Blog do Alan, contém pensamentos saídos diretamente da minha cabeça.
Manifesto da Mandioca
Novembre 21, 2011 22:00 - no comments yetPublicado originalmente na http://virusplanetario.net/
Alguém aí já se perguntou por que o pão nosso de cada dia é feito de trigo?
O Brasil importa mais da metade das cerca de 11 milhões de toneladas de trigo que consome. A maior parte vem da Argentina, mas Uruguai e Paraguai também dão sua contribuição. Estados Unidos e Canadá tentam entrar no jogo, mas as barreiras tarifárias impedem.
Enquanto isso, nosso país produziu em 2010 nada menos do que 24 milhões de toneladas de mandioca, que foram consumidas aqui e exportadas para Venezuela, Argentina e Estados Unidos. E o mais importante: 87% da mandioca produzida no Brasil vêm da agricultura familiar. Por ser uma planta nativa do continente sul-americano, encontra condições favoráveis que permitem uma alta produtividade, sem abusar de fertilizantes químicos e agrotóxicos.
Aipim gigante colhido em Cariacica, no Espírito Santo
Mas, será que sempre foi assim? Será que sempre comemos pão-de-trigo e macarrão-de-trigo, mesmo tendo importado a maior parte do que consumimos?
A resposta, obviamente, é não. E a história da implantação do trigo na cultura alimentar brasileira começa na Guerra Fria, com o programa que recebeu o “lindo” nome de “Alimentos Para a Paz”, implementado pela USAID, sigla em inglês para Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
Após a Segunda Guerra, com a Europa destruída, os Estados Unidos tiveram a grande chance de dominar o comércio mundial. A Europa, que antes reinava sozinha, havia perdido toda a capacidade produtiva. E os estadunidenses aproveitaram.
Com o singelo pretexto de acabar com a fome no mundo, criou-se um programa que ao mesmo tempo visava afastar o comunismo soviético e fortalecer suas grandes multinacionais de alimentos, notadamente Bunge e Cargill.
Criada em 1961 por John F. Kennedy, o PL 480 ficou conhecido como Alimentos para a Paz: “Alimentos são força, e alimentos são paz, e alimentos são liberdade, e os alimentos estão ajudando pessoas pelo mundo cuja boa vontade e amizade nós queremos.” Ou então: seja um bom capitalista e nós te damos comida.
Desta forma, através dos mais perversos ainda acordos MEC/USAID, introduziu-se na alimentação escolar brasileira leite em pó, achocolatados e biscoitos. E toneladas de trigo chegaram ao Brasil.
O Brasil deixou de comer mandioca para comer pão e macarrão-de-trigo. Todos os dias, pagamos em dólar o preço de termos nos submetido a essa estratégia de dominação, que é das mais vis: através da alimentação escolar.
Uma análise da série histórica de produção da mandioca revela que “As oscilações para baixo [na produção de mandioca], que remontam ao início dos anos 70 (quando os níveis de produção atingiam 30 milhões de toneladas), deveram-se à substituição da farinha de mandioca por massas (como macarrão, cuja base é a farinha-de-trigo) na alimentação do brasileiro e à substituição dos preparados à base de raizes e folhas de mandioca por rações balanceadas para a alimentação animal (GROXKO, 2006).”[2]
Por isso, conclamo a todas e todos: comam mandioca, aipim, macaxeira! Pode ser cozida no café da manhã com manteiga, pode ser a tapioca feita em casa, quentinha, não dá trabalho nenhum. Pão-de-queijo, tacacá! E é claro, a farinha-de-mandioca que não pode deixar de acompanhar as refeições!
Além da mandioca, o cará e o inhame também são produzidos pela agricultura familiar e podem substituir o trigo, facilmente. Todos ele possuem ótimas qualidades nutricionais, e ainda por cima são isentos de glúten.
Mandioca livre, venceremos!
Referências:
[1] FREITAS ALMEIDA, Fernando Roberto de. O trigo como arma alimentar: características das empresas e do mercado.
[2] ESPM e Sebrae. Estudo de mercado sobre a mandioca (farinha e fécula).
Links para consulta:
http://www.martinneto.com.br/importacao-brasileira-de-trigo-mantera-forca-em-2011/
Da favela para as favelas, de verdade
Settembre 8, 2011 21:00 - no comments yetConheci o Fiell no dia 22 de maio de 2010. No IML. Pra quem não sabe, IML é o Instituto Médico Legal. É pra onde os cadáveres são levados, para verificar a causa da morte. É também o se faz o exame de corpo de delito, para atestar legalmente se alguém sofreu agressão.
