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Uma mulher com voz incomoda muita gente | Blogueiras Negras

4 de Janeiro de 2016, 22:04 , por Trabalhos e pensamentos - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Cena do filme A Cor Púrpura (1985), com as atrizes Margaret Avery (Shug Avery) e Whoopi Goldberg (Miss Celie).

O que é ser menina? É ter a saia rodada, o olhar baixo e a blusa florida? Ser menina é ser guriazinha, daquelas quietinhas que correm balançando o cabelo que gostam de cozinha? De onde eu venho, eles colocam a mão na boca de menina que não é assim, batem nos dedos, rasgam a roupa de menina que não diz sim, de menina que não segue a regra, que não se cala e quer anunciar fim. Nem começa, nem diz, só assume um papel de cetim. Papel rosa, rosa lindo como a menina que não fala, rosa tinindo como a menina que desmancha e silencia a sala. O que é ser menina? Não faz pergunta, cretina. Aceita logo e fecha a cortina. Porque ensinaram pra mim que é melhor fechar os olhos e aceitar a neblina. A nossa voz é som que não se ouve, grito que não se fia … O que é ser menina … O que é ser meni… O que é ser… O que…

Quem de nós nunca perdeu a voz sem nem perceber que tinha perdido? Quem de nós nunca foi ignorada porque não tinha permissão pra falar? Quem de nós não foi xingada, agredida, como se não fosse gente, como se a própria existência não valesse tanto quanto a de um homem? Será que existe mulher no mundo que nunca tenha passado por uma dessas situações? Do mesmo jeito será que existe alguma mulher no mundo que não tenha um #amigosecreto? Quando paramos pra perceber o que é ser mulher, ser menina percebemos que desde que nascemos essa categoria já nos delimita a diversos papeis que já estavam no mundo muito antes de estarmos nele.

Como Shirley Chisholm uma vez afirmou: “o estereótipo emocional, sexual e psicológico das mulheres começa quando o médico diz: é uma menina”

O nosso empoderamento é considerado perigoso dentro desse processo social coletivo do machismo, porque homem não gosta de perder os privilégios do mesmo jeito que branco não gosta quando um negro mostra que tem voz e não obedece. Não há guerra mais sanguinária do que a que lutamos por sermos mulheres e o sangue aumenta quando essas mulheres são negras. Em termos mais simples é como se o mundo todo fosse um grande banco e as minhas moedas, por ser mulher, são desculpas. Se eu não pagar constantemente o banco dos homens eu saio da norma, quebro o curso, crio uma dívida cada vez maior pra mim mesma. Essa dívida vem tachada em muitas formas e valores como: as mulheres devem se esconder quando saem na rua, as mulheres devem limpar quando os homens sujam, as mulheres devem fechar as pernas, as mulheres devem ser castas e puras, as mulheres devem ter medo, as mulheres devem ser silêncio … As mulheres devem, devem, devem … Tanto devem que essa conta curva as costas de tão pesada, fazendo com que, automaticamente, esse corpo cansado não responda, apenas obedeça e pague sem perguntar o porquê. Todas nós nascemos com uma conta pra pagar, mesmo que nem saibamos o que é isso. Somos ensinadas constantemente a manter o pagamento em dia.

Mas e se eu não quero obedecer? A divida não perde a necessidade de ser paga, ela só cria juros. Por isso que se eu desobedeço caio no limbo da solidão culposa; porque feminista não é uma “palavra boa”, não dá pra falar por aí sem ganhar um olhar de choque, um sorriso torto, uma cara virada, até por vezes soco, tiro, ameaça de morte e por aí vai. Mas se eu obedeço caio no limbo da normalidade do silêncio, da placidez e da inexistência, ou seja tudo que os homens esperam de mim. Precisamos ser as boas mulheres do não lugar, da voz baixa, do sorriso doce, precisamos ‘não ser’ pra estar em dia com o banco do patriarcado.

Sou feminista porque me dou o direito de não pagar essa divida, de não tomar ela como minha e me lixar pros juros que o meu “não pagamento” constrói. Ser negra e feminista é me devolver a voz que desde o inicio me foi tirada e não ter receio de usá-la. É deixar de ser só dívida pra ser história. História essa que eu crio por mim mesma e mais ninguém, porque cansei de ter minha voz calada e sei que tenho o direito de escolher meus próprios contratos e dar valor as minhas próprias moedas.

Quando encontramos outras manas que nos ajudam a perceber que não podemos nos definir pelos valores do patriarcado e do racismo devemos nos agarrar nesse lugar, nos fortalecer com essas mulheres, criar o nosso nicho de amor. Nicho este que vai com o tempo nos fazendo desapegar da dívida e se enriquecer com o empoderamento. Por que homem odeia isso? Por que um dia quebraremos o banco e perceberemos o quão extraordinárias nós somos, que uma mulher empoderada pode causar estragos na vida de um machista. Simplesmente porque uma mulher com voz incomoda muita gente, duas, três, quatro incomodam muito mais.

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Mara Gomes
Mara Gomes é estudante de psicologia, apaixonadíssima por quatro efes: Feminismo, Filosofia, Foucault e Frida Kahlo. Administra a página A Mulher negra e o Feminismo e alimenta ainda aquele velho sonho de mudar o mundo.

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Fonte: https://aprendizadosdaalma.wordpress.com/2016/01/05/uma-mulher-com-voz-incomoda-muita-gente-blogueiras-negras/

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