Go to the content
Show basket Hide basket
Full screen
Dsc 0082

Blog

January 12, 2009 22:00 , by Unknown - | 1 person following this article.

Da alma sem pressa

September 11, 2016 14:15, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Havia uma tribo na Índia que cuidava de um templo situado no meio da floresta onde moravam. Esse templo atraía peregrinos todos os anos que só conseguiam chegar ao local com a ajuda de membros da tribo, que conheciam bem os caminhos da mata. A cada ano eles esperavam os caminhantes em local situado na fronteira da floresta e os ajudavam a carregar suas bagagens e chegar ao seu destino. Conta-se que a líder dos peregrinos ficou encabulada com o fato de que a cada quarto de hora os guias da floresta paravam e assim obrigavam os peregrinos a pararem. Como queriam chegar logo, todos se perguntavam para que aquelas paradas, mas não ousavam questionar para não embaraçar os anfitriões. Ao chegarem ao destino, foram recebidos pela tribo que os convidou para uma grande comemoração ao deus comum e essa foi a oportunidade para que a líder dos peregrinos perguntasse ao líder da tribo: “honrado chefe, eu gostaria de saber se causamos muito cansaço aos membros de sua tribo que nos acompanharam”. Ao que o chefe respondeu “Porque, cara amiga?”. A líder dos peregrinos comentou “Talvez nossas bagagens estivessem muito pesadas pois eles paravam no caminho a cada quarto de hora”. O chefe respondeu "de modo algum, nossa tribo ajuda os peregrinos a carregar suas bagagens deste sempre, somos fortes e isso não nos cansa". E porque tantas paradas então? pergunta a líder dos caminhantes. O chefe, olhando o horizonte, respondeu “Esse é um hábito antigo de meu povo. Quando vamos com pressa, paramos de tempos em tempos para que nossa alma não se perca de nós”.

Essa história indiana, contada por Siddhartha (líder do Fireflies Ashram e  membro da rede Diálogos em humanidade) na formação dos voluntários do Brechó EcoSolidário de 2013 marcou muitas das pessoas presentes e ficou ancorada em meu coração. 

 



Como lidar com conflitos? CONVITE!

September 7, 2016 9:08, by Débora Nunes - 0no comments yet

Vivina Machado lançará seu precioso livro no dia 15/09, quinta, 19h, na livraria Leitura do Shopping Bela Vista. Tive o privilégio de escrever, junto com Suzana Moura e Valéria Gianella, o prefácio do livro que trata do desafio humano maior: lidar com conflitos como possibilidade de ampliação de horizontes e prática da amorosidade. O trabalho de Vivina traz pistas essenciais para o crescimento de cada pessoa e do coletivo. Veja abaixo um trecho do livro que só nos faz ter vontade de ler mais e mais... 

Obrigada, Vivina, por poder partilhar com você essa rica amizade que incita o crescimento mútuo.

Vivina Machado*

 

(Excerto Cap. I do livro de Oliveira Neta, Vivina Machado, DGCC - Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos - um método centrado na complexidade do pensamento e simplicidade da ação)

Conta-se que no princípio havia uma única verdade no mundo. Entre o Orun, mundo espiritual e o Aiyê, mundo material havia um espelho. Daí é que, tudo que se mostrava no Orun materializava-se no Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual refletia–se exatamente no mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas. Todo cuidado era pouco para não quebrar o espelho da verdade. O espelho ficava bem perto do mundo material e bem perto do mundo espiritual. Naquele tempo vivia no Aiyê uma jovem muito trabalhadora que se chamava Mahura. A jovem trabalhava dia e noite ajudando sua mãe a pilar inhames. Um dia, inadvertidamente, perdendo o controle do movimento ritmado da mão do pilão, tocou forte no espelho que se espatifou pelo mundo. Assustada, Mahura saiu desesperada para se desculpar com Olorum. Qual não foi a sua surpresa quando O encontrou tranqüilamente deitado a sombra do Iroko . Olorum ouviu as descul 1 - pas da jovem com toda a atenção. Em seguida declarou que, daquele dia em diante não existiria mais uma única verdade no mundo. Declarou ainda: De hoje em diante quem encontrar um pedacinho de espelho em qualquer parte do mundo, estará encontrando apenas uma parte da verdade, provavelmente a sua verdade própria. Por que o espelho reproduz apenas a imagem do lugar onde ele se encontra (MACHADO, 2006).

Com este mito expresso os princípios do método DGCC - Diálogo e Gestão Criativa para lidar com Conflitos, por mim desenvolvido e aplicado por meio de workshops no Brasil e Canadá, com excelentes resultados, comprovados por pesquisa realizada com os participantes.

O “I” da “Inclusividade”

Olorum e a inclusividade: A inclusividade que, por ser inclusiva, inclui a pró- pria exclusão. Inclusividade – expansão e presente de Olorum que inclui várias verdades na verdade absoluta. “Assustada Mahura saiu desesperada para se desculpar com Olorum. Qual não foi a sua surpresa quando o encontrou tranquilamente deitado à sombra do Iroko.” Olorum, quando da quebra do espelho, incluiu este acontecimento – Mahura quebrou o espelho, incluiu uma nova possibilidade – daquele dia em diante haveria tantas verdades quantos pedaços de espelho fossem encontrados. Ao olhar a quebra do espelho e o como Olorum lidou com essa quebra, podemos ver que a inclusão expande, amplia, abre novas possibilidades. Com as inclusões, Olorum enriqueceu o mundo, simplificou, tornando-o complexo. Ao incluir, Olorum deu um presente – cada um quando encontrar um pedaço do espelho estará encontrando uma parte da verdade – , ao mesmo tempo ele também responsabilizou – estará encontrando, provavelmente, a sua própria verdade –, só que a própria verdade reflete apenas a imagem do lugar onde o espelho se encontra. Olorum inclui nas verdades de cada um a exclusão do mundo de uma só verdade. Ele cria em cada pedaço de espelho e, para cada um que o encontra, um mundo e uma verdade, e são essas tantas verdades que, ao serem incluídas, se constituem na verdade. Neste livro, a inclusão é constante presença. A autoinclusão, a inclusão do conflito, e a inclusão epistemológica: a escolha de um dos pedaços do espelho, na adoção da abordagem pós-positivista, eleita para o método. Ao mesmo tempo, o reconhecimento do positivismo, a sua inclusão, como um outro pedaço do espelho, fundamental para que a diferença se estabeleça e possa dialogar com essa mais recente abordagem. No método de comunicação, a inclusão se expressa na própria dialógica, numa linguagem inclusiva, na adoção do conflito como elemento cognitivo, de conhecimento, reconhecimento e aprendizagem. Conflito, de acordo com Maturana e Varela “é sempre uma negação mútua” (1998, p. 246). Essa é uma constatação da forma tradicional de lidarmos com o conflito. Eu nego o seu pedaço de espelho, a sua parte da verdade, e você nega a minha parte da verdade, negando o meu pedaço de espelho: eu nego você, que me nega. Da negação mútua, a dualidade, a dicotomia, a exclusão. Eu estou certa, você está errado e vice-versa.

No método, bebo da fonte de Varela e, inspirada por ele, conceituo diálogo como “reconhecimento mútuo”. Você reconhece o meu pedaço de espelho, e o fazendo reconhece que eu tenho uma parte da verdade, e eu reconheço a sua parte da verdade, reconhecendo o seu pedaço de espelho. Assim, os nossos pedaços de espelho se reconhecem como partes do grande espelho. E eu o reconheço, mesmo que discorde de você, mesmo que ainda não consiga ver refletido no seu espelho o peda- ço de mundo que ele me traz. Nesse reconhecimento eu amplio a minha visão de mundo porque agora eu incluo a existência do seu mundo e de tantos outros que possam existir, reconhecendo-os como parte do nosso grande espelho que foi espalhado. E esse reconhecimento se amplia, expandindo-se do eu-você para grupos, ideologias, países, continentes... no giro da roda...

