Collor e Dilma: empobrecemos imensamente na política
April 18, 2016 22:34 - no comments yetSou da geração que construiu o fim da ditadura militar com a campanha pela Anistia e pela Diretas Já e que foi às ruas em busca de ética na política com o impeachment do playboy corrupto Fernando Collor. Por isso mesmo não podia deixar de me emocionar tristemente com o espetáculo de pobreza política que assisti ontem pela TV e que, embora não seja definitivo (pois há ainda o Senado), ilustra em que momento político estamos vivendo.
Ao invés de ver, como em 1992, uma campanha nas ruas liderada pelos movimentos sociais, os mesmos que tinham derrubado a ditadura, e gente honrada no parlamento liderando o processo pró-impeachment, via o rosto cinicamente doentio de Eduardo Cunha, retrato da política mafiosa, como presidente do tribunal. Ao invés de ouvir discursos emocionados de deputados que honravam uma biografia de dedicação ao país, ouvia afirmações raivosas e/ou fascistas, ao lado de bisonhas declarações do tipo “beijinho a papai e mamãe que estão me assistindo”. Os que genuinamente votavam pensando defender o país da corrupção provavelmente sentiam-se constrangidos de estarem na companhia de quem estavam.
Ao invés de ver, como em 1984 e em 1992, uma população entusiasmada pelos avanços democráticos e unida em defesa de seu país, vi uma cruel divisão da sociedade brasileira, manipulada pelos partidos políticos e por uma mídia que impõe seus pontos de vista ao invés de informar. Será inesquecível esse dia 17 de abril de 2016, o dia em que escancararmos a degradação do processo democrático em política “espetaculosa” e sem respeito à Constituição. Vamos e venhamos, o processo de crime de responsabilidade está sendo aberto sem nenhuma comprovação de culpa da presidenta em corrupção, e sim por umas tais de “pedaladas fiscais”. Só que quase nenhum deputado citou esse assunto em seu voto, como se o julgamento fosse outro. E era, e isso é inconstitucional.
Pois é, só que depois da tempestade pode estar vindo a ambulância, e não a bonança! Se passar o impeachment e tivermos a temeridade de Temer e o PMDB governando o país, as coisas podem se agravar ainda mais em termos de insustentabilidade política.Temer poderá ainda ser cassado pelo STF e Cunha será o presidente (Argh!). Se então tivermos a sorte de Cunha ser cassado pela Câmara, a vaga será de Renan Calheiros! E se for cassado pelo Senado por corrupção, por sua vez pode ser substituído por Gilmar Mendes que defendeu Collor no processo de impeachment e que é o juiz do ódio e não da temperança! Que perspectiva horrorosa temos pela frente. Só resta pedir: Fica Dilma! O PT e seu governo erraram gravemente, se misturaram com porcos e agora comem farelos, mas sua biografia é mil vezes mais decente do que a desses senhores.
Como encontrar esperança em meio a tanta tristeza? Exatamente no fato de que a política partidária está tão degradada que há um processo de invenção na sociedade civil visando criar novos modelos políticos. No Brasil e no mundo modelos horizontais estão nascendo, que preveem controle social em todas as etapas dos processos políticos, que separam política e poder econômico, que afastam o carreirismo, que têm grande enraizamento local, que favorecem a confiança interpessoal e a responsabilidade coletiva. As inovações sempre começam invisíveis, mas a população brasileira quer mais seriedade na política – e essa é uma demanda verde-amarela-vermelha-azul e cor de rosa – e não quer mais do mesmo. Ela evoluirá em busca de uma reforma política profunda.
A esperança vem do fato também de que os milhões que construíram a democracia estão vigilantes, que grande parte evoluiu em suas práticas políticas para mais corresponsabilidade e querem ver essa evolução no Brasil. Já fizemos transformações profundas nesse país e continuaremos fazendo, dessa vez com o apoio da nova geração, dos nossos filhos. Esses, que vivem em redes horizontais e que não precisam mentir em casa, não toleram a política que aí está e exigem coerência entre o que se diz e o que se faz. O futuro é deles e os ajudaremos a construí-lo, sem permitir nenhum retrocesso.
Meditação e política
March 23, 2016 18:43 - no comments yetEm tempos difíceis, a busca de manter a serenidade interna em face da tempestade externa, que é um dos objetivos de quem medita, pode ser um bom caminho. E se a tranquilidade de cada um é preciosa, mais ainda é a de um país inteiro. A boa nova ensinada pela física quântica nos diz que o mundo externo e o mundo interno estão em profunda ligação, assim, manter a calma individualmente contribui para a tranquilização do entorno coletivo. Desse modo, manter a “mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” também pode ser uma atitude política.
Então, vamos lá: tem-se uma tempestade externa que tem raízes ideológicas e de projeto de sociedade distintos. Entretanto, esses projetos vêm se confrontando há décadas sem que o pais se incendiasse, criando possibilidades nada positivas. O clima atual de polarização pode ser colocado em perspectiva, ao se tentar imaginar o que pode sair dessa crise e cada um pode sentir qual opção quer ajudar a construir. Uma maioria esmagadora de brasileiros quer o prosseguimento da via democrática e o fortalecimento das instituições e seu aperfeiçoamento e é pra esse tipo de pessoas que esse texto está sendo escrito.
