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O mapa do poder econômico no Brasil

12 de Abril de 2013, 21:00 , por Daniel Tygel - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Fonte: http://www.revistanovomundo.com/#!o-mapa-do-poder-economico-no-brasil/c12ln

Por Rafael Santos - La Plata - Revista Novo Mundo

​O rio da cidade está sendo contaminado com dejetos de lixo tóxico emitidos pelo complexo industrial local. Um grupo de cidadãos afetados se debruça sobre o mapa da rede de poder econômico por trás das empresas envolvidas e persegue a teia que o leva até as controladoras últimas, que detém o poder de decisão. Ali estão os nomes dos políticos e partidos que receberam doações para o financiamento da última campanha eleitoral. E mais, todos os repasses oficiais do Governo Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), recebidos pelas empresas para melhoria da infraestrutura do complexo, figuram didaticamente no gráfico: nomes, rostos e endereços dos responsáveis. 

​Este é o cenário de um futuro nada distante. Na última sexta-feira, 05, o projeto pioneiro de investigação Quem são os proprietários do Brasil conseguiu captar mais de R$ 60 mil através da plataforma de financiamento coletivo da Catarse.

Após 90 dias de campanha, a iniciativa levada a cabo pelo Instituto Mais Democracia (IMD) juntamente com a cooperativa Educação Informação e Tecnologia para Autogestão (EITA), mobilizou 852 apoiadores, além de contar com o engajamento de personalidades dos meios acadêmico e cultural, e organismos de referência como o Intervozes.

“Esse processo aberto ao público, com nossas vísceras expostas, envolveu muita gente em dizer o que achava do projeto e participar na própria construção e melhoria dele. Achei isso fantástico”, disse um dos oito integrantes da cooperativa EITA, Daniel Tygel, em entrevista à Novo Mundo.

O estudo, inspirado na investigação suíça The Network of Global Corporate Control, já produziu um ranking com a rede de poder de 397 companhias com ações negociadas na bolsa de valores, e agora irá ampliar a lista ao somar as 100 maiores empresas de capital fechado do país, como Bunge, Cargill e Rede Record. Essas informações serão cruzadas com dados sobre financiamentos de campanha e os repasses oficiais do Governo Federal e BNDES, o que irá elucidar a cadeia de poder, interesses e relações entre os poderes econômico e público.

Através da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os investigadores coletam dados oficiais sobre composição acionária e governança corporativa para chegar às controladoras últimas, isto é, as empresas que não são controladas por nenhuma outra. Desta maneira calculam o índice de Poder Acumulado, que traça a rede de poder da corporação. De acordo com Tygel, o método possibilita identificar não apenas o "capacho, aquele que tem a logo", mas a empresa ou pessoa escondida por trás da "nuvem de fumaça".

Entre outras metas, a proposta visa suprir organizações sociais, associações e a população em geral com dados concretos capazes de direcionar uma ação contra os responsáveis reais no momento em que forem injustiçados.

"É um instrumento para uma ação cidadã mais criativa e mais focada nos verdadeiros responsáveis. Você estimula as pessoas a saberem para onde apontar o dedo", completou.

Financiamento

​Além da metodologia inovadora, a proposta se faz pioneira pelo seu modelo de financiamento, que irá garantir aos realizadores a independência necessária para levar adiante uma pesquisa que tem como objeto de estudo os atores do poder econômico. “A gente está apresentando as estruturas de poder que estão por trás das instâncias econômicas e que também envolve relacionamento entre poder privado e poder público. Seria muito contraditório e problemático ter recurso de alguma organização, já que isso poderia estar tocando interesses econômicos”, explicou Tygel.

Ademais de ter sido legitimada pelo público apoiador, a iniciativa passou também pelo crivo de intelectuais de peso, como o sociólogo português Boaventura de Souza Santos. "O ranking dos Proprietários do Brasil é um dos mais inovadores e potencialmente eficazes instrumentos de militância democrática contra a plutocracia que eu conheço. Sem conhecermos com rigor a estrutura do poder econômico não é possível combater eficazmente o seu domínio sobre o poder político”, declarou Santos em apoio ao projeto.

