Ir para o conteúdo
Mostrar cesto Esconder cesto
Voltar a Blog
Tela cheia

Como sair da crise política?

26 de Agosto de 2015, 12:16 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
Visualizado 133 vezes

 

Quem dera eu tivesse uma resposta. Tenho lido e conversado com muita gente que se interroga sobre essa questão fundamental e percebo que a crise da democracia representativa é universal. Contestações ao funcionamento dos governos e parlamentos eleitos acontecem hoje no mundo todo e a descrença na política é generalizada. Sim, essa descrença pode ser caminho para soluções autoritárias. Porém, o mesmo sentimento pode também ser caminho para o aprofundamento democrático. Modestamente, tentarei avançar nessa tarefa de pensar saídas, sabendo que essas dependem de um imenso esforço coletivo não só de análise, mas de observação de novas práticas que podem apontar caminhos.

Em primeiro lugar, acho que a democracia é o melhor caminho e que a famosa frase de Winston Churchill, de 1947: “a democracia é o pior sistema de governo, excetuando-se as demais”, continua válida. Em segundo lugar, vejo que o domínio das corporações e do capital financeiro sobre a engrenagem política democrática atual distorce o preciso conceito de Abraham Lincoln de democracia como um governo “do povo, pelo povo e para o povo”. O exemplo da crise grega é claro: o presidente Tsipras, que se elegeu pregando a soberania do país e ganhou um plebiscito popular para levar essa política adiante, teve que curvar-se ao poder do dinheiro da União Europeia para evitar “males maiores”.

A distorção da representação democrática nos parlamentos é outro fato visível para quem acompanha minimamente a política. Nossos “representantes” no Brasil são em absoluta maioria oriundos das classes médias e altas, enquanto o povo brasileiro pertence majoritariamente às classes baixas. O caso francês mostra a deterioração da qualidade representativa do parlamento: enquanto nos anos 1940, cerca de 20% dos deputados eram trabalhadores comuns, em 1958 eram 4% e em 2012 apenas 2%.  (Ver Daniel Gaxie, Questionner la répresentation politique. Université de Paris I, Centre Européen de Sociologie et Science, en Savoir/Agir. Nº 31, mars 2015, citado por Alejandro Teitelbaum).

Se os representantes parlamentares são de origem social mais favorecida que os representados, é natural que eles evitem mudanças no sistema que os favorece, a não ser em situações especiais de muita pressão popular. Esse foi o caso do Brasil nos primeiros anos da era Lula, quando mudanças na política econômica e nos gastos do governo permitiram a saída da miséria de milhões de famílias. Entretanto, com o tempo, a “acomodação” desses governos de transformação à estrutura perversa de concentração de poder e de riqueza do sistema capitalista tem se mostrado uma triste realidade. A desilusão dos espanhóis com o antigo primeiro ministro Zapatero, dos americanos com Obama, dos franceses com Hollande e dos brasileiros com o PT leva à descrença na democracia.

Acredito que as distorções democráticas só podem ser resolvidas com mais democracia, e, como disse em vários posts anteriores, o que chamo de movimento de cidadania planetária está engajado nesse caminho.  Mudanças na educação estão produzindo jovens e adultos cada vez mais informados, educados e conectados e isso possibilita que sejam ativos politicamente. Segundo a UNESCO (2015), o número de crianças e adolescentes fora da escola no mundo diminuiu quase pela metade desde 2000. Do mesmo modo, quase metade da população do planeta já está conectada à internet, em dados de 2015. Esses fatos são capazes de produzir uma revolução na denúncia a governos e parlamentares corruptos e em sua punição. A pressão da sociedade civil está produzindo mudanças na ação policial e na ação da justiça – e o Brasil é um exemplo – que faz com que políticos e empresários paguem por seus crimes contra o patrimônio público, fenômeno raro há 15 anos. 

Se estreiteza de uma organização política baseada no poder do dinheiro e na manipulação da mídia vem sendo denunciada de modo cada vez mais consistente, é preciso, como dizia Paulo Freire, passar ao anúncio, ou seja, a evidenciar outras formas de agir, outras esperanças, e a possibilidade de mu(n)danças. O livro de Bénédicte Manier, “Um milhão de revoluções tranquilas”, que está sendo traduzido pelo querido Professor Paul Singer, mostra novas organizações autogestionárias e solidárias, agindo positivamente no mundo com base em outra política, onde o poder é partilhado. No meu livro com Ivan Malcheff, “Os novos coletivos cidadãos”, refletimos exatamente sobre quem organiza essas experiências anunciadoras. Essas pequenas revoluções não têm espaço na grande mídia, é preciso procurá-las e, sobretudo, vivê-las, para acreditar no seu potencial transformador. Há saídas, sem dúvida, mas, permitindo-me repetir o sempre emblemático Jesus Cristo, “é preciso crer para ver”.


Categorias

Política, Economia, Articulações internacionais

0sem comentários ainda

    Enviar um comentário

    Os campos são obrigatórios.

    Se você é um usuário registrado, pode se identificar e ser reconhecido automaticamente.

    Cancelar