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12 de Janeiro de 2009, 22:00 , por Desconhecido - | 1 pessoa seguindo este artigo.

Populismo? razão e emoção na política

3 de Maio de 2018, 18:57, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

Razão e emoção

Na acepção clássica da política, o líder populista é aquele que procura estabelecer um vínculo emocional com o povo e que têm atitudes demagógicas de dar-lhes “migalhas” para mantê-lo sob seu domínio político. O populismo sempre foi criticado, à direita e à esquerda. A direita, claro, com seu vínculo histórico com as elites, se opõe aos líderes de esquerda e suas políticas sociais. Classificam de “populista” os líderes que têm o dom de atrair a atenção e o carinho do povo com um modo mais popular de se comunicar e com políticas que lhes favorece. De modo geral, essas políticas aumentam o gasto público – horror dos direitistas – que só o aceitam se esse contribui para o enriquecimento ainda maior dos já ricos.

A esquerda, por sua vez, sempre combateu líderes de direita que desenvolveram uma relação visceral com o povo prometendo soluções mágicas para problemas complexos. Geralmente se tratam de questões vinculadas à segurança do cotidiano (desemprego, violência urbana, supostas ameaças externa ao país, etc.). Interessa aos líderes de direita ditos populistas manter um estado permanente de ameaça em que eles se apresentam como “salvadores”. A história é cheia de casos assim. Para a esquerda, a ideia de emancipação popular, que lhe é cara, contradiz frontalmente a proposta de algum “salvador”: É o povo unido que nunca será vencido. Mesmo líderes “esquerdistas”, que se destacam na atuação política como “salvadores” são alvo de desconfiança de parte da esquerda, pelos mesmos motivos.

De modo geral, o populismo foi amplamente combatido por desenvolver-se fora das instituições, sejam elas partidos (os líderes tornam-se maiores que esses), ou as instituições democráticas (quando o líder toma o poder pela força). Em tempos de desmoralização generalizada dos partidos no mundo inteiro, com as raras exceções de praxe (como o Podemos da Espanha, a coalizão de esquerda que governa hoje Portugal, ou o AAP Party, na India, entre outros), resta defender as instituições democráticas. Os partidos precisam se reinventar para que sejam tão respeitados quanto alguns de seus líderes. Essa reinvenção, focada na coerência de suas práticas com os conteúdos de seus programas, fará muito bem à democracia.

O outro modo de ver o “populismo” que se pretende destacar nesse texto é o caráter desmoralizante que essa expressão confere à relação emocional de um povo com um/a líder, como se essa fosse por si só recriminável. Na lógica cartesiana e patriarcal, o afeto é algo menor. Para o cartesianismo, que domina a ciência e o pensamento “erudito”, apenas o que é objetivo em termos de ser oriundo de um cálculo racional tem valor. As razões do coração só são válidas “para pessoas ignorantes, que não sabem argumentar racionalmente”. Para o patriarcalismo, o afeto é algo “afeminado” e o jogo político é sempre bruto, uma disputa pelo poder onde a desconfiança e disputa devem imperar. As lutas intestinas no seio da esquerda estão relacionadas a essa visão de mundo patriarcal e da ânsia de dominação que lhe é particular, ignorando a necessidade óbvia de parceria.

Nos dois casos, tanto para o cartesianismo intelectual quando para o patriarcalismo relacional, o afeto na política é desaconselhado. Felizmente homens e mulheres de coletivos cidadãos de novo tipo estão valorizando cada vez mais os laços de amizade e confiança na construção da política e superando os preconceitos cartesianos e patriarcais. A arte de associar-se é tão importante quanto o combate ao inimigo político; praticar o que se prega é tão importante quanto argumentar magistralmente a necessidade de novas práticas. A palavra e o cérebro são mais competentes e sábios se associados às práticas e ao coração e assim seguem fazendo aqueles que estão renovando a política nos meandros ainda minoritários da ação cidadã.

Voltando à política de aqui e agora e lembrando da comoção de milhões de brasileiros e brasileiras com as injustiças cometidas contra Dilma Rousseff em seu impeachment e com Lula da Silva em sua apressada prisão, vale considerar as razões do coração na política e mesmo trabalhar mais “objetivamente” em torno delas. A inteligência do coração pode discernir muito melhor que os dados conjunturais valorizados em um momento político: o constante martelar midiático contra Lula e Dilma mostram isso, pois não convenceram tanto como esperavam seus autores. Um/a líder amado por promover a dignidade e não por incitar o medo e o desejo de proteção é um perigo para quem? Quando o afeto vem de uma experiência prazerosa de se sentir entendido e respeitado, de perceber a coerência de um indivíduo nas suas palavras e atos de forma majoritária ao longo de sua história, isso enobrece a política, ou não?.

