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Dicas para um bom texto acadêmico

Versão 2 - Débora Nunes em 2 de Setembro de 2017, 10:17

Essa não é a versão mais nova desse conteúdo.

 

 

Escrever

Dicas para um bom texto acadêmico

 

Débora Nunes

Depois de muitos anos orientando estudantes de graduação, mestrado e doutorado, identifiquei alguns erros recorrentes e fui anotando, um a um. Essa experiência de orientadora é a base desse texto, que já vem sendo útil há muitos anos, mesmo que eu não seja especialista em redação. Espero que pessoas interessadas em escrever melhor, sobretudo no âmbito da Universidade, possam se beneficiar dessas dicas. Então vamos lá.

Um bom texto, mesmo o acadêmico, parece uma boa conversa, que flui agradavelmente, sem deixar subentendidos, nem incompreensões e encantando os interlocutores no prazer de aprender, e de certa forma, de trocar idéias. Como o leitor, ou a leitora, não tem como falar com o autor ou autora, é importante dar-lhe tempo para falar consigo mesmo enquanto lê, fazer pausas, mesmo rápidas, para pensar. Estas pausas são as pontuações bem usadas, as frases curtas, os parágrafos bem ritmados (e que não cansem quem lê), a presença de intertítulos, os capítulos que se sucedem de forma clara...

Escrever bem é saber expressar idéias de foram clara, rápida e persuasiva, com capacidade de convencer. Uma boa redação revela capacidade de raciocínio e muito esforço pessoal – mesmo para aqueles que têm mais facilidade. Nenhum bom texto é escrito de uma só vez, mesmo os melhores autores e autoras retrabalham várias vezes seus escritos para brindar quem lê com o melhor. Vamos fazer o mesmo. No final do post há uma lista para que você faça uma auto avaliação: seu texto está bom?

 

Para escrever de modo agradável e compreensível, faço algumas recomendações.

I - Sobre o tema:

O melhor tema é o que nos desperta muita curiosidade e preenche o autor/a, de alguma forma, enquanto pessoa. Só assim ela pode entregar o melhor de si mesmo/a em seu estudo e na finalização escrita da sua pesquisa.

Um bom texto deve mostrar ao leitor o processo intelectual que foi percorrido para que o autor chegue às mensagens que quer lhe passar, tanto dos autores com os quais aprendeu sobre o tema, como dos pontos de vista e formas de aproximações que foram  usadas para o entendimento do tema.

Tudo o que você escreve, portanto, é guiado pelo tema de sua escolha. Assim, observe se você não faz digressões excessivas, rodeios, como se diz, desviando-se demais do que você quer dizer. Perder-se no seu próprio texto é um perigo que você não pode correr e para isto, guie-se sempre no seu Sumário e evite parágrafos e parágrafos que não têm relação direta com seu tema. O Sumário é uma peça que ajuda a reflexão do autor e estabelece um compromisso deste com leitor. O Sumário, no processo de escrita, ajuda o autor a organizar suas idéias e não sair do seu tema, trabalhando-o de forma correta. O leitor tem ali uma percepção geral do que vai ler, despertando (ou não) seu interesse.

II- Sobre o leitor:

O/a leitor/a deve ser tratado sempre como alguém inteligente e que não tem tempo a perder. Por isto mesmo o leitor deve ter possibilidade de apreender rapidamente, em uma primeira leitura, o que o autor quer dizer. Havendo clareza no texto, o leitor pode se posicionar de acordo, contra ou manter-se em dúvida em face ao que lê e esta dinâmica o estimula a prosseguir.

Em tempos em que falta tempo, o Sumário, a Introdução e a Conclusão são os itens mais garantidos de serem lidos no texto e assim podem fazer o texto ser lembrado ou esquecido. Escreva-os com o maior cuidado, perguntando-se sempre se não podem ser melhorados para expressar de forma mais clara o que de fato você quer dizer.

A técnica de leitura dinâmica, usada por muitos leitores, onde se lê principalmente a primeira frase de cada parágrafo, faz com que seja aconselhável começar o parágrafo, ou o capítulo, pelo enunciado mais importante e só depois abordar os fatores secundários ou dados menos importantes.

III- Sobre a organização do texto ou componentes de um bom texto

Um trabalho começa com uma Apresentação que é onde o/a autor/a explica ao leitor o contexto em que o trabalho foi realizado: explica suas experiências anteriores com o tema, o que motivou sua produção, etc. É a parte mais pessoalizada do texto acadêmico, depois dos Agradecimentos, claro!

