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27 de Janeiro de 2010, 22:00 , por Alan Freihof Tygel - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

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O Som ao Redor: A realidade escancarada e a conciliação que jamais vai acontecer

12 de Fevereiro de 2013, 22:00, por Alan Freihof Tygel - 1Um comentário

Crítica do filme "O Som ao Redor" por uma pessoa que não entende nada de cinema, mas é curioso por saber como funciona a sociedade.

O filme O Som ao Redor, do diretor Kléber Mendonça, consegue com uma simplicidade genial retratar o dia a dia da luta de classes num bairro de classe média em Recife. Mas podia ser em qualquer lugar do Brasil.

O “problema” é que ele é tão real que alguém pode pensar: “Pra que eu preciso vir ao cinema ver minha própria vida?”. Entretanto, um olhar um pouco mais aguçado, junto com algumas discretas pistas dadas pelo diretor revelam uma sociedade em que depois de mais de 100 anos da suposta abolição da escravatura, a estrutura de dominação e exploração pouco se alterou.

No filme, a luta de classes é travada entre uma classe dominante paranoica com a violência urbana e com a insubordinação de seus capatazes, e uma classe trabalhadora que se recusa a abaixar a cabeça e tem sede de vingança de seus algozes, sejam senhores de escravos ou moradores de um prédio.

O som ao redor conta a história desta luta de classes com muita inteligência e sutileza. Pena é que a sutileza às vezes é tão sutil que aqueles que se identificam com a família de Seu Francisco, ou seja 99% do público do filme, podem não perceber do que se trata. Mas o diretor ajuda, bastante.

A primeira pista aparece logo no início do filme. Fotos antigas de engenhos e cortadores de cana nos lembram que a escravidão clássica em nosso país, e especificamente nos engenhos de cana em Pernambuco é um passado tão recente que ainda ressoa forte nos dias atuais.

Com essas imagens postas na cabeça do espectador, o filme faz a passagem do confronto entre senhor de engenho e escravos no campo de antigamente, para o confronto entre uma “classe média” e seus empregados – seguranças, empregadas domésticas e porteiros – nos dias de hoje. O pivô desta transição é, em primeiro lugar, Seu Francisco, um latifundiário da cana, dono de engenho, que é proprietário de todos os prédios de uma rua, e cuja família trabalha como corretora dos apartamentos. No final, a transição é completada pela vingança urbana dos seguranças por um crime rural, fazendo a ligação direta do origem da violência nas cidades.

Violência é tema central do filme

A paranoia com a violências é tema central no filme. Os personagens da classe dominante têm pesadelos e se armam até os dentes por conta dela, obviamente sem nunca questionar a origem desta violência. O filme escancara a desigualdade e a exploração como fatores fundamentais para entendermos a sociedade em que vivemos, em geral, e a violência urbana, em especifico. Os trabalhadores que não abaixam a cabeça (o arranhão no carro, o telefonema dos seguranças para Dinho, e a cena final, por exemplo) mostram um sede de vingança provocada por séculos de exploração, e ilustram a famosa frase de Brecht: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”. Um roubo ou um assassinato é considerado violento, mas a exploração e humilhação do dia a dia, não.

Um dos momentos mais “reais“ (e por isso engraçados) do filme é a reunião de condomínio. Moradores revoltados por causa do porteiro que quer ser demitido destilam o ódio de classes sem o menor pudor. A frase sobre a revista Veja que vem fora do saco é uma piada hilária, mas que só ri quem entende o que esse veículo representa.

Nessa hora, é também o momento em que a máscara de João cai. Esse personagem representa uma tentativa de conciliação de classes, ou seja, uma esperança de que é possível que exploradores e explorados vivam em paz. Mesmo com toda sua bondade no trato com os serviçais, João jamais abrirá mão de seus privilégios em favor dos trabalhadores. Vai até onde sua consciência burguesa se acalma, mas entre defender o porteiro e encontrar sua namorada, fica obviamente com a segunda opção.

Desenho Sonoro e Fantasia

A simplicidade na atuação dos personagens e na composição das cenas é complementada com um desenho sonoro que cumpre função fundamental na narrativa. O nome do filme não é por acaso. O medo, a angústia, a paranoia e o suspense são contados pelos barulhos exagerados da máquina de lavar, do elevador, do latido, e das bombinhas, que ao mesmo tempo resolvem o problema do cachorro e vingam a morte do trabalhador rural assassinado pelo latifundiário por uma disputa terras. Outro complemento sutil são as cenas fantásticas, em particular o banho de cachoeira que ilustra o sangue por trás de um história de exploração e crimes.

Em resumo, O Som ao Redor conta a história da vingança de uma morte ocorrida há cerca de 50 anos (mas que poderia ter sido há três semanas, em Campos dos Goytacazes) na disputa entre trabalhadores e latifundiários. Nesta narrativa, o filme mostra o cotidiano de uma sociedade que, guardadas as proporções, continua alimentando a mesma estrutura de classes até hoje. E deixa claro que a exploração, seja com chicote, seja com salário mínimo, seja bruta ou meiga, é sempre exploração, e por isso, nunca haverá conciliação de classes. E que a classe trabalhadora jamais irá abaixar a cabeça, e que a resistência sempre vai existir, seja num arranhão de carro, no sexo na casa do patrão, nos roubos, ou finalmente no assassinato dos algozes.