O “I” da Incerteza

E onde está a incerteza? Um dos significados da palavra “incerteza” é falta de certeza, dúvida. Incerteza aqui tem o sentido de um questionamento, de uma atitude de permanente vigilância sobre a “tentação da certeza”, como Maturana e Varela falam amplamente no livro “The Tree of Knowledge – A árvore do conhecimento”. Assumo este princípio da incerteza como um estado de “suspensão” das certezas como verdade absoluta. Ora, como “tudo que se mostrava no Orun materializava-se no Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual refletia-se exatamente no mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas”. Quando o espelho é quebrado, a certeza se parte, se divide, e nessa divisão as certezas sobre os acontecimentos, como verdades absolutas, se vão. O que fica é a incerteza, porque o pedaço de espelho que encontro vai me mostrar uma parte da verdade . Dentro da “in-certeza”, uma parte da certeza, uma verdade localizada: “Por que o espelho reproduz apenas a imagem do lugar onde ele se encontra”. E quais são as outras verdades? Morin nos fala sobre a necessidade de enfrentarmos a incerteza, diz que “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza [...] assim quando conservamos e descobrimos novos arquipélagos de certezas, devemos saber que navegamos em um oceano de incertezas” (MORIN, 2003, p. 59).

O princípio da incerteza no método DGCC é importante ao ajudar a abrir mão das certezas absolutas, da inflexibilidade, criando um campo para proliferação de possibilidades. Aquilo que tomo como sendo a (minha) verdade é uma das possíveis verdades e, portanto, a certeza que tenho é que essa verdade, como absoluta, é incompleta, incerta. A incerteza como caminho de busca de novas alternativas para conhecer, para o inesperado, para nos habilitar a interagir com flexibilidade; a incerteza como caminho para se comunicar, abrir o diálogo com o outro, pois é com ele que eu posso acessar as outras verdades, é com ele que essas outras verdades são mostradas, apresentadas, e é o encontro e o confronto com essas outras verdades que me possibilitam gerir conflitos, expandindo a visão localizada que possuo do meu pedaço de espelho-verdade, abrindo tanto mais o campo de visão quanto os tantos outros espelhos-verdades que me propuser a confrontar, a interagir, a dialogar. A incerteza impelindo a conhecer, ao saber navegar no oceano que Morin nos traz. E que venha Fernando Pessoa, para junto com ele podermos “cantapoemizar”...“Navegar é preciso, viver não é preciso...”

E vamos juntos navegando e encontramos Varela navegando conosco. E ele nos sussurra, junto com o barulho do mar, que “Ansiedade cartesiana” é um estado que nos assola. Ele nos diz que esta ansiedade é melhor colocada como sendo um dilema: ou temos um fundamento fixo e estável para o conhecimento, um ponto onde o conhecimento começa, está enraizado e repousa, ou não conseguimos escapar de algum tipo de escuridão, caos e confusão. Ou existe uma base ou fundamento absoluto, ou tudo desmorona (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993, p.140). p.25

O estado de incerteza parece-nos destruidor, e por isso buscamos ansiosamente as certezas. O tempo em que “Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas” se foi com a quebra do espelho. O positivismo mostra suas fragilidades, inconsistências, incapacidades para ser a terra firme. O pós-positivismo ainda carece de chão, de lastro, de experiências. Tradicionalmente, buscamos um “ground” oscilando entre aquele que é interno, na mente ou externo, no mundo. As certezas da teoria, as incertezas da prática e vice-versa. As incertezas da mente, as certezas do corpo, a incerteza das emoções e assim sucessivamente.

O princípio da incerteza no método atua no sentido de que ele – método – seja apenas uma das possibilidades de re-vermos o conhecimento sobre a nossa comunicação, nosso comportamento, de refletirmos, de conhecermos técnicas que contribuam para uma mudança na forma tradicional de nos comunicarmos. O DGCC é apenas uma possibilidade! O princípio da incerteza é incluso no método, na atitude de firmeza para abrir mão das nossas certezas como redutoras de todas as outras possibilidades que possamos gerar. No método, a incerteza é um “ground”. “O mundo é outro agora. A minha verdade é apenas uma e tem tantas outras... e ao contrário de me deixar frágil, isto me deixa mais seguro”. Bira A. em entrevista sobre o método, tem vivido o método de comunicação dialógica e constata a existência de um tipo de “grounding” de “aterramento”, na incerteza. Ele diz que essa constatação na vivência do dia a dia abre novas possibilidades de interagir, de se relacionar, de se posicionar. Novas possibilidades de ser. Bira está tendo a coragem de navegar no oceano das incertezas como caminho, na certeza de ser.

(Bira A., 24 anos, professor de teatro, graduado pela UFBA, ex-educando do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia )

O “I” da Interdependência

Interdependência como capacidade de coexistir, sobreviver e viver uns com os outros. No grande espelho, Totalidade. Nos pedaços do espelho, Fragmentação. E a tensão se instala entre fragmentação e totalidade. Contradição que Capra, ao ser chamando para a roda, assim nos explica: À medida que a diversidade e a riqueza das nossas relações humanas aumentavam, nossa humanidade – nossa linguagem, nossa arte, nosso pensamento e nossa cultura – se desenvolviam. Ao mesmo tempo, desenvolvemos a capacidade do pensamento abstrato, a capacidade para criar um mundo interior de conceitos, de objetos e de imagens de nós mesmos. Gradualmente, à medida que esse mundo interior se tornava cada vez mais diversificado e complexo, começamos a perder contato com a natureza e a nos transformar em personalidades fragmentadas (CAPRA, 2007, p.229).

Viver a interdependência nos conecta com uma unidade. Na coexistência, a unidade. Na coexistência, a diversidade. O grande espelho é um só espelho. O grande espelho são os pequenos pedaços de espelho. Em cada pedaço de espelho existe o espírito do grande espelho. O grande espelho, ao se partir e continuar sendo um, nos brinda com o enigma do pedaço no todo e do todo no pedaço. Com tantos pedaços de espelho espalhados pelo mundo é preciso nos aproximar. Para re-conhecer a mim mesmo nos outros pedaços, porque um dia todos esses pedaços foram partes de mim. E o re-conhecimento se dá no convite para conhecer, para nos conhecermos.

No DGCC, o convite se efetiva ao compreendermos a interdependência, incorporando-a, corporificando-a, sendo ela, agindo nela, comunicando-nos nela, interagindo nela. O convite do método é ser interdependente na escuta, no silêncio, na fala do diálogo, no gerenciamento criativo de conflitos, nas tarefas que realizamos, nos relacionamentos, no comportamento, ser interdependente ao ser comunicante. O convite no método é para exercitarmos a autonomia, a responsabilidade conosco, com o outro, com a natureza, sendo codependentes. Isso nos pede, no entanto, que reformulemos conceitos, princípios, que acessemos outras dimensões de realidade, sendo inclusivos, incluindo a incerteza como nosso “grounding”, nosso aterramento. Capra nos ajuda ainda a entender essa proposta da incerteza como “grounding”:

"estendemos esta visão fragmentada à nossa sociedade humana, dividindo-a em tantas nações, raças, grupos, religiosos e políticos. A crença segundo a qual todos esses fragmentos – em nós mesmos, no nosso ambiente e na nossa sociedade – são realmente separados alienou-nos da natureza e de nossos companheiros humanos, e, dessa maneira, nos diminuiu" (CAPRA, 2007 p.312).

Acrescento que, além de nos diminuir, ela assusta e aí, de acordo com Varela, Thompson e Rosch “nosso impulso para nos agarrar a uma terra interior [...] é fonte de continua frustração” (1993, p. 141). Ele prossegue nos dizendo que se agarrar a uma terra exterior na forma de um mundo pré-dado e independente também é frustrante, para concluir que o agarrar-se a uma terra, ao “ground”, seja interior ou exterior, é fonte profunda de frustração e ansiedade. E Richard R , participante entre 5 - vistado, vem para nossa roda.

– Richard, você conheceu e experimentou o método na Welcome Home e o que mais lhe chamou à atenção nele? – “Vivenciar a interdependência me fez sentir mais espiritualizado e conectado não só com a minha compreensão individual, mas com a de todos os outros. Estamos aqui para ajudar uns aos outros e ter mais foco no amor, a interdependência ajuda a compreender, mas, sobretudo, colocar isso na prática.”. 

(Richard R., 46 anos, canadense, em processo de reabilitação na Welcome Home, instituição localizada 5 em Surrey, BC, Canadá onde fiz a residência social e cuja missão é reabilitar pessoas dependentes de drogas e na grande maioria, com pendência no sistema judiciário)

Richard faz uma conexão entre a interdependência e a espiritualidade, ele fala de um sentimento de re-conexão, uma reconexão necessária, que Capra nos lembra: “Para recuperar nossa humanidade, temos de recuperar nossa experiência de conexidade com toda a teia da vida. Essa reconexão, ou religação, religio em latim, é a própria essência do alicerçamento espiritual da ecologia profunda” (CAPRA, 2007, p.230). Ele fala da interdependência como princípio básico da ecologia, necessário 6 para construir comunidades humanas sustentáveis. Capra conceitua interdependência (2007, p.231) como dependência mútua de todos os processos vitais dos organismos; como natureza de todas as relações ecológicas. Para ele, entender a interdependência ecológica significa entender relações; nutrir a comunidade significa nutrir relações.

