Islândia 7 X Brasil 1
April 25, 2017 17:09 - Pas de commentaire
Eles viraram o jogo e se impuseram. Nós continuamos cabisbaixos, ainda. Quando o povo islandês percebeu que estava perdendo direitos e que uma classe dirigente atroz estava levando o país à bancarrota, eles simplesmente os varreram do mapa. O pequeno país de 320 mil habitantes, próximo à Inglaterra, soube estar à altura dos desafios históricos e os moradores de sua capital, Reykjavik, não deram trégua ao Parlamento e ao Governo. Gigantescos protestos obrigaram o governo a renunciar, o parlamento a se renovar e uma nova constituição foi construída participativamente.
Explicando: O país foi o primeiro a “quebrar” depois da crise de 2008, com desemprego em massa e o povo pagando pela crise, enquanto os bancos nadavam em dinheiro e os políticos seguiam envolvidos com seus próprios “negócios”. Nada que não seja conhecido no Brasil. A indignação do povo fez a diferença e vieram eleições antecipadas, trazendo pessoas mais identificadas com a cidadania e a ética para o parlamento. Os principais assuntos políticos passaram a ser resolvidos com plebiscitos e consultas de diversas naturezas pela internet. Os bancos quebrados foram nacionalizados, ao invés do Estado investir dinheiro do povo para salvá-los, como aconteceu nos EUA e Europa, pra eles continuarem cinicamente ganhando fortunas à custa do sofrimento alheio.
O mais interessante de tudo foi a revisão da Constituição, em 2012: mil e duzentos eleitores foram escolhidos por sorteio e outras trezentas pessoas foram chamados para representar os trabalhadores, empresários, ONGs, etc. Dessa assembleia cidadã nasceu um documento de 700 páginas com as bases da Constituição. O passo seguinte foi a convocação de um grupo de trabalho de 25 pessoas, sem conotações partidárias, para redigir o texto constitucional. Esse foi submetido a um referendo pela internet antes de ser votado pelo parlamento, depurado de seus membros mais asquerosos, que foram pra cadeia. É aqui que o Brasil fez seu golzinho no 7x1... já mandamos alguns pra lá.
Talvez você esteja se perguntando: por que eu não fiquei sabendo de nada disso na época? Boa pergunta. O caso da Islândia é absolutamente renovador da política. Sai completamente do caminho de ignorar que o sistema da democracia representativa está em frangalhos, ou do caminho de apenas pensar em punir a corrupção dos políticos. Sim, ela precisa ser punida, mas vamos botar quem no lugar dos políticos pra governar? A Islândia mostra um caminho: representantes eleitos da cidadania organizada e os da cidadania “desorganizada”, indicados por sorteio; participação popular pelo facebook, twitter, etc, controlando o governo eleito. Já imaginou se a onda pega no Brasil? Nos vingaríamos dos 7 a 1.
(Artigo publicado no jornal "A Tarde" de 24 de abril 2017)
Para conhecer melhor os acontecimentos na Islândia ver documentário (em inglês) no link abaixo sobre o Movimento Cidadão.
Novos Paradigmas: Marcos Arruda e Débora Nunes
April 3, 2017 22:35 - Pas de commentairePartilho aqui um vídeo do Seminário Novos Paradigmas, no qual compartilho a mesa "O agora, a visão estratégica e a transição" com Marcos Arruda, tendo como coordenador Ivo Lesbaupin. O seminário foi promovido pela ABONG - Associação Brasileiras das ONGs e aconteceu em São Paulo.
https://www.youtube.com/watch?v=hD60TFRGGXU&t=2537s
Gerir nossas casas e nossa cidade
March 28, 2017 13:48 - Pas de commentaireOs que vivem em condomínios sabem o que significa democracia participativa. Os que vivem em casa com filhos adultos que trabalham, também. Nesses casos, todo mundo contribui para pagar as despesas e a decisão sobre como gastar o dinheiro é coletiva. Alguém faz compras, pagamento e supervisão de serviços, mas sabe ser supervisionado por quem produz a riqueza. O que se vê é que as pessoas tendem a priorizar as despesas necessárias e que “desvio de recursos” são raros. Do mesmo modo, evita-se o desperdício do próprio dinheiro. “Obras faraônicas” praticamente não existem e os casos de endividamento além da conta são incomuns para recursos supervisionados.