No Resumo, de cerca de 20 linhas (250 palavras), precisam estar respondidas as perguntas: o que é o trabalho, por que foi realizado, onde e quando, como se desenvolveu e quais as conclusões tiradas. É preciso que este importante texto seja bem trabalhado, pois é uma referência geral para o leitor.

O Sumário, do mesmo modo, deve ser feito com cuidado e deve ser específico do trabalho e não genérico, apenas com as palavras Introdução, Metodologia, etc. como títulos.  Mostrar a capacidade de organização e síntese das idéias do (a) autor (a) e facilitar a leitura dos leitores é a função do Sumário.

Na Introdução o tema é que é apresentado.  Em linhas gerais se contextualiza a discussão e ao final é apresentado de forma resumida o trabalho que virá a seguir (sugestão: um parágrafo para explicar cada capítulo).

Sobre o desenvolvimento do texto, serão feitas recomendações a seguir, nos itens IV e V, porém é preciso lembrar que se escreve para confirmar hipóteses levantadas previamente, aquilo que quem redige quer transmitir. Todas as considerações apresentadas sobre o tema devem ser argumentadas pelo autor/a e é importante que muitas tenham confirmações bibliográficas, estudos de outros autores e autoras. Cada argumento, dado ou informação de pesquisa deve ser referenciada com fontes ali onde elas são feitas pela primeira vez, mesmo que de forma sintética, que serão desenvolvidas depois. Quando os argumentos estão presentes em outras partes do texto, sem terem sido antes anunciados, isto dificulta o diálogo autor(a)/leitor(a), essencial em um trabalho acadêmico.

As afirmações/negações acerca do tema precisam ser feitas de forma organizada para que exista real processo argumentativo a ser seguido pelo leitor. Só assim as conclusões do trabalho poderão ser partilhadas ou se evidencie uma discordância entre o autor (a) e o leitor (a). E, ambos os casos o trabalho argumentativo foi válido e o leitor/a saiu ganhando.

Na “Conclusão” não deve haver dados novos e é o momento mais apropriado para o autor se posicionar livremente sobre o tema, em consonância com a argumentação defendida ao longo do trabalho, mantendo assim a coerência do texto.  Recomendo que a Introdução e a Conclusão tenham em torno de 10% do total de páginas do texto geral.

Os Anexos são aquelas partes, importantes, que são retirados de outra fonte para serem juntadas ao trabalho. Os Apêndices também são adendados ao trabalho no final, mas são produzidas pelo autor (roteiro de entrevista, modelo de questionário, etc). Os anexos grandes, recortes de jornal, por exemplo, devem ter marcação das informações que se referem diretamente ao tema  (com marcador colorido, ou outro, pra ajudar o leitor a ler mais rápido) e devem estar organizados em ordem cronológica.

IV- Ao tratar de um fenômeno, no desenvolvimento do texto:

