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Notícias do 12o Fórum Social Mundial que está acontecendo em Túnis

26 de Março de 2015, 7:17 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Quais desafios para uma cidadania dos povos da Terra?

A marcha de abertura do FSM teve como tema “Povos do Mundo Unidos contra o Terrorismo” e terminou simbolicamente em frente ao Museu do Bardo, atingido recentemente por um ataque que causou a morte de 22 pessoas. Esse ato demonstra a constituição em andamento de uma consciência mundial para enfrentar desafios que são comuns, como a violência, mas que atingem diferentemente os povos da Terra. O Fórum Social Mundial é hoje o maior encontro da cidadania planetária e permite assim esse tipo de encontro de muitas e muitas redes que estão se tecendo internacionalmente para construir um mundo melhor.

 A relação do Brasil com esse evento é profunda já que das suas 12 edições, cinco ocorreram no Brasil. O primeiro Fórum Social Mundial encontro aconteceu em Porto Alegre, em 2001 e inaugurou o lema “Um outro mundo possível”, em contraponto ao Fórum Econômico Mundial, que reúne grandes empresários e políticos em Davos, na Suíça. Outros eventos FSM, que aos poucos incorporou a ideia de que esse outro mundo possível “está em construção”, se passaram em países tão diferentes quanto a Índia, a Venezuela, o Mali, o Paquistão, o Quênia e por duas vezes na Tunísia, em 2013, após a Primavera Árabe, e agora.

 O FSM da Tunísia conta com cerca de 60 mil participantes e envolve mais de mil atividades promovidas por instituições engajadas em questões políticas, ambientais e sociais vindas do mundo inteiro. Todas acreditam que o desafio de construir uma civilização mais humana passa pela união dos povos da Terra e buscam se encontrar atualmente a cada dois anos para aprofundar esses laços e discutir soluções. A rede internacional Diálogos em humanidade é uma dessas instituições e propõe um texto de Patrick Viveret, que traduzi a seguir, sobre linhas de ação concreta para essa cidadania planetária. É importante começar a pensar sobre isso.

Contribuição à discussão sobre o futuro do FSM - Patrick Viveret

 Essa nota se funda em duas hipóteses:

 1) Temos de parar de deixar que o capitalismo financeiro se apresente como motor da mundialização, pois esse não só não está interessado em resolver os desafios globais que a humanidade enfrenta, como, ao contrário, agrava-os pelas práticas da oligarquia financeira. Precisamos construir os elementos de uma consciência global dos "povos da Terra." Ao invés de uma globalização financeira destrutiva dos vínculos ecológicas sociais e culturais precisamos de uma "mundialidade" (no sentido de Edouard Glissant) que alimente estratégias de vínculo do econômico e do financeiro (solidário) ao tecido ecológico, social e cultural dos territórios e dos povos;

 2) Neste contexto, é necessário propor uma alternativa ao duplo retrocesso que está ocorrendo devido à relação simétrica entre, de um lado, o fundamentalismo de mercado (destruidor de identidades, culturas, laços sociais) e, de outro, o fundamentalismo identitário. Uma forma do fundamentalismo identitário é o terrorismo, que responde de modo mortal ao fundamentalismo de mercado e exclui outras identidades, com pretextos religiosos. A alternativa necessária é o surgimento de uma consciência cidadã mundial que evite o risco de caos e de guerra que o confronto entre estes dois fundamentalismos pode crescentemente provocar. Para tanto, é necessário demonstrar a pertinência programática e estratégica desta via.

 Três campos de trabalho devem ser prioritários e eles são portadores de três características:

  *Eles são mundiais e correspondem a desafios cruciais que colocam a questão não só dos bens comuns da humanidade (como o clima) mas também da capacidade de que a humanidade se constitua ela mesma em um bem comum;

 *Eles são objeto de intensas atividades, proposições e experimentações da sociedade civil que frequentemente é mais avançada que os Estados e as multinacionais em sua capacidade de propor soluções a esses desafios;

 *Eles podem ser objeto de alianças dinâmicas pois dispõem de forte apelo junto à opinião pública mundial e a oligarquia financeira está numa situação de fragilidade para se opor ao seu crescimento;

 É o caso, por exemplo, do desafio do clima através da Conferência que acontecerá em dezembro de 2015 em Paris, a COP 21, para a qual a mobilização cidadã está muito forte e pode se aliar ao encontro mundial de cidades e territórios que acontecerá também na França, em Lyon, no início de julho 2015.

