sua biodiversidade
Na agroecologia, o principal é o respeito à vida já existente. Usam-se os policultivos, as agroflorestas, e o solo fica sempre coberto para se manter úmido e com vida. Da mesma forma como funciona a natureza. Mas a agroecologia não para por aí
Nesse modelo, as relações de trabalho também são consideradas. O trabalho é baseado na horizontalidade e na posse da terra por quem de fato trabalha nela. A comercialização também deve ser feita nos circuitos curtos, evitando que os alimentos precisem percorrer longas distâncias, e, para isso, necessitem de mais venenos para ser conservados, bem como de gastos com combustíveis.
E hoje já temos casos suficientes para afirmar que o modelo agroecológico é de fato capaz de produzir alimentos para o mundo. E se a Organização das Nações Unidas (ONU) considera que ainda temos 1 bilhão de pessoas no mundo em situação de insegurança alimentar, apesar de uma produção agrícola enorme, certamente não é por falta de alimentos que essas pessoas têm fome.
Por isso, defendemos a agricultura familiar e a agroecologia como solução para produção e distribuição de alimentos, para que não haja mais seres humanos em situação de insegurança alimentar.
Rede Mobilizadores - Quando foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela vida? Como está sendo articulada?
R.: Em geral, quando falamos do tema dos agrotóxicos e citamos todos esses dados que mostram o tamanho do problema hoje no Brasil, as pessoas ficam bastante assustadas, sem saber o que fazer. Realmente, é uma sensação de impotência saber que estamos sendo envenenados desta forma, ao custo do lucro de algumas empresas, e que não existem grandes perspectivas de mudar isso em pouco tempo.
Pois bem, nesse sentido, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida vem trazer um canal de concentração dos nossos esforços nessa luta. A Campanha foi lançada em abril de 2011, no Dia Mundial da Saúde, mas obviamente que desde que existe agrotóxico existe luta contra eles.
A diferença agora é que temos uma frente de luta unificada. Temos muitas entidades nesta frente, que vão desde os movimentos sociais do campo até os da cidade, sindicatos rurais e urbanos, universidades, centros de pesquisa, organizações da sociedade civil, movimento estudantil, partidos políticos, enfim, uma representação enorme do povo brasileiro organizado está construindo conosco essa luta no país. Já são mais de 30 comitês em quase todos os estados, que promovem ações locais de denúncia do modelo atual de produção, mas também de anúncio de que é possível um outro jeito de produzir e de viver, baseado na agroecologia.
Apesar de enfrentarmos um lobby poderoso, principalmente da bancada ruralista e das empresas que lucram com essa indústria da morte, já tivemos grandes avanços dentro do Poder Legislativo, como, por exemplo, o relatório da Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde. Nele, ficaram explícitas várias denúncias, e conclui-se que existem fortes conexões entre uso de agrotóxicos e o aparecimento de doenças graves, coisa que, por incrível que pareça, a indústria ainda questiona.
Outro avanço importante que tivemos em 2012 foi o estreitamento da relação com a academia através de um dossiê coordenado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Em seus três volumes (o terceiro ainda será lançado), o dossiê traz um farto material de pesquisa científica que pretende pôr fim, de uma vez por todas, aos questionamentos sobre os problemas causados pelos agrotóxicos. Uma série de pesquisas foi compilada, e o resultado é muito consistente e inquestionável. Para acessar o dossiê, clique aqui.
Apesar de termos um leque imenso de reivindicações, hoje concentramos nossos esforços em três direções que consideramos prioritárias. A primeira delas é o fim da utilização dos agrotóxicos já banidos em outros países do mundo. Hoje, no Brasil, utilizamos 14 tipos de venenos que países como Estados Unidos, Canadá, China, Índia, e os países da União Européia já proibiram. Então, nossa meta é pressionar os órgão responsáveis pelo registro de agrotóxicos no Brasil – Anvisa, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura – para banir aos menos esses venenos do nosso país. Porque não tem o menor cabimento sermos a lixeira tóxica do planeta, pra onde são jogados os agrotóxicos que o resto do mundo já proibiu por terem comprovado seus danos à saúde. Estamos coletando assinaturas para aumentar a pressão para essa proibição. As instruções estão no site da Campanha:http://www.contraosagrotoxicos.org/, junto com outros materiais citados aqui.