Porque uma população tão qualificada para gerir o próprio dinheiro não participa do poder nas cidades, se são elas que geram a riqueza do município? Prevista na Constituição como imperativo de governança, a participação na gestão é ainda uma utopia. Em sua maioria, as experiências de participação popular, seja nos orçamentos, sejam nos Planos Diretores, são próximas da farsa. Infelizmente, Salvador não é diferente. Democracia direta não é meia dúzia de reuniões com poucas pessoas, com acesso a poucos dados e sem possibilidade de realmente decidir. Apenas a decisão, e posterior acompanhamento, de como, onde e quando gastar, ou com quais prioridades e critérios se planeja o futuro, pode ser chamada de participação.
Poucos governantes se interessam pela participação cidadã. Incorporar a população nas decisões, como manda a lei, significa serem controlados. Políticos incompetentes e corruptos não querem isso, pois é perigoso para eles. Para os que fingem fazer governança contemporânea, em algum momento seus concidadãos compreenderão que estão sendo lesados. Para os atrasados em seus modelos políticos, há de vir o momento em que ficarão para trás em face de gestores/as cumpridores da Constituição que querem trabalhar colaborativamente com seus munícipes.
Mas a “culpa” não é apenas dos políticos. Participação é coisa pra gente comprometida com o coletivo. O esvaziamento das reuniões de muitos condomínios mostra o problema. A dificuldade da governança participativa é cultural, pois parte da população só cuida dos próprios assuntos. Para outros, criticar os políticos - e o síndico - é o suficiente. Como mudar isso? Repetindo o que fazemos em casa, com nossos filhos: treinando-os para serem responsáveis. Fazendo “pedagogia da participação” como fazemos pedagogia da autonomia. Mas falta espírito público para políticas dessa natureza e, por enquanto, apenas uma combativa parte da população luta pelo direito de gerir a própria cidade. Se olharmos os avanços civilizacionais no decorrer da longa história, esses e essas triunfarão.
(Publicado no jornal "A Tarde" dia 28/03/2017
Lançamento no Rio: "Os novos coletivos cidadãos". Baixe o livro aqui
March 21, 2017 15:27 - Pas de commentaire
Em debate com Luciano Resende, prefeito de Vitória, e Marcelo Madureira, humorista, lancei recentemente no Rio de Janeiro, meu livro "Os novos coletivos cidadãos", escrito com Ivan Maltcheff. O evento, dedicado à formação de jovens lideranças, permitiu um debate sobre como poderá ser a política da nova geração.
Se você ainda não teve acesso ao livro, que trata dos desafios dos que querem fazer política com coerência entre o que pensam, o que fazem e o que dizem, veja agora:
A equipe organizadora do evento, da Fundação Astrogildo Pereira, perguntou aos convidados "como melhorar as cidades?" respondi em brevíssima entrevista aqui, um pouco do que pode ser feito por cada um e cada uma.
Cursos de Meditação: para principiantes e de aprofundamento
February 24, 2017 13:00 - Pas de commentaireA que veio a Escola de Sustentabilidade Integral?
February 20, 2017 9:05 - Pas de commentaire
Tenho quase 20 anos como professora universitária, profissão que amo, mas que nos últimos anos me trazia frustrações. Com o tempo e o amadurecimento pessoal e profissional, vi que o ambiente universitário dificulta o aprendizado dos/as estudantes como seres integrais. Na Universidade, em geral, o que conta é a racionalidade, a objetividade, a mente, enquanto o corpo, a afetividade e a alma são esquecidos. Essa norma pedagógica contraria completamente os estudos mais respeitados sobre ensino aprendizagem e, inclusive, os parâmetros mais contemporâneos da ciência que prevê um olhar sistêmico e holístico sobre os fenômenos naturais, sociais e humanos.
Desde meu primeiro semestre de aulas na UNEB, em 1998, sempre busquei integrar aprendizado teórico com o prático, o que permite uma maior expressão do ser de cada estudante. Integrei aulas expositivas e exercícios práticos, junto à realidade, em todos os lugares em que trabalhei como professora e continuo fazendo isso, mas na Escola de Sustentabilidade Integral, o alcance é muito maior. Nessa Escola, os projetos de vida dos estudantes, a percepção de sua missão no mundo, a valorização de seus talentos relacionais, artísticos, etc, assim como a saúde de seu corpo, são centrais.