No mesmo dia, um sábado, fui assistir à aula do curso de comunicação comunitária do NPC. Estava programado um debate sobre UPP, conduzido por um morador de favela pacificada. Este morador havia escrito uma cartilha de abordagem policial, motivado pelos crescentes abusos cometidos pelos policiais pacificadores na favela do Santa Marta.
Depois de cerca de uma hora de atraso, a Cláudia Santiago, coordenadora do curso, chega com uma notícia: Fiell não pode vir hoje, porque foi agredido e preso pela UPP ontem à noite. Que coincidência né? O convidado do curso para debater a questão da UPP não pode vir porque foi preso e agredido pela UPP.
Mesmo assim, Fiell saiu da delegacia pela manhã, tomou um banho e foi para o curso. Chegou machucado, cheio de hematomas, mancando. Contou para nós o que havia acontecido (leia o livro, tá tudo lá!) e participou das atividades da tarde. No final do dia, sobramos poucas pessoas.
Convencemos o Fiell de que ele deveria ir ao IML para fazer o exame de corpo de delito e processar os policiais que o haviam agredido. Eu estava de carro, e resolvi levá-lo lá.
Ficamos cerca de duas horas esperando nos chamar. A todo instante passavam homens vestidos de açougueiro, com botas de plástico brancas. Que eu me lembre, foi a primeira vez que conversei a fundo com um morador de favela.
Depois do exame, em que o que o médico atestou que ele havia sofrido agressão, Fiell me convidou para tomar uma cerveja no Santa Marta. Que eu me lembre, também foi a primeira vez que entrei numa favela.
Hoje, um ano e meio e muitas cervejas no Zé Baixinho depois, já me sinto em casa no Santa Marta. Tive a oportunidade de acompanhar de perto o nascimento, a construção, e o fechamento violento da Rádio Santa Marta. A parceria musical com o Fiell, os shows de reggae e o trabalho no projeto Rio Economia Solidária fizeram com que o Santa Marta fosse minha segunda casa.
Linguagem clara, objetiva, e sempre provocadora: e você?
Por tudo isso, por esse um ano e meio acompanhando o Fiell nas palestras, shows, debates, eu imaginei que não fosse me surpreender com o livro. Imaginei que me soaria muito familiar tudo que estivesse escrito alí.
Obviamente, levei uma rasteira pra lá de prazerosa. O livro é simplesmente genial. Sua clareza e objetividade fazem do título aparentemente senso comum - da Favela para as Favelas - uma verdade absoluta.
O livro é dividido em capítulos temáticos, que abordam a favela, a comunicação, a educação, os direitos, o movimento hip-hop, o tráfico, a UPP, o trabalho e a cidadania. Em cada um deles, é contada um pouquinho da história do Fiell, do ponto de vista de cada tema.
De cantor consumista a repper-repentista, Fiell conta de forma delicada - e não por isso menos provocante - seu processo de politização e desalienação. Esta transformação lhe custou alguns empregos, ao denunciar aos colegas a exploração que sofriam: "... ele passou meu dinheiro e foi argumentando que eu não poderia mais trabalhar com ele, que eu era muito intelgente e tinha mais é que cantar rap."
Ao perceber que sua condição de pobreza não era culpa sua, como pensava, Fiell decide revolucionar sua vida e lutar por uma sociedade mais justa para todos. E descobriu na comunicação popular - jornal, rádio, e agora o livro - um meio bastante eficaz para isso.
Fiell disse que o livro era pra ser lido no ônibus, na volta do trabalho. Foi exatamente o que eu fiz: o formato pequeno e a linguagem simples e direta fizeram com que eu devorasse as 81 páginas em uma hora de trânsito no 485. Em certo momento a luz acima do meu banco queimou. Mas era um dia de sorte. O ônibus estava vazio e pude mudar de lugar pra continuar lendo.
Se tivesse que definir o livro em uma palavra, não teria dúvidas: provocador. O livro é recheado de provocações do início ao fim. "Existe democracia no Brasil? Pra quem?"; "Eu uso o (o rap) para revolucionar o povo trabalhador das periferias do Brasil. E você?"; "Vamos nos organizar porque as remoções vão vir e toda nossa história irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas."
Fiell escancara as contradições daqueles que se dizem do povo, mas na primeira oportunidade, fazem anúncio para televisão e escapam da favela. A questão da imagem é abordada também de forma bastante direta. "Sabemos que para ter um Nike, que a mídia nos obriga a ter através de propaganda diária, vários jovens negros e brancos das favelas e periferias do nosso Brasil matam e morrem."
E dá-lhe provocação: neste contexto, qual a responsabilidade de um rapper famoso que usa Nike?
Por fim, ficou na minha cabeça uma indagação, que eu coloco em forma de provocação a todos nós: como fazer esse livro chegar de fato às mãos dos trabalhadores que pegam ônibus lotado, chegam em casa cansados e só têm forças para ligar a TV e dormir para aguentar o dia seguinte?
