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27 de Janeiro de 2010, 22:00 , por Alan Freihof Tygel - | Ninguém está seguindo este artigo ainda.

Blog do Alan, contém pensamentos saídos diretamente da minha cabeça.


Sobre Economia Solidária e Comunicação

13 de Junho de 2011, 21:00, por Alan Freihof Tygel - 44 comentários

Escrevi este texto para apresentar no debate que fizemos sobre comunicação no Santa Marta, no dia 05/06/2011. Eu deveria falar sobre economia solidária e comunicaçao. O problema é que esqueci o texto em casa, mas acho que acabei falando algo próximo a isso. De qualquer forma, fica o texto pra quem quiser ler.

O texto foi fortemente influenciada pela aula que assisti no dia anterior, no curso de comunicação popular do NPC, do professor Gabriel Mendes.

 


 

Em primeiro lugar, gostaria de reforçar que, ao contrário do que a palavra economia leva a crer, economia solidária não se trata somente de trocas de mercadoria. Não se trata apenas de produzir, vender e comprar.

É claro que estas atividades - produzir, vender e comprar – fazem parte daquilo que chamamos de economia solidária. Afinal de contas, a economia solidária nasce justamente de pessoas excluídas do sistema – ou seja, que não têm o direito produzir, vender e comprar – e que inventam um novo de fazer economia para sobreviver.

Economia para a vida. Ao contrário da maioria das pessoas, que vive para a economia, vive para o trabalho, na economia solidária, o trabalho está a serviço da vida. E é por isso que, além de ser um jeito diferente de produzir, comprar e vender, a economia solidária se coloca como um modelo de desenvolvimento alternativo, que funciona dentro do sistema capitalista, mas que explora suas brechas na tentativa de construção de outra sociedade. Sociedade esta pautada por valores como a autogestão, a cooperação, o respeito às diferenças, a valorização dos saberes locais e tradicionais, a democracia. Mas democracia nós já temos, dirão alguns.

Não, não temos, sinto informar. Nosso sistema político é dito democrático pois supostamente qualquer brasileiro pode se candidatar a um cargo eletivo, e de lá representar a população na definição e execução das leis que regem o país. Será que isto é verdade? Será que um cidadão brasileiro que não tenha dinheiro para fazer uma campanha eleitoral consegue se eleger? Além disso, é justo que vereadores e deputados eleitos por todos os cidadão do Rio de Janeiro tenham poder para definir políticas locais, por exemplo aqui no Santa Marta. Não seria mais democrático se os moradores do Santa Marta pudessem escolher se querem UPP ou não, se preferem que o dinheiro seja gasto em câmeras de vigilância ou em saneamento básico, se o governo deve ou não financiar um projeto social na comunidade?

Fora os “deslizes” da democracia política míope, temos um outro momento onde a democracia falha de forma estrondosa. Em média, passamos cerca de um terço do nosso dia trabalhando, certo? E no ambiente de trabalho, temos democracia? Quando dois trabalhadores discordam de um chefe, quem tem razão? Falamos de democracia, mas vivemos um terço do nosso dia num ambiente que ela está completamente ausente.

A proposta da economia solidária, portanto, pode ser vista como uma democracia radical. Democracia não só no sistema político, e democracia de verdade, participativa, como também nos espaços de produção. Aliás, uma das características fortes do sistema capitalista é a divisão do mundo em caixinhas: de dia você trabalha, de noite você vive. Mas de noite você está tão cansado do trabalho, que não quer pensar em problemas; senta, assiste a novela e dorme.

Na utopia da economia solidária, o trabalho e a vida são elementos indivisíveis. Trabalhar é fazer política; é ter voz ativa na definição dos rumos do seu empreendimento, e com isso entender o papel dele na sociedade, a função social de um empreendimento de produção. Um empreendimento de economia solidária se preocupa com a comunidade onde está inserido, se preocupa em viabilizar a existência de outros empreendimentos, e não em tentar destruí-los.

Este é um panorama breve sobre o que se entende por economia solidária, e o que leva milhões de trabalhadores Brasil afora a acreditar e construir esse movimento. E onde entra a comunicação nesta história?

Falamos de trabalho e de política. Associado a ambos, está a questão do poder. No ambiente de trabalho, quem tem o poder é patrão, por que ele teve capital para construir uma fábrica, comprar máquinas, terrenos. Na política, quem tem o poder são os políticos, que de alguma maneira puderam se candidatar e serem eleitos.

