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O paradigma quântico e a transformação do mundo

23 de Setembro de 2018, 2:26 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Observador quântico 

Débora Nunes

As afirmações da física quântica que trabalha o infinitamente pequeno parecem à primeira vista não fazer muito sentido quando olhamos o mundo na escala humana. Entretanto, essa nova base paradigmática que vai certamente organizar o entendimento humano sobre o mundo no futuro e talvez até mesmo do mundo infinitamente grande, o cosmos, está se tornando cada vez mais compreensível e essa é uma excelente notícia. O pensamento humanista e ecológico que combina a histórica busca por um mundo mais justo e mais democrático com o respeito à sacralidade da Natureza será grandemente beneficiado por esse novo paradigma e tentarei mostrar por quê.

Uma das bases da física quântica é que tudo é, ao mesmo tempo, matéria e energia. Foi dessa descoberta que nasceram todas as mudanças na física que vêm sacudindo a visão de mundo então estabelecida. Até aqui, tanto os historiadores tradicionais, que contaram a história dos vencedores, quanto os historiadores marxistas, que deram espaço aos oprimidos e explicam o mundo pela luta de classes, abordaram a história essencialmente pelo seu aspecto material. Uma história “quântica”, incoporaria a dimensão imaterial, energética, do mundo. Como exemplo, ela abordaria a influência do inconsciente coletivo nos processos históricos ou a tendência cósmica de  equilíbrio Yin – Yang. Em termos simples, equilíbrio feminino-masculino. Uma história contada pelo ponto de vista das mulheres, ou pelo ponto de vista do inconsciente coletivo, faz inteiramente sentido nessa abordagem quântica do mundo. Sendo construída como está sendo, será emancipatória e confortará nossos anseios de evolução humana. Continuemos.

Outra base importante da física quântica diz que o olhar do observador define a realidade.  Cientistas do porte de Werner Heisenberg, Eugene Wigner, Roger Penrose ou Erwin Schrodinger desenvolveram esse estranho aspecto quântico: O mundo é o que a gente vê. Até aqui a História foi mostrada como se as pessoas comuns tivessem um papel histórico quase irrelevante e essa afirmação diz que cada pessoa constrói o mundo com seu olhar. Isso quer dizer que as imensas forças econômicas e as estruturas sociais  que modelam o mundo não existem? Não, isso quer dizer que as pessoas precisam acreditar nelas para que existam. O dinheiro, esse imenso poder, nada mais é que uma crença, uma convenção, uma verdade intersubjetiva. Se deixarmos coletivamente de acreditar no valor de uma moeda, ela não valerá mais, isso é um fato histórico que aconte

ceu diversas vezes. Do mesmo modo, um general perverso só consegue afrontar cem recrutas armados porque eles acreditam que o general é poderoso. Eles e os oficiais que punirão os soldados se eles tentarem algo contra o general. Sim, o modo como olhamos o mundo é poderosíssimo.

Corroborando a importancia do Sr. João Ninguém ou da Sra. Maria Ninguém, tão caros ao pensamento da esquerda democrática, está o conceito físico de “salto quântico”. Aqueles mesmos elétrons que são matéria e energia ao mesmo tempo e que se configuram como realidade segundo nosso olhar - ou seja, são matéria no momento em que escolhemos olhá-los assim e são energia quando o vemos assim - eles “saltam” estranhamente. Os elétrons saltam de um orbital para outro quando recebem ou perdem energia. E seu salto pode acontecer com pequenas inserções de energia. Até aqui a História foi mostrada como se apenas as grandes forças tivessem possibilidade de fazer avançar o mundo – ou fazê-lo retroceder. Eis que a física quântica diz que uma grande mudança de estado não se dá necessariamente por um contínuo acúmulo de forças, mas pode ser uma mudança abrupta, complexa, que depende de muitas variáveis e que pode acontecer sem um “impulso maior”. Isso quer dizer que a qualquer momento eu ou você podemos fazer a diferença em uma mudança capital para o mundo, apenas porque somos “a gota d’água” que faltava pro salto histórico-quântico acontecer.

A essa responsabilidade histórica que cada pessoa tem para mudar o todo o físico indiano radicado nos Estados Unidos, Amit Goswami, deu o nome de “ativismo quântico”. Esse sábio que une conhecimentos do oriente e o ocidente nos fala constantemente de outra base conceitual quântica bastante “trivial” para o mundo da física. É sobre a existencia de universos paralelos. Quando o famoso elétron salta entre um orbital e outro ele simplesmente desaparece. Nenhum instrumento conseguiu localizá-lo até hoje, depois de mais de um século de descoberta desse fato e depois de um desenvolvimento tecnológico abissal. Os físicos comuns e as sumidades pioneiras do tipo Niels Bohr ou Max Plank concordam que o elétron está em outra dimensão, e inclusive hoje se sabe que essas dimensões imateriais são muitas. Voltando à História, isso quer dizer que ela também está conectada com dimensões ainda não conhecidas, pois se expressa através da matéria que por sua vez é feita de elétrons que são matéria e energia e que as vezes dão um passeio por outras dimensões. Como iremos contar a influência histórica dessas outras dimensões? O Universo material-energético teria seus desígnios? Quais seriam eles?

