Capitalismo: Porque tantos servem ao sistema que condenam?
November 21, 2016 13:30 - Pas de commentaireSobre a Servidão Voluntária e a necessidade da rebelião, a cada dia, dia após dia...com coragem, persistência e coerência entre os discursos e os atos.
"Um jovem de 18 anos, chamado Etienne de La Boétie, escreveu no século XVI um ensaio conhecido como Discurso sobre a servidão voluntária. A servidão voluntária, escreve La Boétie, é um enigma, pois submeter-se é algo que não pode realizar por um ato voluntário de liberdade. Como seres livres podem voluntariamente desejar servir? Por que nos submetemos voluntariamente à tirania? Responde La Boétie: consentimos em servir porque esperamos ser servidos. Servimos aos tiranos porque somos tiranetes: cada um serve ao poder tirânico porque deseja ser servido pelos demais que lhe estão abaixo; cada um dá os bens e a vida pelo poder tirânico porque deseja apossar-se dos bens e das vidas dos que lhe estão abaixo. A servidão é voluntária porque há desejo de servir, há desejo de servir porque há desejo de poder e há desejo de poder porque a tirania habita cada um de nós e institui uma sociedade tirânica. Haver tirano significa que há sociedade tirânica (...) La Boétie prossegue e indaga, onde, afinal, se encontra a força do tirano? E responde: a força do tirano não está onde imaginamos encontrá-la: não está nas fortalezas que o cercam nem nas armas que o protegem. Pelo contrário, se precisa de fortalezas e armas, se teme a rua e o palácio, é porque se sente ameaçado e precisa exibir signos de força que ocultem os signos verdadeiros do poder. Fisicamente, um tirano é um homem como outro qualquer – tem dois olhos, duas mãos, uma boca, dois pés, dois ouvidos; moralmente, é um covarde, prova disso estando na exibição dos signos de força. Se assim é, de onde vem seu poder, tão grande que ninguém pensa em dar fim à tirania? Seu poder vem da ampliação colossal de seu corpo físico por seu corpo político, provido de mil olhos e mil ouvidos para espionar, mil mãos para espoliar e esganar, mil pés para esmagar e pisotear. O corpo físico não é ampliado apenas pelo corpo político como corpo de um colosso, também sua alma ou sua moral são ampliadas pelo corpo político, que lhe dá as leis com as quais distribui favores e privilégios, seduz os incautos para que vivam à sua volta para satisfazê-lo a todo instante e a qualquer custo. A pergunta que nos cabe fazer é: quem lhe dá esse corpo político gigantesco, ubíquo, sedutor e malévolo? A resposta é imediata: somos nós quem lhe damos nossas mãos, nossos pés, nossos ouvidos, nossas bocas, nossos bens e nossos filhos, nossas almas, nossa honra, nosso sangue e nossas vidas para alimentá-lo, para aumentar-lhe o poder com que nos destrói. Indaga La Boétie: se, por algum infortúnio, um tirano galgou o poder e ali se mantém, como derrubá-lo e reconquistar a liberdade? E responde: não lhe dando o que nos pede. Se não lhe dermos nossos corpos e nossas almas, ele cairá. Basta não querer servi-lo, e ele tombará".
Trecho do texto "Contra a universidade operacional e a servidão voluntária", de Marilena Chauí, na abertura do Congresso da Universidade Federal da Bahia, em 14 de julho de 2016.
Trump e Temer. É possível ter alguma esperança?
November 12, 2016 13:57 - Pas de commentaire
Ok, ok, é de temer e é de doer. Esses homens no poder mostram a falência da democracia em garantir a vontade da maioria. Os vícios dos sistemas eleitorais (caso dos EUA em que Hillary teve maioria dos votos) e os procedimentos parlamentares (caso do Brasil, em que Dilma foi destituída de seus 54 milhões de votos) mostram que a democracia precisa ser reinventada. Esses homens no poder mostram também que a deriva direitista do momento político atual é grave e que as formas de fazer política precisam mudar. A desunião crônica dos setores progressistas não pode persistir, pois a união dos que focam tudo no dinheiro e no poder é fácil. Se os desafios que se anunciam são imensos, reinventar a política do nosso lado é o único caminho.
Como falar em esperança quando tudo parece desmoronar? Quando o governo Temer avança contra os ganhos de justiça social e emancipação que vivemos na última década e quando um governo truculento, xenófobo, racista e machista vai ser empossado com Trump daqui a pouco? Só um olhar de longo prazo pode mostrar que a esperança vem, de um lado, do fato que as sociedades no mundo inteiro descreem da política que hoje segue o jogo do dinheiro e da mídia. Do outro lado, é possível ver que iniciativas contra-hegemônicas, que funcionam em outra lógica política, se espalham silenciosamente, com dificuldade, mas mostrando caminhos.
Temer e Trump estão no poder não porque o “povo”, em sua maioria, quis assim. Vejam os índices baixíssimos de aprovação do governo Temer e o fato de que Trump chegou ao poder com uma minoria de votos. Mesmo se as pessoas não conseguem identificar de onde vêm os desvios da democracia - e deixam que o poder vá exatamente na direção dos que manipulam bem o universo do dinheiro e da mídia - elas estão buscando “salvadores” que julgam estar fora do sistema político tradicional. Nesse ponto, de buscar alternativas, nós e os apoiadores de Trump e Temer estamos juntos.
A esperança vem, portanto, carregada de responsabilidade. Nós, milhares no mundo todo, que estamos enfrentando o sistema decididamente, mudando nossas formas de viver por opções mais conscientes, pela renúncia ao consumismo, pela busca de soluções mais coletivas e com liderança compartilhada, pelo enfrentamento cotidiano ao machismo e a todos os preconceitos, que vivemos com ética e acreditamos em valores de partilha, coresponsabilidade e respeito à Natureza, nós somos o caminho. Entendermos-nos como o caminho que inspira e dá esperança e nos apoiarmos mutuamente, tecendo a grande rede que defende a Vida, de formas variadas, exige muito trabalho.
