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Sobre o dinheiro e a alma (II)

6 de Junho de 2016, 21:36 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Alguns pesquisadores apontam uma leitura nada comum sobre a origem do dinheiro e que pode mudar nossa maneira de encará-lo. Seu surgimento não estaria vinculado à facilitação das trocas de bens, substituindo com vantagens o escambo, a troca direta. Antes dessa razão prática, o dinheiro teria sido criado por razões espirituais, para negociar com as divindades. As primeiras moedas, segundo esta versão, teriam sido animais oferecidos aos deuses em troca de favores solicitados desde tempos imemoriais: chuva, sol, boa colheita, etc. As próprias imagens cunhadas nas primeiras moedas conhecidas, feitas em metais preciosos, são de animais e são uma das comprovações dessa tese. Esta versão abre outra perspectiva de relação com o dinheiro que não é nem a da adoração, tão comum, nem a da execração. Ela vai além, entendendo seu papel simbólico e ajudando a compreender a alma humana.

Um dos motivos da adoração atual ao dinheiro é seu poder de evitar frustrações e essa é uma razão tanto prática, quanto simbólica. Quem tem dinheiro não precisa o tempo todo priorizar, escolher. Pode, em termos materiais, ter “tudo” o que deseja, em comparação à média das pessoas, e assim não ter que enfrentar as frustrações que as escolhas embutem. Outro conforto que o dinheiro traz, é o próprio conforto: paga serviços, bens e situações que evitam trabalho e permitem o descanso, algo que é buscado, em certa medida, por todos e todas. Não é à toa que o dinheiro é normalmente tão cobiçado e que quem aparenta possuí-lo esteja tão exposto à inveja.

É possível destacar duas relações profundas do dinheiro com a alma: a liberdade de escolha que o dinheiro permite e a promessa de aprovação social que ele oferece. Pensando que cada ser humano tem no seu DNA desejos de liberdade e de reconhecimento do seu valor, vê-se que todos tentam, por diferentes meios, cumprir estes desejos. A maioria tenta ser útil, trabalha no que lhe cabe buscando mostrar seu mérito, tenta ser bom pai, mãe, filho, amigo, colega de trabalho, etc., confiando colher amor e respeito de si mesmo e dos outros. O dinheiro entra aí desestabilizando a equação social. Como poderoso motor de reconhecimento, particularmente numa sociedade consumista, ajuda na criação de uma imagem pública favorável até para quem não tem mérito e usa o dinheiro para criar, acelerar ou aprofundar a desejada admiração pública.

Costuma-se separar, e é justo que se faça, aqueles que obtêm dinheiro por mérito do trabalho árduo, daqueles que o obtêm por meios escusos. Quando se obtém dinheiro por algo meritório, o desejo de reconhecimento através desse tenderia a ser menor, pois a atividade que causou sua obtenção já traz também reconhecimento, e assim não se necessitaria de exposição de poder econômico. Pode-se pensar que o apego exagerado ao dinheiro, e mesmo a exibição pública daquilo que ele proporciona, estaria mais presente naqueles que não têm outros merecimentos para serem reconhecidos, ou que intimamente duvidam de seu próprio valor. Nestes casos, que parecem ser frequentes, o dinheiro pode facilmente virar uma prisão, ao invés de um instrumento de liberdade de escolhas.

Os motivos que cada pessoa elege para valorizar o dinheiro são um bom caminho do processo de autoconhecimento: ele pode ser um revelador de desprendimento, mas também de apego. Ele pode mostrar o cuidado consigo e com os outros, ou pode ser usado para manipular e controlar as pessoas. Ele pode ser usado como caminho de esconder nossas frustrações, comprando, comprando... Mas também pode ser pensado com força de vida, como energia condensada, pode nos ajudar no caminho da coerência, usando-o para moldar o mundo que queremos. Dinheiro usado para pagar serviços bem prestados por pessoas que vivem de um trabalho honesto; para comprar produtos que nos fazem realmente bem e melhoram o mundo; para manter e reconstruir, a Natureza, nossos locais de vida, cuidar de quem amamos...

Se olhamos o dinheiro de modo mais espiritualizado, de fato é possível perceber caminhos da alma através das formas de sua presença diária na vida de cada um. Para aqueles que querem uma existência plena, não é possível ignorar como o dinheiro lhes afeta, nem desconhecer que ele é também uma metáfora de poder. A alma, ou a consciência de cada um, não quer subterfúgios, não quer vender ilusões a si mesma ou aos outros. Ao invés de execrá-lo, talvez a melhor forma de vencer o poder do dinheiro seja simplesmente olhá-lo de frente, como o que ele de fato é: um instrumento, um objeto, que tem o sentido que lhe damos. Como diz a música de Frejat desejo que você ganhe dinheiro, pois é preciso viver também... E que você diga a ele, pelo menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem...”.

 


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