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Meio ambiente em Salvador: POLUIÇÃO DO AR

10 de Agosto de 2015, 11:18 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Esse é o terceiro post em que divulgo importante  fonte de dados sobre Salvador, a partir de um texto do Prof. Emerson Sales que cobre grande lacuna sobre um tema vital para a cidade.

 

Qualidade do ar em Salvador

(Emerson Sales)

 O crescimento da cidade de Salvador, de modo acelerado sobretudo a partir do século XX, gerou uma série de problemas sociais e ambientais em seu espaço geográfico, limitado fisicamente pelo mar e pelos municípios vizinhos. Uma grande quantidade de pessoas vivendo em um ambiente estruturalmente não planejado, a alta densidade, somada à poluição de fábricas e veículos, tem como consequência, dentre outros fatores, a elevação dos índices de poluição atmosférica.

Os padrões de qualidade do ar definem legalmente o limite máximo para a concentração de um poluente na atmosfera, que garanta a proteção da saúde e do meio ambiente. Estes padrões são baseados em estudos científicos dos efeitos produzidos nos seres vivos por poluentes específicos, e são fixados em níveis que possam propiciar uma margem de segurança adequada. 

Os padrões nacionais foram estabelecidos pelo IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e aprovados pelo CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, por meio da Resolução CONAMA 03/1990.

São estabelecidos dois tipos de padrões de qualidade do ar: os primários e os secundários. 

São padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, ultrapassadas, poderão afetar a saúde da população. Podem ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo. 

São padrões secundários de qualidade do ar as concentrações de poluentes atmosféricos abaixo das quais se prevê o mínimo efeito adverso sobre o bem estar da população, assim como o mínimo dano à fauna e à flora, aos materiais e ao meio ambiente em geral. Podem ser entendidos como níveis desejados de concentração de poluentes, constituindo-se em meta de longo prazo.

O objetivo do estabelecimento de padrões secundários é criar uma base para uma política de prevenção da degradação da qualidade do ar. Devem ser aplicados às áreas de preservação (por exemplo: parques nacionais, áreas de proteção ambiental, estâncias turísticas, etc.). Não se aplicam, pelo menos no curto prazo, em áreas de desenvolvimento, onde devem ser aplicados os padrões primários. Como prevê a própria Resolução CONAMA n.º 03/1990, a aplicação diferenciada de padrões primários e secundários requer que o território nacional seja dividido em classes I, II e III conforme o uso pretendido. A mesma resolução prevê ainda que enquanto não for estabelecida a classificação das áreas, os padrões aplicáveis serão os primários.

Os parâmetros regulamentados são os seguintes: partículas totais em suspensão, fumaça, partículas inaláveis, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, ozônio e dióxido de nitrogênio. A mesma resolução estabelece ainda os critérios para episódios agudos de poluição do ar. A declaração dos estados de Atenção, Alerta e Emergência requer, além dos níveis de concentração atingidos, a previsão de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes.

No estado da Bahia, estão sendo operadas duas redes de monitoramento da qualidade do ar: a rede de monitoramento do Polo Industrial de Camaçari e a rede de monitoramento da Região Metropolitana de Salvador. A rede de monitoramento do Polo é composta de 10 estações fixas do monitoramento do ar, distribuídas no entorno do mesmo, monitorando continuamente 54 poluentes atmosféricos em atendimento à Portaria CRA 5210/05. A rede é gerenciada pela CETREL, empresa responsável pela proteção ambiental do polo.

A rede de monitoramento da Região Metropolitana de Salvador é fruto do acordo de cooperação técnica assinada entre o Governo do Estado da Bahia, a CETREL, a Braskem e a Prefeitura de Salvador em 2010. A rede prevê a implantação de dez estações de monitoramento fixas e uma móvel. Em fase de implantação, a rede de monitoramento da região metropolitana de Salvador entrou em operação com a instalação da primeira estação localizada na paralela. Atualmente (em 2014) estão em operação, além de uma estação móvel, oito estações fixas localizadas na Paralela, Dique do Tororó, Campo Grande, Rio Vermelho, Pirajá, Detran, Itaigara e na Avenida Barros Reis. Os parâmetros monitorados visam estabelecer as emissões relacionadas aos grandes centros urbanos, associadas, sobretudo, às emissões automotivas.

Apesar de ser um grande avanço em relação à situação anterior, na qual sequer havia monitoramento, consideramos que a abrangência das substâncias monitoradas em Salvador (monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de Enxofre, Ozônio e material particulado inalável - MP10) não são suficientes para traduzir a real qualidade do ar, e subsidiar os gestores visando a adoção de medidas preventivas, ou alternativas, para minimizar os impactos na saúde dos soteropolitanos, e no meio ambiente em geral. Acreditamos que a rede pede evoluir para que seja atingida sua finalidade maior: proteger o cidadão.