A união dos que são contra-hegemônicos dá trabalho porque estamos sempre muito ocupados em criar opções que são marginais ao sistema – o qual resiste fortemente às nossas ideias e práticas e assim nos exaure, mas também porque temos dificuldades de nos unir. Somos contaminados pela competição, que é a mola mestra do sistema capitalista. Só que nesse campo “eles” são mestres: quando seus interesses se contrapõem, não têm grandes pruridos em se “desfazerem” uns dos outros, pois não são amarrados por princípios éticos que freiam o “lado de cá”. Mas seguem unidos na maior parte do tempo. Nós, não, quase nos “evitamos”, pra não encararmos que estaremos sempre encontrando defeitos nos caminhos que os outros “alternativos” empreendem. Mas quando nos unimos, a história já provou, todo o processo avança.
As iniciativas contra-hegemônicas já são fundadas em princípios que promovem a cooperação, o respeito à Vida e à sua diversidade, só precisamos colocá-los em prática para tecermos a imensa teia da esperança ENTRE NÓS. Certamente o capitalismo não é mais hegemônico nos corações das pessoas, se é que algum dia ele foi. Nossas propostas de vida mais amorosa e cooperativa, de igualdade e respeito aos diferentes são de longe mais apaixonantes e inspiradoras. O desafio de buscar a união dos movimentos, das iniciativas, dos projetos, encantando-nos com a diversidade uns dos outros e desafiando nossos conflitos como forma de crescermos, de evoluirmos como indivíduos e como opção política de cooperação e partilha de poder está diante de nós. Cedo ou tarde, vamos avançar.
PRECISAMOS REESCREVER O FUTURO AGORA!
October 31, 2016 21:56 - Pas de commentaire
O texto a seguir é fruto do Seminário Nacional do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, realizado em Brasília nesse mês de outubro. Ele clama pela proteção à Mãe Terra! Vale a pena ler.
A luta contra a exploração irresponsável dos recursos naturais do planeta por parte dos grandes capitalistas e suas consequências sobre as mudanças climáticas é o principal destaque da carta-resultado do Seminário Nacional realizado pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS). Confira a íntegra do documento:
Seminário Nacional do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
PRECISAMOS REESCREVER O FUTURO
AGORA!
Viemos de todos os estados brasileiros, do Distrito Federal, das comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, da agricultura familiar, das cidades, dos movimentos sociais e populares do campo, das florestas, das águas e das cidades, todxs violentadxs por projetos extrativistas e de infraestrutura como hidrelétricas, termoelétricas, energia eólica e nuclear, transposição de rios, mineração, pecuária, extração de fontes fósseis (convencionais e não convencionais), expansão da monocultura e do agronegócio, agrotóxicos, projetos de créditos de carbono, desastres ambientais que geram migrações forçadas e projetos urbanos que expulsam comunidades. Em Brasília, no Seminário Nacional do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, de 25 a 28 de outubro de 2016, refletimos sobre as mudanças climáticas, socializamos os gritos, nos fortalecemos para enfrentar os mega-projetos patrocinados pelo sistema capitalista, por meio de corporações e governos que atentam contra a vida da Mãe Terra, de suas Filhas e Filhos.
Motivadxs pela espiritualidade dos povos da floresta, das águas, do campo e das cidades, em uma só voz denunciamos as faces desse desenvolvimento perverso, que produz o Ecocídio, o Etnocídio e o Genocídio da Mãe Terra e alimenta o capitalismo financeirizado, globalizado e agressivo. Denunciamos a falácia da “Economia Verde”, que mercantiliza e privatiza rios, oceanos, florestas, o ar e a Mãe Terra, expulsando suas filhas e filhos em favor de projetos que produzem morte cultural, econômica, social e organizacional de povos e comunidades tradicionais, camponeses e comunidades urbanas.
Somando-se à voz dos povos originários, a ciência revelou que chegamos a uma nova época geológica, chamada de ”Antropoceno”. Nele, a humanidade, com uma responsabilidade bem maior por parte dos mais ricos e que mais consomem, tornou-se uma força indutora de impactos profundos e irreversíveis em escala global. Impactos que incluem a 6ª grande extinção de espécies da história terrestre, um domínio destrutivo sobre a maior parte das terras e da água doce, a acidificação dos mares, a destruição da camada de ozônio. Incluem, sobretudo, uma radical mudança do clima da Terra provocada pelo aumento exponencial da concentração dos gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis, desmatamento, etc. São frutos envenenados de uma economia da morte.
As mudanças climáticas já aumentaram em 1,2oC a temperatura do planeta desde o início da era industrial, provocando efeitos extremos, tais como furacões, secas, tempestades, ondas de calor, elevação crescente do nível do mar. Ameaçam a vida de milhões de seres humanos e de outras espécies. É o maior desafio jamais posto diante da humanidade. Precisamos agir para deter essas mudanças. O causador destas aflições é o modo capitalista de desenvolvimento, que prioriza o lucro e a acumulação, e não o atendimento das reais necessidades materiais e imateriais da humanidade, que confunde desenvolvimento com mero crescimento físico. Estamos perto de esgotar os bens naturais e é urgente determos a voracidade do crescimento capitalista. Constatamos que, sem superar o sistema do capital, o Planeta mergulhará no caos e a vida nas formas conhecidas desaparecerá. Para viver, precisamos de alimentação boa e saudável, beleza e amor, e não de alimentos e água contaminados, pobreza e egoísmo. A produção contínua de desigualdades sociais e a destruição de comunidades humanas e seus modos de reprodução ampliada da vida tornam o sistema insustentável. De quanto tempo a fração privilegiada da humanidade vai precisar para descobrir que não se come dinheiro nem se bebe petróleo?
O predomínio antagônico do homem sobre a mulher e sobre a Mãe Terra, de nossa espécie sobre as demais, do capital sobre o trabalho, da riqueza material sobre a não material, da ilusão de que a técnica resolve tudo, e das corporações sobre os povos da Terra anula o sentido participativo da democracia. Reconstruir as sociedades humanas de baixo para cima começa com a organização de comunidades intencionais onde as pessoas vivem e trabalham. Produzir e consumir localmente; partilhar solidariamente nossos excedentes; promover saúde coletiva; garantir espaços de mobilidade ativa, ferrovias para passageirxs e cargas, e transporte público includente, multimodal e de qualidade; assegurar terra para quem dela necessita para viver e trabalhar; universalizar a permacultura, a agrofloresta e a agroecologia; acolher os que sofrem as mazelas espalhadas pelo capital; receber refugiadxs climáticxs com braços, portas e fronteiras abertas para a partilha; construir uma economia do suficiente (bens materiais), e da abundância em qualidade de vida – lazer, comunicação, artes, amizade, amor, felicidade, criando o ambiente político, social, natural e espiritual propício para que cada pessoa desenvolva sempre mais plenamente seus potenciais individuais e coletivos – este é o sentido maior da vida humana.