Ao se colocar a situação atual em perspectiva, outra técnica meditativa pode ser bem vinda: a que se baseia no sentir profundo em torno de quatro palavras: observo, acolho, agradeço e ofereço. Assim, podemos buscar observar os fatos de modo um pouco mais neutro, olhando a realidade em sua complexidade, sem nos limitarmos apenas ao que “tendemos a ver”. Em seguida, passa-se a acolher o que é visto tentando evitar julgamentos, aceitar o que é, sabendo que tudo tem dois lados. O próximo passo é encontrar caminhos para tirar lições positivas do que vemos e sermos capazes de agradecer o que observamos e acolhemos. Finalmente, é hora de oferecer, ou seja, colocarmo-nos na perspectiva do que podemos nos engajar a ser ou fazer em face do que observamos, acolhemos e agradecemos.
Avançando um pouco mais e alinhavando técnicas meditativas com o quadro político atual: se sua mente estiver calma e seu coração tranquilo, seja de que lado você estiver, algumas questões podem ser facilmente entendidas como detonadores da tempestade externa atual: para muitos, a condução coercitiva e a divulgação intempestiva de escutas telefônicas de Lula, de um lado, é inaceitável. Para outros tantos, é a indicação para ministro de Estado de alguém que está sendo investigado, mesmo em face da imensa mobilização social pela lei da “ficha limpa”, que tenta trazer mais ética na esfera pública.
Ok, leitor/a, para você que está muito envolvido emocionalmente com o que está acontecendo, vou tentar dar voz ao que “não quer calar”. De um lado, o clima de FLA-FLU, persecutório, que a mídia vem tentando imprimir no país (até pra manter sua audiência, em queda livre em face das novas mídias sociais). Do outro, você não quer deixar de falar do uso da máquina pública que o governo faz pra defender sua posição. Certamente há muitas outras circunstâncias, que, de um lado e de outro, agravam o quadro simplificado que descrevi, mas o objetivo não é dar razão a um lado ou outro, mas ver o quadro em perspectiva.
Olhando assim, talvez seja possível entender a ira de cada um dos lados e, sem deixar de tomar partido, se essa é sua opção, ajudar a reencontrar caminhos de convivência civilizada, que é a única saída pra manter a democracia. Nos colocarmos em perspectiva significa imaginar o que vai sair dessa crise: como em outros países onde essas polarizações exacerbadas já ocorreram, os partidos ou linhas ideológicas diretamente em disputa serão provavelmente muito prejudicados nas próximas eleições. Se os políticos de um lado e de outro fossem mais serenos, perceberiam que o acirramento das contradições irá possivelmente afastá-los de seus objetivos de poder.
A crise abre novas oportunidades: se petistas e peessedebistas, juntos com seus aliados, pagarão um preço alto nas próximas eleições, é hora de perguntar: existem alternativas que possam substituir essas tendências políticas? dificilmente eleitoras e eleitores irão mudar da água pro vinho. Provavelmente vão buscar propostas próximas à que já vem abraçando historicamente. O que mudou, de fato, é uma tolerância cada vez menor com a falta de ética na política e uma confiança cada vez menor no sistema político atual, em grande parte manipulado pelo poder econômico.
Duas novas agremiações políticas que se desenham no horizonte político brasileiro provavelmente crescerão no vácuo da crise. O contínuo movimento da Vida, seja da natureza, seja da política, não vai cessar. Os dois partidos propõem maior horizontalidade na política e buscam aliar a preocupação com a ecologia e com as condições sociais dos brasileiros. Essas são tendências que se apresentam também em outros países e que animam a juventude, tão descrente da política. São eles que farão a política do futuro.
Os que se digladiam agora, sem calma, sem autoquestionamento e sem perspectivas, podem estar ateando fogo em suas próprias vestes, e na nação. Não seria melhor buscar encontrar algum lugar de paz dentro de si, olhar o longo prazo da sociedade brasileira e ajudar a construir, serenamente, o país melhor que todos queremos? Conflitos são bons e nos fazem avançar. Mentiras, violência e a negação do direito de existência de outras perspectivas de mundo precisam ficar para traz. Dialogar é preciso, e faz bem. Meditar também.
DEBATE dia 16/03: Especialistas baianos avaliam a Conferência do Clima (COP 21), PAF 3, 18:30h
March 10, 2016 7:25 - no comments yetA Conferência do Clima realizada em Paris, em dezembro de 2015, discutiu um dos assuntos mais importantes para a humanidade hoje: o aquecimento global, suas consequências e medidas para reduzir as emissões de carbono que causam as mudanças climáticas. A análise dos resultados do evento tem suscitado controvérsias entre especialistas: alguns acreditam que houve um "acordo histórico" que poderá amenizar as catástrofes climáticas e outros acreditam que a Conferência foi inócua, pois não se previu punições aos países que descumprirem o acordo. Nesse debate, diversos pontos de vista serão contrastados a partir de análises de especialistas que estiveram presentes no evento.
O certo é que 195 países membros da Convenção do Clima da ONU estiveram presentes, assim como milhares de organizações da sociedade civil, mesmo com o clima de medo por causa dos atentados que ensanguentaram Paris no início do ano passado. A pressão da sociedade civil, preocupada com seu futuro e o das novas gerações empurrou a Conferência, mas a resistência dos setores petrolíferos e de interesses nacionais localizados quase paralisou os trabalhos. Um acordo foi construído e valerá a partir de 2020, incluindo todas as nações da Terra, e não apenas os países ricos, na reestruturação das economias e dos modos de vida para combater o aquecimento global.