 É o caso de alternativas à lógica de guerra de civilizações nas quais se opõe à ideia de que existam bárbaros em certos grupos humanos. Essa alternativa é a perspectiva de aprofundamento da fraternidade humana contida no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Se barbárie existe, ela é possível em qualquer lugar e para vencê-la é preciso crescer em humanidade e não em armas e militarização. Trata-se, de fato, de um movimento ante guerra mundial que precisa ser construído.

 É o caso também, e se tratará com mais detalhe nesse ponto, da luta mundial contra a evasão fiscal que se constitui na melhor alternativa à lógica do fundamentalismo de mercado e à oligarquia financeira, e o melhor antídoto contra o fundamentalismo identitário e o terrorismo. 

 Nesse terreno os montantes são substanciais. O ex-chefe da Mc Kinsey estima que o dinheiro que circula em paraísos fiscais está no intervalo entre 26 e 32 trilhões de dólares. Observa-se que a oligarquia financeira está perdendo a batalha da legitimidade desses paraísos fiscais, por longo tempo apresentados como justificáveis, e deve retirar-se gradualmente, embora seu enorme lobby permite retardar ou reduzir a pressão cidadã.

 Comecemos pelo exemplo da Europa, mas seria interessante ver se este é o caso em outros continentes. Vimos assim que:

 a) o Comissário europeu Michel Barnier, ainda que de família política conservadora, reconhece que a evasão fiscal anual representa quase um trilhão de euros, b) O Parlamento Europeu e a Comissão, também liderados por forças conservadoras estão sendo obrigados a considerar medidas eficazes contra a evasão fiscal, sob a pressão da opinião pública que tem sido alertada por iniciativas cidadãs; c) até mesmo o novo presidente da comissão, o ex-primeiro-ministro de Luxemburgo, notório paraíso fiscal, tem que limpar-se da suspeita que paira sobre ele e avançar nessa direção.

 É óbvio que estes pontos fracos são relativos e se a pressão cidadã diminuir os lobbies financeiros rapidamente recuperarão o terreno perdido. Mas, no caso oposto, há potenciais vitórias parciais reais transformando os recuos temporários da oligarquia financeira em vitórias reais para forças cidadãs do mundo. Seria uma pena não usar tais oportunidades. Isto significa usar meios lúdicos e formas populares de ação, como o exemplo dado pela requisição cidadã de cadeiras e poltronas em uma agência bancária HSBC na qual a imprensa demonstrou a existência de uma evasão fiscal maciça. O objetivo da ação é simples: entregaremos novamente as cadeiras quando o banco reembolsar as quantias! Isso ajuda a construir uma forte alternativa simbólica sobre o tema: bancos ajudam empresas multinacionais e os membros da oligarquia financeira a realocar seus ativos em paraísos fiscais. Nós, cidadãos e cidadãs, procederemos à “deslocalização” desses ativos/assentos e os usaremos como um meio de troca na luta contra a evasão fiscal. Tais ações são facilmente reproduzíveis (este já é o caso de ações visando o BNP) e obrigará a oligarquia financeira a reagir. Se ela não se movimentar, abrirá o caminho de uma repetição em massa do movimento. Se ela iniciar processos judiciais contra este, os julgamentos sobre a evasão fiscal podem desempenhar um grande papel no uso de alavancas legais na luta da sociedade civil global.

 A importância dos mecanismos jurídicos:

 A alavancagem legal é realmente uma boa base comum para uso nos três exemplos a seguir:

 -  No campo do clima e mais amplamente no reconhecimento dos crimes ecológicos (ecocidas) em conexão com as discussões da Cúpula dos Povos no Rio em 2012;

 - Em matéria de reconhecimento de crimes contra a humanidade que não podem ser reduzidos apenas aos ataques terroristas atuais, mas incluir, por exemplo, o uso da tortura pelos Estados Unidos durante o governo Bush. Nesta perspectiva, a organização de sessões cidadãs no Tribunal Penal Internacional poderia ser considerada. A batalha pela sua admissibilidade seria um primeiro desafio para preparar o caminho, em caso de bloqueio, à iniciativa de criar um Tribunal Internacional da Cidadania.

No que diz respeito à alavanca legal na luta contra a evasão fiscal, ela permitiria antecipar, se houver bloqueios na sua implementação, um início de fiscalização global dos cidadãos sobre os impostos,  primeiros nos impostos nacionais sobre as atividades perigosas para a humanidade (por exemplo, armas). Uma quota desses impostos poderia ser atribuída a um fundo global cidadão a ser usado, por exemplo, na luta contra as mudanças climáticas e no financiamento dos objetivos vitais, como a luta contra a fome, o acesso a água potável, aos cuidados básicos de saúde, etc. ...


Categorias

Articulações internacionais, Marco Legal, Relações internacionais

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