A economia da vida promove a descentralização do poder político, econômico e cultural, e a valorização da unicidade (comunidade da vida que habita a Casa Comum) e da diversidade humana e biológica. Promove o empoderamento das comunidades para planejarem e implementarem o seu próprio desenvolvimento de forma autogestionária, solidária, sustentável, e articuladas entre si em escala sucessiva até o âmbito nacional e global. Com a posse compartilhada dos bens produtivos e o planejamento participativo superam-se os riscos da superprodução, do descarte e da especulação; em vez da privatização, o cuidado e a partilha dos bens comuns. A matriz energética se reerguerá num modelo descentralizado de produção e consumo da escala comunitária até a nacional. A educação para a vida ensinará valores e métodos da partilha dos bens produtivos e da troca solidária, ou doação dos excedentes, da reciprocidade voluntária, da restauração e da conservação dos ecossistemas.
O futuro escrito pelo capital é de destruição e morte, mas já está sendo reescrito na sabedoria representada pelos povos originários e demais comunidades tradicionais, e por outras formas de comunidades intencionais, como comunidades camponesas, ecovilas e ecocidades. Aprendamos com eles o modo de vida simples, compartilhado e rico de tradições ancestrais, o seu cuidado com o meio natural e a sua espiritualidade enraizada na Mãe-Terra, na perspectiva da construção de sociedades do bem viver!
Brasília, 28 de outubro de 2016
http://fmclimaticas.org.br/?p=2662
De Salvador para o mundo: Brechó EcoSolidário 2016
October 27, 2016 9:37 - Pas de commentaire
(roda final do Brechó 2016, na qual os/as voluntários/as partilham a alegria e o cansaço do trabalho em prol das pessoas e do planeta)
Dois dias vivendo o “futuro emergente”: um mundo mais sustentável, justo, solidário e democrático. Este é o amplo conceito do Brechó EcoSolidário que nasceu em Salvador há onze anos, já foi realizado em Lyon, na França e em Montreal, no Canadá e é admirado em vários países do mundo. O evento é organizado em torno de um grande mercado de trocas de bens usados usando a moeda social “grão” e de uma feira de economia solidária, porém lá acontece de tudo: rodas de diálogo, brincadeiras para crianças, aulas de ioga, oficinas de autocuidado, atendimentos gratuitos de saúde e assistência social, além de apresentações de música e dança e variadas atividades de educação ambiental. Tudo gratuito.
O Brechó mobiliza milhares de pessoas de todas as idades e desempenha um papel de sensibilização sobre os efeitos do consumo nas mudanças climáticas atuais. A participação no Brechó incentiva os soteropolitanos a pensarem em formas de consumo mais saudáveis, com menos desperdício e priorizando produtos de cooperativas. Para realizar o Brechó, cerca de 200 pessoas trabalham como voluntárias: estudantes, professores, artistas, terapeutas e empreendedores da Economia Solidária. Os recursos para realizar o projeto são oriundos de uma plataforma de financiamento cooperativo e tudo é gerido coletivamente.
Tanta generosidade e criatividade foram reconhecidas pela rede Diálogos em humanidade, que funciona em 13 países e adotou o Brechó como prática inovadora. Esta rede baseia-se no diálogo público sobre os desafios econômicos, sociais, ambientais e espirituais da humanidade e coloca a transformação pessoal ao lado das transformações coletivas para a construção de um mundo melhor. Os eventos da rede Diálogos propiciam a experimentação de soluções da própria sociedade para fazer face aos desafios atuais e buscam fortalecer a esperança e a iniciativa cidadã. Vem! é aqui mesmo, ainda esse mês de outubro, nos dias 22 e 23, no Parque da Cidade.
(Texto publicado no jornal A TARDE, no dia 19/10/2016)
Acompanhe as fotos do brechó 2016 no nosso Facebook
https://www.facebook.com/brechoecosolidario/?fref=ts
Da alma sem pressa
September 11, 2016 14:15 - Pas de commentaire
“Havia uma tribo na Índia que cuidava de um templo situado no meio da floresta onde moravam. Esse templo atraía peregrinos todos os anos que só conseguiam chegar ao local com a ajuda de membros da tribo, que conheciam bem os caminhos da mata. A cada ano eles esperavam os caminhantes em local situado na fronteira da floresta e os ajudavam a carregar suas bagagens e chegar ao seu destino. Conta-se que a líder dos peregrinos ficou encabulada com o fato de que a cada quarto de hora os guias da floresta paravam e assim obrigavam os peregrinos a pararem. Como queriam chegar logo, todos se perguntavam para que aquelas paradas, mas não ousavam questionar para não embaraçar os anfitriões. Ao chegarem ao destino, foram recebidos pela tribo que os convidou para uma grande comemoração ao deus comum e essa foi a oportunidade para que a líder dos peregrinos perguntasse ao líder da tribo: “honrado chefe, eu gostaria de saber se causamos muito cansaço aos membros de sua tribo que nos acompanharam”. Ao que o chefe respondeu “Porque, cara amiga?”. A líder dos peregrinos comentou “Talvez nossas bagagens estivessem muito pesadas pois eles paravam no caminho a cada quarto de hora”. O chefe respondeu "de modo algum, nossa tribo ajuda os peregrinos a carregar suas bagagens deste sempre, somos fortes e isso não nos cansa". E porque tantas paradas então? pergunta a líder dos caminhantes. O chefe, olhando o horizonte, respondeu “Esse é um hábito antigo de meu povo. Quando vamos com pressa, paramos de tempos em tempos para que nossa alma não se perca de nós”.
Essa história indiana, contada por Siddhartha (líder do Fireflies Ashram e membro da rede Diálogos em humanidade) na formação dos voluntários do Brechó EcoSolidário de 2013 marcou muitas das pessoas presentes e ficou ancorada em meu coração.