Os especialistas e professores doutores Osvaldo Soliano, Asher Kiperstok e Emerson Sales, a professora doutora Débora Nunes e o Sr. Eduardo Athayde, da WWI, debaterão o tema a partir de suas vivências diretas da COP21 realizada em Paris em dezembro de 2015, ou do acompanhamento histórico que fazem da temática ambiental.
Data 16/03/2015 quarta feira, de 18:30h às 21:30h
Local: Auditório do PAF 3 - UFBA, em Ondina
Promoção: Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Urbano e Regional (PPDRU- UNIFACS) e Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC-UFBA)
Avaliação da proposta de PDDU de Salvador
February 13, 2016 17:52 - no comments yet
Para contribuir com o debate cidadão sobe o projeto de Lei do Plano Diretor Urbano de Salvador (PL 396/2015) o professor Ordep Serra e eu fizemos uma avaliação do que foi produzido até hoje, que pode ser acessado aqui. Acompanhe o processo de discussão em curso no site do Participa Salvador. Participe da 2ª Oficina: "Projeto de Lei do PDDU de Salvador, Reflexões Propositivas", que será realizada dia 16/02, das 14h às 20h no Ministério Público Estadual, em Nazaré.
Escola de Sustentabilidade Integral - inscrições abertas no [email protected]
January 29, 2016 16:39 - no comments yetA imensa sabedoria do nosso próprio corpo: aprendendo com ele
January 25, 2016 10:13 - no comments yetO texto abaixo tem como fonte "O livro dos Segredos" de Deepak Chopra (2005) - www.chopra.com - e ele foca na inteligência do corpo. Acredito que essa, junto com a inteligência do coração, poderiam ser o tripé de uma existência pessoal e coletiva mais sábia e feliz. Enquanto nossa sociedade concentra suas expectativas na inteligência mental, nós perdemos a oportunidade de aprender todo dia com nossa casa mais íntima: as células, os órgãos e o nosso corpo inteiro.
Nenhum destes pontos é uma aspiração espiritual; são fatos da vida quotidiana, ao nível das suas células.
1- Objetivo mais elevado:
Cada célula do seu corpo aceita trabalhar para o bem-estar do todo; o seu bem-estar individual surge em segundo lugar. Se necessário, morre para proteger o corpo e muitas vezes assim é - o tempo de vida de qualquer célula é uma fração do nosso próprio tempo de vida. As células da pele morrem aos milhares, a cada hora, o mesmo acontecendo com as células imunológicas que combatem os micróbios invasores. O egoísmo não constitui uma opção, mesmo que se trate da própria sobrevivência de uma célula.
2- Comunhão:
Uma célula mantém-se em contato com todas as outras células. As moléculas mensageiras acorrem a toda a parte para comunicar aos recantos mais afastados do corpo qualquer desejo ou intenção, por mais tênue que seja. Retrair-se e recusar-se a comunicar não constituem opções.
3- Consciência:
As células adaptam-se, momento a momento. Mantém-se flexíveis para poderem responder a situações imediatas. Ficar preso a hábitos rígidos não constitui uma opção.
4- Aceitação:
As células reconhecem-se umas as outras como igualmente importantes. Cada função do corpo é interdependente de todas as outras. Desempenhá-la sozinho não constitui opção.
5- Criatividade:
Embora cada célula tenha um conjunto de funções únicas (as células do fígado, por exemplo, podem desempenhar cinqüenta tarefas diferentes), estas conjugam-se de formas criativas. Uma pessoa pode digerir alimentos que nunca comeu antes, ter pensamentos que nunca lhe ocorreram, dançar de uma forma que nunca antes se viu. Agarrar-se a um velho comportamento não constitui opção.
6- Ser:
As células obedecem ao ciclo universal de repouso e atividade. Embora este ciclo se expresse de muitas formas, como as flutuações dos níveis hormonais, da pressão arterial e dos ritmos digestivos, a expressão mais óbvia é o sono. Por que razão precisamos dormir continuamente e ser um mistério para a medicina e, no entanto, surge a disfunção total se não gozarmos dos seus benefícios. No silêncio da inatividade, o futuro do corpo está em incubação. Ser obsessivamente ativo ou agressivo não constitui uma opção.
7- Eficiência:
As células funcionam com o mínimo gasto possível de energia. Por norma, uma célula armazena apenas três segundos de alimento e oxigênio dentro da sua membrana celular. Confia plenamente em que tomarão conta dela. Um consumo excessivo de alimentos, ar ou água não constitui uma opção.
8- Ligação:
Devido à sua herança genética comum, as células sabem que são fundamentalmente iguais. O fato das células do fígado serem diferentes das do coração e das células musculares serem diferentes das cerebrais, não nega a sua identidade comum e esta é imutável. Em laboratório, uma célula muscular pode ser transformada geneticamente numa célula cardíaca recorrendo à sua fonte comum. As células saudáveis permanecem ligadas à sua fonte independentemente do número de vezes que se dividam. Para elas, ser um proscrito não constitui uma opção.
9- Dar:
A atividade primária das células é dar, o que mantém a integridade de todas as outras células. Um empenhamento total em dar torna automático o receber - e a outra metade do ciclo natural. O açambarcamento não constitui uma opção.