  • Escrever bem significa ter hierarquias claras: A cada aspecto a ser abordado no texto, discuta o tema atentando para a hierarquia, passando:
  • do geral para o particular, ou seja fornecer uma dimensão geral do problema e depois tratar do específico; do grande para o pequeno; tratar primeiro as causas, depois os efeitos;
  • partir dos consensos e só depois entrar nas exceções ou nas polêmicas, ou seja vá do grandemente aceito para o duvidoso, comece pelos aspectos afirmativos (positivos) e só depois trate os ‘mas´ e ‘poréns` (negativos);
  • Tratar o tema sob vários pontos de vista, em termos micro e macro, abordagens de diferentes disciplinas e de diferentes estudiosos da questão.
  • Um recurso muito útil para dar amplitude ao tema é a apresentação da etimologia do(s) conceito(s) em questão, ou seja, a origem da palavra e suas diferentes acepções constantes no dicionário. Estas abordagens devem ser separadas em parágrafos, ou em subitens ou em capítulos diferentes;
  • Atentar para a cronologia, que deve ser crescente ou decrescente (por exemplo, do tempo mais anterior ao mais presente, ou partindo dos fatos do presente e indo buscar suas origens e causas no passado). A cronologia deve ser inteligível, ou seja, compreensível sem dificuldades e respeitada em sua lógica. Quando o autor decide por uma forma de abordar o tema em termos cronológicos, não poderá mudar no meio do caminho, sem confundir o leitor;
  • Para que o leitor não se canse e não se perca, compreendendo bem o que está sendo lido, fazer frases curtas (máximo em torno de quatro linhas) e parágrafos também curtos (em torno de 12 linhas). Bons textos têm normalmente um bom ritmo, ou seja, parágrafos mais ou menos do mesmo tamanho: uma referência para um bom parágrafo seria ter em torno de doze linhas, com cerca de três frases.
  • Este ritmo de tamanho de frases e parágrafos deve ser mantido com certa regularidade, sem se tornar monótono, pois é quebrado com intertítulos, figuras, divisão em capítulos, etc.
  • Uma das principais formas de orientar o leitor a melhor saborear o texto é através dos títulos e intertítulos. Trate-os de forma criteriosa, nomeando-os com precisão e síntese a cada vez que o tema tiver subtemas.
  • Atentar para jamais fazer referência a um dado ou idéia que não tenha sido citado ou discutido anteriormente. É na primeira vez que se fala de algo, que se explica se que se trata, seja uma abreviatura, um conceito, um dado. A seguir, salvo em casos raros, como textos muito grandes, não é necessário repetir;
  • O leitor deve ser considerado como distante do tema para não tornar o texto excessivamente ‘doméstico’ (por exemplo, citar as instituições sem abreviações, situar os fatos sempre num bairro, cidade e país);
  • O fenômeno deve ser abordado com segurança, demonstrando claramente a opinião do autor em relação ao que está sendo discutido, mas sem que isto seja feito de forma “panfletária”, ou dogmática. Suas dúvidas também devem ser explicitadas para que possa haver um diálogo com outros autores e com o leitor;
  • Incluir frases que ajudem o leitor a passar de uma ideia a outra, de um capítulo a outro, acompanhando o que você quer dizer (“Vendo o problema por um outro ponto de vista”, “retomando o que foi dito anteriormente”, “será abordado a seguir”);
  • As figuras, sejam elas fotos, desenhos, gráficos, quadros ou tabelas são instrumentos preciosos de síntese e em alguns casos, imprescindíveis. Lembrar que as figuras devem ser autoexplicativas e de boa qualidade e também de colocar a fonte e se é elaboração do autor/a, citar isto;
  • Lembrar que uma tabela não tem linhas no corpo e é qualitativa, enquanto que um quadro tem linhas e é quantitativo.
  • Revisar, simplificar e cortar são regras de ouro. Por exemplo, substitua “fazer um debate” por “debater”, e “com o propósito de”, por “para”. Retirando redundâncias o texto fica mais leve e agradável;
  • Deixe o texto descansar antes de revisá-lo pela ultima vez. Ao revisar tente ser de fato seu próprio leitor, crítico e imparcial;

 

V - Sobre o estilo:

  • Um erro ortográfico ou de conjugação é um pecado muito grande nestes tempos de revisão ortográfica automática. Observe o que diz seu computador e não perca a confiança do seu leitor.
  • Seja direto, evite clichês, não seja empolado, não use jargões, aproxime-se o mais possível da linguagem cotidiana. Evite tanto as expressões excessivamente coloquiais, como as excessivamente rebuscadas. 
  • Evite abreviações, siglas e símbolos, pois o leitor pode não os conhecer. Se o fizer, explique o que significa e faça lista de abreviações, se forma muitas.
  • Fornecer sempre uma ordem de grandeza compreensível para o leitor não especialista no tema em questão. Se você fala em hectares, mantenha esta referência do início ao fim do texto;
  • O objetivo de um autor deve ser de tratar o tema o mais exaustivamente possível dando o mínimo de trabalho ao leitor, assim, evite redundâncias. “Enxugue” o texto retirando seus excessos e jamais repita o que já foi dito a não ser em situações muito particulares, assinalando para o leitor que você sabe que já falou daquilo, para não parecer descuido.
  • Jamais seja vago. Na medida do possível dê dados precisos e diga suas fontes. Evite o uso de advérbios vagos e não esclarecedores, como “muito”, “pouco”, razoavelmente. É melhor dar uma medida precisa: ao invés de “Esta ideia é muito antiga” (vago) substituir por – “Esta idéia foi difundida na década de 40 do século XX” (preciso);
  • Em cada parágrafo usa-se sempre o mesmo tempo verbal.
  • Ao fornecer o dado tempo, período histórico, colocá-lo entre vírgulas. Trata-se de um aposto;
  • Não se começam frases com números. Exemplo “40% da população...” coloque uma palavra antes;
  • Uma palavra mal-usada causa má impressão, pois é sinal de ignorância: consulte o dicionário sempre que tiver a mínima dúvida.
  • Escreve-se o número por escrito quando este for menor que 10 (cinco, seis...);
  • Palavras em outras línguas, como “container” e “blitz” devem ser escritas em itálico;
  • Sempre que citar dados históricos, populacionais, técnicos, etc, citar a fonte.
  • Os mapas devem conter as fontes e as datas de levantamento.
  • Padronizar a unidade de área usada no trabalho – m² ou ha, por exemplo e só usar medidas diferentes que sejam compatíveis entre si (1 ha = 100 x 100m = 10.000m²     41,26 ha = 440.260m²), explicando isto ao leitor.
  • É imprescindível dar legenda a fotos e não só citar no texto a que elas se referem.
  • Citar as pessoas entrevistadas sempre com nome e sobrenome e dar informações rápidas de referência. Exemplo: função na empresa, líder comunitário, etc. Quando há várias entrevistas, fazer lista de entrevistados/as com data e tempo de entrevista.