Como lidar com conflitos? CONVITE!
September 7, 2016 9:08 - Pas de commentaireVivina Machado lançará seu precioso livro no dia 15/09, quinta, 19h, na livraria Leitura do Shopping Bela Vista. Tive o privilégio de escrever, junto com Suzana Moura e Valéria Gianella, o prefácio do livro que trata do desafio humano maior: lidar com conflitos como possibilidade de ampliação de horizontes e prática da amorosidade. O trabalho de Vivina traz pistas essenciais para o crescimento de cada pessoa e do coletivo. Veja abaixo um trecho do livro que só nos faz ter vontade de ler mais e mais...
Obrigada, Vivina, por poder partilhar com você essa rica amizade que incita o crescimento mútuo.
Vivina Machado*
(Excerto Cap. I do livro de Oliveira Neta, Vivina Machado, DGCC - Diálogo e Gestão Criativa de Conflitos - um método centrado na complexidade do pensamento e simplicidade da ação)
Conta-se que no princípio havia uma única verdade no mundo. Entre o Orun, mundo espiritual e o Aiyê, mundo material havia um espelho. Daí é que, tudo que se mostrava no Orun materializava-se no Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual refletia–se exatamente no mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas. Todo cuidado era pouco para não quebrar o espelho da verdade. O espelho ficava bem perto do mundo material e bem perto do mundo espiritual. Naquele tempo vivia no Aiyê uma jovem muito trabalhadora que se chamava Mahura. A jovem trabalhava dia e noite ajudando sua mãe a pilar inhames. Um dia, inadvertidamente, perdendo o controle do movimento ritmado da mão do pilão, tocou forte no espelho que se espatifou pelo mundo. Assustada, Mahura saiu desesperada para se desculpar com Olorum. Qual não foi a sua surpresa quando O encontrou tranqüilamente deitado a sombra do Iroko . Olorum ouviu as desculpas da jovem com toda a atenção. Em seguida declarou que, daquele dia em diante não existiria mais uma única verdade no mundo. Declarou ainda: De hoje em diante quem encontrar um pedacinho de espelho em qualquer parte do mundo, estará encontrando apenas uma parte da verdade, provavelmente a sua verdade própria. Por que o espelho reproduz apenas a imagem do lugar onde ele se encontra (MACHADO, 2006).
Com este mito expresso os princípios do método DGCC - Diálogo e Gestão Criativa para lidar com Conflitos, por mim desenvolvido e aplicado por meio de workshops no Brasil e Canadá, com excelentes resultados, comprovados por pesquisa realizada com os participantes.
O “I” da “Inclusividade”
Olorum e a inclusividade: A inclusividade que, por ser inclusiva, inclui a pró- pria exclusão. Inclusividade – expansão e presente de Olorum que inclui várias verdades na verdade absoluta. “Assustada Mahura saiu desesperada para se desculpar com Olorum. Qual não foi a sua surpresa quando o encontrou tranquilamente deitado à sombra do Iroko.” Olorum, quando da quebra do espelho, incluiu este acontecimento – Mahura quebrou o espelho, incluiu uma nova possibilidade – daquele dia em diante haveria tantas verdades quantos pedaços de espelho fossem encontrados. Ao olhar a quebra do espelho e o como Olorum lidou com essa quebra, podemos ver que a inclusão expande, amplia, abre novas possibilidades. Com as inclusões, Olorum enriqueceu o mundo, simplificou, tornando-o complexo. Ao incluir, Olorum deu um presente – cada um quando encontrar um pedaço do espelho estará encontrando uma parte da verdade – , ao mesmo tempo ele também responsabilizou – estará encontrando, provavelmente, a sua própria verdade –, só que a própria verdade reflete apenas a imagem do lugar onde o espelho se encontra. Olorum inclui nas verdades de cada um a exclusão do mundo de uma só verdade. Ele cria em cada pedaço de espelho e, para cada um que o encontra, um mundo e uma verdade, e são essas tantas verdades que, ao serem incluídas, se constituem na verdade. Neste livro, a inclusão é constante presença. A autoinclusão, a inclusão do conflito, e a inclusão epistemológica: a escolha de um dos pedaços do espelho, na adoção da abordagem pós-positivista, eleita para o método. Ao mesmo tempo, o reconhecimento do positivismo, a sua inclusão, como um outro pedaço do espelho, fundamental para que a diferença se estabeleça e possa dialogar com essa mais recente abordagem. No método de comunicação, a inclusão se expressa na própria dialógica, numa linguagem inclusiva, na adoção do conflito como elemento cognitivo, de conhecimento, reconhecimento e aprendizagem. Conflito, de acordo com Maturana e Varela “é sempre uma negação mútua” (1998, p. 246). Essa é uma constatação da forma tradicional de lidarmos com o conflito. Eu nego o seu pedaço de espelho, a sua parte da verdade, e você nega a minha parte da verdade, negando o meu pedaço de espelho: eu nego você, que me nega. Da negação mútua, a dualidade, a dicotomia, a exclusão. Eu estou certa, você está errado e vice-versa.
No método, bebo da fonte de Varela e, inspirada por ele, conceituo diálogo como “reconhecimento mútuo”. Você reconhece o meu pedaço de espelho, e o fazendo reconhece que eu tenho uma parte da verdade, e eu reconheço a sua parte da verdade, reconhecendo o seu pedaço de espelho. Assim, os nossos pedaços de espelho se reconhecem como partes do grande espelho. E eu o reconheço, mesmo que discorde de você, mesmo que ainda não consiga ver refletido no seu espelho o peda- ço de mundo que ele me traz. Nesse reconhecimento eu amplio a minha visão de mundo porque agora eu incluo a existência do seu mundo e de tantos outros que possam existir, reconhecendo-os como parte do nosso grande espelho que foi espalhado. E esse reconhecimento se amplia, expandindo-se do eu-você para grupos, ideologias, países, continentes... no giro da roda...
