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Testemunhando a COP 21: um aumento do nível de consciência global

14 de Dezembro de 2015, 17:58 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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De um lado, como em todas as Conferências internacionais, os sisudos delegados, em sua maioria homens brancos em terno e gravata, circulando por espaços confortáveis, porém vigiados e restritos. Do outro lado, milhares de cidadãos, de todas as cores, principalmente rapazes e moças em igual número, circulando por toda a cidade de Paris em lugares aonde fervilha a energia da mudança e o pensamento coletivo. Nessa COP, de um lado, o “Le Bourget” e de outro a Conferencia dos Cidadãos pelo Clima, em Montreuil, o ZAC (Zona Ação Clima) no Centro 104, e os espaços “Place 2 B” e Geração Clima, como centros de agregação. Além desses, centenas de outros lugares menores discutindo a questão climática democraticamente, denunciando suas causas e mostrando soluções.

Estive, logicamente, nos lugares aonde estava a cidadania, mas acompanhando de perto aquilo que acontecia internamente no Le Bourget, através de contatos diretos com pessoas trabalhando ali e pela imprensa francesa. Nos primeiros dias, com a interdição de manifestações de rua por causa do estado e emergência causado pelos atentados terroristas, o sentimento geral do lado cidadão era de desarticulação e de indignação. Sentimos o Le Bourget como uma confiscação do poder democrático da cidadania planetária de decidir pelo futuro das gerações presentes e futuras. Sabíamos que o lobby das grandes corporações, sobretudo das empresas petrolíferas, estava agindo a todo vapor dentro do Le Bourget - como nas 20 COPs anteriores - para impedir reais medidas que poderiam evitar catástrofes climáticas, enquanto nós não podíamos nem nos manifestar nas ruas.

Na medida em que o tempo foi passando a ideia de construção de um outro poder, para além dos interesses pequenos das nações e do tempo curto dos mandatos eleitorais, foi ganhando asas. A palavra de ordem “people power” gritada pelos jovens no espaço Geração Clima, ao lado do Bourget, somava-se, entre outros, à articulação de um manifesto por um poder cidadão direto, constituindo-se numa etapa superior de pensar a política, de forma planetária e sem fronteiras, como são o ar, os rios, os oceanos que temos que proteger. A paralisia inicial do lado cidadão começava a se transformar em projeto de forma múltipla e difusa, mas profundamente enraizada na história recente. Por outro lado, uma intensa ação pela internet fazia chegar aos delegados a indignação geral com a incapacidade da Conferência em avançar. O relato da Avaaz (aqui), que promoveu muitas ações nos últimos anos e agiu intensamente em 2015, mostra como se deu a intervenção cidadã por meios virtuais na COP 21.

Mas a Avaaz, com seus imensos serviços prestados e seus 42 milhões de internautas assinantes de petições e financiadores de ações, é apenas uma parte do todo que se move do lado da sociedade planetária. Na base da articulação cidadã estão movimentos ecológicos muito mais antigos, como o WWF e o Greenpeace, entre outros, assim como documentos pioneiros como o “Limites do Crescimento” do Clube de Roma (de 1972), ou “Nosso Futuro Comum” (de 1987), para citar apenas alguns dos que nos fizeram compreender a gravidade dos problemas ambientais. No campo da história da organização propriamente dita dos “side events” participativos das COPs, está a maravilhosa experiência dos Fóruns Sociais Mundiais, grande parlamento cívico mundial informal, que completa agora 15 anos e que tem brasileiros como seus fundadores, como Oded Grajew e Chico Whitaker. Assim, os “altermundialistas” do FSM que propõem que “outro mundo é possível e está em construção” e as primeiras ações e organizações ecologistas estão na origem da consciência que hoje se aprofunda e se organiza em todo o planeta. Daí nasce a força da pressão das redes sociais e das plataformas virtuais como a Avaaz.