Traz-se agora um outro princípio quântico segundo o qual tudo é Um. Esse é um fundamento da ecologia e da percepção de que o que fazemos à Terra fazemos a nós mesmos. A realidade, além de interconectada diretamente, é também “não local” para a física quântica, ou seja, a conexão entre tudo que existe não é impedida pela distância. Tudo está, portanto, conectado e o movimento das asas de uma borboleta no Rio de Janeiro pode fazer chover em Pondicherry... pra ficarmos no Sul Global... Em termos históricos, Einstein poderia ter dito que todos os processos são globais e que cada indivíduo está conectado e interfere no todo. A construção da realidade inclui a vontade e ação de cada pessoa e um pequeno grupo pode propiciar um salto quântico, se as condições são dadas. Juntando a isso a ideia dos “desígnios do Universo”, pode-se olhar a História de diferentes maneiras e deduzir a direção que ela está tomando. Não seria a de um processo evolutivo espiralado, ou seja, com altos e baixos, em direção a mais igualdade e respeito aos direitos humanos, às minorias particularmente e uma maior liberdade de expressão das características de cada pessoa?.

Em tempos de avanço da extrema direita no mundo nem parece que estejamos evoluindo, mas a História não pode ser olhada apenas contingencialmente, há que olhá-la a longo prazo. Como Hitler e outros monstros, esses também estão condenados ao limbo da História, como o serão os que massacram Gaza neste momento. O que é interessante é que, se a História seria influenciada pelos desígnios do Universo, o livre arbítrio humano e a imaturidade da nossa espécie dentro da história cósmica pode nos levar constantemente a retrocessos. Em física quântica nada é certo, tudo são probabilidades e viver na incerteza é a arte das físicas e físicos e deveria ser a de nós todo.a.s., para evoluírmos. Mas isso é outra história, que implica indagar pra onde nos leva nosso próprio livre arbítrio aqui e agora.  Para a física quântica o real é o que  acontece quando todas as outras possibilidades de realidade colapsam, ou seja, não acontecem.  E o “colapso de possibilidades” de Amit Goswami e sua física quântica que impregna o dia-à-dia é construído pelo olhar e pela ação de cada pessoa.

Na medida em que esses conhecimentos quânticos sobre a natureza da realidade causem mudanças profundas no olhar humano sobre o mundo, tudo vai mudar. Uma imensa evolução aconteceu no Renascimento quando o racionalismo mecanicista de Decartes e Newton se tornou a visão do mundo hegemônica. Construímos o conhecimento laico independente do dogmatismo religioso, a democracia representativa, o capitalismo que, apesar de todos seus males, inventou pagar salários à classe trabalhadora, a independência das colônias, os direitos sociais e trabalhistas... Quando isso tudo está se desintegrando, um novo salto é necessário. Os novos marcos conceituais quânticos e seus elementos de criatividade podem abrir nosso imaginário sobre a interpretação da História nos ajudando a construí-la. Eles nos mostram que ela é uma construção coletiva onde nossos pensamentos, sentimentos e ações cotidianas são tão importantes quanto as velhas grandes forças históricas, que continuam agindo.

Dois grandes pensadores de esquerda que já se foram tinham um pensamento “quântico”, cada um a seu modo. Se “ futuro é uma astronave que tentamos pilotar”, como diz Toquinho, precisamos de mapas, mas também de saber onde queremos ir. Eduardo Galeano falava de ter clareza da Utopia que buscamos, que será cada vez mais aperfeiçoada e portanto, distante, mas será sempre nossa guia. Antonio Gramsci  nos dizia que para prever o futuro necessitamos olhar a realidade de forma objetiva e ter, ao mesmo tempo, um projeto que queremos ver triunfar (se não estaríamos levando em consideração apenas o projeto dos poderosos desse mundo). Edgar Morin, o grande pensador atual da complexidade, nos convida a superar a dualidade e pensar sempre, em face a qualquer realidade, a existência de uma terceira possibilidade (que ele chama de "terceiro incluído"). Na física quântica incluí-se o conceito de onda-partícula, ao lado da onda e da partícula. Morin diz que não podemos desprezar os movimentos periféricos, aqueles que acontecem nos subterrâneos da sociedade e considerar apenas as grandes forças, pois o improvável aconteceu muitas vezes e o que era marginal tornou-se inúmeras vezes trinfante.

Quero citar um mulher, e penso que cada pessoa que se compromete com a evolução do mundo deve sempre fazê-lo, contrariando a marca patriarcal que ainda existe na análise intelectual e destaco Mirra Alfassa, a "Mãe", que fundou Auroville, a maior comunidade alternativa do mundo atual, na India. Incluindo cada pessoa e a vibração que ela emite na transformação do mundo, ela diz: “Por milênios, desenvolvemos meios externos, instrumentos externos, técnicas externas de vida e, eventualmente, esses meios e essas técnicas estão nos esmagando. O sinal da nova humanidade é a inversão de perspectiva e a compreensão de que os meios internos, o conhecimento interno e a técnica interna podem mudar o mundo e dominá-lo sem esmagá-lo”.

Improváveis saltos quânticos em direção a mais democracia, ecologia e justiça são prováveis, mesmo em tempos sombrios como os que vivemos. São mais prováveis ainda se olharmos a História e identificarmos seus avanços, percebendo que em largos traços estamos indo em direção a uma civilização mais amorosa. Como já dizia Chico Buarque em sua infinita sabedoria, “a história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente, todo aquele que a negue”, 

 

Esse texto foi publicado no jornal OUTRAS PALAVRAS. Se você quizer saber mais sobre o assunto, leia outros textos relacionados ao paradigma quântico que publiquei no meu blog e que estão linkados abaixo.

https://cirandas.net/deboranunes/blog/um-novo-jeito-de-ver-e-antever-o-mundo-o-paradigma-quantico-e-ecologico

https://cirandas.net/deboranunes/blog/cidades-do-futuro-novos-paradigmas

 

 


Tags deste artigo: Física Quântica Novos Paradigmas esquerda futuro ecologia

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