A idéia foi amadurecendo na medida em que percebia de forma cada vez mais profunda a necessidade de mudança civilizacional pelo esgotamento ambiental, político e social dos modelos que regem a sociedade em que vivemos. Se sempre fui engajada em questões sociais, de participação cidadã e economia solidária, mas, a partir de 2006, quando tomei conhecimento dos dados alarmantes sobre a questão ambiental produzidos pelo IPCC (que é formado por quase três mil cientistas de todo o mundo) entendi que a mudança precisa ser uma mudança de era, e que cada pessoa participa dessa mudança.
O engajamento de milhões de pessoas, de forma diversa e em todas as partes do mundo, para construir essa mudança civilizacional só faz crescer nos últimos 10 anos e eu faço parte desse movimento. A Escola de Sustentabilidade Integral é um agente multiplicador desse movimento. Após me engajar em projetos diversos de educação política, ambiental e social, percebi que o que realmente fica são mudanças de consciência e de ação que integram todas as dimensões do ser. Foi se insinuando em minha alma, de forma cada vez mais profunda que o cultivo de uma espiritualidade laica, cidadã, seria um impulsionador importante para criar um ambiente de transformação pessoal e coletiva. Sou grata ao convívio com pessoas da rede mundial Diálogos em humanidade, assim como amigos/as na Bahia, pelo amadurecimento dessas idéias. Algumas dessas pessoas, como Alba Maria, Emerson Sales e Vivina Machado, entre outras, ajudaram a conceber a Escola.
Assim, fundar uma Escola cujo slogan é "a formação que ajuda você a ser aquilo que quer ver no mundo" foi sendo uma conseqüência natural para superar frustrações como professora e ajudar a fazer avançar a mudança necessária no mundo. Ao lado do entendimento, empreendi, junto com Emerson, meu marido, uma mudança paulatina no campo da vida cotidiana para deixar de ser mais um indivíduo que é causa do esgotamento ambiental e tornar-me também solução. Passar pro outro lado, reduzir o consumo ao mínimo, reflorestar, produzir alimentos orgânicos, instalar coletores de água de chuva e coletores solares em casa, tornar-me vegetariana, passar a meditar cotidianamente e tantas outras coisas, foram processos teórico-práticos concomitantes que agora compartilho.
A Escola está à espera daqueles que sentem com sua mente, percebem com seu coração e entendem com seu corpo que a hora da mudança chegou e querem estar em grupo e apoiados por professores experientes para realizar a transição em suas vidas.
http://escoladesustentabilidadeintegral.blogspot.com.br/p/inscric.html
Desconsumo
February 6, 2017 18:16 - Pas de commentaire
Que palavra rebelde começa a circular por aí. Ao invés de ser escravo/a da mídia, da moda, das aparências, do ego...começar a de fato buscar o sentido e a utilidade de cada coisa em sua vida. A palavra está ligada geralmente a eliminar itens de consumo de uma cadeia produtiva ou da lista de compras, mas eu a utilizo no sentido mais radical de eliminar objetos já existentes no cotidiano. Esses objetos que enchem os armários e não deixam que se ache aquilo que é necessário no momento. Esses objetos escravizantes que distanciam as pessoas do velho sapato confortável, da camisa molinha e gostosa de tão usada, em nome do novo, do fashion, mesmo em situações de intimidade.
O desconsumo é uma liberação pessoal e um compromisso ecológico. A enésima reportagem sobre a exaustão da Natureza com o modo de vida consumista angustia as pessoas por alguns minutos, mas depois elas voltam ao “normal”, pois o problema é tão grande que nem sabem como agir. Imagine se plantar árvores e “desconsumir” se tornasse a nova moda? São as melhores ações, em nível pessoal, que de fato podem ajudar a Natureza a se reconstruir e...creia-me, é fonte de alegria cotidiana. Se para plantar árvores são necessários grandes espaços, desconsumir significa esvaziar o espaço que você já tem, portanto, está ao alcance de qualquer um/a.