Por exemplo, no Brasil usa-se muito o etanol como combustível; mesmo a gasolina comum já contém cerca de 25% deste álcool como aditivo, e nenhuma estação monitora os possíveis subprodutos da combustão do etanol, tais como aldeídos, 1,3-butadieno e diversos outros hidrocarbonetos que podem ser nocivos aos seres vivos. Altos níveis de formaldeído, composto também não monitorado, podem ser atribuídos à combustão incompleta do metano, principal constituinte do gás natural veicular, também muito usado em Salvador, principalmente por táxis.

Além disso, a queima do combustível diesel utilizado nos ônibus, caminhões e veículos utilitários emite para a atmosfera material particulado sólido fino, que o cidadão desinformado pode confundir com fumaça, constituído por carbono elementar, vários compostos de enxofre e de nitrogênio, metais pesados, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), dentre inúmeros outros componentes químicos com alto grau de toxicidade. Dependendo do seu tamanho, estas partículas podem se instalar em diferentes regiões do sistema respiratório humano ou de outros seres vivos.

As partículas inaláveis são as que possuem o diâmetro aerodinâmico médio (dp) abaixo de 10 mm (sigla: MP10), as quais, para efeito de comparação, são 6 a 8 vezes menores do que a espessura de um fio de cabelo, ou do tamanho aproximado de uma célula, e que justamente pela pequena dimensão podem penetrar no aparelho respiratório. As emissões diesel podem também conter partículas ainda mais finas, com diâmetros inferiores a 2,5 mm (MP2,5), ou seja, do tamanho das bactérias, e que podem ser acomodadas nos ramos mais profundos do trato respiratório (alvéolos). Além destas, podem ser emitidas partículas ultrafinas, ou nanométricas, com diâmetros menores que 0,1 mm (MP0,1) que são invisíveis ao olho humano.

Um estudo realizado por Nelzair Araújo Vianna e colaboradores (2011) mostrou que mais de 80% das partículas detectadas e analisadas em Salvador tinham tamanho inferior a 10 mm (MP10), e continham metais pesados com cádmio, cromo, chumbo, cobre e zinco, os quais intensificam os efeitos maléficos deste material particulado no corpo humano. Nenhuma estação de monitoramento da qualidade do ar em Salvador analisa parâmetros tais como as partículas MP2,5 ou metais pesados. Também não são monitorados em Salvador compostos como o benzopireno, considerado como marcador do total de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) carcinogênicos, que estão associados à estas partículas inaláveis.

Diversos estudos toxicológicos em outras cidades, como por exemplo o de F. W. Lipfert (1984), ou de Jôse Mára de Brito (2009), associaram a exposição a estas partículas à problemas cardiovasculares, respiratórios, como asma crônica, incidência de mortes prematuras e aumento de internações hospitalares de crianças e idosos. Por este motivo, muitos centros urbanos em países desenvolvidos evitam o uso de diesel para transporte público, dando preferência aos veículos elétricos, em vários modais de transporte, mas mesmo assim as partículas inaláveis de todos os diâmetros  são monitoradas, em tempo real, ininterruptamente.

Estas partículas tem ao menos três origens:

 

  1. Emissões diretas para a atmosfera, devido à atividade industrial e veículos de transporte, principalmente;
  2. Reposição na atmosfera de partículas que estavam depositadas no solo, por ação dos ventos ou pela passagem dos veículos ao longo das ruas;
  3. Transformações químicas; por exemplo, em certas condições o dióxido de nitrogênio que já está no ar pode se transformar em partículas muito pequenas de nitrato, e o dióxido de enxofre em partículas muito pequenas de sulfatos;

 

Estas duas últimas fontes são as mais difíceis de quantificar, e são também as mais complicadas no que diz respeito à tomada de ações para reduzir o nível de partículas no ar.

A Organização Mundial de Saúde (OMS, ou WHO em inglês[1]) recomenda que a exposição máxima à MP10 seja a uma concentração de 50 mg/m3 média de 24 horas ou a 20 mg/m3 média anual; para as partículas menores, (MP2,5), as restrições são mais rigorosas, pois restringe a exposição humana a uma concentração de 25 mg/m3 média de 24 horas ou a 10 mg/m3 média anual. O Brasil tem seus atuais padrões de qualidade do ar estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 03/1990, possuindo padrões apenas para MP10, infelizmente.

A grande maioria dos países desenvolvidos adota as recomendações da OMS, e monitora em permanência estes parâmetros nos grandes centros urbanos, disponibilizando as múltiplas informações aos cidadãos em tempo real. O sistema de monitoramento da qualidade de ar de Salvador, recém instalado, também disponibiliza seus dados coletados, mas acreditamos que não são suficientes para um bom diagnóstico, conforme os argumentos explicitados acima. Como dito, ele não monitora as partículas MP2,5 ou MP0,1 nem vários compostos potencialmente danosos que são específicos ao uso local de combustíveis. Em 98% do tempo, o índice de qualidade do ar da cidade de Salvador tem se mantido bom, conforme indicado no website da CETREL[2], mas acreditamos que isso não traduz a realidade.

