A roda do último carro faz sua última volta.

Os búfalos entram pela sombra da noite,

onde se dispersam.

As crianças fecham os olhos sedosos.

As cabanas são como pessoas muito antigas,

sentadas, pensando.

Uma pequena música toca no fim do mundo.

Uma pequena lua desenha-se no alto céu.

Uma pequena brisa cálida

flutua sobre a árvore da aldeia

como o  sonho de um pássaro.

Oh, eu queria ficar aqui, pequenina.

Derramam-se as estudantes pela praça,

num lampejo de sedas e braceletes;

cestas de flores,

tapete aberto,

caleidoscópio.

Saltam as tranças luzentes,

desenrolam-se os véus,

ofegam as blusas com cores de pedras preciosas.

O vento incha e enrodilha os vastos calções franzidos...

Plasma nos corpos adolescentes panos tenuíssimos.

E o sol ofusca os negros olhos cingidos de colírio.

Grande festa na rua matinal,

sob árvores imensas,

entre tabuleiros de bétel

e grãos amarelos.

As estudantes falam com gestos delicados,

com atitudes de estátua,

enleadas em pulseiras,

e nas mãos com ideogramas de dança,

levantam cadernos, esquadros,

num bailado novo:

e medem a vida

e descrevem o universo.

Que mundo construirão?

Cecília Meireles é uma das vozes líricas mais importantes da poesia brasileira. Certamente publicaremos muitos poemas de Cecília pela doçura de suas poesias, expressão exata sobre as coisas , os seres, os homens,  sentimentos e dores, sempre com uma visão límpida da beleza do mundo. Em sua viagem à Índia, há mais de cinquenta anos, impressionou-se com a multidão que "corre como as ondas do largo oceano", com a pobreza de um "homem tão antigo que parecia imortal", com os meninos, os cavalinhos, os búfalos, os adolescentes, os canaviais, as estudantes, a aldeia...Todos se tornaram temas dos "Poemas escritos na Índia", parte de sua obra poética. E para responder à pergunta de Cecília: "Que mundo construirão?" publicamos a foto das mulheres indianas em protesto contra os abusos de que são vítimas até hoje em seu país.