O “I” da Incerteza
E onde está a incerteza? Um dos significados da palavra “incerteza” é falta de certeza, dúvida. Incerteza aqui tem o sentido de um questionamento, de uma atitude de permanente vigilância sobre a “tentação da certeza”, como Maturana e Varela falam amplamente no livro “The Tree of Knowledge – A árvore do conhecimento”. Assumo este princípio da incerteza como um estado de “suspensão” das certezas como verdade absoluta. Ora, como “tudo que se mostrava no Orun materializava-se no Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual refletia-se exatamente no mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas”. Quando o espelho é quebrado, a certeza se parte, se divide, e nessa divisão as certezas sobre os acontecimentos, como verdades absolutas, se vão. O que fica é a incerteza, porque o pedaço de espelho que encontro vai me mostrar uma parte da verdade . Dentro da “in-certeza”, uma parte da certeza, uma verdade localizada: “Por que o espelho reproduz apenas a imagem do lugar onde ele se encontra”. E quais são as outras verdades? Morin nos fala sobre a necessidade de enfrentarmos a incerteza, diz que “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza [...] assim quando conservamos e descobrimos novos arquipélagos de certezas, devemos saber que navegamos em um oceano de incertezas” (MORIN, 2003, p. 59).
O princípio da incerteza no método DGCC é importante ao ajudar a abrir mão das certezas absolutas, da inflexibilidade, criando um campo para proliferação de possibilidades. Aquilo que tomo como sendo a (minha) verdade é uma das possíveis verdades e, portanto, a certeza que tenho é que essa verdade, como absoluta, é incompleta, incerta. A incerteza como caminho de busca de novas alternativas para conhecer, para o inesperado, para nos habilitar a interagir com flexibilidade; a incerteza como caminho para se comunicar, abrir o diálogo com o outro, pois é com ele que eu posso acessar as outras verdades, é com ele que essas outras verdades são mostradas, apresentadas, e é o encontro e o confronto com essas outras verdades que me possibilitam gerir conflitos, expandindo a visão localizada que possuo do meu pedaço de espelho-verdade, abrindo tanto mais o campo de visão quanto os tantos outros espelhos-verdades que me propuser a confrontar, a interagir, a dialogar. A incerteza impelindo a conhecer, ao saber navegar no oceano que Morin nos traz. E que venha Fernando Pessoa, para junto com ele podermos “cantapoemizar”...“Navegar é preciso, viver não é preciso...”
E vamos juntos navegando e encontramos Varela navegando conosco. E ele nos sussurra, junto com o barulho do mar, que “Ansiedade cartesiana” é um estado que nos assola. Ele nos diz que esta ansiedade é melhor colocada como sendo um dilema: ou temos um fundamento fixo e estável para o conhecimento, um ponto onde o conhecimento começa, está enraizado e repousa, ou não conseguimos escapar de algum tipo de escuridão, caos e confusão. Ou existe uma base ou fundamento absoluto, ou tudo desmorona (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993, p.140). p.25
O estado de incerteza parece-nos destruidor, e por isso buscamos ansiosamente as certezas. O tempo em que “Ninguém tinha a menor dúvida sobre os acontecimentos como verdades absolutas” se foi com a quebra do espelho. O positivismo mostra suas fragilidades, inconsistências, incapacidades para ser a terra firme. O pós-positivismo ainda carece de chão, de lastro, de experiências. Tradicionalmente, buscamos um “ground” oscilando entre aquele que é interno, na mente ou externo, no mundo. As certezas da teoria, as incertezas da prática e vice-versa. As incertezas da mente, as certezas do corpo, a incerteza das emoções e assim sucessivamente.
O princípio da incerteza no método atua no sentido de que ele – método – seja apenas uma das possibilidades de re-vermos o conhecimento sobre a nossa comunicação, nosso comportamento, de refletirmos, de conhecermos técnicas que contribuam para uma mudança na forma tradicional de nos comunicarmos. O DGCC é apenas uma possibilidade! O princípio da incerteza é incluso no método, na atitude de firmeza para abrir mão das nossas certezas como redutoras de todas as outras possibilidades que possamos gerar. No método, a incerteza é um “ground”. “O mundo é outro agora. A minha verdade é apenas uma e tem tantas outras... e ao contrário de me deixar frágil, isto me deixa mais seguro”. Bira A. em entrevista sobre o método, tem vivido o método de comunicação dialógica e constata a existência de um tipo de “grounding” de “aterramento”, na incerteza. Ele diz que essa constatação na vivência do dia a dia abre novas possibilidades de interagir, de se relacionar, de se posicionar. Novas possibilidades de ser. Bira está tendo a coragem de navegar no oceano das incertezas como caminho, na certeza de ser.
(Bira A., 24 anos, professor de teatro, graduado pela UFBA, ex-educando do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia )
O “I” da Interdependência
Interdependência como capacidade de coexistir, sobreviver e viver uns com os outros. No grande espelho, Totalidade. Nos pedaços do espelho, Fragmentação. E a tensão se instala entre fragmentação e totalidade. Contradição que Capra, ao ser chamando para a roda, assim nos explica: À medida que a diversidade e a riqueza das nossas relações humanas aumentavam, nossa humanidade – nossa linguagem, nossa arte, nosso pensamento e nossa cultura – se desenvolviam. Ao mesmo tempo, desenvolvemos a capacidade do pensamento abstrato, a capacidade para criar um mundo interior de conceitos, de objetos e de imagens de nós mesmos. Gradualmente, à medida que esse mundo interior se tornava cada vez mais diversificado e complexo, começamos a perder contato com a natureza e a nos transformar em personalidades fragmentadas (CAPRA, 2007, p.229).
Viver a interdependência nos conecta com uma unidade. Na coexistência, a unidade. Na coexistência, a diversidade. O grande espelho é um só espelho. O grande espelho são os pequenos pedaços de espelho. Em cada pedaço de espelho existe o espírito do grande espelho. O grande espelho, ao se partir e continuar sendo um, nos brinda com o enigma do pedaço no todo e do todo no pedaço. Com tantos pedaços de espelho espalhados pelo mundo é preciso nos aproximar. Para re-conhecer a mim mesmo nos outros pedaços, porque um dia todos esses pedaços foram partes de mim. E o re-conhecimento se dá no convite para conhecer, para nos conhecermos.