10- Imortalidade:
As células reproduzem-se para transmitirem os seus conhecimentos, experiência e talentos, não escondendo nada dos seus descendentes. É um tipo de imortalidade prática, submetendo-se à morte, no plano físico, mas derrotando-a, no plano não físico. O fosso entre as gerações não constitui uma opção.
Quando olho para tudo o que as minhas células aceitaram, será que não se trata de um pacto espiritual, em todos os sentidos da expressão? A primeira qualidade, procurar um objetivo mais elevado, é a mesma que as qualidades espirituais de renúncia e altruísmo.
Dar é o mesmo que devolver a Deus o que é de Deus. Imortalidade é o mesmo que a crença na vida depois da morte.
Todavia, os rótulos adaptados pela mente não constituem uma preocupação do meu corpo.
Para o meu corpo, estas qualidades são pura e simplesmente o modo como funciona a vida. São o resultado da expressão da inteligência cósmica, ao longo de bilhões de anos, como biologia. O mistério da vida foi paciente e cuidadoso no processo de permitir que emergisse todo o seu potencial. Mesmo agora, o acordo tácito que mantém o meu corpo coeso produz a sensação de um segredo porque, segundo todas as aparências, esse acordo não existe.
Mais de duzentos e cinqüenta tipos de células desempenham as suas funções diárias: as cinqüenta funções que uma célula hepática desempenha são totalmente únicas, não se sobrepondo às funções das células musculares, renais, cardíacas ou cerebrais - todavia, seria catastrófico se uma só dessas funções estivesse comprometida.
O mistério da vida encontrou uma forma de se expressar perfeitamente através de mim.
Reveja uma vez mais a lista das qualidades e preste atenção a tudo o que é referido como "não constituindo uma opção": egoísmo, recusa em comunicar, viver como um proscrito, consumo excessivo, atividade obsessiva e agressão.
Se as nossas células não se comportam desta forma, porque o fazemos?
Porque é que a ganância é boa para nós e, no entanto, significa a destruição, ao nível das nossas células, onde a ganância é o erro cometido pelas células cancerosas? Porque permitimos que o consumo excessivo conduza a uma obesidade epidérmica, quando as nossas células medem ao nível da molécula o combustível que consumimos?
Como pessoas, ainda não renunciamos ao comportamento que mataria os nossos corpos num dia. Estamos traindo a nossa sabedoria corporal e, o que é pior, estamos ignorando o modelo de uma vida perfeita que existe dentro de nós.”
Testemunhando a COP 21: um aumento do nível de consciência global
December 14, 2015 17:58 - no comments yetDe um lado, como em todas as Conferências internacionais, os sisudos delegados, em sua maioria homens brancos em terno e gravata, circulando por espaços confortáveis, porém vigiados e restritos. Do outro lado, milhares de cidadãos, de todas as cores, principalmente rapazes e moças em igual número, circulando por toda a cidade de Paris em lugares aonde fervilha a energia da mudança e o pensamento coletivo. Nessa COP, de um lado, o “Le Bourget” e de outro a Conferencia dos Cidadãos pelo Clima, em Montreuil, o ZAC (Zona Ação Clima) no Centro 104, e os espaços “Place 2 B” e Geração Clima, como centros de agregação. Além desses, centenas de outros lugares menores discutindo a questão climática democraticamente, denunciando suas causas e mostrando soluções.
Estive, logicamente, nos lugares aonde estava a cidadania, mas acompanhando de perto aquilo que acontecia internamente no Le Bourget, através de contatos diretos com pessoas trabalhando ali e pela imprensa francesa. Nos primeiros dias, com a interdição de manifestações de rua por causa do estado e emergência causado pelos atentados terroristas, o sentimento geral do lado cidadão era de desarticulação e de indignação. Sentimos o Le Bourget como uma confiscação do poder democrático da cidadania planetária de decidir pelo futuro das gerações presentes e futuras. Sabíamos que o lobby das grandes corporações, sobretudo das empresas petrolíferas, estava agindo a todo vapor dentro do Le Bourget - como nas 20 COPs anteriores - para impedir reais medidas que poderiam evitar catástrofes climáticas, enquanto nós não podíamos nem nos manifestar nas ruas.
Na medida em que o tempo foi passando a ideia de construção de um outro poder, para além dos interesses pequenos das nações e do tempo curto dos mandatos eleitorais, foi ganhando asas. A palavra de ordem “people power” gritada pelos jovens no espaço Geração Clima, ao lado do Bourget, somava-se, entre outros, à articulação de um manifesto por um poder cidadão direto, constituindo-se numa etapa superior de pensar a política, de forma planetária e sem fronteiras, como são o ar, os rios, os oceanos que temos que proteger. A paralisia inicial do lado cidadão começava a se transformar em projeto de forma múltipla e difusa, mas profundamente enraizada na história recente. Por outro lado, uma intensa ação pela internet fazia chegar aos delegados a indignação geral com a incapacidade da Conferência em avançar. O relato da Avaaz (aqui), que promoveu muitas ações nos últimos anos e agiu intensamente em 2015, mostra como se deu a intervenção cidadã por meios virtuais na COP 21.