Ao descrever sua rotina antes de se mudar para o Santa Marta, Fiell diz que saia de casa às 4:30 e partia pra comprar o Extra ou Meia Hora, para ver as notícias de violência e as bundas. E se saísse atrasado, já não tinha mais jornal.
Se existe algum livro que pode competir com o Meia Hora, que o trabalhador possa ler e refletir na viagem de volta pra casa, esse livro se chama Da Favela Para as Favelas - História e Experiência do Repper Fiell.
É nosso dever divulgá-lo.
O livro pode ser adquirido na livraria Antonio Gramsci - Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, no Centro do Rio - tel.: 2220-4623, ou então pela internet: http://www.educarliberdade.com.br/fiell.html
Copa no Brasil: "Os interesses da FIFA são meramente financeiros"
Luglio 28, 2011 21:00 - One commentpor Alan Tygel
Em entrevista coletiva organizada nesta sexta-feira, dia 31, pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, Marcelo Braga, da Central de Movimentos Populares, afirmou com clareza: "Os interesses da FIFA são meramente financeiros. E o Brasil é o país do mundo que pode oferecer isso hoje".
A afirmativa foi uma resposta ao jornalista da Folha de São Paulo que sugeriu que a FIFA ou o COI poderiam tirar os eventos do Brasil, caso não houvesse a flexibilização de uma série de legislações nacionais. Para ver mais sobre as "adequações" aos padrões FIFA e COI, clique aqui. "É uma chantagem absurda achar que temos que aceitar todas as imposições, sob o risco de nos tirarem os megaeventos. No cenário de crise mundial, quem poderia recebê-los às pressas?"
O assunto mais abordado na coletiva foram as remoções forçadas que estão sendo praticadas no Rio e em outras sedes da Copa. Segundo Carlos Vainer, professor titular da UFRJ, entre 80 e 100 mil pessoas serão removidas de suas casas por conta dos megaeventos. No Rio, os afetados, em sua maioria, são os moradores pobres que estão nas cercanias dos equipamentos esportivos e em torno das vias que serão construídas: Transcarioca, Transoeste e Transolímpica.
Além destes, moradores de comunidades como Cantagalo, em Ipanema, e Estradinha, em Botafogo, também estão sendo removidos. Mesmo com laudos de engenheiros comprovando que não estão em áreas de risco, os moradores sofrem com o assédio moral da prefeitura, que parece não querer este perfil de população na Zona Sul da cidade. A prefeitura vem inclusive trabalhando para tornar áreas seguras em áreas de risco. Isto porque, na Estradinha, casas foram demolidas e o entulho permanece lá. "A qualquer momento este entulho pode descer", afirma Irmã Fátima, umas das lideranças do local.
O fantasma das comunidades da Vila Autódromo, Arroio Pavuna e Canal do Anil são vias que passarão no seu entorno. As mais de 10 mil remoções que devem acontecer por conta da construção da Transolímpica, Transcarioca e Transoeste, além das vias de acesso ao Engenhão, são injustificáveis, segundo Vainer. "Em pleno século XXI, investir em estradas para melhorar o transporte urbano é um absurdo".
Fransciscleide relatou o drama vivido pelos moradores da favela do Metrô. Há um ano não vivem mais em paz. Das 800 moradias da comunidade, hoje restam apenas 400. Cem famílias foram mandadas para Cosmos, área dominada pelas milícias, a 70km de distância da moradia original. O restante está provisoriamente na favela do Metrô 2, mas já sabem que nem todas poderão voltar para a moradia original.
Segundo Fransciscleide, a saúde dos moradores está seriamente afetada, por viverem há um ano em estado permanente de atenção. "A qualquer momento eles podem vir aqui derrubar nossas casas, como já fizeram com outras pessoas”.
Ficou clara a relação da violação dos direitos humanos, sobretudo do direito a moradia, com os mega-eventos que serão realizados no Rio de Janeiro. Até mesmo o núcleo de terras da defensoria pública, o único órgão que parecia querer ajudar os atingidos, foi desmantelado por influência do poder executivo. De fato, o sentimento é de uma cidade de exceção.
Como forma de protesto, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas convoca para amanhã, dia 30 de julho, uma manifestação no Largo do Machado, a partir das 10:00h. O protesto ocorre ao mesmo tempo em que se sorteiam as chaves da Copa do Mundo, na Marina da Glória, com Show de Ivete Sangalo.