Além disso, temos também a questão da proibição da pulverização aérea. Essa forma de aplicação é umas das mais danosas, porque ela tem o potencial de contaminar comunidades inteiras, leitos de água, enfim, causar danos em extensões enormes. Falamos isso sempre lembrando do caso da chuva de agrotóxicos em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Um avião pulverizador que jogava o herbicida Paraquate na soja fez a volta por cima da cidade, e, no dia seguinte, todas as plantas amanheceram mortas. E o problema foi além: nesta cidade, estudos comprovaram a presença de agrotóxico na água utilizada para beber, inclusive na caixa d'água das escolas, na água da chuva, e o mais chocante foi a descoberta de agrotóxico no leite materno. O mais triste é que a cidade, sendo uma das maiores produtoras de soja do país, tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) altíssimo. Aí vem outra contradição do agronegócio: o dinheiro trazido pelo agronegócio pode até alavancar indicadores como o IDH, através da construção de escolas, acesso à saúde, saneamento. Mas o veneno que corre silenciosamente pelos rios e pelos canos pode gerar epidemias de doenças crônicas em pouco tempo.
Finalmente, a nossa terceira bandeira de luta tem sido a reversão da isenção de impostos destinados ao custeio dos gastos com agrotóxicos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Descobrimos que, por um convênio assinado em 1997, os agrotóxicos têm por padrão uma isenção de 60% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Alguns estados, como o Ceará, ainda acharam isso pouco, e concedem 100%. Enquanto isso, gasta-se US$1,28 com tratamento de intoxicações agudas para cada US$1 gasto em agrotóxicos. Considerando o nosso mercado de cerca de US$7 bilhões por ano, temos um gasto enorme na saúde por causa dos agrotóxicos. Isso numa perspectiva monetarista, sem contar o pior lado, que são as vidas das pessoas.
Para terminar, gostaria de deixar claro que esta luta é de todos nós. Seja o trabalhador e a trabalhadora do campo, seja o trabalhador e a trabalhadora da cidade, contribuir para o banimento dos agrotóxicos e para a construção de uma agricultura de base agroecológica é um dever de todos os cidadão e cidadãs que prezam pela saúde do nosso planeta e das futuras gerações, e que principalmente colocam a vida sempre acima do lucro.
*1Entre as amostragens analisadas, os alimentos contaminados com uma frequência maior foram: pimentão (80,0%); uva (56,40%); pepino (54,80%); morango (50,80%); couve (44,20%); abacaxi (44,10%); mamão (38,80%); alface (38,40%); tomate (32,60%); beterraba (32,00%).
*2 A expressão Revolução Verde foi criada em 1966, em uma conferência em Washington, EUA. O programa surgiu com o objetivo de aumentar a produção agrícola através do desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo e utilização de máquinas no campo que aumentassem a produtividade. O plantio de sementes modificadas e desenvolvidas em laboratórios, aliado à utilização de agrotóxicos, fertilizantes e implementos agrícolas e máquinas, aumenta significativamente a produção agrícola.
*3 Aquífero Guarani - é o maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo. Estende-se pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (2/3 da área total), abrangendo os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
*4 Aquífero Jandira - manancial de águas subterrâneas situado na divisa entre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o aqüífero é muito importante para a produção de alimentos em Mossoró e região.
Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo
Sobre Padrões Abertos ou Porque não Devemos Usar o schema.org
July 30, 2012 21:00 - no comments yetpor Alan Tygel, inspirado em http://www.readwriteweb.com/archives/is_schemaorg_really_a_google_land_grab.php
Em vários momentos da nossa vida nós lidamos com padrões. Eles podem ser mais tácitos e flexíveis, como por exemplo, o ato de pegar um prato, colocar comida em cima, segurar os talheres e levá-los à boca. Ou então mais rígido e explícitos, como as normas da língua portugesa escrita. De todo modo, são acordos coletivos entre um grupo social, e são geralmente cumpridos, por diversos motivos, que vão desde o status social (comer com a mão pode "pegar mal") até a prisão, para quem descumpre as regras especificadas na legislação.
No mundo dos computadores também é assim. No entanto, como os computadores são burros, os padrões deve ser mais explícitos e rígidos para que as máquinas façam exatamente aquilo que deve ser feito. Por exemplo, você só está lendo este texto (alguém está lendo?) porque o seu computador e o computador que hospeda o Cirandas.net respeitaram um padrão de comunicação (na verdade vários: TCP/IP, HTTP, ...) e você, ao acessar o endereço deste blog, conseguiu ver esse monte de caracteres na tela.
Já disse que os padrões podem ser mais rídigos ou flexíveis, ou mais explíticos ou mais tácitos. No entanto, existe uma outra característica bem forte a ser considerada: a abertura ou propriedade do padrão.
Padrão pode ter dono? E se ele decidir parar de brincar, ou mudar as regras da brincadeira?
Imaginem se os nossos padrões sociais tivessem um dono, que o controlasse, o definisse, e ainda por cima, cobrasse para usarmos? Imaginem se a língua portuguesa tivesse um dono, privado, que decidisse por mudanças a qualquer momento? Ou então que ganhasse royalties a cada livro de gramática escrito? E só pudesse aprender português se pudesse pagar pelas regras? [a falência do ensino básico público, e o domínio das escolas privadas já cumpre este papel, de certa maneira.] Isso acontece com as normas ISO e ABNT, cuja utilização é obrigatória em algumas situações.
Na internet, por mais absurdo que seja, existem vários exemplos de padrões fechados. O maior deles até hoje foi o da Microsoft (sempre ela), quando tentou impor seu padrão de HTML (a linguagem em que são descritas as páginas da Internet) sobre o padrão oficial aberto, da W3C. Durante muito tempo (ainda hoje existem resquícios) os programadores de Internet tinham que fazer duas páginas: uma para os navegadores que implementavam o padrão W3C (Firefox, Netscape, Chrome, ...), e outro para o Internet Explorer (IE). Porque? Pois a Microsoft se aproveitou do monopólio dos sistemas operacionais Windows para monopolizar também os navegadores. Hoje em dia, as versões mais recentes do IE respeitam mais os padrões W3C, e o Firefox e Chrome ganharam bastante espaço. O IE já chegou a ter 85% de utilização em 2002, e hoje tem apenas 17%.
Agora, eis que surge mais uma ameça de monopólio de padrões: ela chama-se schema.org.
A Web Semântica e seus padrões
Um breve contexto: A internet encontra-se hoje em uma transição da sua segunda fase (Web 2.0, em que os usuários deixaram de ser apenas leitores e todos passaram a ser potenciais publicadores, com os blogs e redes sociais) para a chamada Web 3.0, ou Web Semântica.
Mas porque semântica? Será que o computador está deixando de ser burro? Não, pelo contrário, ele continua burro como sempre. A diferença agora é que nós vamos explicar mais esmiuçadamente as coisas para ele. E para explicar as coisas para o computador, precisamos de... padrões!
