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Botando die Manguinhen de fora

24 de Março de 2015, 17:53 , por Alan Freihof Tygel - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Licenciado sob CC (by)

Chegou a primavera. Talvez ninguém tenha dado muita bola para isso no Brasil, já que a conjuntura política tem sido certamente mais interessante do que um mísero início de outono. Imagino que, não fosse o eclipse e o equinócio da última sexta, teria passado desapercebido.

Mas a primavera, aqui, de forma alguma. É até um pouco emocionante ver as árvores retomando a vida, a quantidade de casacos diminuindo, o tempo de luz do dia aumentando (quando cheguei anoitecia 16:30; agora já chegamos às 19h com luz ainda!), alguma flores sapecas nascendo nos gramados, os brotinhos verdes explodindo nas pontas dos galhos secos, a temperatura subindo devagarzinho, uma pausa do café de manguinhas de fora no jardim (confesso, a foto foi meio fake, logo depois botei o casaco). Até as pessoas, dizem, vão ficando mais simpáticas. Mas isso acho uma bobagem, tão idiota quanto ficar papagaiando que os alemães são "fechados", "antipáticos", "grossos", usw. A julgar pelas fotos que me chegaram do último dia 15, por esse raciocínio, todos os brasileiros são estúpidos, estão fartos de Paulo Freire, e inclusive pedem "Militärische intervention schon", que se em português já um impropério, num alemão-google-translator (sim, eu testei e deu bem isso), é uma idiotice sem tamanho.

Agora, o mais legal mesmo dessa tal de primavera, são as portas que se abrem. (Falando assim fica com cara de oportunidades, portais para o além, alguma metáfora esotérico-marketeira). Mas, não, falo das portas mesmo, essas que separam os ambientes e as pessoas. Uma coisa que me incomoda bastante é a quantidade de portas fechadas que se tem que abrir e fechar cada vez que se entra ou sai de um lugar. Sobretudo dentro de casa, a casa mais acolhedora e aconchegante de toda a Alemanha, a minha, as portas dos quartos ficam fechadas. É o danado do frio, meu quarto então, que tem pouco aquecedor pro tamanho, e a casa é antiga, de porta aberta eu congelo.

Mas, eis que alguns grauszinhos a mais, e as portas, como num passe de mágica, se abrem. A nossa porta que dá pro jardim fica aberta, a porta do quarto dos amigos fica aberta, a porta que separa a entrada da piscina pública (!) do jardim interno fica aberta. E isso deixa tudo tão contente!

* * *

Esse fim de semana foi o fim de semana da mandioca. Poderia até dizer que estava sofrendo tremeliques e taquicardias por falta desse nosso símbolo da agricultura camponesa, mas estaria mentindo, porque nos dois meses aqui já denotei quase os dois kg de farinha que trouxe, fora o reforço que a Winnie contrabandeou do Pará via Hong Kong. Vejam como o esquema foi pesado.

Mas farinha não é tudo, e já tava um pouco chateado com a falta do aipim, e da tapioca. Fui à luta, e não é que... achei! A loja africana já dava um capítulo só dela. Na porta, imponentes mandiocas enceradas, junto a algo que parecia cará, grande e disforme, limão taiti, e outros. Dentro, uma geladeira com quiabo (vai ter carurú, aguardem!). No fundo, uma plaquinha: Brasilianisches Essen! Pronto. Caminhei até lá, o coração palpitando, e quando olho... Volta que deu merda!

Ninguém nesse mundo vai conseguir, nunca jamais, me explicar porque algum/a brasileiro/a miseráaaave vai sentir saudades de tempero Kitano Alho e Sal!!!! Isso é veneno, veneno mata!!! Ivi, vem aqui jogar isso no lixo!!!!

Bom, passsado o susto, ouço uma voz ao longe: "Ix vil secs Guaraná! Secs flaxe!" Olhei pra ela e disse: "6 garrafas de Guaraná, tu é Brasileira que eu sei!". "Sou mineira!" Ah, bem... só observo.

Ali debaixo achei a segunda coisa que tava procurando além da mandioca: polvilho! Achei, Yoki, claro, mas tá valendo. Difícil foi explicar pros compas da casa, que farinha de mandioca, aipim e polvilho vem tudo do mesmo lugar. Andrézinho, imagina quando experimentar tiquira?