Discernir entre as emoções positivas (a admiração, a compaixão, a cumplicidade, por exemplo) e as emoções negativas (o medo, o ódio, a vingança) faz toda diferença. A inteligência afetiva que vem do coração percebe para além do racional imediato e do visível e isso é comprovado por inúmeras pesquisas. Ela se revela cada vez mais sábia aos poucos e o Brasil irá valorizar Dilma e Lula ainda mais que hoje, quando o tempo tomar sua estatura e os ódios, vinganças e medos se abrandarem. A esquerda, se quer se renovar, precisa atentar para os valores do patriarcado que a cegam. Precisa observar os limites da objetividade cartesiana. A valorização dos temas “femininos” do cuidado, do afeto, do diálogo e da parceria poderão ser importantes impulsionadores da ação política da esquerda. No Brasil desse momento, ela poderá ser definidora do futuro, se a esquerda começar por aplicar esses princípios a si mesma.

 

Este artigo foi também publicado no jornal online Outras Palavras

https://outraspalavras.net/sem-categoria/populismo-afetos/



Ecovilas na Bahia: Piracanga, Terra Mirim e Campina

25 de Abril de 2018, 9:30, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

Terra mirim para artigo

O artigo abaixo foi apresentado no Seminário URBa17, no Eixo Temático dois: produção contemporânea do espaço e a (des)construção do comum. Essa versão contém modificações.

 

PANORAMA DE ALGUMAS ECOVILAS BAIANAS SEGUNDO PRINCÍPIOS DE SUSTENTABILIDADE

 

Débora Nunes - Professora do Curso de Urbanismo da UNEB. Pós Doutora em História das Cidades e Cidades do Futuro pela Bangalore University

Karla Andrade - Professora adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo da |Rui Barbosa. Mestre em Arquitetura e Urbanismo UFBA. 

 

RESUMO

As ecovilas são comunidades intencionais e/ou sustentáveis que utilizam processos participativos locais a fim de regenerar ambientes sociais e naturais, que adotam soluções de baixo impacto ecológico, estabelecem uma economia sustentável, buscam o aperfeiçoamento e a harmonia das relações humanas. O objetivo deste artigo é realizar um breve panorama mundial e análise comparativa das ecovilas baianas: Fundação Terra Mirim (FTM), Ecovila Piracanga e Campina, quanto à aplicação dos princípios de sustentabilidade: local, proteção ecológica; interação social, cultural e saúde; desenvolvimento político e econômico; transporte sustentável; gestão integrada da água; energias alternativas; construções sustentáveis; política dos 3R’s. Como resultados, identificamos alguns pontos comuns nas ecovilas estudadas: desenvolveram formas horizontais de liderança e gestão com abordagem mais ecológica, solidária e participativa; ajudaram a preservar as áreas de grande biodiversidade; praticam agrofloresta e permacultura; adotam energia solar. Diferenciam-se nas atividades econômicas, socioculturais, construtivas, de gestão da água, energia e etc. Conclui-se que as experiências das ecovilas poderão ser usadas como novos insumos e diretrizes para comunidades com características semelhantes, inspirando novos conceitos para profissionais de arquitetura e urbanismo que buscam real aplicação de princípios de sustentabilidade. Recomenda-se, ainda, a ampliação das pesquisas sobre esse farto material de inovação.

 PALAVRAS-CHAVE

Ecovilas; permacultura; sustentabilidade.

 


PANORAMA DE ALGUMAS ECOVILAS BAIANAS SEGUNDO PRINCÍPIOS DE SUSTENTABILIDADE

O objetivo deste artigo é realizar um breve panorama e análise comparativa de algumas ecovilas brasileiras do Estado da Bahia: Fundação Terra Mirim (FTM), Ecovila Piracanga e Campina, quanto à aplicação de princípios de sustentabilidade desenvolvidos em metodologia específica aqui descrita. As ecovilas são comunidades autônomas formadas por pessoas que escolhem outra forma de vida, oposta ao cotidiano vivido nos grandes centros urbanos, de competitividade, individualismo, consumismo, busca pelo poder e materialismo. São, portanto, comunidades intencionais que utilizam processos participativos locais a fim de regenerar ambientes sociais e naturais. Essas comunidades adotam um estilo de vida que busca integrar a ecologia interna com a externa, ou seja, buscando, ao mesmo tempo, a transformação pessoal e a social, visando uma vivência que rompe com a lógica imposta na sociedade, considerando práticas de horizontalidade, de igualdade e de respeito a cada pessoa. (BRAUN, 2008)