"O Estado brasileiro abdicou de sua soberania", afirma Carlos Vainer
Luglio 28, 2011 21:00 - 2 comments
por Alan Tygel
Em entrevista coletiva realizada nesta sexta, 29, o professor titular da UFRJ Carlos Vainer falou sobre as "leis de exceção" que estão sendo criadas em função da Copa e das Olimpíadas. A coletiva foi convocada pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, com o objetivo de divulgar o lado oculto dos megaeventos: violações de direitos humanos, gastos públicos descontrolados, corrupção e favorecimento de grandes empresas.
Segundo Vainer, uma das leis mais polêmicas é o chamado "Ato Olímpico", aprovado em 1/10/2009, antes mesmo da escolha do Rio para sediar os jogos. Ao citar o artigo 2°, segundo o qual "Ficam dispensadas a concessão e a aposição de visto aos estrangeiros vinculados à realização dos Jogos Rio 2016", Vainer diz que "o Estado brasileiro abdicou de sua soberania. Mesmo que isso faça parte das exigências do COI, duvido que os Estados Unidos tenha aceitado esta cláusula para os jogos de inverno de 2002".
Outra lei aprovada foi o regime diferenciado de contratação, que, segundo o governo, "agiliza as obras e reduz os custos". Entretanto, uma análise mais detalhada revela que as licitações podem ser abandonadas e que os aditivos podem se estender ao infinito. "Se a atual lei de licitações é falha, ela tem que ser revista para a construção de escolas e hospitais, e não para os elefantes brancos que serão construídos ou reformados para os megaeventos."
Aprovado no dia 1° de Janeiro de 2009 (quem estava lá pra ver?), o decreto n° 30.379 é outra afronta ao estado de direito. Seu artigos 4°, 5° e 6° simplesmente cedem todas as áreas de propaganda para o COI fazer o que bem entender, inclusive revendê-las. Inclui-se nessas áreas os letreiros de ônibus e táxis.
O mesmo decreto anuncia que vem repressão por aí. Em tom excessivamente enérgico para um texto jurídico, o artigo 7° deixa claro que "não será tolerada a atividade de comércio ambulante em áreas de interesse para a realização dos Jogos Rio 2016".
Por fim, Vainer destacou que a Lei Geral da Copa está tentando reestabelecer o consumo de álcool nos estádios. Será que os torcedores, depois de 8 anos com a lei seca do estatuto do torcedor, aprenderam a beber com moderação nos estádios? Será que a bebida não é mais a responsável pelas brigas nos estádios? Pode ser... Mas que a Budweiser, maior vendedora de cervejas nos EUA, patrocina a FIFA, isso ninguém pode negar. Veja abaixo lista de patrocinadores da FIFA e do COI.
Governos endividados, população pobre removida da cidade, leis especiais. Os megaeventos estão gerando uma cidade de exceção, onde camelôs, sem-teto, população pobre e trabalhadores informais não têm vez. Serão varridos para fora da cidade, assim como lixo para debaixo do tapete.
Para isso, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas convoca para amanhã, dia 30 de julho, um protesto no Largo do Machado, a partir das 10h. O protesto ocorre ao mesmo tempo em que se sorteiam as chaves da Copa do Mundo, na Marina da Glória, com Show de Ivete Sangalo.
Nota de Falecimento
Luglio 7, 2011 21:00 - 3 commentsRio de Janeiro, 8/07/2011
Morreu nesta madrugada, poucos minutos após a meia no noite, o Forró da Rua Mercado. Esfaqueado por panos de veludo vermelho e cartelas de consumação, o crime ocorreu na lapa, no recém inaugurado bar Leviano. Testemunhas afirmam ter visto bandos de dançarinos de academia no local do crime. A reportagem procurou, mas não foram encontrados remanescentes antigos daquelas noites de quinta feira para explicar o caso. As investigações estão sendo dificultadas já que a maioria das possíveis testemunhas não fala português.
Um transeunte que pediu para não ser identificado suspeitou da lista amiga na porta: "Alguma coisa errada não está certa", afirmou. "Afinal de contas, na rua do mercado todo mundo é amigo". Quando foi procurar um lugar para urinar, não achou o banheiro químico nem os muros antigos do centro do Rio. Quando foi tomar uma cerveja, não havia latão, apenas "Skol Beats". O ambulante havia se transformado em bar men entretido fazendo seus Sex on the beach.
Algumas horas após o crime, a música ainda ressoava por trás das paredes de vidro fumê a prova de bala. Percebendo a qualidade musical de sempre, especulou-se que o que tocava era uma gravação da banda Vira e Mexe. Afinal de contas, o Forró do Mercado havia morrido. Não poderiam estar tocando. O luto era geral e profundo.
A missa de sétimo dia está marcada para a próxima quinta, 14/07, na rua do Mercado, atrás do CCBB. Homenagens a serem confirmadas.
Uma lembrança: