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Para onde vai a democracia?

10 de Novembro de 2015, 18:32 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Certamente, ela ainda irá muito longe. O modelo democrático que conhecemos, velho de 2400 anos e aperfeiçoado ao longo dos séculos até os modelos atuais, irá se desenvolver e se adaptar às novas necessidades. O papel da esquerda será fundamental nesses aperfeiçoamentos, mesmo que essa expressão “esquerda” possa até ser superada. Antes de tratar especificamente do ideal de igualdade, liberdade e fraternidade que vem da revolução francesa e historicamente representou a esquerda, tratemos da democracia, que exige amplo espectro de opções para ser legítima. Não se constrói democracia com um só ponto de vista.

No imaginário geral, as práticas eleitorais de hoje representam a democracia. O percurso histórico para se chegar ao modelo de democracia representativa foi longo e difícil e os brasileiros estão entre os que o conquistaram nas ruas. Os períodos ditatoriais do Brasil, particularmente o último, de 1964 a 1985, fez com que as eleições se apresentassem como símbolo da democracia. A memorável campanha pelas “Diretas Já”, nos idos dos anos 1980, arrancaram o país das mãos dos militares e lhe entregaram ao povo.  Sim, as eleições gerais, com o voto de todos os cidadãos em condição de maturidade para decidir sobre quem deve legislar (definir as regras) e executar (governar segundo as leis) é um grande avanço, mas certamente não é suficiente.

Quando os legisladores e governantes em geral, mesmo eleitos, deixam de contar com a confiança da sociedade, é hora de repensar a democracia representativa e pensar a democracia do futuro. De leste a oeste no mundo, de norte a sul, existe uma crise da democracia e grande distância entre o que fazem os representantes e o que querem os representados. Cientistas políticos de todos os matizes estão de acordo que, excetuando uma ou outra nação menos atingida pela crise democrática por particularidades históricas, a representação via eleições é insuficiente para que a democracia funcione bem hoje. Assim, nossa democracia brasileira está em crise não porque os políticos e governantes do Brasil sejam mais corruptos ou ineficazes em representar seu povo que os demais, mas porque os tempos mudaram.

Pode-se avançar que há pelo menos dois fenômenos universais que estão na base dessa crise da política democrática: um é a influência abusiva do poder econômico, já largamente comentado. Outro, menos examinado, é a elevação do nível educacional e de informação dos cidadãos e cidadãs do mundo, que se tornaram mais exigentes e assim pressionam pelo aperfeiçoamento do sistema de representação e por uma democracia mais direta. 

 

O poder econômico e a elevação do nível educacional e de informação da cidadania

Sobre a influência do poder econômico, há vários aspectos a analisar e trataremos apenas dois: o primeiro, muito caro aos brasileiros que estão fazendo verdadeira devassa na ação dos políticos, é a corrupção. O poder econômico manipula votos de parlamentares de acordo com seus interesses, assim como deturpa a ação governamental, que muitas vezes prioriza ações, obras e serviços para beneficiar alguns e não a todo o povo, como deveria ser sua missão. Outro aspecto importante é a distorção da representação democrática: quando se observa quem são os vereadores e deputados e quem é a base eleitoral do município, do estado ou da nação, evidencia-se as falhas do modelo. Nas democracias representativas dos EUA, da França, da Índia ou do Brasil, por exemplo, os ricos, os que têm estudos universitários e os homens (sem falar das questões étnicas) estão mais presentes no parlamento do que entre o povo em geral, o que revela que a representação é distorcida.

O aumento do nível de exigência da cidadania acompanha o nível de informação e de educação, como é natural. Quanto mais se tem uma opinião sobre o mundo, facilitada pela educação, e quanto mais se está informado sobre a ação governamental e parlamentar, e seus efeitos, mais a população cobra, felizmente. Nos tempos de ditadura militar sempre dissemos que manter o povo na ignorância era a forma mais engenhosa dos militares se manterem no poder. O nível educacional do povo brasileiro aumentou muito e muita coisa mudou, inclusive a chegada no poder de um novo projeto político, que foi representado por Lula e o PT por mais de uma década. Essa alternância no poder não foi suficiente para fortalecer definitivamente a democracia e a população está cada vez mais desalentada.

Como se sabe, o poder econômico, além de corromper parlamentares e governantes, manipula boa parte da mídia. Essa, ao se deixar comprar por diferentes lados das disputas eleitorais, torna-se uma expressão da submissão da política ao poder econômico, o que traz mais motivos para o desalento. Uma população mais educada também percebe melhor essa manipulação, mas as camadas menos críticas deixam-se envolver e a equação poder econômico, manipulação da mídia e falsa representação parecem desconstruir o ideal democrático de poder do povo para o povo.

 

Um novo modelo para a política democrática

O que há de novo na democracia é a emergência de um novo paradigma, que embora ainda atuando em nichos muito restritos, mostrou sua força no Brasil nas manifestações de julho de 2013, como tinha mostrado nos Estados Unidos através do movimento Occupy Wall Street, na Europa no movimento dos Indignados, no norte da África com a Primavera Árabe, no extremo oriente, em Hong Kong, com as manifestações juvenis do guarda chuva contra o governo da China, etc.. Olhados de perto esses movimentos, que herdam a histórica luta por liberdade, igualdade e fraternidade, têm muita disparidade, mas há pontos em comum que entendo serem variáveis que interferirão no futuro da democracia: sua liderança compartilhada, seu funcionamento em rede, e, nos casos mais avançados, sua busca de coerência entre o pensar e o agir.

Esses movimentos são a ponta de um iceberg subterrâneo constituído pelos “novos coletivos cidadãos”, que tentei descrever e entender, juntamente com Ivan Maltcheff, no livro de mesmo nome (acesso aqui). Essas iniciativas coletivas são variadas e atuam em vários campos: na economia solidária, nos movimentos culturais alternativos, nos coletivos de softwares livres, nos agricultores orgânicos e permacultores, nos grupos urbanos que atuam contra a disparidade de poder entre os simples cidadãos e cidadãs e o poder imobiliário e do mercado da mobilidade e do lixo, nos que vivem nas ecovilas, nos que constroem o movimento das cidades em transição, nos que defendem os orçamentos e planejamentos participativos, como as bicicletas, as hortas e canteiros coletivos... entre tantos outros.

Trata-se de um sem número de pequenos mundos alternativos construídos conjuntamente em modo mais ou menos autogestionário e mais ou menos em rede que fazem, em alguns momentos, política explícita. Os jovens estão à frente da maioria desses movimentos e em outro post busquei explicar porquê, falando em porque para eles a coerência entre o discurso e a prática é uma exigência tão importante.

Esses movimentos são o caminho da renovação democrática, na medida em que se articulem e percebam a força de sua credibilidade baseada em atos e não apenas em palavras.  A renovação democrática não virá de partidos que, mesmo ditos “de esquerda”, não se inspirem diretamente dos novos caminhos trilhados pela sociedade.  Cidadãos mais educados e informados não querem tutela, querem manter seus representantes sob seu controle e não entregar cheque em branco na eleição, que não é um fim em si mesma. Por praticarem no seu cotidiano aquilo em que acreditam, exigem coerência e não aceitam que os fins justifiquem os meios, pois sabem, cada vez mais, que é caminhando que se faz o caminho, como diria o poeta espanhol Antonio Machado.  

A passagem para uma democracia participativa está em curso e integra, em termos institucionais, mecanismo de controle social como conselhos e conferências de todos os tipos e escalas que estão sendo experimentados mundo afora e particularmente no Brasil.  Esses instrumentos participativos, quando bem aplicados e não extensão da manipulação política e econômica, atraem o público dos novos coletivos cidadãos e incorporam aos poucos suas características.  A integração de mecanismos de participação pela internet,  a internacionalização das causas humanas que mobiliza milhões como na plataforma Avaaz, a revolução que significa o financiamento colaborativo de projetos e tantas outras novidades são alento às nossas esperanças, mas ainda passam despercebidos por muitos quando se fala em democracia. Enquanto isso, a mídia nos faz pensar que o fim do mundo na política já chegou. Talvez haja um fim, mas significando um novo começo.


Categorias

Política, Juventude, Software, cultura e conhecimentos livres, Agroecologia, Consumo ético e solidário, Meio-ambiente

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