Ir para o conteúdo
Mostrar cesto Esconder cesto
Voltar a Blog
Tela cheia

Mais escuta para uma nova vida em comum

24 de Maio de 2015, 2:38 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
Visualizado 500 vezes

 

Estamos imersos em crises políticas e isso é fato em todo o mundo, e não apenas no Brasil. Em muitos países se continua a pensar que a solução virá institucionalmente, com reforma política, novos projetos partidários ou alguma inventividade que nos salve. Infelizmente, embora se possa aprimorar a democracia que existe, a política que se faz hoje não é mais adequada ao mundo em alta conexão e no qual o indivíduo é hiper valorizado. Desenvolverei esse tema em outro momento.

Só a emergência da inteligência coletiva pode dar respostas e trazê-las para o real, para o dia a dia, e a partir daí para o mundo institucional, em um movimento de baixo pra cima. Pensar e agir coletivamente, sem depender exclusivamente da representação política e avançando na democracia participativa, exige novos modelos  de ser  e de estar no mundo, individual e coletivamente.

Para que a inteligência coletiva possa emergir é preciso diminuir a dispersão mental, aprender a entrar em sintonia com os outros e aprimorar a liderança de serviço de cada um. A realização dos ideais coletivos exige um passo adiante na lógica política. A contribuição da professora Suzana Moura, sobre a "Escuta", aprofundando a discussão sobre "Novos Paradigmas" que propus em post anterior, é profunda e prática. Sem dúvida enriquecerá aqueles que não querem repetir o modelo ultrapassado e autodestrutivo de vida na Terra. Obrigada Suzana!

 

Dando seguimento a conversa de Débora Nunes sobre a virada paradigmática que estamos vivenciando – de uma visão centrada nas macromoléculas como instâncias fragmentadas e separadas, para a percepção e compreensão das relações e da unidade que a tudo permeia – queremos trazer aqui o tema da Escuta. Sim, vamos tecer algumas notas sobre este atributo e habilidade fundamental nos dias de hoje, em vários sentidos.

Como bem nos lembra Rubem Alves, em nossa sociedade ocidental existem muitos cursos e apelos à boa oratória e nada com relação a Escuta. O mesmo encontramos em Fiumara (1990) que inicia seu estudo sobre a Escuta, lembrando que a filosofia ocidental focaliza no logos, privilegiando o discurso e a argumentação. Podemos reconhecer aqui o predomínio do padrão patriarcal em nossa civilização e do lado ativo (yang) da consciência humana, pois a escuta, como veremos a seguir, requer um pouco de introspecção e de abertura para receber (Yin), mas não só.

O que significa escutar? No sentido de que fala Rubem Alves, vai além do ouvir, incluindo o silêncio e o tempo para processar. Sentido literário este, que complementa definições de pesquisadores do campo da comunicação e da educação , para os quais a Escuta é um processo de recepção, atribuição de significado e/ou de resposta a partir de uma mensagem verbal e/ou não verbal (Wolvin; Coakley, 1993; Purdy; Borisoff, 1997). Completando com Adelmann (2012), vemos que a escuta é um ato social, contextual, e dialógico, ou seja, não é individual, nem meramente psicológico, pois a atribuição de significados, assim como a recepção da mensagem e a resposta que será gerada posteriormente são mediadas pela cultura e pelo contexto social.

Como ato social e dialógico a escuta requer uma abertura para reconhecer que o outro traz uma percepção diferenciada e tem algo a contribuir (no processo de aprendizagem, na gestão das organizações, nas políticas públicas ...). Neste sentido, podemos assumir desde uma atitude passiva, mais fortemente yin (apenas registrar o que o outro diz em uma consulta popular, por exemplo); até um padrão de Escuta Ativa, que mescla yin e yang. Esta última, segundo Sclavi (2003) é uma modalidade de observação atenta (ao particular e a forma), inclui a reflexividade como parte do processo, além da observação e do ouvir atento. O propósito não é apenas ouvir para registrar uma opinião, é compreender o que está por traz, para além da aparência, é uma porta para o diálogo e revisão das próprias certezas.

Para Sclavi o bom escutador deve permitir-se a respeitar o interlocutor e ser curioso – abrir-se a outra visão de mundo. Um dos fundamentos é a compreensão da realidade como construção social e, por isso, reconhece que há várias visões e percepções possíveis sobre o mesmo fenômeno (situação). Ou seja, é necessário transitar do lugar em que se vê uma única verdade oposta ao diferente, em direção a um posicionamento de abertura para escutar outras verdades; abrindo-se ao diálogo e colocando em xeque suas próprias certezas.

Até aqui estamos nos referindo a escuta do outro e este outro pode ser uma pessoa, grupo, ou comunidade. Como parte e indo além desta, há outras dimensões a serem agregadas: a escuta de si e do ambiente. Para ampliar um pouco mais a nossa compreensão, trazemos a Escuta Profunda, uma das referências do Dragon Dreaming (DD) – abordagem de criação e gestão colaborativa de projetos na linha dos paradigmas emergentes (ecológico e holístico).

