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Vivências no Fórum Social Mundial de Montreal 2016: um mundo desenhado por nós

18 de Agosto de 2016, 15:59 , por Débora Nunes - 0sem comentários ainda | Ninguém está seguindo este artigo ainda.
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Tive a alegria de estar presente no primeiro FSM do norte do mundo, no Canadá, de forma muito aproximada. Primeiro, por ter organizado, com uma equipe, três atividades da rede internacional Diálogos em humanidade; segundo, pelas relações de amizade com os organizadores/as do FSM de Montreal, que me permitiram uma pesquisa com uma equipe de pessoas que organizaram o evento e, terceiro, pela participação como observadora na reunião da Coordenação Internacional do FSM, em nome da rede Diálogos. Partilho aqui alguns dados e impressões sobre o Fórum do Quebec, que fala francês, inglês, inuit et, nesses dias de FSM, falou as línguas das 125 nações presentes.

O evento vinha sendo organizado desde maio de 2013, de forma colaborativa e autogestionária, com partilha de responsabilidades e reconhecimento da interdependência de cada um/a, sem chefes, o que por si só, já é um grande feito. Mais de 300 pessoas envolvidas, oriundas de mais de uma centena de organizações, oito grupos de trabalho (infraestrutura, comunicação, voluntariado, relações internacionais, etc) e 26 comitês por tema, organizaram as bases do evento, os temas de discussão e as metodologias de organização de convergências entre os participantes. O evento foi realizado por instituições e sobretudo por jovens saídos do movimento chamado de primavera “erable” por mais justiça e liberdade. Esse movimento, que deve seu nome à homenagem à primavera árabe e que faz menção à árvore símbolo do Canadá (aquela cuja folha que está presente na bandeira do país), mobilizou a sociedade canadense em 2012.

Como pela primeira vez o evento foi realizado em um país do Norte, os problemas dos custos e as dificuldades de obtenção dos vistos chamou a atenção geral. Segundo Raphael Canet et Carminda MacLorin,  mais de 200 dos cerca de 2000 vistos pedidos à partir de cartas convites emitidas pela coordenação local foram negados. Esse fato causou indignação geral e repercutiu muito na sociedade canadense. Os que não estavam atentos à dificuldade de acesso de muitas pessoas do Sul ao país, tomaram consciência da injustiça que representam as fronteiras em um mundo que se quer mais justo e solidário. A Mãe Terra não tem fronteiras, os humanos a inventaram e são eles e elas que irão aboli-las.

Na marcha e no show de abertura estima-se que estiveram presentes cerca de 15 mil pessoas. Como no Fórum Social de Belém, em 2009, foram os indígenas que deram o tom do encontro e celebraram suas culturas de acolhimento, conexão com a Natureza e reverência ao poder feminino. Os índios canadenses, como os brasileiros, receberam os que vieram a ser seus dominadores europeus com cordialidade, como lhe ensina sua cultura. Após séculos de massacres, eles novamente deram boas vindas aos que chegaram ao Canadá, vindos do mundo todo, mostrando o quanto a cultura deles já era avançada. O apelo feito pelos autóctones à reconstituição do poder das mulheres no mundo foi destaque na fala da abertura - realizada por um indígena homem.  Para esses povos, o equilíbrio entre homens e mulheres é a solução para a desigualdade, o desrespeito à Natureza, a violência, a ganância e o autoritarismo.

Aconteceram mais de 1500 atividades, riquíssimas, em espaços das Universidades UQAM e McGill, em áreas públicas, auditórios e salas de diferentes instituições e mesmo em shoppings. Em todas discutiram-se conceitos, denunciaram-se problemas e/ou partilharam-se experiências e artes que estão construindo um outro mundo “que se torna possível através de nossas ações”, como se dizia na simpática e acolhedora Montreal. O evento congregou cerca de 35 mil pessoas, contando com cerca de 15 mil inscritos. A programação cultural, as atividades propostas por movimentos sociais e ecológicos do mundo todo, as grandes conferencias e toda a programação do Fórum, assim como a repercussão na mídia no mundo todo pode ser obtido no site, em francês, inglês e espanhol.

A internet foi uma grande aliada do Fórum, pois quase 100 atividades foram retransmitidas por Skype e uma rede social específica foi criada entre os participantes no próprio site do FSM. Vários encontros paralelos aconteceram em Montreal, como o Fórum Parlamentar Mundial, o Fórum contra a Energia Nuclear, o Fórum da Teologia Libertação, o Fórum dos povos originários, o Fórum das mídias livres, entre outros. A grande massa de pessoas do mundo que entendem que são precisos novos caminhos para que a humanidade continue seu aperfeiçoamento em direção a mais solidariedade, democracia e ecologia, esteve, de algum modo, representada no FSM do norte.

A rede internacional Diálogos em humanidade desenvolveu três atividades, sendo que o Brechó EcoSolidário, nos moldes de sua realização em Salvador, com a moeda “grão”, teve duração de três dias. A ágora-fórum sobre o poder cidadão mundial, que discutiu as possibilidades de construção de uma governança cidadã do planeta, expressa no documento “Juramento de Paris” (que pode ser assinado em várias línguas, inclusive no português), foi um momento especial. A participação do público de vários países pelo skype tornou a ágora uma experiência real de cidadania planetária. O desenho realizado pelos participantes imaginando o mundo que se quer, foi muito expressivo. Os ateliers para despertar a sensibilidade através do yoga xamânico e da dança brasileira, prejudicados pela chuva, aconteceram no edifício do monumento nacional, que tem pinturas de heróis e heroínas do mundo, como Chico Mendes e Rigoberta Menchú.

O FSM é um espaço de articulação da cidadania planetária que impulsionou a criação de muitos outros espaços e movimentos dessa natureza. No relatório feito por representantes das organizações que realizaram o evento do Canadá ao Comitê Internacional do Fórum, destacou-se inovações em torno da passagem da reflexão à ação global, que precisa se aprofundar. As articulações para que sejam realizados planos de ações conjuntos entre centenas de iniciativas são a base para a concepção de um Calendário Social Mundial, que torne pública as iniciativas cidadãs do povo da Terra. A internet nos permite encontrarmo-nos, as comunicações gratuitas à distância favorecem o sentimento de sermos um só povo, o povo humano. As ações para que esse povo se governe democraticamente, viva em solidariedade e democracia e em sintonia com a Mãe Terra estão por toda a parte. Cedo ou tarde, veremos os resultados dessas ações no plano global. 


Categorias

Articulações internacionais, Política, Cultura, Mulheres, Relações internacionais, Juventude

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