E para acessarmos o grande espelho precisamos nutrir relações, dialogarmos como seres interdependentes, co-dependentes. A interdependência se aplica desde a relação entre abordagens epistemológicas – positivistas, pós-positivistas –, na relação entre indivíduos, grupos até a relação entre países, continentes, enfatizando que essa relação possui suas extremidades: a dependência e a dominação, que são extremos respectivamente da negação de si mesmo e do outro, como sujeitos, e que são também trabalhadas no método. E nesse ponto chamo de volta Richard, que nos traz o amor como nosso foco, e coloco Richard e Maturana para falarem do amor. Maturana diz que “a palavra amor faz referência à emoção fundamental que funda o social”. Para Maturana, o social é uma dinâmica de relações humanas que se funda na aceitação mútua. Ele nos diz: “Se não há aceitação mútua e se não há aceitação do outro, e se não há espaço de abertura para que o outro exista junto de si, não há fenômeno social” (MATURANA, 2006, p. 47).

Este livro apresenta o DGCC, um método de comunicação dialógica que pede presença, inteireza, mesmo na fragmentação, que dialoga no re-conhecimento mú- tuo, que inclui as incertezas e que propõe que elas sejam um “ground”. Este método confia numa gestão criativa para lidar com conflitos, que assume a negação com integridade – re-conheço que estou lhe negando, negando essa situação e, ao re-conhecer eu a re-faço, na possibilidade de conhecer, re-conhecendo o que ainda não foi visto, sentido, olhado. Este método adota a interdependência, a nossa dependência mútua, como iluminadora de novas possibilidades, reconhecendo a existência de relações de dominação e dependência, em dimensões pessoais, grupais, comunitários, entre países e continentes.

Este método de comunicação dialógica é uma proposta para avançarmos nas relações de interdependência na co-dependência, no desejo e na esperança de que as configurações do nosso emocionar nos guiem para uma transformação social, para 7 um bem-estar material e espiritual, para que vivamos relações fundadas no amor, num “magnífico trabalho de arte dinâmica” (MATURANA, 2006, p.200), num emocionar que toda criação deseja evocar, num ato de criatividade responsável para vivermos como Homo sapiens amans .

Até agora falei da importância deste método, da posição dele e da minha posição ao expressá-lo, da visão de mundo contida nessa posição. Contei o mito do espelho e por meio dele expliquei sobre os 3 I’s – Inclusividade, Incerteza e Interdependência –, como princípios do método. E agora? Agora fico aqui pensando, imaginando se estou sendo clara, se nossa conversa “está rendendo”. E fico querendo interagir mais com você. Então lhe faço um convite: Coloque a sua atenção no seu corpo. O que você está sentindo? Como esta conversa está sendo registrada no seu corpo? Onde será que estas palavras estão tocando você? Que sentidos elas causam? Como está sendo a nossa comunicação, como está nosso relacionamento? Estará sendo este relacionamento uma comunicação dialógica?

 



Cidades em Transição

August 31, 2016 19:56, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

A compreensão da urgência de mudar a lógica da organização das cidades vem se aprofundando. Desde as primeiras reflexões sobre a finitude dos recursos da Terra, ao progressivo entendimento sobre os limites do crescimento econômico, até a tomada de medidas para diminuir o impacto da ação humana no planeta, foram-se algumas décadas. No novo milênio, as ações se multiplicaram e o movimento “Cidades em Transição” é uma delas. Seu foco é o desenvolvimento urbano que melhore a qualidade de vida e evite o aprofundamento das desastrosas mudanças climáticas em curso.

A ideia surgiu em Totnes, na Inglaterra, em 2004, tendo como mentor o professor de permacultura Rob Hopkins e Naresh Giangrande. Eles convenceram conterrâneos a ajudá-los na iniciativa com discussões que aconteciam após sessões de cinema. Em 2006, o “Transition Towns Totnes” foi lançado como movimento que buscava reduzir drasticamente as emissões de CO2 na cidade. Esse gás é o maior inimigo do meio ambiente e sua emissão é uma consequência do modo de vida atual, com uso excessivo de bens industrializados e de carros e desperdício generalizado. As primeiras ações em Totnes foram a produção de alimentos em hortas urbanas, a redução do consumo de energia e de água e a reciclagem de lixo na casa dos envolvidos.

Hoje o conceito de Transition Towns ganhou o respeito de instituições e governos e o movimento está implantado em 14 países. As Cidades em Transição mostram que as melhores soluções vêm do engajamento da própria população em mudar seu comportamento. O envolvimento dos governos reforça as ações e lhes dá maior impacto, mas, sem o convencimento das comunidades, não é possível desenvolver soluções duradouras. A construção de cidades mais resistentes a crises econômicas e ecológicas, é um movimento horizontal, em que as pessoas se envolvem voluntariamente e acabam por reconfigurar a sociedade local e, consequentemente, por influenciar o mundo.

Rob Hopkins tornou-se uma referência, sobretudo após a publicação, que fez com Ben Brangwyn, do “Manual das Iniciativas de Transição”, no qual descreve como fazer coletivamente um plano de trabalho para desenvolver maior resiliência nas cidades. A resiliência (capacidade de um sistema em resistir a choques externos) consiste em construir maior autonomia das comunidades em face de dificuldades, e um bom exemplo disso é a produção local de comida para fazer face à contaminação química e a carestia dos alimentos. Todos os processos da Transição acabam por reforçar a economia local, favorecendo empregos locais e melhorando a renda da comunidade.

O movimento chegou ao Brasil em 2009 quando foram realizados “Treinamentos para a Transição” em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Com em outros lugares do mundo, as cidades e bairros que adotaram os objetivos do movimento estão trabalhando para mudar seu modelo de organização socioeconômico em direção a soluções mais sustentáveis. Isso implica, certamente, em resgatar o vínculo das pessoas com o lugar em que moram, mas também buscar soluções para o desemprego e a violência, buscando bem viver coletivo. No âmbito nacional, o movimento realizou seu terceiro encontro no início de 2016 e segue tecendo sua história. Na dimensão internacional, a inclusão de experiências do movimento Transitions no badalado filme francês “Demain” (“Amanhã”) contribui muito para sua divulgação e conquista de novos adeptos.



Vivências no Fórum Social Mundial de Montreal 2016: um mundo desenhado por nós

August 18, 2016 15:59, by Débora Nunes - 0no comments yet

Tive a alegria de estar presente no primeiro FSM do norte do mundo, no Canadá, de forma muito aproximada. Primeiro, por ter organizado, com uma equipe, três atividades da rede internacional Diálogos em humanidade; segundo, pelas relações de amizade com os organizadores/as do FSM de Montreal, que me permitiram uma pesquisa com uma equipe de pessoas que organizaram o evento e, terceiro, pela participação como observadora na reunião da Coordenação Internacional do FSM, em nome da rede Diálogos. Partilho aqui alguns dados e impressões sobre o Fórum do Quebec, que fala francês, inglês, inuit et, nesses dias de FSM, falou as línguas das 125 nações presentes.

O evento vinha sendo organizado desde maio de 2013, de forma colaborativa e autogestionária, com partilha de responsabilidades e reconhecimento da interdependência de cada um/a, sem chefes, o que por si só, já é um grande feito. Mais de 300 pessoas envolvidas, oriundas de mais de uma centena de organizações, oito grupos de trabalho (infraestrutura, comunicação, voluntariado, relações internacionais, etc) e 26 comitês por tema, organizaram as bases do evento, os temas de discussão e as metodologias de organização de convergências entre os participantes. O evento foi realizado por instituições e sobretudo por jovens saídos do movimento chamado de primavera “erable” por mais justiça e liberdade. Esse movimento, que deve seu nome à homenagem à primavera árabe e que faz menção à árvore símbolo do Canadá (aquela cuja folha que está presente na bandeira do país), mobilizou a sociedade canadense em 2012.