Colocar-se o objetivo, modesto nos primeiros tempos, de eliminar um objeto por dia nas nossas vidas, pode ser a primeira via do desconsumo. Começa-se, por exemplo, por observar o que não usamos há anos e imaginar a quem podemos dar esse presente: um livro que gostamos tanto que demonstramos nossa amizade pra alguém, ofertando-o; uma roupa em bom estado que não usamos e que vai cair muito bem em alguém do círculo familiar; uns biscoitos que levamos pro trabalho pra partilhar com os colegas; objetos de casa, do escritório, que podem ser mais úteis pra outra pessoa. Quando o hábito se instala mesmo, vale até misturar dois xampus diferentes e colocar uma embalagem vazia pra reciclar, eliminando o tal do objeto do dia.
É impressionante como os espaços vazios vão aparecendo em nossas vidas e o sentimento de leveza vai tomando lugar. A gente se pergunta por que não começou antes e começa a questionar naturalmente cada gesto de consumo. A segunda etapa pode chegar nesse momento: decretar que para se comprar algo é necessário “eliminar” algo que já existe em casa. Embora possa parecer difícil, o desconsumo é muito agradável, não só pelo retorno do espaço vazio em torno de nós e a possibilidade de degustar a simplicidade, mas também porque naturalmente se começa a ter mais dinheiro no bolso, pro que vale a pena de verdade.
A margem de manobra que temos hoje pra desconsumir é evidenciada pela história: uma família de classe média do início do século XX vivia com cerca de 200 itens, incluindo o sofá e as panelas; hoje ela tende a ter cerca de 20.000 itens e uma talharia sem fim. Desconsumir é se livrar de tralhas, do apego e do medo de que algo venha a faltar, se não guardarmos. Ou do medo de parecermos pobres por não estarmos consumindo “como convém”. Um sábio da atualidade, José Mujica, ex presidente do Uruguai, diz algo encantador: “Pobre é quem precisa de muito para viver ... Não sou pobre, sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”.
(Esse artigo foi publicado no jornal A Tarde no dia 06/02/2017, mais resumido)
veja textos relacionados:
http://cirandas.net/deboranunes/blog/sobre-o-ter-e-o-ter
http://cirandas.net/deboranunes/blog/sobre-o-dinheiro-e-a-alma
Ecovilas: prenúncios do futuro?
December 27, 2016 12:19 - Pas de commentaire
Centro de Auroville,
India
Estima-se que existam no mundo hoje cerca de 15 mil comunidades vivendo de modo alternativo, buscando o bem pessoal e coletivo e em harmonia com a Natureza. Embora com valores e práticas parecidos, as ecovilas são diversas: podem ser pequenas, como a Terra Mirim, situada em Simões Filho, com menos de 30 moradores, ou grandes como Auroville, no sul da Índia, com cerca de 2500 habitantes. A maioria dessas comunidades são “teimosas” em sua proposta de vida na contracorrente do mundo estressado e insustentável de hoje: Terra Mirim tem quase 25 anos e Auroville completa 50 anos em 2018, ambas realizando seus projetos e perseguindo seus sonhos, com destemor, dedicação, coerência e alegria.
O que fez essas pessoas buscarem uma vida alternativa? Certamente, a insatisfação com o modo de vida na sociedade moderna e capitalista. O que faz com que as ecovilas estejam se desenvolvendo de norte a sul do planeta e atraindo mais e mais gente? O fato de haver cada vez mais pessoas insatisfeitas com suas vidas e que buscam alternativas. A percepção da futilidade do consumismo exibicionista como foco da vida em sociedade, o desalento com a política sem princípios, o desespero com o trânsito e a violência urbana e a desesperança causada pelo individualismo exacerbado são alguns dos motivos que expulsam pessoas das cidades “normais”. As ecovilas atraem os que buscam uma vida mais saudável e simples, os que querem construir comunidades solidárias que se autogovernem, os que querem proteger a Natureza e contribuir para mitigar o aquecimento global... enfim, gente que quer dar mais sentido à própria vida e viver melhor.