Agora, só digo uma coisa: a famosa tapioca da Barroquinha, que já foi a mais conhecida do Bairro de Fátima, hoje atende na Cidade Velha (em que cidade...) Altstadt, bem alí na Doro48.

Mentira. Tapioca com polvilho Yoki é barril dobrado. Mas é o que tem pra hoje, e pelos próximos 7 meses, a não ser que alguma alma caridosa...

No sábado de manhã, uma das amigas aqui acordou num bode danado, porque foi pra night e tinha que trabalhar na noite de sábado pra domingo. Prometi que faria uma comida gostosa quando ela voltasse, mas tava morendo de medo do aipim estar ruim, duro e tal. Pra minha surpresa, a tal da cera funciona bem, e cozinhou mais rápido que muito aipim daí. O resultado ficou meio gourmetizado, uma cozinha fusion nipo-tupiniquim no meio da Alemanha, mas juro que tava Bonn. E vivo!!!!

Ah, só pra avisar, ao invés de perguntar se eu estou bem, me pergunta o que estou comendo. ;) Mãe, to passando mal não, vú? Clicando na foto ela aumenta. O saquinho fechado é carne moída turca de cordeiro, que virou o escondidinho de cima. Aliás, escondidinho ficou sendo chamado de Versteckchen. Fofo né?

* * *

Estou sentindo que o melhor lugar da casa é o jardim. To doido pra fazer um churrasco e incomodar o vizinho, Herr Bart (Sr. Barba), esse sim, um alemão caricato, dizem. Já iniciei a compostagem, e com a produção alta de lixo orgânico de casa, vamos ter terra boa, espero.

Durante o inverno, o sol nunca fica em cima. Sempre numa altura tipo 16h. Mas agora que está subindo, já bate um solzinho no jardim, e da pra lagartichar com os amigos. Delícia total.

A trupe quase toda, faltando só um que está viajando

Minha composteira. Essa ninguém joga no lixo!

* * *

Pra terminar, uma historinha de hoje. Meu pneu furou, e eu, sem farol, voltei pra cara empurrando a bike. Já pertinho de casa, cruzei com duas pessoas, e um me chamou: Álan (sim, em alemão o acento é no primeiro A, mas Alan não é um nome nada comum aqui). Era o Áli, amigo da natação, que sempre trocamos uma palavras, mas rapidinho,na borda. Ele acompanhava um homem, meia idade, cego - ou pelo menos assim supus, de óculos escuros e bengala. Ficamos naquele papo - a você mora por aqui, eu também, expliquei que voltava à pé da Universidade, que eu fazia doutorado, ah que legal, volta e meia ele se virava para o senhor cego e explicava o contexto - ele é meu amigo da natação, o prédio onde ele estuda é onde estivemos tal dia, etc, etc, etc. De repente, o moço interrompe nosso papo e pergunta: Bist du Brasilianer?

Nossa, fiquei feliz como o que! Em primeiro lugar, é muito raro alguém perguntar de onde eu sou. O próprio amigo Ali não tinha perguntado, nem feito nenhuma menção ao fato de eu ser estrangeiro. Pelo meu alemão macarrônico de botequim, é óbvio que não sou daqui. Não só pelo sotaque, mas pela falta de vocabulário e tal. Mas ainda assim, o cuidado que expressam em não discriminar nem diferenciar os estrangeiros, impõe um certa ética de só perguntar de onde a pessoa vem quando tem certeza absoluta que isso será interpretado como uma curiosidade carinhosa, e não como um insulto xenófobo.

Em segundo lugar, reconhecer pelo sotaque que eu sou brasileiro, me deixou contente demais. Ele falou alguma palavras em português, depois disse que tinha amigos na Colômbia, conheceu um portugueses e tal. Fiquei pensando que dizem que os cegos ficam com os outros sentidos mais aguçados. Não que meu alemão seja tão límpido e fluido que somente alguém com sentido super apurado perceba que não sou daqui, longe disso, mas sacar que eu sou do Brasil pelo sotaque foi bom demais.

"E digo mais," completou ele. "Com certeza deve ser baiano!",

Mentira. hehehe

* * *

Ah, antes que eu me esqueça, tem o doutorado. Este foi o motivo de eu ficar tanto tempo sem escrever. Torçam aí pra ser aceito no WebScience15, mas sem grande expectativas, o congresso é mega-concorrido.

Tchü-üs! (mi - si)
 

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