Mas, e o Le Bourget, como evoluiu? Um dos mediadores do debate oficial disse a um grupo de ativistas, ainda na primeira semana da Conferência, que se os cidadãos não podiam entrar na COP, os lobistas estavam lá em grande número. Quando lhe perguntamos como a cidadania poderia influenciar os resultados da COP, ele nos respondeu: “pressionem aqueles que não querem que os países avancem, com boicotes que os façam sentir a pressão no bolso, é a única maneira”. As notícias que vinham do Le Bourget dessa forma não apontavam para avanços no curto prazo. Entretanto, a pressão social da mobilização cidadã mundial pela internet redobrou, assim como a força da ideia vinda de muitos focos de constituição de um poder cidadão planetário. Outro fator de pressão foi de caráter interno, sobre o governo francês anfitrião, que precisava ganhar pontos juntos aos seus cidadãos em plena época eleitoral e com ameaça da extrema direita de ganhar diversos governos locais.

Um fato à parte foi a ação do presidente francês da COP, Laurent Fabius, portador, segundo diversas fontes, de uma doença incurável e mortal, que o faz mais sensível à sorte de seus semelhantes e das futuras gerações. Em seu discurso de apresentação de uma proposta de acordo, Fabius disse, com voz embargada, que os delegados não poderiam decepcionar a sociedade e precisavam defender a Vida. A ação de Ban Ki Moon, secretário geral da ONU, de Christiana Figueres, secretaria executiva das Nações Unidas para as mudanças climáticas (UNFCCC), de Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP 20, em Lima/Peru e muitos outros e outras, trabalharam incansavelmente para que a COP de Paris avançasse.

Outro aspecto decisivo para se chegar a um acordo em Paris foi o fracasso da contraofensiva das corporações, sobretudo do petróleo, que tinha sido eficaz nas duas últimas décadas, em negar o aquecimento global por ação humana. Vencidas as mentiras pseudocientíficas, apenas razões econômicas motivavam os discursos dos que eram contra o acordo. Ninguém mais pode questionar as mudanças climáticas de forma crível durante a COP de Paris e assim a questão do financiamento aos países insulares que já começam a desaparecer com a elevação do nível dos oceanos e à reconversão dos países produtores de petróleo para as energias renováveis – entre outros impactos - tornou-se objeto maior dos debates. Vários grupos de pressão por um acordo, no interior mesmo da COP, tendo apoio aguerrido de ONGs presentes, foram se articulando. Pressão interna e pressão externa conduziram a que saísse um acordo, evitando um mal maior.

Mas que acordo é esse? E qual o papel da sociedade civil planetária para o fazer cumprir em cada país e em todo o mundo? Como na maior parte dos processos diplomáticos, o acordo fala bonito, mas de forma vaga. O teto do aquecimento, a partir do qual se calcula as emissões totais de CO2 no planeta, deve “buscar ficar entre 1,5 a 2 graus”, mas as metas nacionais hoje existentes levam à uma subida de 3 graus. Não se instituiu punições a quem ultrapassar nem mesmo as metas auto imposta que não atingem o total pretendido, assim, como atingir sua limitação em níveis menos catastróficos? Os recursos para mitigação dos efeitos do aquecimento e reconversão de economias para formas limpas só começarão a serem aplicados em 2020, enquanto as urgências se multiplicam, com enchentes, secas, furações e elevação do nível do mar.

De todo modo, houve um acordo e ele é ambicioso, mesmo que pareça um leão sem dentes. A sociedade planetária presente em Paris aponta inequivocamente para a constituição de um poder cidadão, que não apenas controle os governos, mas que seja um exemplo de coerência coletivamente construída, essa é a novidade. O “Juramento de Paris”, assinado por personalidades como Edgar Morin, disponível hoje em várias plataformas de petições (veja aqui a do FSM 2016 de Montréal) implica as pessoas que se engajam a construírem um processo político global, mas também a mudar suas escolhas de consumo, sua “pegada ecológica” ou o peso que sua forma de estar no mundo deixa no planeta. O nível de consciência está mudando e isso se refletirá, cedo ou tarde, em mudanças civilizatórias profundas.  Hoje podemos escolher ser parte do processo, comece assinando o compromisso.

Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx

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Articulações internacionais, Meio-ambiente

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