Mas a Avaaz, com seus imensos serviços prestados e seus 42 milhões de internautas assinantes de petições e financiadores de ações, é apenas uma parte do todo que se move do lado da sociedade planetária. Na base da articulação cidadã estão movimentos ecológicos muito mais antigos, como o WWF e o Greenpeace, entre outros, assim como documentos pioneiros como o “Limites do Crescimento” do Clube de Roma (de 1972), ou “Nosso Futuro Comum” (de 1987), para citar apenas alguns dos que nos fizeram compreender a gravidade dos problemas ambientais. No campo da história da organização propriamente dita dos “side events” participativos das COPs, está a maravilhosa experiência dos Fóruns Sociais Mundiais, grande parlamento cívico mundial informal, que completa agora 15 anos e que tem brasileiros como seus fundadores, como Oded Grajew e Chico Whitaker. Assim, os “altermundialistas” do FSM que propõem que “outro mundo é possível e está em construção” e as primeiras ações e organizações ecologistas estão na origem da consciência que hoje se aprofunda e se organiza em todo o planeta. Daí nasce a força da pressão das redes sociais e das plataformas virtuais como a Avaaz.
Mas, e o Le Bourget, como evoluiu? Um dos mediadores do debate oficial disse a um grupo de ativistas, ainda na primeira semana da Conferência, que se os cidadãos não podiam entrar na COP, os lobistas estavam lá em grande número. Quando lhe perguntamos como a cidadania poderia influenciar os resultados da COP, ele nos respondeu: “pressionem aqueles que não querem que os países avancem, com boicotes que os façam sentir a pressão no bolso, é a única maneira”. As notícias que vinham do Le Bourget dessa forma não apontavam para avanços no curto prazo. Entretanto, a pressão social da mobilização cidadã mundial pela internet redobrou, assim como a força da ideia vinda de muitos focos de constituição de um poder cidadão planetário. Outro fator de pressão foi de caráter interno, sobre o governo francês anfitrião, que precisava ganhar pontos juntos aos seus cidadãos em plena época eleitoral e com ameaça da extrema direita de ganhar diversos governos locais.
Um fato à parte foi a ação do presidente francês da COP, Laurent Fabius, portador, segundo diversas fontes, de uma doença incurável e mortal, que o faz mais sensível à sorte de seus semelhantes e das futuras gerações. Em seu discurso de apresentação de uma proposta de acordo, Fabius disse, com voz embargada, que os delegados não poderiam decepcionar a sociedade e precisavam defender a Vida. A ação de Ban Ki Moon, secretário geral da ONU, de Christiana Figueres, secretaria executiva das Nações Unidas para as mudanças climáticas (UNFCCC), de Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP 20, em Lima/Peru e muitos outros e outras, trabalharam incansavelmente para que a COP de Paris avançasse.
Outro aspecto decisivo para se chegar a um acordo em Paris foi o fracasso da contraofensiva das corporações, sobretudo do petróleo, que tinha sido eficaz nas duas últimas décadas, em negar o aquecimento global por ação humana. Vencidas as mentiras pseudocientíficas, apenas razões econômicas motivavam os discursos dos que eram contra o acordo. Ninguém mais pode questionar as mudanças climáticas de forma crível durante a COP de Paris e assim a questão do financiamento aos países insulares que já começam a desaparecer com a elevação do nível dos oceanos e à reconversão dos países produtores de petróleo para as energias renováveis – entre outros impactos - tornou-se objeto maior dos debates. Vários grupos de pressão por um acordo, no interior mesmo da COP, tendo apoio aguerrido de ONGs presentes, foram se articulando. Pressão interna e pressão externa conduziram a que saísse um acordo, evitando um mal maior.
Mas que acordo é esse? E qual o papel da sociedade civil planetária para o fazer cumprir em cada país e em todo o mundo? Como na maior parte dos processos diplomáticos, o acordo fala bonito, mas de forma vaga. O teto do aquecimento, a partir do qual se calcula as emissões totais de CO2 no planeta, deve “buscar ficar entre 1,5 a 2 graus”, mas as metas nacionais hoje existentes levam à uma subida de 3 graus. Não se instituiu punições a quem ultrapassar nem mesmo as metas auto imposta que não atingem o total pretendido, assim, como atingir sua limitação em níveis menos catastróficos? Os recursos para mitigação dos efeitos do aquecimento e reconversão de economias para formas limpas só começarão a serem aplicados em 2020, enquanto as urgências se multiplicam, com enchentes, secas, furações e elevação do nível do mar.
De todo modo, houve um acordo e ele é ambicioso, mesmo que pareça um leão sem dentes. A sociedade planetária presente em Paris aponta inequivocamente para a constituição de um poder cidadão, que não apenas controle os governos, mas que seja um exemplo de coerência coletivamente construída, essa é a novidade. O “Juramento de Paris”, assinado por personalidades como Edgar Morin, disponível hoje em várias plataformas de petições (veja aqui a do FSM 2016 de Montréal) implica as pessoas que se engajam a construírem um processo político global, mas também a mudar suas escolhas de consumo, sua “pegada ecológica” ou o peso que sua forma de estar no mundo deixa no planeta. O nível de consciência está mudando e isso se refletirá, cedo ou tarde, em mudanças civilizatórias profundas. Hoje podemos escolher ser parte do processo, comece assinando o compromisso.
Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx
Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx
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CIDADÃS\ÃOS DO POVO DA TERRA: Vamos constituir nosso próprio poder!