No DGCC, o convite se efetiva ao compreendermos a interdependência, incorporando-a, corporificando-a, sendo ela, agindo nela, comunicando-nos nela, interagindo nela. O convite do método é ser interdependente na escuta, no silêncio, na fala do diálogo, no gerenciamento criativo de conflitos, nas tarefas que realizamos, nos relacionamentos, no comportamento, ser interdependente ao ser comunicante. O convite no método é para exercitarmos a autonomia, a responsabilidade conosco, com o outro, com a natureza, sendo codependentes. Isso nos pede, no entanto, que reformulemos conceitos, princípios, que acessemos outras dimensões de realidade, sendo inclusivos, incluindo a incerteza como nosso “grounding”, nosso aterramento. Capra nos ajuda ainda a entender essa proposta da incerteza como “grounding”:
"estendemos esta visão fragmentada à nossa sociedade humana, dividindo-a em tantas nações, raças, grupos, religiosos e políticos. A crença segundo a qual todos esses fragmentos – em nós mesmos, no nosso ambiente e na nossa sociedade – são realmente separados alienou-nos da natureza e de nossos companheiros humanos, e, dessa maneira, nos diminuiu" (CAPRA, 2007 p.312).
Acrescento que, além de nos diminuir, ela assusta e aí, de acordo com Varela, Thompson e Rosch “nosso impulso para nos agarrar a uma terra interior [...] é fonte de continua frustração” (1993, p. 141). Ele prossegue nos dizendo que se agarrar a uma terra exterior na forma de um mundo pré-dado e independente também é frustrante, para concluir que o agarrar-se a uma terra, ao “ground”, seja interior ou exterior, é fonte profunda de frustração e ansiedade. E Richard R , participante entre 5 - vistado, vem para nossa roda.
– Richard, você conheceu e experimentou o método na Welcome Home e o que mais lhe chamou à atenção nele? – “Vivenciar a interdependência me fez sentir mais espiritualizado e conectado não só com a minha compreensão individual, mas com a de todos os outros. Estamos aqui para ajudar uns aos outros e ter mais foco no amor, a interdependência ajuda a compreender, mas, sobretudo, colocar isso na prática.”.
(Richard R., 46 anos, canadense, em processo de reabilitação na Welcome Home, instituição localizada 5 em Surrey, BC, Canadá onde fiz a residência social e cuja missão é reabilitar pessoas dependentes de drogas e na grande maioria, com pendência no sistema judiciário)
Richard faz uma conexão entre a interdependência e a espiritualidade, ele fala de um sentimento de re-conexão, uma reconexão necessária, que Capra nos lembra: “Para recuperar nossa humanidade, temos de recuperar nossa experiência de conexidade com toda a teia da vida. Essa reconexão, ou religação, religio em latim, é a própria essência do alicerçamento espiritual da ecologia profunda” (CAPRA, 2007, p.230). Ele fala da interdependência como princípio básico da ecologia, necessário 6 para construir comunidades humanas sustentáveis. Capra conceitua interdependência (2007, p.231) como dependência mútua de todos os processos vitais dos organismos; como natureza de todas as relações ecológicas. Para ele, entender a interdependência ecológica significa entender relações; nutrir a comunidade significa nutrir relações.
E para acessarmos o grande espelho precisamos nutrir relações, dialogarmos como seres interdependentes, co-dependentes. A interdependência se aplica desde a relação entre abordagens epistemológicas – positivistas, pós-positivistas –, na relação entre indivíduos, grupos até a relação entre países, continentes, enfatizando que essa relação possui suas extremidades: a dependência e a dominação, que são extremos respectivamente da negação de si mesmo e do outro, como sujeitos, e que são também trabalhadas no método. E nesse ponto chamo de volta Richard, que nos traz o amor como nosso foco, e coloco Richard e Maturana para falarem do amor. Maturana diz que “a palavra amor faz referência à emoção fundamental que funda o social”. Para Maturana, o social é uma dinâmica de relações humanas que se funda na aceitação mútua. Ele nos diz: “Se não há aceitação mútua e se não há aceitação do outro, e se não há espaço de abertura para que o outro exista junto de si, não há fenômeno social” (MATURANA, 2006, p. 47).
Este livro apresenta o DGCC, um método de comunicação dialógica que pede presença, inteireza, mesmo na fragmentação, que dialoga no re-conhecimento mú- tuo, que inclui as incertezas e que propõe que elas sejam um “ground”. Este método confia numa gestão criativa para lidar com conflitos, que assume a negação com integridade – re-conheço que estou lhe negando, negando essa situação e, ao re-conhecer eu a re-faço, na possibilidade de conhecer, re-conhecendo o que ainda não foi visto, sentido, olhado. Este método adota a interdependência, a nossa dependência mútua, como iluminadora de novas possibilidades, reconhecendo a existência de relações de dominação e dependência, em dimensões pessoais, grupais, comunitários, entre países e continentes.
Este método de comunicação dialógica é uma proposta para avançarmos nas relações de interdependência na co-dependência, no desejo e na esperança de que as configurações do nosso emocionar nos guiem para uma transformação social, para 7 um bem-estar material e espiritual, para que vivamos relações fundadas no amor, num “magnífico trabalho de arte dinâmica” (MATURANA, 2006, p.200), num emocionar que toda criação deseja evocar, num ato de criatividade responsável para vivermos como Homo sapiens amans .
Até agora falei da importância deste método, da posição dele e da minha posição ao expressá-lo, da visão de mundo contida nessa posição. Contei o mito do espelho e por meio dele expliquei sobre os 3 I’s – Inclusividade, Incerteza e Interdependência –, como princípios do método. E agora? Agora fico aqui pensando, imaginando se estou sendo clara, se nossa conversa “está rendendo”. E fico querendo interagir mais com você. Então lhe faço um convite: Coloque a sua atenção no seu corpo. O que você está sentindo? Como esta conversa está sendo registrada no seu corpo? Onde será que estas palavras estão tocando você? Que sentidos elas causam? Como está sendo a nossa comunicação, como está nosso relacionamento? Estará sendo este relacionamento uma comunicação dialógica?
