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Tempos de Temer

12 de Maio de 2016, 16:02 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Ouvindo os rádios e TVs nesses dias observa-se que parece que há dois países: um, no qual vivem os comentaristas midiáticos, que falam do resultado da votação do Senado como uma vitória democrática que estaria animando a sociedade. E outro no qual as pessoas observam tudo com um difuso sentimento de desesperança baseada na ideia de que a política é podre e de que nada que saia daí pode reverter os males que estão fazendo com que se revoltem. São Paulo e Rio não são o Brasil e nem mesmo nesses estados dominantes da mídia nacional há um sentimento generalizado de vitória cívica, como se viu na campanha das Diretas Já ou no impeachment de Collor, por exemplo. O mundo em que circulam os comentaristas da mídia não representa a realidade e felizmente existe a internet e suas múltiplas interpretações de mundo, com vozes de norte a sul do Brasil.

Os novos mandantes, Michel Temer e os ministros anunciados, todos homens, não suscitam empolgação ou esperança da maioria dos brasileiros e brasileiras. São mais do mesmo em termos de políticos que não entendem a política como um serviço, como essa pode vir a ser um dia (e já o é para poucos parlamentares e governantes). Temer e seus ministros têm tendências abertamente liberais, ou seja, para ser simples: tendem a proteger os ricos. Por isso mesmo precisam ser vigiados de perto por uma sociedade civil que majoritariamente não quer retroceder em direitos sociais, seja de que lado ela esteja nesse momento: falando fica Dilma, ou tchau Dilma.

Vingança, hipocrisia e machismo

A sessão do Senado mostrou, nos quinze minutos de fala da maioria dos senadores, o quanto o processo de impedimento da presidenta Dilma Roussef está sendo movido por motivos alheios à ideia de crime de responsabilidade. De modo geral, os discursos pintaram os últimos 15 anos como sendo de verdadeiro descalabro nacional, o que está longe da realidade. Retirando-se os últimos dois anos, os dados sociais e econômicos brasileiros foram positivos, e a política avançou muito se pensarmos nas imagens de corruptos sendo presos pela Lava Jato, como “nunca antes na história desse país”.

Viu-se também no Senado o júbilo daqueles que estão se sentindo vingados por terem sido mantidos afastados do poder por tanto tempo. Outra face da sessão, muito parecida nesse aspecto à que aconteceu na Câmara, é a absoluta hipocrisia de políticos que falam de corrupção no governo (e não se ousou falar de corrupção da presidenta) como se aquela casa fosse formada por anjos, e os partidos não governistas fossem todos limpos.

Outro aspecto da sessão do Senado foi a falta de respeito com que muitos se referiram a Dilma, deixando entrever um machismo que pouco ousa se expressar, mas que está lá, e dá náuseas. Aquela famosa frase da Veja “bela, recatada e do lar”, referindo-se à mulher de Temer (que foi ridicularizada por milhares de mulheres no facebook exibindo-se como “belas, ousadas e de luta”, ou “belas, combativas e da rua”) está lá no imaginário de muitos senadores. Ao se esganaram pra chamar a atenção da mídia, numa tentativa de farsa de festa cívica no Senado, eles davam pena, tão fora do tempo e tão longe do real. Convido suas mulheres a lhes darem o corretivo que merecem.

Mas como chegamos até aqui? Não é fácil responder e há análises várias, desde as que afirmam haver uma articulação internacional da direita com o mercado financeiro, até as que vêm simplesmente uma virada histórica que pune o PT pela traição a seus princípios. Provavelmente um pouco de cada uma das muitas análises, conectadas, explicam a complexidade da realidade brasileira hoje, mas é possível olhar também sob o ângulo das mudanças civilizacionais em curso, que transformarão a política, cedo ou tarde.

Vê-se um sistema político que não se ajusta à sociedade, mas também uma sociedade que não se ajusta à política de participação e transparência que ela quer ver, majoritariamente. Vê-se um descompasso acelerando-se rapidamente entre uma sociedade hierárquica e uma sociedade em rede.   Na primeira, uns mandam e outros obedecem, criticam e se desresponsabilizam. Na segunda, todos são responsáveis e decidem de forma participativa, o que exige atitudes adultas, e o olhar pra seus próprios atos.

A política atual explicita um modelo no qual se vota em representantes e se espera que conduzam o destino de todos, a partir dos poderes executivo e legislativo. As distorções do sistema pelo poder econômico e pelo poder da mídia, aliadas com o descompromisso de eleitores em manter vigilância sobre seus representantes se explicita na triste descrença na política. O velho não morreu e o novo ainda não está pronto pra nascer. Aí está um dos fundamentos da crise. Enquanto ela persiste, seria bom ouvir a frase do senador Romário, falando calmamente, votando a favor do impeachment e pedindo grandeza: “Os mandatos acabam e o país fica”. Não se esqueça disso, Temer.

 


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