December 9, 2015 10:11 - no comments yet
Nós, cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, de todos os países, culturas e tradições, reunidos em Paris neste momento histórico, testemunhas do desequilíbrio climático e da degradação dos recursos naturais essenciais para a vida na Terra e da crescente desigualdade entre os seres humanos, estamos determinados a preservar a capacidade de bem viver das gerações presentes e futuras. Empoderados de nossos conhecimentos e culturas e tendo mobilizado nossa capacidade de agir em múltiplas iniciativas em todo o mundo visando a Grande Transição, vemos com preocupação a inadequação e a incapacidade do processo de negociação das Nações Unidas desde 1992 até 2015, de fazer um acordo ambicioso, corajoso e convincente para evitar maiores consequências de um desequilíbrio climático anunciado há muito tempo por cientistas e cujos efeitos desastrosos são agora evidentes.
É tempo de reconhecer que o sistema de representação da cidadania através dos Estados-Nação e de organizações multilaterais constituídas exclusivamente por esses, assim como o poder de uma oligarquia financeira e corporativa poderosa, sem qualquer legitimidade, são incapazes de preservar e gerir os bens comuns sem fronteiras da Terra, como o ar, a água, o solo, as florestas, dos quais depende fundamentalmente a vida humana e dos demais seres vivos. Precisamos inventar uma nova esfera de ação política que reconheça os povos em sua diversidade, mas também o Povo da Terra em sua unidade. É urgente construir uma ação pública global a médio e longo prazo, capaz de levar em conta os interesses das gerações futuras. Precisamos de ações e decisões urgentes em escala global, que tenham um horizonte de tempo de no mínimo duas gerações, e até de sete, como sabiamente o fazem os povos indígenas da América do Norte.
É hora de dar mais um passo na capacidade de nossa família humana de garantir seu destino comum, evitando que ela ameace a si mesma, destruindo a Mãe Natureza que nutre a vida. Este passo é um processo constituinte, que, baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a complete com o reconhecimento pleno dos direitos e responsabilidades de cada ser humano para com os outros e com a Natureza, não só como cidadãs e cidadãos de nações e povos diferentes, mas também como cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, cujo destino está intimamente relacionado com o do nosso belo e frágil planeta.
Estes direitos de cidadania planetária não podem continuar a serem reféns das organizações econômicas e políticas incapazes de resistirem ao poder do sistema oligárquico dominante que retarda as medidas urgentes que precisam ser tomadas para evitar maiores catástrofes sociais e ecológicas. Propomos, então, a construção de um poder cidadão que assuma de forma complementar ao dos Estados, a responsabilidade pelo futuro da humanidade no planeta. Estamos empenhados em construir juntos esse poder com aquelas e aqueles que, livres das pressões de lobbies oligárquicos, entendem a urgência da ação e da construção de sua permanência no médio e longo prazo.
Propomo-nos a buscar todas as formas de organização e expressão do poder cidadão, baseando-se em todas as reuniões internacionais que virão. Estaremos juntos por exemplo no Fórum Social Mundial Temático em Porto Alegre, em janeiro de 2016 e no Fórum Social Mundial em Montreal, em agosto de 2016, para se concentrar no que une os povos em defesa da vida e da própria humanidade, e ao mesmo tempo construir pontes para um reconhecimento oficial do poder cidadão pelas nações, pela ONU e suas agências, a fim de evitar a influência dos lobbies contrários à aventura humana Terra.
Portanto, nos comprometemos neste juramento solene:
Dedicar nossas capacidades, nossa criatividade, nossa experiência intelectual, emocional, artística, material e imaterial, à aceleração imediata da Grande Transição para a energia renovável e limpa, para o abandono de combustíveis fósseis e de padrões de produção e consumo destrutivos para os seres humanos e o planeta, e a aplicação em todos os lugares e em todas as escalas - nossas famílias, nossas aldeias e nossas cidades, nossas regiões e nações – de uma nova economia igualitária, respeitosa da vida, da saúde, do bem-estar humano, bem como da biodiversidade e do equilíbrio de todos ecossistemas terrestres e aquáticos dos quais depende a sobrevivência da humanidade.
Fazemos este juramento, deixando Paris, de não nos separarmos uns dos outros, nem no coração nem na mente; de manter nossas conexões através de todos os meios de meios de comunicação e de mídia cidadã; de se reunir sempre que as circunstâncias o exigirem; de exercer pressão sobre todas as instâncias de poder, seja governamental ou empresarial, corporativo e financeiro, local, nacional e global, para que assumam suas responsabilidades; de cooperar constantemente entre redes cidadãs para a implementação dos objetivos vitais e urgentes mencionadas acima; e, assim, fortalecer os nossos laços de amizade, irmandade, solidariedade e assistência mútua, a fim de expandir a rede global de cidadãs e cidadãos da Terra empenhados de corpo e alma nesta missão, atores da emergência de uma sociedade cívica mundial, portadores de um novo Contrato Social e Ecológico Planetário, garantidores desse juramento e desse compromisso em nosso nome e pela proteção das gerações vindouras.
Cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, em Paris e em todo o mundo, confirmarão por sua assinatura esta inabalável resolução.