Cidades em Transição
August 31, 2016 19:56 - Pas de commentaire
A compreensão da urgência de mudar a lógica da organização das cidades vem se aprofundando. Desde as primeiras reflexões sobre a finitude dos recursos da Terra, ao progressivo entendimento sobre os limites do crescimento econômico, até a tomada de medidas para diminuir o impacto da ação humana no planeta, foram-se algumas décadas. No novo milênio, as ações se multiplicaram e o movimento “Cidades em Transição” é uma delas. Seu foco é o desenvolvimento urbano que melhore a qualidade de vida e evite o aprofundamento das desastrosas mudanças climáticas em curso.
A ideia surgiu em Totnes, na Inglaterra, em 2004, tendo como mentor o professor de permacultura Rob Hopkins e Naresh Giangrande. Eles convenceram conterrâneos a ajudá-los na iniciativa com discussões que aconteciam após sessões de cinema. Em 2006, o “Transition Towns Totnes” foi lançado como movimento que buscava reduzir drasticamente as emissões de CO2 na cidade. Esse gás é o maior inimigo do meio ambiente e sua emissão é uma consequência do modo de vida atual, com uso excessivo de bens industrializados e de carros e desperdício generalizado. As primeiras ações em Totnes foram a produção de alimentos em hortas urbanas, a redução do consumo de energia e de água e a reciclagem de lixo na casa dos envolvidos.
Hoje o conceito de Transition Towns ganhou o respeito de instituições e governos e o movimento está implantado em 14 países. As Cidades em Transição mostram que as melhores soluções vêm do engajamento da própria população em mudar seu comportamento. O envolvimento dos governos reforça as ações e lhes dá maior impacto, mas, sem o convencimento das comunidades, não é possível desenvolver soluções duradouras. A construção de cidades mais resistentes a crises econômicas e ecológicas, é um movimento horizontal, em que as pessoas se envolvem voluntariamente e acabam por reconfigurar a sociedade local e, consequentemente, por influenciar o mundo.
Rob Hopkins tornou-se uma referência, sobretudo após a publicação, que fez com Ben Brangwyn, do “Manual das Iniciativas de Transição”, no qual descreve como fazer coletivamente um plano de trabalho para desenvolver maior resiliência nas cidades. A resiliência (capacidade de um sistema em resistir a choques externos) consiste em construir maior autonomia das comunidades em face de dificuldades, e um bom exemplo disso é a produção local de comida para fazer face à contaminação química e a carestia dos alimentos. Todos os processos da Transição acabam por reforçar a economia local, favorecendo empregos locais e melhorando a renda da comunidade.
O movimento chegou ao Brasil em 2009 quando foram realizados “Treinamentos para a Transição” em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Com em outros lugares do mundo, as cidades e bairros que adotaram os objetivos do movimento estão trabalhando para mudar seu modelo de organização socioeconômico em direção a soluções mais sustentáveis. Isso implica, certamente, em resgatar o vínculo das pessoas com o lugar em que moram, mas também buscar soluções para o desemprego e a violência, buscando bem viver coletivo. No âmbito nacional, o movimento realizou seu terceiro encontro no início de 2016 e segue tecendo sua história. Na dimensão internacional, a inclusão de experiências do movimento Transitions no badalado filme francês “Demain” (“Amanhã”) contribui muito para sua divulgação e conquista de novos adeptos.
Vivências no Fórum Social Mundial de Montreal 2016: um mundo desenhado por nós
August 18, 2016 15:59 - Pas de commentaireTive a alegria de estar presente no primeiro FSM do norte do mundo, no Canadá, de forma muito aproximada. Primeiro, por ter organizado, com uma equipe, três atividades da rede internacional Diálogos em humanidade; segundo, pelas relações de amizade com os organizadores/as do FSM de Montreal, que me permitiram uma pesquisa com uma equipe de pessoas que organizaram o evento e, terceiro, pela participação como observadora na reunião da Coordenação Internacional do FSM, em nome da rede Diálogos. Partilho aqui alguns dados e impressões sobre o Fórum do Quebec, que fala francês, inglês, inuit et, nesses dias de FSM, falou as línguas das 125 nações presentes.
O evento vinha sendo organizado desde maio de 2013, de forma colaborativa e autogestionária, com partilha de responsabilidades e reconhecimento da interdependência de cada um/a, sem chefes, o que por si só, já é um grande feito. Mais de 300 pessoas envolvidas, oriundas de mais de uma centena de organizações, oito grupos de trabalho (infraestrutura, comunicação, voluntariado, relações internacionais, etc) e 26 comitês por tema, organizaram as bases do evento, os temas de discussão e as metodologias de organização de convergências entre os participantes. O evento foi realizado por instituições e sobretudo por jovens saídos do movimento chamado de primavera “erable” por mais justiça e liberdade. Esse movimento, que deve seu nome à homenagem à primavera árabe e que faz menção à árvore símbolo do Canadá (aquela cuja folha que está presente na bandeira do país), mobilizou a sociedade canadense em 2012.
Como pela primeira vez o evento foi realizado em um país do Norte, os problemas dos custos e as dificuldades de obtenção dos vistos chamou a atenção geral. Segundo Raphael Canet et Carminda MacLorin, mais de 200 dos cerca de 2000 vistos pedidos à partir de cartas convites emitidas pela coordenação local foram negados. Esse fato causou indignação geral e repercutiu muito na sociedade canadense. Os que não estavam atentos à dificuldade de acesso de muitas pessoas do Sul ao país, tomaram consciência da injustiça que representam as fronteiras em um mundo que se quer mais justo e solidário. A Mãe Terra não tem fronteiras, os humanos a inventaram e são eles e elas que irão aboli-las.
Na marcha e no show de abertura estima-se que estiveram presentes cerca de 15 mil pessoas. Como no Fórum Social de Belém, em 2009, foram os indígenas que deram o tom do encontro e celebraram suas culturas de acolhimento, conexão com a Natureza e reverência ao poder feminino. Os índios canadenses, como os brasileiros, receberam os que vieram a ser seus dominadores europeus com cordialidade, como lhe ensina sua cultura. Após séculos de massacres, eles novamente deram boas vindas aos que chegaram ao Canadá, vindos do mundo todo, mostrando o quanto a cultura deles já era avançada. O apelo feito pelos autóctones à reconstituição do poder das mulheres no mundo foi destaque na fala da abertura - realizada por um indígena homem. Para esses povos, o equilíbrio entre homens e mulheres é a solução para a desigualdade, o desrespeito à Natureza, a violência, a ganância e o autoritarismo.