Nem todo mundo conseguiria viver com menos dinheiro (e uma vida menos estressante), com maior responsabilidade para com os demais (e o ambiente cooperativo que isso cria), ou com uma dedicação maior à dimensão imaterial da vida (e o profundo sentido de realização que isso traz), portanto, as ecovilas ainda são apenas “alternativas”. Entretanto, com a falta de perspectivas de solução para um mundo que caminha a passos largos para a inviabilização da vida nas cidades e para o colapso ambiental, as ecovilas plantam sementes e trazem esperança. Do mesmo modo, ir morar no interior é também uma alternativa, mas é como viver em um mesmo mundo, em escala menor, porém na mesma estrutura. As ecovilas se baseiam em outras concepções de mundo e outras práticas, mais solidárias e ecológicas. Observa-se que essas comunidades, mesmo ancoradas em práticas sociais que evocam sociedades antigas de ajuda mútua e afetividade, não abrem mão das novidades tecnológicas e das redes sociais. Vá na internet e busque “Ecovilas”: um mundo promissor e variado se abrirá para lhe inspirar.
Artigo publicado no jornal "A Tarde", dia 26/12/2016.
Veja também
http://cirandas.net/deboranunes/blog/experimentando-novos-cotidianos
Conheça Terra Mirim
http://terramirim.org.br/
Vista geral da maquete de Auroville:
Saibamos crer em nós, por Carlos Rodrigues Brandão
December 5, 2016 23:22 - Pas de commentaire
Compartilho aqui a sabedoria do mestre Carlos Rodrigues Brandão refletindo sobre tantas esperiências de construção de novos modos de viver e de resistência ao velho que teme em não morrer. Para saborear nesse fim de ano (texto integral ao final)
Saibamos crer em nós.
Saibamos acreditar em nossa inabalável vocação de revisitar nossas vidas, de clarear nossas mentes, de não nos deixarmos colonizar, de aproximar os nossos corpos, de unir nossos braços, solidarizar nossas vidas, criar nossos destinos... e seguir adiante.
Confiemos em nós. Saibamos varrer de nossas vidas o temor que o sistema tenta colocar em nossos corações, e saibamos viver do que é nosso: a coragem da esperança.
Baruch de Spinoza foi um pensador do século XVII. Judeu de uma família de origem espanhola expulsa para Portugal e, depois, para a Holanda, viveu lá a sua vida como um humilde “polidor de lentes”, e também a de um filósofo livre. Por causa de suas ideias, inclusive a respeito de deus, ele foi excomungado de sua comunidade judaica. É dele a passagem que, por falar sobre a esperança, eu desejo que encerre esta mensagem.
Um povo livre se guia pela esperança mais do que pelo medo; o que está submetido se guia mais pelo medo do que pela esperança. Um almeja cultivar a sua vida. O outro, suportar o opressor. Ao primeiro eu chamo livre. Ao segundo, chamo servo. (Baruch de Spinoza, Tratado teológico político)
Texto original, dezembro 2016
Sobre a Esperança
Mensagem para encerrar 2016 e esperar um “Ano Novo”
Há quem dentre nós talvez diga neste fim-de-ano: “este foi um ano para esquecer”.
Nenhum ano é para ser esquecido. Nenhum mês, nenhuma semana, dia ou minuto.
Recebi - como imagino que toda a gente recebeu - um sem número de mensagens sobre os “tristes acontecimentos de 2016”. Vários deles foram, crítica e corajosamente, bastante justos e necessários. Eu mesmo, em um outro tom escrevi um deles. O longo escrito a que dei este nome: Viver sem temer.
Não quero fazer desta mensagem de final de ano (uma velha prática de longos tempos) mais um dos documentos de “análise da atual conjuntura”. Não quero trazer a tanta gente amiga e querida uma mensagem mais de olhar crítico sobre a política e a economia “deles”, junto com o peso de seus efeitos sobre todas e todos nós e, sobretudo, sobre mulheres e homens do povo. Dos muitos povos com quem convivemos de perto ou e mais longe. Lembro sempre nessas horas o que um dia Jean-Paul Sartre escreveu: “um coisa é o que fizeram de nós. Outra coisa é o que nós fazemos do que fizeram de nós”. Esta não é, portanto, uma mensagem de crítica a respeito “deles”. É uma mensagem de realista esperança em e sobre “nós mesmos”. Venho de lugares, venho de rostos, de gestos e de pessoas ao longo de 2016. E é a lembrança deles e delas o que me leva a escrever esta mensagem.
Venho de uma Escola Popular em um Assentamento do MST no Sul da Bahia. Venho de professoras de escolas dos “sem-terrinha”, e venho de famílias que no assentamento vizinho haviam acabado de receber os seus “lotes de terra”, e entre o temor e a esperança transportavam para eles os seus poucos trastes. Todos eles juntos, e mais os lotes de muitas terras conquistadas pelos camponeses do Brasil afora, são bem menores do que um único latifúndio das empresas do agronegócio. As mesmas que sobre as terras férteis do Sul da Bahia semeiam desertos de eucaliptos.
Venho do Norte de Minas. Venho de Montes Claros e de encontros que aproximaram gentes de universidades, como eu, e pessoas de práticas populares. Pessoas de pele escura, entre indígenas e quilombolas, ao lado de homens e mulheres camponesas, povos do cerrado, da floresta e das águas.
Pessoas que, começam os seus encontros e congressos entre preces e “místicas” com as mãos abertas; e os encerram agitando para o alto punhos erguidos, e gritando as palavras que deveriam calar os que fizeram do Brasil o que ele tem sido nestes tempos.
Venho de uma gente que em Passo Fundo reúne-se há anos para pensar e praticar coletivamente alternativas de uma “educação para a paz”, quando poderia estar encerrada em seus escritórios, escrevendo um outro artigo destinado mais a aumentar um currículo vitae do que a dialogar com quem educa crianças, jovens e adultos no “chão da escola”.
Venho de pequenas comunidades tradicionais do Espírito Santo. Ali, onde indígenas Tupiniquins e outros povos resistem como podem a nada menos do que à Aracruz, e a outras poderosas empresas do agronegócio. Um lugar onde professoras da Universidade Federal e de Centros e Institutos Tecnológicos (mas profundamente humanos) tentam criar com jovens estudantes vindas “da roça”, uma pedagogia da terra a serviço de uma transgressiva educação do campo.
Venho de “fábricas ocupadas” por operários da Argentina, e venho de “Bachileratos Populares” entre Lujan e Neuquén. Lugares de pobres onde às vezes entre caixotes de madeira e toscas mesas improvisadas jovens e adultos se reúnem para reaprenderem a ler e a pensarem juntos uma “outra história” do País e do Continente.
Venho de presos políticos. Em Medellín, depois de atravessar três portões trancados a cadeado cheguei na “Penitenciária del Estado” a um local coletivo onde uma pequena equipe de presos políticos do Exército Popular de Libertação sonha inaugurar uma “Universidade Popular”.
Venho de povos andinos que em suas línguas arcaicas nos desafiam a deixar de lado o mercado e viver a vida. E nos sussurram: Sumak Kansay e os outros nomes que querem todos dizer uma mesma ideia: viver a “vida boa”, um “viver bem” solidário, oposto em tudo à “boa vida” com que o capital e a sua mídia nos mentem entre as mesmas falsas promessas de sempre.
Venho de tanto em um só ano. E bem sei que venho de apenas uma ínfima fração das vivências coletivas, dos momentos populares de insurgência, da persistente reconstrução de grupos de base, e de ações das quantas comunidades tradicionais e também dos movimentos populares. E venho também da presença ativista e solidária de instituições de apoio a alternativas e iniciativas de uma pluri-transgressão emancipadora. Venho de pessoas com quem aprendo a cada dia a calar o que sou, penso e possuo, para descobrir com elas a viver bem mais da esperança do que do medo.
Lembro que no dia 31 de agosto deste ano encerramos o Colóquio Internacional de Povos e Comunidade, em Montes Claros, com uma Passeata dos Mártires. Foi quando escrevi o texto Viver sem temer. Caminhamos ao redor de uma grande praça levando pequenos estandartes de mulheres e homens que nos últimos anos, apenas naqueles “sertões do Norte” haviam sido mortos lutando por terra, território, justiça e liberdade.
Quase ninguém veio presenciar a nossa “caminhada”, e ouvir os nossos cantos e os gritos de nossas memórias. Televisão alguma estava presente e “canal” algum noticiou o que se vivia ali. Mas enquanto pelas janelas abertas das casas víamos de passagem nos aparelho de TV os acontecimentos do “Congresso Nacional”, entre mãos abertas e punhos erguidos completamos a nossa volta pela praça.
Lembro-me de haver vivido algo semelhante há exatos 50 anos, em plena “ditadura militar”. Estar vivendo algo assim tantos anos depois, de forma alguma me trás um sentimento de “tempo perdido”.