Paris, 09 de dezembro de 2015
COP 21: Quando o colapso parece promissor
December 4, 2015 10:44 - no comments yetTexto em colaboração com Marcos Arruda
Numa das atividades da Rede Global Diálogos em Humanidade, em Paris, como parte das manifestações da sociedade cívica para pressionar os Estados a assumirem reais responsabilidades frente ao aquecimento global, um grupo de trabalho propôs incorporar a possibilidade de colapso da humanidade. O grupo deveria imaginar as bases com as quais a sociedade humana poderia ser reconstruída para desenvolver-se sem correr riscos de nova aniquilação.
Num primeiro momento, o grupo ficou atônito ao imaginar a conjunção de dados reais: a aceleração do aquecimento global com suas cada vez mais nefastas consequências, mas também do terrorismo; os acidentes ambientais cada vez mais graves devidos aos excessos do capitalismo; a onda de refugiados de guerras e de mudanças climáticas que, buscando o justo direito de reconstruírem suas vidas, desestabilizam territórios já precários; a crise dos alimentos, cada vez mais caros e envenenados; a crise do endividamento, dos Estados nacionais até as famílias e as pessoas; entre outras. Esses dados juntam-se à forte probabilidade de um novo colapso financeiro mundial causado pela insustentável ciranda especulativa, muito mais grave do que a de 2008. Essa explosão torna-se inevitável pela aplicação de recursos oriundos do trabalho humano real junto a uma montanha de dinheiro imaginário (pura especulação), configurando um perigoso cassino global. Ao ruir, o sistema financeiro vai carregar consigo o sistema produtivo globalizado, principalmente bancos e empresas transnacionais, o emprego, as redes de seguridade social, e o nível já conquistado de bem estar.
Passado o momento inicial de impacto de se imaginar o colapso, o grupo pergunta-se o que fazer e imagina que restaram comunidades humanas espalhadas pelo interior dos continentes menos tocados pela catástrofe econômica e pelo aumento do nível dos oceanos. As grandes cidades - com poucos alimentos e energia, falência das grandes companhias atingindo as demais, governos desestabilizados e comunicação precária, expostas à barbárie dos sem esperança - foram em grande medida desertadas por suas populações. Milhões de sobreviventes se transformam em refugiados e buscam locais mais estáveis para reconstruírem suas vidas.
O panorama, aparentemente saído de um filme catastrófico de Hollywood, espelha na verdade os dados de pesquisas recentes sintetizadas no livro « Comment tout peut s'effondrer: Petit manuel de collapsologie à l'usage des générations présentes », de Pablo Servigne e Raphaël Stevens (“Como tudo pode entrar em colapso –pequeno manual de colapsologia para uso das gerações presentes”), ainda sem tradução no Brasil. De modo mais artístico, esse é também o cenário do filme « A era da estupidez », de Franny Armstrong, que fez um misto de documentário, ficção e animação para contar a história da destruição da Terra, causada pela insensatez da humanidade.
O grupo de trabalho, formado por cidadãos e cidadãs de várias partes do mundo, começa a traçar um caminho de soluções possíveis, buscando enfrentar não só as questões de cunho político, ambiental, social e econômico, mas também criar um quadro cultural e psíquico, que evite que a humanidade desenvolva mais suas sombras que sua luz, e que aproveite ao máximo seus potenciais de conhecimento, criatividade e cooperação. A descontração criada pelo fato de que se tratava apenas de fazer um exercício coletivo de sonhar acordados, sem a pressão de « salvar o mundo », fez do trabalho uma alegre atividade, simples e inspiradora.
Em primeiro lugar, o grupo tratou de reorganizar a sociedade humana a partir dois fatores. Um, subjetivo – o acolhimento e o respeito às diferenças - e o outro, objetivo - as atividades locais que produzem o suficiente para a sobrevivência da comunidade de forma absolutamente ecológica, sem fertilizantes nem pesticidas nos alimentos, e utilizando fontes locais de energia como o sol, a biomassa, os ventos etc. A força de trabalho e os recursos naturais locais vão sendo valorizados por meio de tecnologias adequadas à realidade local e ecossistêmica, produzidas em todo o planeta, o que aumenta em grande medida a produtividade local, e permite a partilha dos seus ganhos com base na proporcionalidade. Volta-se, de certa forma, ao tempo das comunidades primitivas, enriquecidas agora pela consciência de todas as evoluções humanas, em termos sociais, políticos, culturais e tecnológicos.
Imaginando o pleno emprego dos membros da comunidade, chegou-se ao conceito de subsidiariedade, no qual só se mobiliza um nível posterior de escala territorial quando se esgotam as possibilidades de resolver desafios localmente. Em termos brasileiros, isso seria uma autonomia imensa para o nível de governança comunitária e municipal, passando-se para o nível estadual e federal apenas poucas questões, impossíveis de serem respondidas localmente. A subsidiariedade reforça a responsabilização da comunidade e dos indivíduos para a conquista de boas condições de vida para si e para o coletivo, de modo colaborativo. Ela propõe também a construção das escalas « superiores » a partir da prática da solidariedade entre as comunidades.
Na dinâmica da subsidiariedade, constrói-se a pirâmide de possibilidades e responsabilidades de baixo para cima, a partir das necessidades e dos recursos humanos e naturais existentes na comunidade, e não de cima para baixo, a partir do poder da força e/ou do controle do dinheiro, do conhecimento e das técnicas, como se fez na história pregressa da humanidade.