Aconteceram mais de 1500 atividades, riquíssimas, em espaços das Universidades UQAM e McGill, em áreas públicas, auditórios e salas de diferentes instituições e mesmo em shoppings. Em todas discutiram-se conceitos, denunciaram-se problemas e/ou partilharam-se experiências e artes que estão construindo um outro mundo “que se torna possível através de nossas ações”, como se dizia na simpática e acolhedora Montreal. O evento congregou cerca de 35 mil pessoas, contando com cerca de 15 mil inscritos. A programação cultural, as atividades propostas por movimentos sociais e ecológicos do mundo todo, as grandes conferencias e toda a programação do Fórum, assim como a repercussão na mídia no mundo todo pode ser obtido no site, em francês, inglês e espanhol.
A internet foi uma grande aliada do Fórum, pois quase 100 atividades foram retransmitidas por Skype e uma rede social específica foi criada entre os participantes no próprio site do FSM. Vários encontros paralelos aconteceram em Montreal, como o Fórum Parlamentar Mundial, o Fórum contra a Energia Nuclear, o Fórum da Teologia Libertação, o Fórum dos povos originários, o Fórum das mídias livres, entre outros. A grande massa de pessoas do mundo que entendem que são precisos novos caminhos para que a humanidade continue seu aperfeiçoamento em direção a mais solidariedade, democracia e ecologia, esteve, de algum modo, representada no FSM do norte.
A rede internacional Diálogos em humanidade desenvolveu três atividades, sendo que o Brechó EcoSolidário, nos moldes de sua realização em Salvador, com a moeda “grão”, teve duração de três dias. A ágora-fórum sobre o poder cidadão mundial, que discutiu as possibilidades de construção de uma governança cidadã do planeta, expressa no documento “Juramento de Paris” (que pode ser assinado em várias línguas, inclusive no português), foi um momento especial. A participação do público de vários países pelo skype tornou a ágora uma experiência real de cidadania planetária. O desenho realizado pelos participantes imaginando o mundo que se quer, foi muito expressivo. Os ateliers para despertar a sensibilidade através do yoga xamânico e da dança brasileira, prejudicados pela chuva, aconteceram no edifício do monumento nacional, que tem pinturas de heróis e heroínas do mundo, como Chico Mendes e Rigoberta Menchú.
O FSM é um espaço de articulação da cidadania planetária que impulsionou a criação de muitos outros espaços e movimentos dessa natureza. No relatório feito por representantes das organizações que realizaram o evento do Canadá ao Comitê Internacional do Fórum, destacou-se inovações em torno da passagem da reflexão à ação global, que precisa se aprofundar. As articulações para que sejam realizados planos de ações conjuntos entre centenas de iniciativas são a base para a concepção de um Calendário Social Mundial, que torne pública as iniciativas cidadãs do povo da Terra. A internet nos permite encontrarmo-nos, as comunicações gratuitas à distância favorecem o sentimento de sermos um só povo, o povo humano. As ações para que esse povo se governe democraticamente, viva em solidariedade e democracia e em sintonia com a Mãe Terra estão por toda a parte. Cedo ou tarde, veremos os resultados dessas ações no plano global.
Quer ser a mudança que quer ver no mundo? seja voluntário/a da 11ª. Edição do Brechó Ecosolidário/ Salvador - Ba
August 1, 2016 20:22 - Pas de commentaireOs problemas do mundo são tão grandes que a gente pode pensar que pequenas ações engajadas não abalam seu curso. Mas a alegria de fazer algo, partilhada por muitos, é grande impulsionadora de mudanças. Como disse a antropóloga americana Margareth Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”. O Brechó Eco Solidário é parte de uma onda de pequenas revoluções tranquilas promovidas por pessoas engajadas em “práticas do futuro emergente”. No evento, um mercado de trocas de bens usados, que estimula a solidariedade e o consumo consciente, funciona usando a moeda social “grão”. Essa pequena mostra de um mundo com outras bases é organizada inteiramente através do trabalho voluntário, e você pode ser parte disso.
Todo o evento, desde a administração da circulação do “grão”, as atividades de educação ambiental, de auto cuidado, de economia solidária, de cultura e arte reciclada, os debates públicos sobre temas atuais e muitas outras atividades, são realizadas de forma cooperativa e autogestionária. As inscrições para o curso que forma voluntários/as estão abertas (ver formulário aqui) e vão até dia 12 de agosto. Já no dia 13/08 começam os encontros para que os voluntários entendam melhor a riqueza do processo em que estão se envolvendo e aprendam a co-criar o evento. Certificados com validade em todas as universidades serão disponibilizados ao final da formação. Todo o processo é teórico-prático e tem deixado boas lembranças, segundo quem passou pela experiência: fala-se do intenso aprendizado, das novas amizades e da alegria de ser agente de mudança, para si e para o mundo.
O Brechó Eco Solidário é parte da rede internacional “Dialogues en humanité”, que nasceu na França, mas que hoje está espalhada por quatro continentes. Os eventos de Bangalore/India, Riad/Marrocos, Porto Novo/Benin, Berlin/Alemanha, entre muitos outros, também mostram práticas alternativas, promovem o Diálogo e baseiam em um compromisso de integração entre o que se pensa, o que se faz e o que se diz. Os eventos da rede Dialogues possibilitam ao público a discussão e a vivência de inovações na sociedade para fazer face aos desafios econômicos, sociais, ambientais e espirituais da humanidade. Você pode conhecer mais sobre os Diálogos no 4º capítulo do livro “Os novos coletivos cidadãos”, de Débora Nunes e Ivan Maltcheff.
Hoje existem milhões de iniciativas de pessoas e redes que não esperam acontecer e nem se contentam em criticar a economia, a política, a sociedade, pois sentem-se responsáveis por promover mudanças. Gandhi, com sua frase cada vez mais citada e conhecida “Nós precisamos ser a mudança que queremos ver”, é um guia. Nosso Vandré, símbolo da luta contra a ditadura, vencida pelo povo brasileiro, é outro, e diz “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Ajude o Brechó diretamente, se você está em Salvador. Se não, participe da campanha de coleta de fundos pela internet que lançaremos em breve. Um mais um é sempre mais que dois.