Como pela primeira vez o evento foi realizado em um país do Norte, os problemas dos custos e as dificuldades de obtenção dos vistos chamou a atenção geral. Segundo Raphael Canet et Carminda MacLorin,  mais de 200 dos cerca de 2000 vistos pedidos à partir de cartas convites emitidas pela coordenação local foram negados. Esse fato causou indignação geral e repercutiu muito na sociedade canadense. Os que não estavam atentos à dificuldade de acesso de muitas pessoas do Sul ao país, tomaram consciência da injustiça que representam as fronteiras em um mundo que se quer mais justo e solidário. A Mãe Terra não tem fronteiras, os humanos a inventaram e são eles e elas que irão aboli-las.

Na marcha e no show de abertura estima-se que estiveram presentes cerca de 15 mil pessoas. Como no Fórum Social de Belém, em 2009, foram os indígenas que deram o tom do encontro e celebraram suas culturas de acolhimento, conexão com a Natureza e reverência ao poder feminino. Os índios canadenses, como os brasileiros, receberam os que vieram a ser seus dominadores europeus com cordialidade, como lhe ensina sua cultura. Após séculos de massacres, eles novamente deram boas vindas aos que chegaram ao Canadá, vindos do mundo todo, mostrando o quanto a cultura deles já era avançada. O apelo feito pelos autóctones à reconstituição do poder das mulheres no mundo foi destaque na fala da abertura - realizada por um indígena homem.  Para esses povos, o equilíbrio entre homens e mulheres é a solução para a desigualdade, o desrespeito à Natureza, a violência, a ganância e o autoritarismo.

Aconteceram mais de 1500 atividades, riquíssimas, em espaços das Universidades UQAM e McGill, em áreas públicas, auditórios e salas de diferentes instituições e mesmo em shoppings. Em todas discutiram-se conceitos, denunciaram-se problemas e/ou partilharam-se experiências e artes que estão construindo um outro mundo “que se torna possível através de nossas ações”, como se dizia na simpática e acolhedora Montreal. O evento congregou cerca de 35 mil pessoas, contando com cerca de 15 mil inscritos. A programação cultural, as atividades propostas por movimentos sociais e ecológicos do mundo todo, as grandes conferencias e toda a programação do Fórum, assim como a repercussão na mídia no mundo todo pode ser obtido no site, em francês, inglês e espanhol.

A internet foi uma grande aliada do Fórum, pois quase 100 atividades foram retransmitidas por Skype e uma rede social específica foi criada entre os participantes no próprio site do FSM. Vários encontros paralelos aconteceram em Montreal, como o Fórum Parlamentar Mundial, o Fórum contra a Energia Nuclear, o Fórum da Teologia Libertação, o Fórum dos povos originários, o Fórum das mídias livres, entre outros. A grande massa de pessoas do mundo que entendem que são precisos novos caminhos para que a humanidade continue seu aperfeiçoamento em direção a mais solidariedade, democracia e ecologia, esteve, de algum modo, representada no FSM do norte.

A rede internacional Diálogos em humanidade desenvolveu três atividades, sendo que o Brechó EcoSolidário, nos moldes de sua realização em Salvador, com a moeda “grão”, teve duração de três dias. A ágora-fórum sobre o poder cidadão mundial, que discutiu as possibilidades de construção de uma governança cidadã do planeta, expressa no documento “Juramento de Paris” (que pode ser assinado em várias línguas, inclusive no português), foi um momento especial. A participação do público de vários países pelo skype tornou a ágora uma experiência real de cidadania planetária. O desenho realizado pelos participantes imaginando o mundo que se quer, foi muito expressivo. Os ateliers para despertar a sensibilidade através do yoga xamânico e da dança brasileira, prejudicados pela chuva, aconteceram no edifício do monumento nacional, que tem pinturas de heróis e heroínas do mundo, como Chico Mendes e Rigoberta Menchú.

O FSM é um espaço de articulação da cidadania planetária que impulsionou a criação de muitos outros espaços e movimentos dessa natureza. No relatório feito por representantes das organizações que realizaram o evento do Canadá ao Comitê Internacional do Fórum, destacou-se inovações em torno da passagem da reflexão à ação global, que precisa se aprofundar. As articulações para que sejam realizados planos de ações conjuntos entre centenas de iniciativas são a base para a concepção de um Calendário Social Mundial, que torne pública as iniciativas cidadãs do povo da Terra. A internet nos permite encontrarmo-nos, as comunicações gratuitas à distância favorecem o sentimento de sermos um só povo, o povo humano. As ações para que esse povo se governe democraticamente, viva em solidariedade e democracia e em sintonia com a Mãe Terra estão por toda a parte. Cedo ou tarde, veremos os resultados dessas ações no plano global. 



Você é o que você espalha...e não o que você junta

August 3, 2016 23:12, by Débora Nunes - 0no comments yet



Quer ser a mudança que quer ver no mundo? seja voluntário/a da 11ª. Edição do Brechó Ecosolidário/ Salvador - Ba

August 1, 2016 20:22, by Débora Nunes - 0no comments yet

Os problemas do mundo são tão grandes que a gente pode pensar que pequenas ações engajadas não abalam seu curso. Mas a alegria de fazer algo, partilhada por muitos, é grande impulsionadora de mudanças. Como disse a antropóloga americana Margareth Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”. O Brechó Eco Solidário é parte de uma onda de pequenas revoluções tranquilas promovidas por pessoas engajadas em “práticas do futuro emergente”. No evento, um mercado de trocas de bens usados, que estimula a solidariedade e o consumo consciente, funciona usando a moeda social “grão”. Essa pequena mostra de um mundo com outras bases é organizada inteiramente através do trabalho voluntário, e você pode ser parte disso.

Todo o evento, desde a administração da circulação do “grão”, as atividades de educação ambiental, de auto cuidado, de economia solidária, de cultura e arte reciclada, os debates públicos sobre temas atuais e muitas outras atividades, são realizadas de forma cooperativa e autogestionária. As inscrições para o curso que forma voluntários/as estão abertas (ver formulário aqui) e vão até dia 12 de agosto. Já no dia 13/08 começam os encontros para que os voluntários entendam melhor a riqueza do processo em que estão se envolvendo e aprendam a co-criar o evento. Certificados com validade em todas as universidades serão disponibilizados ao final da formação. Todo o processo é teórico-prático e tem deixado boas lembranças, segundo quem passou pela experiência: fala-se do intenso aprendizado, das novas amizades e da alegria de ser agente de mudança, para si e para o mundo.

O Brechó Eco Solidário é parte da rede internacional “Dialogues en humanité”, que nasceu na França, mas que hoje está espalhada por quatro continentes. Os eventos de Bangalore/India, Riad/Marrocos, Porto Novo/Benin, Berlin/Alemanha, entre muitos outros, também mostram práticas alternativas, promovem o Diálogo e baseiam em um compromisso de integração entre o que se pensa, o que se faz e o que se diz. Os eventos da rede Dialogues possibilitam ao público a discussão e a vivência de inovações na sociedade para fazer face aos desafios econômicos, sociais, ambientais e espirituais da humanidade. Você pode conhecer mais sobre os Diálogos no 4º capítulo do livro “Os novos coletivos cidadãos”, de Débora Nunes e Ivan Maltcheff.

Hoje existem milhões de iniciativas de pessoas e redes que não esperam acontecer e nem se contentam em criticar a economia, a política, a sociedade, pois sentem-se responsáveis por promover mudanças. Gandhi, com sua frase cada vez mais citada e conhecida “Nós precisamos ser a mudança que queremos ver”, é um guia. Nosso Vandré, símbolo da luta contra a ditadura, vencida pelo povo brasileiro, é outro, e diz “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Ajude o Brechó diretamente, se você está em Salvador. Se não, participe da campanha de coleta de fundos pela internet que lançaremos em breve. Um mais um é sempre mais que dois.



Em busca da mente clara: meditar...meditar

July 25, 2016 23:06, by Débora Nunes - 0no comments yet

Débora Nunes

 

Conhecer a própria mente e sua forma de funcionamento é um passo essencial para o aprendizado da meditação, mas é também um excelente caminho para a clareza mental em todas as esferas da vida. Um princípio fundamental para uma mente clara, segundo muitas tradições de sabedorias orientais, é dar-nos conta de que “não somos a nossa mente, somos a pessoa que observa a mente funcionar”. Esta percepção estabelece que conhecendo nossa mente poderemos direcionar seu funcionamento, termos melhor discernimento, usarmos melhor nossas capacidades e nosso tempo e sermos assim mais felizes.