 Como explicado no seção precedente (áreas verdes), Salvador tem uma densidade demográfica de 9.213 hab./km2, considerando dados de 2013, o que a coloca como a cidade brasileira com maior densidade demográfica, entre as maiores do mundo, e historicamente nunca foram tomadas medidas voltadas à mobilidade sustentável; o transporte é majoritariamente realizado por veículos pessoais, e transporte público (ônibus), todos usando combustíveis poluentes; então, como podemos concordar com os indicadores das nossas atuais estações de monitoramento do ar, informando que a qualidade do ar da cidade de Salvador tem se mantido boa em 98% do tempo, sobretudo em locais da cidade com menor dispersão atmosférica e alta concentração de veículos?

Alguns dados de outros países, revelados por estudos recentes, são alarmantes:  por exemplo, a poluição do ar pode custar até US$ 300 bilhões anuais em saúde à China, segundo um relatório realizado em conjunto pelo Banco Mundial e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Estado do gabinete chinês, apresentado pela Agência France Press em 25/03/2014[3]. "A medida que a China se prepara para a próxima onda de urbanização, resolver as restrições ambientais e de recursos se tornará cada vez mais urgente, porque a maior parte da poluição na China está concentrada em suas cidades", Níveis elevados de mortalidade e outros problemas de saúde decorrentes da poluição atmosférica já são notórios neste país. Estudos mostraram que  a poluição do ar causa até 500.000 mortes prematuras por ano na China. Este relatório apresentado em 25/03/2014 diz que as consequências no longo prazo para os Chineses podem incluir defeitos congênitos e funções cognitivas prejudicadas, porque as crianças e adolescentes são severamente afetadas pela má qualidade do ar.

Também segundo a Agência France Press, o governo francês decidiu restringir o tráfego de veículos na segunda-feira, 17/3/2014, em Paris e seus arredores, no momento em que a França enfrenta, há cinco dias, um dos maiores picos de poluição já vividos no país[4]. O rodízio de carros permite apenas que veículos com placas pares ou ímpares circulem na cidade em função dos dias. A medida foi testada apenas uma vez na capital francesa, em 1997. No sábado (15/03/2014), o número de partículas no ar ultrapassou o limite de segurança e acendeu novamente o alerta vermelho para a poluição. Este é o quinto dia consecutivo que a qualidade do ar atinge tais condições da região de Île-de-France - onde fica Paris - assim como em outros Departamentos do norte da França. Numa tentativa de conter o problema, as autoridades parisienses liberaram os transportes coletivos gratuitamente até a noite de domingo, para convencer os moradores a deixarem seus carros em casa. Medidas similares foram tomadas por diversas cidades na França, pois as partículas presentes no ar poluído podem provocar asma, alergias, doenças respiratórias cardiovasculares. As mais finas entre elas, com menos de 2,5 mícrons (partículas MP2,5) penetram nas ramificações mais profundas das vias respiratórias e do sangue, e algumas delas foram classificadas como "cancerígenas" pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Esta mesma organização (OMS) publicou também em 25/03/2014 o resultado de um estudo informando que cerca de 7 milhões de pessoas morreram em 2012 - uma em cada 8 do total de mortes globais - como resultado da exposição à poluição do ar[5]. As estimativas confirmam que a poluição do ar é hoje no mundo o maior risco individual ambiental para a saúde. Os novos dados revelam uma ligação mais forte entre exposição à poluição do ar e as doenças cardiovasculares, como acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração, assim como entre a poluição do ar e câncer.

Por tudo o que foi exposto é que achamos que a cidade de Salvador deve melhorar seu sistema de monitoramento da qualidade do ar, ampliando pontos de medição e sobretudo incluindo parâmetros tais como as partículas MP2,5 e os demais parâmetros citados no texto, que possam monitorar a real qualidade do ar, e assim permitir aos gestores que medidas corretas sejam adotadas tanto de caráter emergencial, para amenizar os impactos à saúde dos cidadãos em eventos ou locais críticos, ou de médio e longo prazo, que visem a melhoria da qualidade de vida de todos que aqui vivem.

 

[1] http://www.who.int/en/

[2] http://www.cetrel.com.br/

[3] Agência France Press; "Health costs of China's polluted air up to $300 bn a year"

http://www.afp.com/en/node/2217147

[4] Agência France Press; " Paris restricts driving as pollution hits danger level"

http://www.afp.com/en/node/2171049

[5] WHO - 7 million deaths annually linked to air pollution

http://www.who.int/phe/health_topics/outdoorair/databases/en/

 


Categorias

Meio-ambiente, Políticas públicas, Desenvolvimento territorial

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