 

VI - Sobre as referências citadas ou as referências bibliográficas:

 

1- Um bom trabalho acadêmico implica em uma pesquisa por parte do autor sobre outros autores que trataram do tema, que sejam citados e enriqueçam o trabalho.

2- Um bom trabalho acadêmico é aquele cujo autor verificou bem, dentro das suas possibilidades e do seu horizonte do trabalho (monografia, dissertação ou tese) os textos locais, nacionais e internacionais sobre o tema;

A ética manda que cada ideia que foi originada por outro texto seja citada. Isto se passa dentro dos limites do bom senso já que existem idéias e dados que são do senso comum e que não precisam ser referenciadas;

Utilizar um autor para dizer algo que é obvio ou amplamente conhecido (exemplo: a segregação urbana é causada pela desigualdade socioeconômica entre os moradores da cidade) demonstra fragilidade do texto.

Utilizar da credibilidade de outros, na medida em que se faz uma leitura inteligente dos mesmos, com bons resumos, boas críticas/comentários e boas relações com outros autores.

3- Entretanto, o melhor do trabalho é aquilo que o seu autor tem a dizer, o que ele aprendeu sobre o tema e que repassa a seu leitor.

 

Exemplos de referência bibliográfica.

  • Para livros: SINGER, Paul; SOUZA, André Ricardo de (Orgs.) (2000). A economia solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 360 p.
  • Para artigos: FRANÇA, Genauto C. Novos arranjos organizacionais possíveis? O fenômeno da economia solidária em questão (precisões e complementos). In: Organizações & Sociedade/Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, v. 8, n. 20, p. 125-137, janeiro/abril 2001.
  • Para sites: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2017. Banco de Dados. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br. > Acesso em: 15 maio 2017.
  • Para citar uma informação de jornal, diga o nome do jornal, o n°, a data e a página.
  • Citação no texto é feita em minúsculo “Segundo Santos... ou SANTOS (data).

 

VII - Relação com o (a) orientador (a):

A técnica da escrita depende da forma de trabalho de cada um. Você pode escrever todas as idéias que lhe veem a cabeça e depois melhorar, clarear o pensamento, classificar e colocar no local devido (parágrafo, capítulo, etc.), ou pode escrever só o que já está amadurecido. Sobretudo, não repasse ao seu orientador (a) seus esboços, pois ele (a) não vai gostar de perder tempo com isto.

A orientação é feita geralmente de uma pessoa experiente para uma menos experiente. Escute, anote, busque entender as sugestões da orientação mesmo que não concorde. Se não confia no orientador (a), é melhor trocar o mais breve possível.

 

VIII – Auto avaliação: seu texto está bom?

  • Seu resumo é sintético e espelha suas premissas e conclusões?
  • O Sumário diz claramente o que o leitor encontrará no texto?
  • Há uma lógica entre os títulos dos capítulos entre si?
  • Há lógica entre os títulos dos capítulos e os intertítulos contidos nele?
  • Há intertítulos, pelo menos, a cada cinco páginas?
  • A primeira frase de cada parágrafo (que é lida com maior atenção) anuncia o que você vai desenvolver em seguida?
  • O primeiro parágrafo de cada item anuncia o que você vai desenvolver ao longo do item?
  • O último parágrafo de cada intertítulo faz um resumo do que foi dito no item anterior e anuncia o que vai ser discutido depois?
  • Você revisou se todos os autores citados estão na Bibliografia?
  • As normas de citação e de formatação bibliográfica foram seguidas?
  • Suas Introdução e Conclusão são capazes de darem, juntas, uma ideia geral do trabalho realizado? seu tamanho está em torno de 10% do total do texto cada uma?
  • A pessoa que você pediu para revisar o texto disse que ele está claro, mesmo para um leigo? Ela não encontrou repetições?
  • Você está satisfeito consigo mesmo? Lembra que o ótimo (geralmente não realizado) é o pior inimigo do bom (efetivamente feito)

 Espero ter lhe ajudado. Reveja várias vezes o texto se guiando por essas e outras dicas (há várias na Internet) para ter um trabalho melhor, mais lido e mais admirado.