 

A atenção ao momento presente é o caminho para tranquilizar a mente e perceber seus mecanismos de atuação. Porém, diversos obstáculos se colocam a esse alinhamento com o agora e a mente tende a distrair-se. O budismo identifica dezenas de tipos de "distrações" que fazem com que a mente se desalinhe, se agite e dificulte a conquista da clareza e da paz interior inerente à mente alinhada. Algumas destas distrações serão comentadas a seguir e você poderá identificar quais são seus padrões. Com base nesse conhecimento, e em minha experiência com estudantes, identifiquei cinco tipos bastante comuns de funcionamento da mente. Aqueles/as que querem avançar na prática da meditação e beneficiar-se de uma mente mais clara e tranquila podem observar o tipo de pensamentos mais frequentes em seu dia a dia e assim se aventurar em seu mundo interior e buscar evolução pessoal. Nunca é demais dizer que, numa concepção holística, integrativa, cada evolução pessoal ignifica também uma evolução coletiva, já que tudo está interligado.

 

Nos tempos atuais, a maior parte das pessoas tem momentos em que é controlada pelos próprios pensamentos, chegando a confundir a si mesma com sua mente. A mente desassossegada é aquela que está constantemente envolvida com pensamentos repetitivos, seja em torno de emoções, positivas ou negativas (desejos, ciúme, raiva, paixões etc.) ou de situações vividas (questões de trabalho e relacionamento, entre outros), das quais não consegue se desligar. A mente preocupada é movida pelos medos e se ocupa excessivamente de especulações sobre o futuro, sobre o que pode acontecer em casa, na saúde, no trabalho, com os entes queridos etc., ocupando-se, na maioria das vezes desnecessariamente, com pensamentos negativos. A mente comentadora é aquela que opina incessantemente sobre tudo e todos, com julgamentos muitas vezes negativos, observando criticamente os outros, perdendo a oportunidade de observar a si mesmo e evoluir. A mente planejadora está sempre focada no futuro, seja na agenda imediata, seja na mais longínqua, planejando os passos a seguir de modo geralmente esperançosamente positivo, mas idealizando sua capacidade de interferir no mundo e alienando-se, do mesmo modo, do momento presente. ]

 

A mente testemunha, por outro lado, é a de quem encontrou a paz interior, pois ela está atenta ao que acontece aqui e agora, permitindo que a pessoa sinta mais o mundo e observe a si mesma em ação, evitando perder-se em seu próprio funcionamento mental e abrindo caminhos para o aperfeiçoamento pessoal. Os tumultos da mente são amenizados quando meditar se torna parte da vida. Nesse caso, a mente testemunha naturalmente se instala no espaço de paz produzido na meditação e no qual ela encontra alimento para se desenvolver. Pode-se perceber assim as variações do comportamento mental ao longo do tempo e identificar o que é natural e sadio e o que deve ser curado. Quando vivemos situações de estresse excessivo, é natural tendermos ao desassossego em torno do tema que nos estressa, como é típico da mente inquieta, porém viver desassossegado/a é doentio. Em situações em que estamos conhecendo muitas pessoas e circunstâncias novas é natural o comentário consigo mesmo sobre o que se vê e vive, como é típico da mente comentadora, mas se o julgamento é o principal mote da mente, e sobretudo se ele é constantemente negativo, é fácil ver que há uma fuga de si e de seus próprios desafios.  O planejamento sobre o que se quer, seja em termos de ações concretas quanto de evoluções buscadas também é natural, e mesmo necessários, como é típico da mente planejadora, só não podem ser compulsivos e ocupar a maior parte dos pensamentos.

 

Testemunhar calmamente o próprio processo mental nos dá, ao promover o autoconhecimento, a oportunidade de cura dos excessos, pois a mente é maleável e pode ser treinada. A proposta é conseguir uma disciplina mental para evoluir e evitar que os padrões excessivos (que podem ser mais de um) que desenvolvemos por circunstâncias pessoais ou temperamento nos deixem infelizes. Um caminho simples para reconhecer o próprio padrão mental é adotar práticas de meditação, como a meditação diária de um minuto para iniciantes, explicada aqui. Ao começar o método, enquanto sua mente estiver agitada, use os exemplos dados acima como referência e observe o padrão de funcionamento mental que se reproduz, antes que a calma vá se instalando. Na medida em que você repete em semanas e meses a experiência meditativa (que pode ter vários métodos, encontrados facilmente na web através de mestres disponíveis), a percepção do funcionamento mais comum da sua mente vai se tornando mais e mais evidente. Identificado o padrão, é importante entender a relação desse padrão com a história de vida e a personalidade e “cortar” os excessos, com persistência.

 

Se há muita inquietação, é preciso uma mudança profunda no jeito de viver; se há medos e preocupação demasiada, é preciso desenvolver mais confiança nos outros e no mundo; se há muito julgamento, é hora de focar em si, com compaixão, para poder evoluir; se o foco é no futuro e no que há a fazer, mais presença e prazer no momento presente, no aqui e agora, pode ser o caminho. Cada um destes percursos evolutivos exigirá muita disciplina e discernimento, muitas vezes demandará inclusive apoio terapêutico, mas será mais fácil se se sabe que direção tomar. Para isto o diagnóstico do padrão mental é o primeiro passo. Com persistência na meditação a mente que vai se esvaziando de suas sombras e se tornando naturalmente cada vez mais clara e plenamente consciente. Só uma mente clara permite o alinhamento de si com o que é essencial. O alinhamento e a autenticidade favorecem ações pertinentes para a realização individual e com isso mais alegria no dia a dia e ao longo da vida e melhores consequências para o mundo ao redor. Nada há a perder. Tente!



Como colocar em prática minha transição ecológica?

July 17, 2016 19:52, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

O questionário abaixo é parte da formação da Escola de Sustentabilidade Integral e vai de práticas mais triviais até sua visão de mundo. Ele pode ser útil para qualquer cidadã/o que queira avaliar o estágio em que se encontra rumo à sustentabilidade em sua vida cotidiana. Contabilize seu resultado no final e planeje sua transição para uma vida mais ecológica.

 

1 – Você costuma separar seu lixo de acordo com os materiais?

A – (  ) Sim, em minha casa separo cada material (vidro, metal, papel e plástico) que levo para reciclagem e faço compostagem do lixo orgânico;

B – (  ) Separo o lixo orgânico do reciclável, tento reciclar uma parte e entrego à maioria à coleta municipal;

C – (  ) Gostaria de fazer, mas ainda não consegui me organizar para isso;

D – (  ) Outro (precisar)...

  

2 – Sobre sua relação com a água, e o nível de consciência com o qual você usa esse bem:

A – (  ) Conheço o meu consumo de água, em litros por dia, e diminuí o mesmo tanto no banho, quanto na escovação dos dentes, na lavagem de pratos e roupas e nunca desperdiço água;

B – (  ) Evoluí significativamente em relação ao consumo de água para higiene pessoal (uso roupas por mais tempo, economizo no uso da máquina de lavar, da descarga do vaso sanitário etc), mas sei que posso melhorar;

C – (  ) Percebo a importância e o simbolismo da mudança desse aspecto, mas ainda não consegui uma real transformação;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

3 - Em relação ao consumo de energia elétrica, em que pé está sua consciência e ação?

A – Avaliei o meu consumo de energia em kWh por mês, evito banhos frequentes, demorados e muito quentes, não deixo lâmpadas e aparelhos ligados sem uso nem em casa nem no trabalho, etc., ou seja, não desperdiço;

B – (  ) Observo que já evoluí na conscientização, mas estou em processo de mudar meus hábitos;

C – (  ) Quando estou em contato com pessoas, textos, etc., que tratam da sustentabilidade, sinto-me envolvido, mas ao voltar ao cotidiano, esqueço.

D – (  ) Outro (precisar)...

 

4 – Sobre a compra de roupas, sapatos e acessórios:

A – (  ) Compro itens novos para repor os que estão imprestáveis e priorizo o conserto e a reforma dos mesmos;

B – (  ) Compro de vez em quando para repor, para ter mais opções e sentir-me renovado (a);

C – (  ) É importante para mim estar em sintonia com o ambiente em que vivo e renovo meu guarda roupa para manter-me minimamente atualizado/a;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

5 – Sobre como a conexão com o meio natural se manifesta pra você:

A – (  ) Observo sempre a Natureza e geralmente percebo a presença de outros seres vivos, como os insetos, pássaros, plantas... Sou atento/a ao estado deles, ao que transmitem através meus diferentes sentidos... Noto se as plantas que me cercam estão com sede, a evolução das fases da lua, as pequenas mudanças das estações, o movimento das nuvens e dos ventos, etc.

