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Sobre a PL865

12 de Maio de 2011, 21:00 , por Alan Freihof Tygel - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Bom dia,

Meu nome é Alan, sou Engenheiro Eletrônico e de Computação, e pesquisador do Núcleo de Solidariedade Técnica, o SOLTEC/UFRJ há cerca de dois anos. Neste período, pude participar de atividades de extensão, pesquisa e ensino, todas elas ligadas de alguma forma à Economia Solidária.

Quando penso em alguém que ouve o termo "Economia Solidária" pela primeira vez, lembro logo da frase que ouvimos frequentemente: "Mas como pode, uma economia ser solidária? Afinal de contas, economia é quando lutamos pelo nosso pão de cada dia, pelo nosso suado dinheiro; e a solidariedade é muito bonita, mas não podemos viver só dela, é preciso ganhar dinheiro!"

Longe de ser uma caricatura, esta frase possui duas falhas fundamentais. Comecemos pela primeira.

O termo economia vem do grego, e significa "administração da casa". Portanto, considerar a economia como sendo o momento da competição quase irracional em que seres humanos lutam por bens escassos, é considerar que só há uma maneira de administrar bem uma casa: competindo com a casa ao lado, num modelo onde o sucesso de um é condicionante do fracasso do outro. É partir do pressuposto de que existe apenas um modelo possível de economia, o modelo da competição.

Em segundo lugar, associar a solidariedade ao ato de dar sem receber nada em troca é considerá-la como ajuda, assistência, desprendimento. Falácia. Na ótica da economia solidária, solidariedade quer dizer responsabilidade recíproca. Eu sou responsável por você, e você por mim. Todos temos responsabilidade sobre todos. E sobre o território em que vivemos, sobre o ar que todos respiramos, a comida que comemos.

Ao nosso amigo que se espantou com a junção de palavras tão fortemente antagônicas e quer saber como uma economia pode ser solidária, explicamos: Na economia solidária, o sucesso da administração da minha casa se dá quando todas as casas dos meus vizinhos e da minha comunidade têm sucesso. Ao invés da competição entre a melhor administração de casas, lutamos por um modelo em que todas as casas existam, e tenham água, luz e esgoto. Todas, sem exceção.

Como engenheiro a serviço da economia solidária, tenho especial interesse pela tecnologia social. E dela surge a pergunta fundamental: depois de 5 anos na faculdade, e mais dois no mestrado aprendendo a produzir tecnologia voltada para quem pode pagar cara por ela, como pensar em outras tecnologias apropriadas à empresas autogestionárias, movimentos sociais e comunitários, cooperativas? Será que pessoas e instituições que olham o mundo pela lógica da cooperação podem se utilizar do mesmo conjunto de ferramentas que aqueles que fecham sua visão na ótica da competição?

Apesar da pouca experiência, fica claro que a resposta é não. Assim como a máquina dos Tempos Modernos de Chaplin foi feita para alienar, os avançados sistemas de gestão integrada usados hoje nas grandes empresas são feitos para dividir e controlar o trabalho, permitindo que uns poucos iluminados definam os rumos das organizações.

Portanto, da mesma forma que cada projeto econômico demanda sua própria tecnologia, a política pública para cada um deles deve ser diferenciada. E é exatamente por este motivo que não podemos aceitar que a economia solidária seja subordinada aos mesmo interesses que as micro e pequenas empresas.

Sabemos dos avanços que a política pública para o desenvolvimento econômico solidário vem conquistando. Sabemos também que hoje, dentro do Ministério do Trabalho, talvez não estejamos no lugar mais adequado. Mas é certo que mudar para a pasta das micro e pequenas empresas seria um retrocesso histórico. Seria simplesmente ignorar as diferenças entre dois modelos antagônicos.

O exemplo vivido hoje no morro Santa Marta ilustra bem as diferenças ideológicas no se que pretende dizer com o termo desenvolvimento. Favela considerada modelo do governo do Estado, os moradores do Santa Marta vêm sofrendo as consequências do desenvolvimento: explosão nos preços dos alugueis, empresas privadas externas oferecendo serviços e uma alta insustentável no custo de vida. O resultado são os caminhões de mudança que frequentemente são vistos na entrada do morro, levando embora aqueles que não puderam arcar com este desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o SEBRAE incentiva o empreendedorismo individual para aqueles que já têm um capital inicial poderem explorar aqueles que não o tem. Tudo na lógica individualizada, cada um por si.

Em contrapartida, o SOLTEC/UFRJ vêm implementando nesta favela e em outras três, o projeto Rio Economia Solidária. Assim como o anterior, o objetivo é o desenvolvimento. Mas agora, ele é solidário, no sentido da responsabilidade recíproca. Não basta que uma empresa se dê bem; é preciso que todos os trabalhadores-moradores do Santa Marta que desejem se associar e construir um empreendimento solidário possam receber apoio. Este empreendimento não deve se preocupar apenas consigo; deve se preocupar com o desenvolvimento de seu território, com a preservação do meio ambiente e com o respeito às diversidades de raça, gênero, religião e cultura. E este é o objetivo do Rio Economia Solidária: promover um desenvolvimento econômico solidário, que possa beneficiar igualmente a todos os moradores.

Essas contradições, portanto, nos apontam no sentido de que a Economia Solidária, vista como modelo alternativo de desenvolvimento, possa ter seu espaço próprio dentro da estrutura do Governo Federal. A SENAES, pela qual batalhamos duramente nos últimos 8 anos, merece avançar para se tornar uma pasta autônoma, seja ela um Ministério ou uma Secretaria Especial. Isto já foi expresso como vontade do movimento, na II CONAES, e volta à tona neste momento de indefinições. Então, com esta pasta autônnoma, poderemos avançar nas políticas públicas específicas para a Economia Solidária, ajudando a construir um país mais justo e igual.

Muito obrigado.

 


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