Vamos a um exemplo rápido. Digamos que eu queria mostrar uma página com meus discos preferidos. Em HTML comum, isso poderia ser escrito assim:
<h1>Página do Alan</h1>
<ul>
<li>Nome: Parabelo</li>
<li>Artista: Tom Zé e José Miguel Wisnik</li>
<li>Ano: 1997</li>
</ul>
<ul>
<li>Nome: The Last Emperor - Soundtrack</li>
<li>Artista: Ryuichi Sakamoto, David Byrne and Cong Su</li>
<li>Ano: 1987</li>
</ul>
Os comandos entre <> dizem ao navegador o estilo de formatação que cada item tem. Neste caso, <h1> é um título grande, <ul> é uma lista, e <li> são os elementos de uma lista. Isto permite o que o browser desenhe isso na tela:
Página do Alan
- Nome: Parabelo
- Artista: Tom Zé e José Miguel Wisnik
- Ano: 1997
- Nome: The Last Emperor - Soundtrack
- Artista: Ryuichi Sakamoto, David Byrne and Cong Su
- Ano: 1987
No entanto, quando alguém perguntar num site de buscas pelo disco parabelo, ele pode achar a minha página de discos, mas pode também achar informações sobre a arma que Lamípão usava e sobre o espetáculo de dança do grupo Corpo. Isso porque em nenhum lugar está explicito que temos a descrição de dois discos, e que Parabelo, nesse caso, se refere a um disco. Pela simples comparação de caracteres ele acha todas as ocorrências da palavra Parabelo.
Marcação de Conteúdo: um começo da Web-Semântica
Pensando neste problema, três gigantes da Internet - Google, Yahoo e Microsoft - se juntaram para criar um padrão de descrição de conteúdo (schema.org) através de meta-dados que eles entendam. O exemplo acima ficaria assim (a sintaxe está simplifcada; para saber sobre ela, procure outra referência):
<h1 "titulo da pagina">Página do Alan</h1>
<ul item tipo="disco de musica">
<li propriedade_do_item="nome_do_disco">Nome: Parabelo</li>
<li propriedade_do_item="artista">Artista: Tom Zé e José Miguel Wisnik</li>
<li propriedade_do_item="ano_de_lançamento">Ano: 1997</li>
</ul>
<ul item tipo="disco de musica">
<li propriedade_do_item="nome_do_disco">Nome: The Last Emperor - Soundtrack</li>
<li propriedade_do_item="artista">Artista: Ryuichi Sakamoto, David Byrne and Cong Su</li>
<li propriedade_do_item="ano_de_lançamento">Ano: 1987</li>
</ul>
Para nós humanos, a lista continua aparecendo da mesma forma. Mas agora o computador "sabe" que se trata de discos, e sabe quais foram seus anos de lançamento.
Uau! Fantástico! Quer dizer que a partir de agora, o google pode achar para mim todos os discos lançado depois de 1990? E o nome de todos os discos do Ryuichu Sakamoto?
É isso mesmo. O problema, o único problema, e agora voltamos aos padrões, é que esqueceram de perguntar à W3C se já existia um padrão para isso. E já existia.
Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Opa! Desculpe, é o costume. Desde 2008 a W3C vem trabalhando no padrão RDFa, que tem o mesmo objetivo: explicar para o computador o conteúdo, ou a semântica daquilo que está escrito.
Qual o problema disso? Simples: no caso do schema.org, o programador deveria escrever
<p itemprop="name">Alan</p>
para dizer que o parágrafo contém um nome. No caso do RDFa, isso deveria ser escrito assim:
<p property="name">Alan</p>
utilizando o vocabulário aberto FOAF.
De que lado você samba?
No fim das contas, quem está empenhado em desenvolver aplicações com semântica na internet fica com o seguinte dilema: Utilizo o padrão-google, de propriedade privada de uma empresa, e tenho mais chances de ser encontrado, ou utilizo padrão aberto, feito por um consórcio que tem legitimidade da comunidade?
Assim como a Microsoft fez com o IE, o Google utiliza o monopólio da Internet para impor seu padrão e eternizar sua dominação. A escolha de um padrão é uma decisão importante, muito custosa de ser mudada. Por isso a importância de se ampliar esse debate agora, enquanto as coisas ainda vão engatinhando.
Mais uma vez, a história nos mostra que não existem decisões técnicas. Toda escolha é política, já que por mais argumentos técnicos que existam, ela sempre vai beneficiar um lado. Não devemos nos supor neutros, pois nesse caso o neutro sempre pende para o lado economicamente mais forte.