Esses dois poderes, do patrão e do político, são assegurados de duas formas. A primeira, mais óbvia: pela polícia. É o poder chamado de coercitivo, ou seja, que age através do uso da força, ou da ameaça do uso da força, para manter patrões e políticos no poder. Quando a polícia atira em professores que se manifestam, ou em bombeiros que pedem aumento de salário, lá está a polícia para servir e proteger... os patrões e os políticos.

Entretanto, os poderes econômico e político não são mantidos e assegurados apenas através da força; do contrário viveríamos numa eterna guerra. É aí que entra em cena o quarto poder: o poder simbólico.

O poder de transmitir símbolos nos molda desde os primeiros anos na infância; quando aprendemos o que é bonito e o que é feio, o que é bom e o que é ruim, o que é moral e o que é imoral. E quem, na sociedade, cumpre o papel de transmitir estes símbolos: família, escola, igreja, amigos, …

E a mídia. É nos desenhos animados, telejornais, novelas, programas de besteirol e nas propagandas que moldamos toda a nossa concepção de mundo. Num país com índice de analfabetismo crônico, a televisão exerce um papel educativo crucial para a sociedade. E qual é a educação passada pela televisão?

Não é preciso muito esforço para constatar que não é uma educação que vá construir uma sociedade melhor, mais justa, mais igualitária. A maneira com que são retratados os negros, as mulheres, os movimentos sociais apenas reforça os valores machistas, o padrão e beleza europeu. Mas por trás disso, está toda a concepção política dos meios de comunicação: são empresas capitalistas financiadas por outras empresas capitalistas e que portanto transmitem toda uma simbologia ligada ao individualismo, consumismo, despolitização.

E é exatamente neste momento em que entra o papel fundamental da comunicação comunitária. É somente através delas que nós, que sonhamos com uma sociedade diferente, podemos criar uma outra simbologia, um outro conjunto de valores rumo a um mundo mais justo e solidário.

Não quero dizer que, com uma rádio comunitária, automaticamente passamos a transmitir valores mais próximo daqueles que sonhamos no movimento de economia solidária. Mesmo nós que imaginamos um mundo diferente estamos impregnados dos valores capitalistas.

Um exemplo de simbologia muito forte é o da carteira assinada. Desde a década de 50, temos no nosso ideal que só é um cidadão decente aquele que tem carteira assinada. Mas sob o ponto de visto do patrão, a carteira assinada nada mais é do que a formalização de um contrato de exploração. Um patrão, que detém os meios de produção, paga um salário e fica com o lucro. Ou seja, se apropria do valor excedente gerado pelo trabalhador, que ainda por cima é levado a achar isso bom, fica muito satisfeito por ter uma carteira assinada. Afinal de contas, ele cresceu ouvindo de sua família que cidadão decente é aquele que têm carteira assinada.

Portanto, a rádio comunitária tem um papel fundamental a cumprir. Ao quebrar o modelo tradicional de geração de noticias – a geração por empresas capitalistas – tem chance a chance afirmar valores e simbologias diferentes daquelas pregados pelas corporações da comunicação. O desafio é imenso, afinal de contas, mesmo não sendo uma empresa, a radio comunitária é feita por gente de carne e osso que, como todos nós, está afundada no sistema até o pescoço.

Mas ao quebrar o comodismo e se aventurar pela ondas da comunicação comunitária, estas pessoas já transgrediram a primeira barreira, da acomodação. Se indignaram. Ao lutar pela reabertura da rádio após o fechamento pela polícia, quebraram a segunda barreira.

O desafio então se coloca em como fazer uma comunicação alternativa, como afirmar valores alternativos, solidários, cooperativos, partindo da cultura dominante do individualismo, do machismo, da criminalização aos movimentos sociais. E como fazer isso de uma forma que dialogue com a comunidade, que não crie um sectarismo e um distanciamento entre a rádio e o povo. Afinal de contas, o povo dialoga muito bem com a novela das oito e com o jornal nacional.

Os oito meses de funcionamento da Rádio Comunitária Santa Marta mostraram que é possível dialogar sem fazer mais do mesmo. O fechamento da Rádio causou enorme comoção na comunidade.

Daqui pra frente, só a prática vai nos mostrar o resultado. Mas a esperança na rádio comunitária do Santa Marta é grande. Afinal, só podemos esperar algum tipo mudança partindo de estruturas deste tipo. Porque, como nos ensinam os mestres Vito Giannotti e Cláudia Santiago, os trabalhadores devem perder qualquer ilusão na mídia tradicional.