B – (  ) Quando estou em momentos de lazer e de férias fico muito atento/a ao mundo Natural que me rodeia;

C – (  ) Sou grande admirador/a da Natureza, mas minha relação com o meio natural ainda é pouco explorada;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

6 – Sobre como a conexão com seu próprio corpo se manifesta:

A – (  ) Tenho práticas cotidianas de consciência corporal, sejam meditativas ou em movimento. Observo o que como e bebo, examino regularmente minha urina e fezes, observo minha relação com o frio e o calor ambiente, percebo as causas de algum mal funcionamento do meu corpo, etc.;

B – (  ) Pratico atividades físicas regularmente, tento ingerir alimentos saudáveis e evitar o que faz mal, mas minha consciência corporal não é contínua;

C – (  ) Minha conexão com meu corpo é, em geral, pouco desenvolvida e tenho pequenos problemas de saúde que não consigo entender os motivos;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

7 – Sobre sua pegada ecológica e seu modo de compensar o uso excessivo dos recursos da Natureza:

A – (  ) Faço uma mensuração anual do meu comportamento ecológico, compenso os excessos que cometo plantando árvores e busco educar-me para baixar continuamente minha emissão de CO2;

B – (  ) Já fiz uma mensuração de minha pegada ecológica e implementei medidas para compensá-la, mas essa prática ainda não está inserida em minha vida de forma permanente;

C – (  ) A idéia da mensuração da pegada ecológica e sua compensação ainda não é inteiramente clara para mim;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

8 – Em relação à imagem que você tem do seu próprio futuro e da crise climática em andamento:

A – (  ) Estou suficientemente informado/a e consciente sobre a gravidade da situação e me projeto no futuro em uma vida resiliente e ecológica, praticando desde já, na medida do possível, esse estilo de vida;

B – (  ) Embora esteja informado/a e consciente, ainda não consigo ter um projeto pessoal de futuro para conviver com a situação ambiental em degradação;

C – (  ) Evito pensar no assunto, pois ou sinto que as informações disponíveis não são claras ou vejo os problemas como grandes demais e isso me bloqueia;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

9 - Sobre sua relação com a comida e o nível de consciência com o qual você ingere alimentos:

A – (  ) Percebo que alimentar-me é meu gesto mais constante de relação com a Natureza e com o mundo e, por isso, pratico-o conscientemente, ritualmente, fazendo escolhas que respeitem meu corpo e outros seres e honrando quem produziu o alimento;

B – (  ) Diminuí meu consumo de alimentos industrializados, busco comer produtos menos contaminados e evitar carnes, beber mais água e estar atento/a ao meu peso;

C – (  ) Sei da importância daquilo que ingiro tanto para mim quanto para o mundo, mas a força dos hábitos ainda determina largamente minha alimentação;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

10 – Sobre a compra e uso de objetos em geral:

A – (  ) Observo o culto social aos objetos e busco comprar apenas o imprescindível, diminuir a quantidade de objetos que já tenho, doando, reciclando ou descartando, e adoto uma vida de mais simplicidade e cuidado e conserto do que tenho e evito desperdícios;

B – (  ) Observo que tenho mais do que preciso e por isso compro cada vez menos, priorizando o conserto e a reforma, uso sacolas reutilizáveis, evito embalagens, etc.;

C – (  ) Percebo o meu impulso para a compra que revela a formatação que a sociedade de consumo impõe e tento lutar contra isso, mas ainda não consigo me desapegar desse sistema;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

11 – Em relação aos meios de transporte que você usa:

A – (  ) Priorizo a caminhada, o uso da bicicleta, da moto ou do transporte público e evito o avião para longos trajetos se possível. Quando uso carro fico atento ao tipo de combustível utilizado e ofereço caronas solidárias... Organizo as minhas atividades cotidianas o mais perto possível umas das outras;

B – ( ) O carro individual ainda é meu principal meio de transporte mas tenho mudado de hábitos para privilegiar percursos mais próximos e assim evitar seu uso;

C – (  ) Observo a insustentabilidade da forma como me desloco, mas ainda não consegui mudar minha rotina;

D – (  ) Outro (precisar)... 

 

12 – Sobre a organização e forma de funcionamento de sua casa e os recursos da Natureza utilizados:

A – (  ) Aproveito a iluminação e ventilação naturais, capto energia solar e água de chuva, tenho horta doméstica, faço compostagem, compartilho o uso das instalações da casa e as refeições com outras pessoas para diminuir o impacto ambiental, etc.;

B – (  ) Tenho implantado aos poucos medidas de diminuição do impacto ambiental do meu modo de vida em minha residência, diminuindo o gasto de energia e água, estando atento a diminuir o uso de produtos de limpeza químicos, etc;

C – (  ) Moro em residência convencional e tenho grande dificuldade de implantar um modo de vida mais sustentável;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

13 - Sobre seu papel em relação a evolução do nível de consciência das pessoas que o/a cercam e da sociedade em geral:

A – (  ) Tenho engajamento em organizações ou movimentos socioambientais. Busco ajudar na conscientização geral através do exemplo e orientar aqueles que me pedem conselhos;

B – (  ) Concentro minha atenção ao meu próprio exemplo e, quando posso, ajudo os próximos em relação às suas escolhas de vida;

C – (  ) Sei da urgência de uma mudança de comportamento da sociedade, em larga escala, mas a força cultural dos hábitos ainda determina largamente minha atuação;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

14 - Sobre seu entendimento e práticas em relação à ”ecologia profunda“:

A – (  ) Percebo os elementos (água, terra, fogo e ar) como sagrados e tudo o que me cerca como resultado da generosidade da Natureza. Agradeço em silêncio meditativo o privilégio de partilhar dessa abundância;

B – (  ) Tenho mudado meu comportamento ao estar mais atenta/o à teia da vida em que me insiro, entendendo a interconexão entre tudo e todos, tendo mais respeito e buscando uma maior interiorização;

C – (  ) A vida agitada impede-me de consagrar mais tempo para perceber cotidianamente o milagre da vida;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

15 - Sobre o uso do meu tempo e a sustentabilidade:

A – (  ) Percebo meu tempo de vida de forma clara e priorizo seu uso em função de minhas prioridades no curto, médio e longo prazo e de modo a me realizar integralmente como pessoa e ser útil ao mundo;

B – (  ) Tento dividir meu tempo de forma mais equilibrada para permitir maior qualidade de vida, porém o tempo parece me fugir das mãos;

C – (  ) Sinto que o uso do meu tempo é ditado pelo mundo exterior, sem que eu tenha possibilidade de fazer o que realmente queria a cada dia, mês e ano;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

16 - Com relação ao seu tempo de lazer e férias:

A – (  ) Eu geralmente gosto de estar com as pessoas que amo em espaços naturais, de conhecer iniciativas alternativas e conviver com seus animadores, assim como contribuir à economia local;

B – (  ) Procuro descobrir novas cidades e lugares naturais, onde possa descansar e relaxar. Quando possível, busco apoiar a economia local e participar de ações para proteger o meio ambiente do lugar;

C – (  ) Geralmente eu gosto de ir a lugares onde tudo é bem organizado e confortável, onde posso fazer boas compras e depois compartilhar impressões com meus amigos. No entanto, começo a ficar um pouco entediado porque é quase sempre a mesma coisa;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

17 - Com relação à forma como você usa seu dinheiro:

A – (  ) Percebo o dinheiro como uma forma de energia que pode reforçar aquilo que quero ver desabrochar no mundo, como a solidariedade e a ecologia. Assim, priorizo gastar no comércio local, em cooperativas, em feiras, com produtos mais sustentávies e orgânicos e no pagamento de serviços diretamente a pessoas que se nutrem de minha energia. Busco evitar shoppings, produtos estrangeiros e marcas símbolos do consumismo;

B - (  ) Busco gastar meu dinheiro com marcas e prestadores de serviços que são próximos aos meus valores de vida, mas esse gasto ainda não é tão importante no meu orçamento e estou buscando melhorar;

C- (  ) Pra mim ainda é difícil priorizar gastos como uma escolha política. Ainda busco o mais barato, o que é mais prático, ou o que está na moda. A ideia do dinheiro como energia de vida a partilhar ainda está fazendo seu caminho em mim;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

18 - Com relação à sua vida financeira:

A – (  ) Tenho mais dinheiro do que preciso não porque ganho muito, mas porque simplifiquei a minha vida de modo que as minhas necessidades são poucas e posso economizar para aproveitar melhor as oportunidades. Percebo claramente que não vale a pena usar a maior parte do meu tempo de vida para ganhar dinheiro pois o tempo é a nossa maior riqueza;

B - (  ) Questiono-me sobre a relação custo-eficácia de um modo de vida que necessita de mais dinheiro do que se tem, ou sobre se focalizar excessivamente no acúmulo de poupança. Busco simplificar a vida para ser mais feliz ;

C- (  ) Minha vida é uma preocupação constante de dinheiro. Mesmo trabalhando muito, nunca tenho o suficiente para pagar as minhas contas e ter uma poupança satisfatória que me ajudaria a ter mais segurança;

D – (  ) Outro (precisar)...

 

Como interpretar os resultados:

Veja quanto vale cada resposta dada por você, some os pontos e veja em que categoria você se encaixa:

A – 1      B – 3     C – 5    

Até 35 pontos: Você demonstrou ser uma pessoa que busca a sustentabilidade e o respeito à Natureza em seus atos cotidianos;

De 36 a 54 pontos: Você demonstrou ser alguém em busca de transformação, que se esforça para ter uma vida sustentável;

Igual ou maior que 55: Você demonstrou que as dificuldades da transformação pessoal ainda estão bloqueando mudanças de hábitos, embora você já se dê conta disso. A sociedade e o planeta precisam que você acelere seu ritmo de engajamento ecológico.

 

 



Transição para novos sistemas políticos

June 12, 2016 11:20, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

A crise brasileira, a candidatura de Donald Trump nos EUA, o crescimento da extrema direita na Europa, entre outros fatos políticos atuais, colocam a Democracia em foco. Esse texto busca contribuir nessa reflexão, pensando a transição a ser empreendida para a reinvenção da democracia, fazendo-a reencontrar seu objetivo original de ser o governo do povo, pelo povo e para o povo. Se o sistema representativo que materializa hoje esse lema  democrático trai sua origem, seja pelos poderosos interesses financeiros que dirigem a política, seja pela corrupção, pela intolerância ou pela manipulação midiática, o caminho não pode ser outro que aprofundar ainda mais a democracia.

Mas como? Como transitar de um momento criticamente desafiador para algo que seja desejável e legítimo para a sociedade e que honre a história da democracia? A evolução histórica da civilização humana vem generalizando o acesso à cidadania, que implica em condições sociais dignas de existência e possibilidade de participação de cada pessoa nas decisões coletivas. É assim que os países assinaram a Declaração dos Direitos Humanos, os Objetivos do Milênio e mais recentemente a Declaração de Paris, na COP 21, no final do ano passado (para citar apenas documentos mais recentes e conhecidos). O como avançar está ligado à continuidade desses avanços.

Os sistemas políticos devem servir a atingir os objetivos de organização das sociedades de modo a que os seres humanos possam desenvolver seus talentos e ter uma vida feliz em meio a uma coletividade mais igualitária e integrada de forma respeitosa com a Natureza. Esses objetivos vêm sendo construídos ao longo dos séculos e por eles se superou pouco a pouco o absolutismo, o escravismo, as desigualdades entre sexos, raças, crenças, etc. Chega-se a um Estado Democrático de Direito na atualidade que, embora largamente imperfeito, defende a Vida e o desenvolvimento humano mais que em qualquer época histórica. Mas não se pode negar também que o sistema político que o sustenta foi gradualmente distorcido no mundo todo. A concentração de renda nas mãos dos super ricos, a concentração da informação na mão de alguns conglomerados e a concentração em curso da produção de alimentos (que vem se tornando veneno) na mão de poucas empresas expressam isso.

Para sair do impasse das distorções do sistema democrático é necessário enxergar que florescem pelo mundo iniciativas de democracia direta, de novos coletivos cidadãos, de “revoluções tranquilas” que buscam a coerência entre o discurso e a prática, de conquistas de direitos e de inovações na política. As inovações são ainda isoladas e restritas, mas já trouxeram novidades palpitantes que precisam ser mais e mais estudadas, como o exemplo da queda do governo na Islândia pela pressão popular, dos movimentos de jovens “Indignados”,  do surgimento do Partido do Homem Comum na India, do partido “Podemos” na Espanha, do movimento Nuit Debout na França, das ocupações da juventude que começaram com o Occupy Wall Street, nos EUA e outras e outras novidades que trazem esperança para o quadro atual.

Há claramente no mundo, de um lado, um movimento descendente, e mesmo decadente, de modelos políticos hierárquicos e concentradores de poder e o Brasil expressa isso hoje de forma espetacular. Do outro, há um movimento ascendente, protagonizado pela sociedade civil na maior parte das vezes afastada dos partidos políticos tradicionais. Esse movimento ascendente ainda não se coloca como alternativa política na maior parte dos países, mas traz várias novidades inspiradoras. Está em ascendência outros modos de vida, mais colaborativos, mais horizontais, mais conectado pelas redes sociais e que colocam a questão da evolução das partes (do indivíduo e dos coletivos engajados) como base essencial para a transformação do todo.

Essa ascendência está conectada com outra visão de mundo, com outro paradigma cultural e científico, inspirado  na física quântica, no pensamento sistêmico e no holismo, que entra em choque frontal  com as bases dos sistemas políticos atuais. A interdisciplinaridade, a interconexão, a valorização das relações sutis, energéticas  e “não locais” substituem o reducionismo do materialismo, do conhecimento compartimentado, da hierarquização de saberes. Para muitos, essa nova visão de mundo, com reflexos evidentes nos modos de organização das sociedades são a manifestação da nova era de Aquários, em ascensão.

Como favorecer que os movimentos de maior amorosidade e interconexão humana global que ora emergem se acelerem trazendo sua contribuição a essa fase da evolução da humanidade, antes que o movimento decadente nos arraste nas crises ambientais, financeiras e políticas que acompanham sua queda? Como evitar que o movimento de emergência e o movimento de descendência não criem uma colisão dolorosa para a humanidade, motivada pelo medo do status quo de perder sua hegemonia e da revolta dos perdedores com a injustiça do sistema? Como pensar uma transição, em etapas, da passagem de um modelo que vem se tornando cada vez mais concentrador de renda e de poder, para um modelo coerente com os princípios democráticos no qual os interesses coletivos prevalecem?  

A transição para novos sistemas políticos é um desafio que exigirá a criatividade e a coragem daqueles/as que se motivam a contribuir pensando, sentindo e agindo na direção do futuro. Nesse sistema, certamente, o exercício de um mandato político será inteiramente diferente: ele não será uma profissão, mas um serviço, ele não será um privilégio, mas uma honra. Pode-se pensar que, se o foco da política é o interesse coletivo, só as pessoas que se sentem profundamente motivadas aspirarão a essa função. Como exemplo se pode pensar que elas poderiam assim serem remuneradas com base na renda média do país e que seus mandatos públicos implicariam na obrigatoriedade de que os mandatários e suas famílias fossem usuárias, como o cidadão e a cidadã comum, do sistema público de saúde, de educação, de transportes...

Em um novo sistema político, o bem estar da cidadania não seria simplesmente o foco da política, mas cada cidadão e cidadã seria corresponsável pelas decisões e se implicaria ativamente. Poderia ser obrigação cidadã não apenas votar, mas controlar continuamente o sistema. Do mesmo jeito que pagar impostos é uma obrigação em face das demandas coletivas que o Estado precisa arcar, opinar e fiscalizar o exercício governamental de suprimento dessas demandas seria parte dos deveres (e dos direitos) de cada  um/a para com a Nação. Aqueles que exercessem cargos públicos, tanto funcionários, como parlamentares ou membros dos governos seriam avaliados anualmente por seus “empregadores”, o povo.

Nessa lógica, o Estado tornar-se-ia cada vez mais profissionalizado, como na experiência europeia e americana, avançando para ser formado por estruturas executivas permanentes, e de alto nível profissional, com confiabilidade crescente. O Brasil já conta com estruturas exemplares, como o IBGE, a Receita Federal, entre outras. A ação do Estado seria planejada participativamente a longo prazo, pela população e por organizações profissionais correlacionadas com as ações estatais. A política como a vemos hoje, a ação do parlamento, seria menos decisória e mais executiva na organização da participação e controle social.

Talvez alguns leitores e a leitoras estejam com pulgas atrás da orelha em face dessas poucas ideias sobre como “poderia ser” um sistema político que substitua o que se tem hoje. Como assim? Com a trajetória que tem o Brasil de jeitinhos e lei de Gérson, quantos não tentariam burlar obrigações? Com a força da grana mandando em tudo, quantos não assumiriam mandatos não por grandeza humana mas para estarem próximos das obras públicas e das possibilidades de obter vantagens? No caso brasileiro, mais uma vez, como profissionalizar o Estado com milhões de cargos públicos que se renovam a cada eleição? Qual parlamentar deixaria passar essa lei? E nos casos de países mais avançados em termos de estruturação de um Estado mais profissional, como evitar que as verdadeiras decisões se dessem nos bastidores?

Ao avançar em ideias de transição, como propostas simples e nem tão novas, mostra-se que a execução dessa necessita de etapas, pois a própria cultura precisaria mudar, e não se muda cultura por decreto. Belas ideias podem se tornar autoritárias se não são coconstruídas. Por isso mesmo está-se falando em transição. A solução pronta, o modelo, é completamente contrário à lógica orgânica dos novos coletivos cidadãos, dos novos paradigmas científicos (que pleiteiam a incorporação da incerteza como fato incontornável da Vida) e dos novos modelos de vida, que aspiram inspirar novos modelos políticos. As resistências criativas ao modelo decadente, a experimentação antecipadora dos novos modos de ser e fazer e a visão transformadora de futuro são os caminhos para uma construção paulatina e coletiva de novos modelos.

É a visão partilhada do que se quer e do que não se quer, são os valores humanistas, democráticos e solidários que se tem em comum, que orientam a construção do caminho. A política até poderia ser exercida por mandatos oriundos de um sorteio, como se faz para construir um júri popular ou para compor as mesas eleitorais, quando a visão e os valores partilhados estiverem estabelecidos. Seria um dever cívico do qual só por razões muito fortes alguém poderia evitar de cumprir, se sorteados. Dificilmente, por sorteio na cidadania, ter-se-ia uma concentração tão grande de pessoas desqualificadas moralmente como se tem hoje no parlamento brasileiro e em muitos parlamentos pelo mundo. Os políticos tomariam menos decisões e sua atividade seria mais e mais a fazer viver um sistema participativo de decisões democráticas, por eleição, por consulta pública, por plebiscito, referendo, etc, inclusive com voto pela internet.  

Veja-se que até aqui não se falou em partidos políticos como base na organização do sistema político. Eles podem não ser eliminados, mas certamente não seriam a única base de representação de agrupamentos de visões e interesses, até porque, no mundo todo suas marcas ideológicas estão se perdendo nas práticas tristemente parecidas. Assim, os sistemas de representação de interesse poderiam ser outros, sempre de baixo para cima e sempre em função do tipo de decisão a ser tomada coletivamente. O sistema de decisões com base no voto a voto de indivíduos pode se complementar pelo voto a partir das comunidades locais, das organizações profissionais,  das bacias hidrográficas, etc. Haveriam tantos colégios eleitorais nos países quanto os tipos de problemas que a coletividade demande que sejam resolvidos. 

A renovação dos sistemas políticos, como foi dito, exige criatividade e coragem. O imaginário político precisa se abrir para se reinventar e uma boa inspiração são as formas práticas que a sociedade civil já usa para organizar suas intervenções no espaço público.

 



Sobre o dinheiro e a alma (II)

June 6, 2016 21:36, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Alguns pesquisadores apontam uma leitura nada comum sobre a origem do dinheiro e que pode mudar nossa maneira de encará-lo. Seu surgimento não estaria vinculado à facilitação das trocas de bens, substituindo com vantagens o escambo, a troca direta. Antes dessa razão prática, o dinheiro teria sido criado por razões espirituais, para negociar com as divindades. As primeiras moedas, segundo esta versão, teriam sido animais oferecidos aos deuses em troca de favores solicitados desde tempos imemoriais: chuva, sol, boa colheita, etc. As próprias imagens cunhadas nas primeiras moedas conhecidas, feitas em metais preciosos, são de animais e são uma das comprovações dessa tese. Esta versão abre outra perspectiva de relação com o dinheiro que não é nem a da adoração, tão comum, nem a da execração. Ela vai além, entendendo seu papel simbólico e ajudando a compreender a alma humana.

Um dos motivos da adoração atual ao dinheiro é seu poder de evitar frustrações e essa é uma razão tanto prática, quanto simbólica. Quem tem dinheiro não precisa o tempo todo priorizar, escolher. Pode, em termos materiais, ter “tudo” o que deseja, em comparação à média das pessoas, e assim não ter que enfrentar as frustrações que as escolhas embutem. Outro conforto que o dinheiro traz, é o próprio conforto: paga serviços, bens e situações que evitam trabalho e permitem o descanso, algo que é buscado, em certa medida, por todos e todas. Não é à toa que o dinheiro é normalmente tão cobiçado e que quem aparenta possuí-lo esteja tão exposto à inveja.

É possível destacar duas relações profundas do dinheiro com a alma: a liberdade de escolha que o dinheiro permite e a promessa de aprovação social que ele oferece. Pensando que cada ser humano tem no seu DNA desejos de liberdade e de reconhecimento do seu valor, vê-se que todos tentam, por diferentes meios, cumprir estes desejos. A maioria tenta ser útil, trabalha no que lhe cabe buscando mostrar seu mérito, tenta ser bom pai, mãe, filho, amigo, colega de trabalho, etc., confiando colher amor e respeito de si mesmo e dos outros. O dinheiro entra aí desestabilizando a equação social. Como poderoso motor de reconhecimento, particularmente numa sociedade consumista, ajuda na criação de uma imagem pública favorável até para quem não tem mérito e usa o dinheiro para criar, acelerar ou aprofundar a desejada admiração pública.

Costuma-se separar, e é justo que se faça, aqueles que obtêm dinheiro por mérito do trabalho árduo, daqueles que o obtêm por meios escusos. Quando se obtém dinheiro por algo meritório, o desejo de reconhecimento através desse tenderia a ser menor, pois a atividade que causou sua obtenção já traz também reconhecimento, e assim não se necessitaria de exposição de poder econômico. Pode-se pensar que o apego exagerado ao dinheiro, e mesmo a exibição pública daquilo que ele proporciona, estaria mais presente naqueles que não têm outros merecimentos para serem reconhecidos, ou que intimamente duvidam de seu próprio valor. Nestes casos, que parecem ser frequentes, o dinheiro pode facilmente virar uma prisão, ao invés de um instrumento de liberdade de escolhas.

Os motivos que cada pessoa elege para valorizar o dinheiro são um bom caminho do processo de autoconhecimento: ele pode ser um revelador de desprendimento, mas também de apego. Ele pode mostrar o cuidado consigo e com os outros, ou pode ser usado para manipular e controlar as pessoas. Ele pode ser usado como caminho de esconder nossas frustrações, comprando, comprando... Mas também pode ser pensado com força de vida, como energia condensada, pode nos ajudar no caminho da coerência, usando-o para moldar o mundo que queremos. Dinheiro usado para pagar serviços bem prestados por pessoas que vivem de um trabalho honesto; para comprar produtos que nos fazem realmente bem e melhoram o mundo; para manter e reconstruir, a Natureza, nossos locais de vida, cuidar de quem amamos...

Se olhamos o dinheiro de modo mais espiritualizado, de fato é possível perceber caminhos da alma através das formas de sua presença diária na vida de cada um. Para aqueles que querem uma existência plena, não é possível ignorar como o dinheiro lhes afeta, nem desconhecer que ele é também uma metáfora de poder. A alma, ou a consciência de cada um, não quer subterfúgios, não quer vender ilusões a si mesma ou aos outros. Ao invés de execrá-lo, talvez a melhor forma de vencer o poder do dinheiro seja simplesmente olhá-lo de frente, como o que ele de fato é: um instrumento, um objeto, que tem o sentido que lhe damos. Como diz a música de Frejat desejo que você ganhe dinheiro, pois é preciso viver também... E que você diga a ele, pelo menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem...”.