Entre todas as questões colocadas, também está em jogo a disputa entre Google e Facebook, já que este optou pelo RDFa. É o futuro da Internet que está em disputa.
Eu, e todos que somos radicalmente contra a propriedade privada das ideias, ficamos com o RDFa. E você?
A reinvenção do mundo já começou
June 24, 2012 21:00 - no comments yetSegue um texto da queridíssima companheira Raquel Júnia. Sintetiza esse sentimento de alegria e esperança que conseguimos trazer nesta Cúpula dos Povos. Ela me perguntou se ficou bom. Ah, Raquelzita, vindo do coração, assim, e de um coração tão especial, não tem como não estar ótimo. Boa leitura.
A reinvenção do mundo já começou
por Raquel Júnia
Durante uma semana a cidade do Rio de Janeiro pareceu ser de quem a ela pertence, a quem deveriam pertencer todas as cidades do mundo. E o aterro do Flamengo uma pequena amostra do que os povos são capazes de construir, com audácia, coragem e amor. Hoje, o dia amanheceu saudoso da Cúpula dos Povos, que balançou a cidade do Rio e fez pulsar na veia a certeza de que é possível construir algo diferente do que querem impor guela abaixo os poderosos do mundo.
Eles acham que sabem tudo. Mas o que não sabem ou fingem não acreditar é que não é possível comprar a força de vontade e o sonho de transformação. Nem todo o dinheiro do mundo comprará a força dos povos, a brava resistência que encabeçam contra os belos montes de desgraças; não comprará o desejo de uma agricultura saudável, sem agrotóxicos, com igualdade entre os seres humanos e comunhão com a natureza; ou a certeza de que o agronegócio mata; não comprarão a criatividade e urgência de um trabalho sem patrão, a justeza da causa das mulheres, que se levantam em uníssono contra as piores barbáries do sistema; a inventividade e a alegria da juventude que compreende o seu lugar no processo histórico.
Milhares de pessoas nas ruas, milhares no metrô, de graça, como deve ser em nosso novo mundo, tomando o que é seu por direito. Milhares organizados, em fileiras, batucando, cantando para dizer um sonoro não aos que pretendem acabar com o planeta, com bandeiras, faixas e cartazes, pegando os grandes latifundiários de surpresa, se opondo frontalmente às remoções dos pobres para dar lugar às moradias dos ricos. E daí que o trânsito parou? Quem foi que disse que os carros são mais importantes que as pessoas? Abelhas midiáticas zunindo, repetitivas, cansativas, antidemocráticas, chatas, apostando num sistema falido e que cava a sua própria cova.
No ultimo dia, o cansaço era visível nos lutadores e lutadoras do povo, que junto as suas organizações emprestaram esforços homéricos para a construção da Cúpula dos Povos. Mas apesar das olheiras, da falta de voz, do bocejo, na coletiva de imprensa final mostravam a dignidade e a alegria do dever cumprido, do sentimento grandioso de ter apostado que era possível propor alternativas, lutar por elas, gritá-las a todos os cantos do mundo, construir diálogos e convergências que apenas se iniciam, mesmo com tantas diferenças.
Durante esses dias se sentiu a construção da história tijolo a tijolo, numa convergência de lutas que se completam e existem porque ainda existe um sistema a derrotar. “Não mais os quilombolas estarão sozinhos protestando em Brasília, estarão com eles os índios, as mulheres, os campesinos, as organizações sócio-ambientais e vários outros”, afirmou Paulino Montejo, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, no último dia da Cúpula. E é preciso dizer agora: não mais os quilombolas, índios, mulheres, comunidades ameaçadas, sem-terra e sem-teto, organizações sócio-ambientais sérias, estudantes, professores estarão sozinhos, jornalistas e comunicadores estarão com eles, entrevistando com brilho nos olhos, se emocionando, captando em imagens a singeleza dos momentos, contendo lágrimas com os relatos de resistência, e sonhando com o dia após a revolução no qual será noticiado em todas as páginas o novo mundo que se inicia.
A reinvenção do mundo já começou...