John Croft, um dos mentores do DD, trouxe de sua vivência com os Mardo, povo aborígene australiano , o Pinakari, expressão que representa “um estado natural de escuta no cotidiano, não só da linguagem verbal falada entre humanos, mas também dos sinais do ambiente mais amplo, da Natureza” No contexto da criação e gestão colaborativa de projetos, o Pinakari aparece como uma prática para diminuir a dispersão mental, muito comum na atualidade, ativar a presença pessoal e contribuir com a emergência da inteligência coletiva. O Pinakari, é um convite para exercitarmos uma escuta profunda, através do contato com nosso corpo (a natureza mais imediata) advém o silêncio e um estado de presença, na perspectiva da mente incorporada de Varela, Thompson e Rosch (2003).

Podemos dizer que a escuta, como atributo e habilidade, pode ser considerada como um nível de percepção consciente e intencional (de si, do outro, do grupo e do ambiente), que vai além do ouvir. Trata-se de um caminho para nos tornarmos seres mais perceptivos e atuantes de acordo com as reais necessidades e com o propósito do(s) coletivo(s) que estamos inserido, ao mesmo tempo em que contribui para que nossa fala seja pertinente e consciente do momento e das pessoas.

A escuta nessas bases é uma qualidade cada vez mais necessária, para educadores/aprendizes, para profissionais de todas as áreas, independente de lidar diretamente com pessoas; assim como para as pessoas em suas vidas cotidianas, isso por vários motivos:

• Em meio a tantas informações e perplexidades que convivemos na atualidade – nas salas de aulas e nas organizações, bem como na sociedade em geral - nos deparamos com a fragilidade dos nossos sistemas educacionais e de gestão para fomentar o engajamento das pessoas, indo além dos padrões de imposição e recompensa, de modo a que elas ajam e expressem-se com base nas reais necessidades coletivas e pessoais.
• Vivemos cada dia mais a interculturalidade e e desafio da convivência entre diferentes.
• A habilidade da escuta exercida em grupos contribui para ativar a inteligência coletiva (não apenas do grupo, como também da Terra, sendo cada pessoa um canal ativo desta inteligência).
• Em situações de desafio torna-se mais ainda necessária para evitar a expansão do caos, do pânico...
• No cotidiano serve para tornar mais pleno o dia a dia, o encontro de soluções e o compartilhamento de significados e tarefas adequadas.

Além dos aspectos relacionados acima, cabe destacar a ênfase dada a participação dos atores sociais para o desenvolvimento, nas últimas décadas (Moura, 2014). No entanto, ao tomarmos as práticas de participação e de gestão participativa vamos encontrar diferentes padrões, incluindo a ausência de instrumentos adequados de escuta das visões e reais anseios das comunidades. Isso porque é comum que a chamada participação seja utilizada como um meio de cooptação e de legitimação de políticas e projetos sociais (Moura, 2014) .
Em contextos de ampliação da democracia e do exercício da cidadania, em que convergem demandas sociais por participação e a vontade real de governos em prol de uma gestão participativa, a escuta pode ganhar destaque em um sentido duplo: de um lado caberia aos cidadãos escutarem as propostas e as prestações de conta dos governos, bem como as ponderações dos técnicos; de outro, caberia aos técnicos e governantes escutarem os posicionamentos e aspirações das comunidades. Algo semelhante pode acontecer em situações cujo propósito é melhorar o desempenho das políticas públicas.
Para finalizar, gostaria de deixar algumas questões para seguirmos refletindo. O quanto estamos abertos e preparados para escutar, de fato?. Quais os instrumentos que temos desenvolvido nos processos participativos e colaborativos, para chegar a um padrão dialógico e ativo de escuta? Qual o padrão de escuta que sobressai nos espaços que se pretendem participativos?


REFERÊNCIAS

ADELMANN, K. The Art of Listening in an Educational Perspective: Listening reception in the mother tongue. Education Inquiry, v. 3, n. 4, p. 513-534, 2012.
FIUMARA, G. C. The Other Side of Language: A Philosophy of Listening. New York: Routledge, 1990.
MOURA, Maria Suzana. Gestão participativa. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. p. 74-76.
PURDY, M.; BORISOFF, D., Eds. Listening in Everyday Life. A Personal and Professional Approach. Lanham: University Press of Americaed. 1997.
SCLAVI, M. Arte di ascoltare e mondi possibili. Milão: Ristampa Bruno Mondadori, 2003.
VARELA, F. THOMPSON, E. e ROSCH, E. Mente Incorporada: ciências
cognitivas e experiência humana. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
WOLVIN, A. D.; COAKLEY, C. G., Eds. Perspectives on Listening. Norwood: Ablex Publishing

 

 

 


Categorias

Comunicação, Desenvolvimento territorial, Política

0sem comentários ainda

    Enviar um comentário

    Os campos são obrigatórios.

    Se você é um usuário registrado, pode se identificar e ser reconhecido automaticamente.

    Cancelar