Ao contrário, apenas renova a certeza de que “eles passam”. E nós estamos e persistimos em “estar aí”, “de mãos abertas e de punho erguido”, ano após ano, década após década, geração após geração.! Estamos aqui! Estamos por toda a parte. E estamos juntas e juntos uma vez mais.
E mais do que as “sementes crioulas” que eu vi semana passada sendo jogadas nas terras de assentamentos do Sul da Bahia, creio que estamos unidos para semearmos também a coragem da insurgência de uma justa luta e, mais do que tudo, de uma inapagável esperança.
Saibamos crer em nós.
Saibamos acreditar em nossa inabalável vocação de revisitar nossas vidas, de clarear nossas mentes, de não nos deixarmos colonizar, de aproximar os nossos corpos, de unir nossos braços, solidarizar nossas vidas, criar nossos destinos... e seguir adiante.
Confiemos em nós. Saibamos varrer de nossas vidas o temor que o sistema tenta colocar em nossos corações, e saibamos viver do que é nosso: a coragem da esperança.
Baruch de Spinoza foi um pensador do século XVII. Judeu de uma família de origem espanhola expulsa para Portugal e, depois, para a Holanda, viveu lá a sua vida como um humilde “polidor de lentes”, e também a de um filósofo livre. Por causa de suas ideias, inclusive a respeito de deus, ele foi excomungado de sua comunidade judaica. É dele a passagem que, por falar sobre a esperança, eu desejo que encerre esta mensagem.
Um povo livre se guia pela esperança mais do que pelo medo; o que está submetido se guia mais pelo medo do que pela esperança. Um almeja cultivar a sua vida. O outro, suportar o opressor. Ao primeiro eu chamo livre. Ao segundo, chamo servo. (Baruch de Spinoza, Tratado teológico político)
Rosa dos Ventos – no Sul de Minas
Carlos Rodrigues Brandão
Quase no fim do ano. Na quadra da Lua Nova
Ganharam os bancos, perdeu o Brasil
November 30, 2016 11:21 - Pas de commentaire
No orçamento nacional hoje, vergonhosamente, quase 50% dos recursos anuais vão para os bancos e apenas o resto sustenta o país. Segundo dados do economista Fernando Alcoforado, a cada ano, são exatamente 44,93% que vão para pagamento dos juros da dívida pública, 2,89% para a Educação, 3,91% para a Saúde e 22,12% para a Previdência Social. Congelando esses gastos por 20 anos, no final podemos estar com, digamos, 80% do orçamento nacional indo pra mão dos bancos e 20% para as demandas da população. É indecente!!!
A dívida brasileira vem sendo contestada pela sociedade civil há décadas, como sendo um grande conluio da elite para transferência de renda da cidadania brasileira para os banqueiros e especuladores, através das maiores taxas de juros do mundo. Como exemplo, imagine um casal que tomou um empréstimo para comprar a casa própria e que, à sua revelia, os juros da dívida cresceram tanto que hoje eles já pagaram o montante a juros normais mais de 10 vezes! Como consequência, eles hoje, como pais, têm que diminuir o gasto com alimentação, educação e saúde dos filhos para continuar pagando o débito... O pior é que a Auditoria cidadã da dívida denuncia que os empréstimos, em geral, sequer se referem a bens e serviços que tenham contribuído para o desenvolvimento econômico e social do país. É um escândalo!
Para reduzir o tamanho do gasto público é preciso rever soberanamente essa relação com os credores da dívida pública, mas deputados e senadores preferem penalizar o país mais uma vez. Assistimos com nojo ao que se passa no Congresso nesse momento. Decidem a vida da cidadania brasileira por 20 anos de forma criminosa, retiram do poder a presidenta que o país elegeu por firulas burocráticas e conveniências políticas, entre outros absurdos. Uma máfia está no poder, assistida por uns poucos que não são da máfia, mas que estão sendo cúmplices. Tiramos Cunha, mas a máfia domina tudo e outros tiranetes surgem, com a mesma origem. E ainda têm a ousadia dos psicopatas de dizer que estão defendendo a nação!
Em face de tanta esperteza e manipulação, o que nos salva é a astúcia popular que diz “Sabedoria quando é muita, vira bicho e engole o dono”. Eles pensam que vão vencer sempre? Esperem a roda da história!