O segundo campo de trabalho do grupo foram os próprios membros da comunidade e a educação. Para evitar os efeitos desastrosos da condição e do sentimento de exclusão, é preciso que cada um tenha seu lugar na sociedade. Todo um programa de apoio ao autoconhecimento, fundado na busca da identificação dos talentos de cada um seria colocado em prática pela comunidade em um sistema educativo baseado na prática da pesquisa e da construção colaborativa do conhecimento, e na busca do bem viver integral. A ideia é que cada indivíduo, sem exceção, sabendo de suas potencialidades, busque ser feliz, disponibilizando seus talentos para que sejam uteis a si e aos demais. Assim, o desejo de cada humano de ser reconhecido e amado teria fundamento na contribuição dada ao todo e a cada outro, e não na supremacia sobre os demais. Apostou-se, como Teilhard de Chardin, o grande paleontólogo e humanista francês, que a crescente individuação naturalmente constrói a solidariedade entre todos, e que a história cósmica é a história da construção da Noosfera – a esfera da cooperação na riqueza da diversidade – após passar pela da geosfera, biosfera e tecnosfera.
O terceiro é o tema do poder: como organizar a partilha do poder de modo a não reproduzir o modelo político fracassado de hoje? Como resgatar, ao mesmo tempo, a história das conquistas democráticas da sociedade humana, que nos levou à noção de direitos humanos e de democracia representativa, sem cair nas armadilhas que enfrentamos hoje de insuficiência humanista e democrática? Partilha, co-responsabilidade e serviço, três palavras-chave que qualificam um tipo de poder político que canaliza a consciência coletiva e viabiliza a democracia co-criativa. Auto-estima, humildade e gratuidade, três atitudes que qualificam quem é investido daquele poder democrático co-criador. A trilha proposta por Patrick Viveret, de buscar o melhor da tradição e o melhor da modernidade, nos fez buscar o modelo político de muitas sociedades ancestrais (entre eles os índios bororos e ianomâmis do Brasil), nas quais o poder é entregue àqueles que são reconhecidos como os mais generosos entre os membros da tribo. Aqueles que têm, como diria São Francisco, maior capacidade de dar do que receber.
Para evitar os excessos que podem ser cometidos quando alguém, ou um grupo de pessoas, mesmo consideradas generosas desvia-se de si mesma no exercício do poder, a noção moderna de controle social seria utilizada. Assim, as pessoas que governam os diversos territórios nos estritos domínios da subsidiariedade (ou seja, respeitando a autonomia individual, familiar e comunitária) seriam acompanhadas pelo conselho da comunidade, composto por sábios e especialistas da confiança da comunidade, recrutados em sua maioria entre jubilados com comprovado espírito público. Esse conselho de sábias e sábios, recriando a sabedoria ancestral, teria, como se concebe modernamente, a representação de todos os setores da sociedade, inclusive jovens e crianças.
O exercício do grupo de trabalho teve tempo limitado e, assim, outros temas não puderam ser tratados e muitos ficaram implícitos. O cultivo de uma relação profunda da humanidade com a Natureza, entendendo seu lugar como parte dela; a modelagem da organização dos serviços públicos e sociais; a pluralidade de lógicas econômicas que, tendo como referência comum a solidariedade e o suficiente, poderiam prevalecer para evitar o monopólio de uma só logica, como a do lucro ou a do Estado, e tantos outros desafios ficaram para novas oportunidades de encontro. As pessoas do grupo sentiram alegria com o trabalho e pode-se dizer que imaginar a possibilidade do colapso da civilização atual é como lidar com a própria morte. Pode nos ajudar a organizar a vida, de modo a tirar dela o melhor e dar a ela a melhor contribuição. As civilizações também podem morrer, como já morreram os impérios mundo afora, por viverem sem consciência da possibilidade de sua própria extinção. Pensar o colapso para além da tragédia das suas dores, pode ser instrutivo… e promissor.
Conferencia do clima em Paris (COP 21), esforço de seguir adiante
November 27, 2015 19:18 - no comments yetToda a atmosfera de entusiasmo da sociedade civil para construir uma pressão nunca vista sobre os negociadores da COP 21 em Paris transformou-se em esturpor, com os tenebrosos atos terroristas do 13 de novembro. O imenso esforço de articulação de redes, os milhares de eventos sendo organizados, a vontade de "virar o jogo" do aquecimento global foram violentamente atingidos com as medidas adotadas pelo governo francês após os ataques. A "Marcha pelo Clima" do dia 29/11, que prometia reunir toda essa imensa diversidade humana de nacionalidades, línguas, cores, idades, profissões, condições sociais, religiões, etc. foi proibida.
Mas a vida segue. Atônitas, à princípio, as redes se reorganizam e tentam encontrar alternativas. A COP 21 oficial está mantida e ainda é uma possibilidade de mudança de rumos. A cidadania planetária estará atenta e mobilizada. Na Praça da República, em Paris, uma imensidão de sapatos serão colocados no chão, representando as pessoas impedidas de se reunirem. Nas principais cidades do mundo acontecerão marchas para pressionar pela redução das emissões de gaz de efeito estufa, que está asfixiando a Terra e mudando seu clima. Se você quizer saber mais sobre a Conferência, clique aqui e veja a esclarecedora reportagem da EBC, a mesma da TV Brasil.
Não deixe de se manifestar e de associar aos milhões, que, a exemplo do Papa Francisco, exigem que as autoridades tenham espírito público e coragem. E que cada um de nós seja um exemplo de mudança. Força, Paris!