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Cidades do Futuro: Auroville

13 de Abril de 2015, 13:09 , por Débora Nunes - 22 comentários | 1 pessoa seguindo este artigo.
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Escrever sobre esse vasto tema exige referências, para que possamos penetrar o desconhecido futuro com luzes que nos ajudem a caminhar. A cidade de Aurovile será a primeira referência com sua proposta de conectar o desenvolvimento do indivíduo ao do coletivo para construir um mundo melhor; a sustentabilidade ecológica de Fritjof Capra, será a segunda referência, e a percepção quântica e complexa do mundo, a terceira, em posts a seguir. Comecemos por Auroville,  cidade fundada há quase 50 anos no sul da India, com a proposta de ser uma cidade universal da família humana na qual “homens e mulheres de todos os países possam viver em paz e em progressiva harmonia, a despeito de suas diferentes crenças, ideologias e nacionalidades”.

Auroville conta hoje com cerca de 2500 habitantes, vindos de 50 países, que continuam a buscar a realização do sonho dos seus idealizadores: Sri Aurobindo e sua discípula,  Mirra Alfassa, chamada por todos de “Mãe”. Sri Aurobindo foi um filósofo e místico indiano que criou a Yoga Integral - que integra evolução individual e evolução do entorno pelo trabalho - e a noção da evolução humana em busca do estágio “supramental”, ou de integração com  o divino. A Mãe teve uma visão de construir uma cidade que favorecesse o processo evolutivo humano descrito por Sri Aurobindo e conseguiu mobilizar apoios no mundo inteiro para a realização de seu projeto. O chamado da Mãe,  apoiado pela Unesco, trouxe para a Índia jovens de vários países que começaram a construir uma cidade onde o comunitarismo, a íntima relação com a Natureza e a tecnologia aplicada deram materialidade à inspiração espiritual.

A primeira tarefa dos habitantes de Auroville foi começar a restauração de uma área de cerca de dois mil hectares, completamente desertificada e tirar daí seu sustento. O trabalho árduo de construir diques e plantar mais de dois milhões de árvores deu frutos e hoje se vê uma extensa floresta em todo o perímetro rural/urbano. Enquanto moravam em cabanas e plantavam árvores, os habitantes de Auroville aprendiam a grande tarefa de viver juntos e se autogovernar. Em meio a muitas línguas, culturas, religiões e visões pessoais de mundo, partilhavam o trabalho e a luta pela sobrevivência, exatamente como as primeiras tribos humanas. A primeira grande diferença é que Auroville nunca foi isolada, mantendo laços com os países de origem de seus habitantes, com instituições de peso como a Unesco e o governo da India e com as comunidades do entorno. A segunda diferença é que eles tinham um projeto para si mesmos.

Ao tempo em que construíam a base de seu sustento, os aurovilianos trabalhavam na construção da cidade, a partir do plano urbano do arquiteto francês Roger Anger. Esse plano, que propunha uma espiral representando a evolução humana na forma de uma galáxia, desenvolve-se em torno de um ponto, uma velha e imensa árvore Banyan e de uma construção, o Matrimandir, o templo da mãe divina. Fiel à ideia de uma espiritualidade sem religiões, no Matrimandir apenas o silêncio e raio de sol no centro de um salão circular inteiramente branco representam o caminho para o mundo espiritual. O templo levou cerca de 40 anos para ser construído, mas é uma obra prima (ver fotos), que conta ainda com 12 salas de meditação sobre os atributos da mãe divina: receptividade, progresso, coragem, bondade, generosidade, equanimidade, paz, sinceridade, humildade, gratidão, perseverança e aspiração.  O templo é frequentado hoje por milhares de visitantes que têm 20 minutos para meditar no grande salão.

As necessidades de sobrevivência e a relação íntima dos aurovilianos com a Natureza foram a base para o desenvolvimento de muitas tecnologias sustentáveis desde os anos 70: energia solar, eólica e de biomassa; agricultura orgânica e cultivo de plantas medicinais da tradição ayurvédica indiana; construções ecológicas com materiais locais de baixo uso energético; tratamento de águas servidas para reaproveitamento nos jardins e reflorestamento; reciclagem do lixo; cozinha comunitária a vapor usando o calor do sol... e tantas outras pesquisas aplicadas.  Ao mesmo tempo, a comunidade desenvolveu um sistema educacional e de saúde inovadores, respeitando os princípios fundadores, assim como foram organizados um sistema econômico de partilha e uma governança horizontal.

Hoje Aurovile prepara-se para festejar seus 50 anos em 2018 e tem no turismo sua principal base econômica.  Pessoas de todos os lugares, atraídas por esse imenso projeto e seus desdobramentos visitam a cidade, que ainda é, contraditoriamente, uma grande floresta. Os desafios de Auroville, de se manter fiel aos princípios do projeto de unidade humana universal e de integrar-se ao entorno rural dos vilarejos indianos; de desenvolver-se sem sucumbir à lógica capitalista que é sua principal fonte de financiamento através do turistas,  exigem uma visão não linear de mundo. A complexidade, ou não dualidade, a integração de desafios contraditórios e a conexão quântica do indivíduo com o todo, podem ser caminhos para enfrentar esses desafios. Em Auroville, mas também talvez em cada um/a e no mundo inteiro.


Categorias

Articulações internacionais, Pesquisa e tecnologia, Agroecologia, Consumo ético e solidário, Relações internacionais

22 comentários

  • Rodrigo minordiguliu
    9 de Maio de 2015, 8:01

     

    Muito interessante esse projeto, Débora. Infelizmente ainda é praticamente impossível construir uma vila nesses moldes sem depender de alguma forma do mercado/comércio externo, afinal de contas vivemos num nível de complexidade bem grande para conseguirmos alcançar uma auto-sustentabilidade completa. Mesmo assim, as experiências que eles estão construindo lá com certeza irão servir para tentativas futuras de cidades mais sustentáveis, distribuídas e auto-gestionárias. Me pergunto como seria possível fazer algo desse tipo dentro do meio urbano. Dentro das sociedades já estabelecidas onde milhões de pessoas vivem com condições extremamente precárias de vida e de participação social.

    Valeu pelo relato! o/


    • Débora india minorDébora
      16 de Maio de 2015, 2:19

       

      Oi, diguliu, estou publicando hoje uma pouco mais sobre o místico que inspirou Auroville. Para ele precisamos ir além do nosso trabalho social e político para alcançarmos um mundo melhor.
      Sobre a "transição", como se está chamando o processo de mudar as grandes e pequenas cidades de hoje, devo fazer um post em breve.
      Um abraço


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