Daniel disse que não teriam conseguido a repercussão e apoio que tiveram se fosse um trabalho financiado por uma agência. Nesse sentido, para o integrante do Catarse, Rodrigo Maia, a sociedade civil deve se empoderar mais de seu papel como agente propositivo na apresentação de novas hipóteses de soluções. “A economia criativa tem esse papel fundamental, que além de inovador, é também um lugar de questionamento, onde duvidamos do nosso status quo e procuramos entender, contra-argumentar ou até mesmo apresentar outras soluções para contextos e mecânicas vigentes em nossa sociedade”.

​Democracia

​A primeira etapa da campanha revelou que 12 empresas de capital aberto concentram  25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. No ranking, as mesmas concentram mais de 50% do poder de todas as demais listadas.

Considerando o gigantismo e a concentração do poder econômico em grandes grupos privados e corporações, conhecer quem são os detentores deste poder, como estão conectados entre si, como se relacionam e constrangem o poder público são questões absolutamente indispensáveis para que a democracia alcance o 'andar de cima', ou seja, a economia, os elos entre Estado e mercado. Pois sem democratizar a economia nos restará apenas o domínio do privado sobre o público", explicou João Roberto Lopes, integrante do IDM. A organização monitora desde 2005 a atuação do BNDES no fortalecimento de grupos privados responsáveis por mega-empreendimentos que violam os direitos humanos.

Como demonstra o infográfico do Proprietários do Brasil, o grupo Andrade Gutierrez SA - cuja rede de poder inclui a Light S/A, CEMIG, Oi e SANAPER - recebeu mais de R$ 7 bilhões em recursos públicos do BNDES entre 2008 e 2012. No mesmo período,  a Concessionária Rota das Bandeiras S/A, do grupo Odebrecht S/A, recebeu juntamente com a Brasken R$ 3 bilhões de recursos do banco estatal.

Ambos grupos são responsáveis pelas obras no Maracanã e estão por trás da decisão do governo do estado do Rio de Janeiro de demolir a Aldeia Maracanã para a construção de um estacionamento e um shopping.

"A estreita e histórica conexão de frações da burocracia pública com os grupos privados impõe para a democracia brasileira questões absolutamente decisivas. Quais sãos os verdadeiros centros do poder no país? Como e onde decisões sobre políticas de investimento público são tomadas? Os investimentos previstos no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] são definidos pelo Governo em função de um planejamento estratégico de desenvolvimento para o país ou traçados em função de demandas de infraestrutura e logística dos grupos privados? Como o BNDES, que tem participação cruzada em vários dos grupos privados, tem atuado nos inúmeros processos de fusão e aquisição de empresas que temos assistido no Brasil?", se questionou João.

Nesse sentido, Daniel acredita que a investigação do Proprietários do Brasil vai permitir uma maior discussão na sociedade sobre o que é democracia. "Qual é o valor do meu voto se eu tô vendo uma estrutura de poder econômico que passa por fora das eleições e reduz o poder do meu voto?", indagou o investigador.

“Só tem sentido o Proprietários do Brasil se efetivamente se tornar um ferramenta de luta para transformação social. De apoio a um país digno, justo e à organização dos movimentos sociais. A gente quer uma pesquisa engajada. Por isso a gente não fala tanto de 'pesquisa' mas de 'campanha'. Esse é o sentido maior", concluiu.

Participação

"É uma pesquisa em andamento", definiu Tygel. "Não é uma pesquisa acadêmica, de escritório. É uma pesquisa militante, que envolve as pessoas que podem querer saber as redes de poder das empresas do seu município, ou de algum setor". 

E há diversas maneiras de participar na construção dessa empreitada.

  1. Você pode participar sugerindo cruzamentos de dados, como a feita pela Repórter Brasil, que propôs relacionar o ranking das empresas com as informações da Lista Suja do Trabalho Escravo.
  2. Você pode ampliar a base de dados do Proprietários do Brasil plugando informações de uma determinada empresa à constelação de poder já existente. Nas juntas comerciais, qualquer cidadão pode, por lei, requerer as informações sobre a composição acionária e de governança de uma determinada corporação. Para entender mais sobre a metodologia, cliqueaqui.
  3. A plataforma do Proprietário do Brasil é de código aberto, podendo ser desenvolvida por terceiros ou copiada para ser aplicada em outros países.
  4. Empresários interessados em plugar suas empresas na constelação de poder podem se envolver abrindo voluntariamente seus dados para a pesquisa.  

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