16 de Abril de 2014, 14:03
, por Desconhecido
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Carlos Heitor Cony
Fazia calor no Rio, 40 graus e qualquer coisa, quase 41. No dia seguinte, os jornais diriam que fora o mais quente deste verão que inaugura o século e o milênio. Cheguei ao Santos Dumont, o vôo estava atrasado, decidi engraxar os sapatos. Pelo menos aqui no Rio, são raros esses engraxates, só existem nos aeroportos e em poucos lugares avulsos. Sentei-me naquela espécie de cadeira canônica, de coro de abadia pobre, que também pode parecer o trono de um rei desolado de um reino desolante. O engraxate era gordo e estava com calor — o que me pareceu óbvio. Elogiou meus sapatos, cromo italiano, fabricante ilustre, os Rosseti. Uso-o pouco, em parte para poupá-lo, em parte porque quando posso estou sempre de tênis. Ofereceu-me o jornal que eu já havia lido e começou seu ofício. Meio careca, o suor encharcou-lhe a testa e a calva. Pegou aquele paninho que dá brilho final nos sapatos e com ele enxugou o próprio suor, que era abundante. Com o mesmo pano, executou com maestria aqueles movimentos rápidos em torno da biqueira, mas a todo instante o usava para enxugar-se — caso contrário, o suor inundaria o meu cromo italiano. E foi assim que a testa e a calva do valente filho do povo ficaram manchadas de graxa e o meu sapato adquiriu um brilho de espelho à custa do suor alheio. Nunca tive sapatos tão brilhantes, tão dignamente suados. Na hora de pagar, ...
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