Muitas pessoas optam por morar em ecovilas por sentirem necessidade de contribuir para minimizar os danos que a vida contemporânea causa ao planeta, por se identificarem com o estilo de vida e os princípios éticos adotados nessas comunidades: a relação com a Natureza, a relação colaborativa entre os moradores, o modelo político autogerido e, sobretudo, o sentimento de coletividade e pertencimento. Para tal, utilizam soluções criativas de baixo impacto ecológico, buscam estabelecer uma economia mais sustentável e solidária, chegando mesmo ao uso de moedas alternativas e procuram aperfeiçoar as relações humanas por meio do autoconhecimento e do crescimento espiritual. (CUNHA, 2012)

O modo de vida nas ecovilas varia muito de acordo com sua história, contexto, características ecológicas regionais, de suas origens em termos de motivações de fundação e perfil de seus integrantes, etc. Todas, porém, buscam propiciar um cotidiano coerente com seus objetivos, produzindo alimentos orgânicos, usando medicinas alternativas, fazendo restauração ecológica, e adotando, quando possível, técnicas construtivas de baixo impacto, utilizando materiais e recursos locais, fazendo captação de água de chuva e reuso, uso de energias renováveis, dentre outras técnicas a fim de atingir a sustentabilidade em todos os âmbitos. (CUNHA, 2012)

 

Breve panorama mundial e princípios das ecovilas

Segundo recente publicação da Global Ecovillage Network (GEN, 2015), estima-se que existam hoje cerca de 15.000 no mundo, sendo aproximadamente 600 cadastradas na entidade. Esse número vem tendo um crescimento expressivo a partir da metade do século XX. A implantação de comunidades sustentáveis vem sendo uma alternativa à perspectiva de catástrofe ecológica largamente comprovada pelos dados acerca das mudanças climáticas.  Desde o final da década de 1980, os seres humanos já ultrapassaram a capacidade de carregamento ecológico do planeta (GFN,2016), ou seja, condições para que a humanidade obtenha recursos naturais para a vida e que permitam a absorção de seus resíduos e emissões de gases. Desde 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem emitindo relatórios que analisam os efeitos do aumento das emissões dos gases de efeito estufa desde a revolução industrial, verificando as mudanças nas médias de temperaturas e modelando as perspectivas de impacto ambiental.

O IPCC e a GFN são importantes instituições, entre muitas outras, que atestam a gravidade da situação ambiental. Segundo a GFN (2016), por exemplo, a manutenção do modo de vida atual da humanidade implicaria hoje na necessidade de 1,6 planetas para dar conta dos recursos necessários para a vida humana na Terra. Esse quadro vem causando grande desequilíbrio ecológico e influenciando diretamente na extinção de espécies, em catástrofes naturais como furações, secas extremas, enchentes, etc, assim como infestações de insetos causadores de doenças, problemas cardiorrespiratórios e infecções, entre muitos outros efeitos. (KEELER; BURKE, 2010)

Por tudo isso, a opção pelas ecovilas vem se expandindo cada vez mais chegando a ser reconhecido pela ONU como modelo de excelência de vida sustentável. Os exemplos mais destacados de ecovilas em nível internacional são Findhorn (Escócia) e Auroville (India), sendo também as mais antigas, sendo a primeira fundada em 1962 e a segunda em 1968. Elas são as maiores referências no movimento das ecovilas, possuindo um nível maior de desenvolvimento em relação à sustentabilidade, ou seja, são aquelas que possuem maior experiência e consistência interna. Como no caso das ecovilas brasileiras que serão descritas a seguir, as particularidades de cada uma revelam como o lugar, o contexto e a cultura influenciam definitivamente no resultado final das experiências.

Os princípios de organização, gestão e funcionamento das ecovilas em geral e também das ecovilas brasileiras estudadas, aproximam-se da lógica da Permacultura (proposta por David Holmgren) a da ideia de uma Sustentabilidade Ecológica (proposta por Fritjof Capra). É fato que nem sempre esses princípios, as obras, ou os autores, são conhecidos pelos membros das ecovilas, porém, esses conceitos permitem compreender a unidade na imensa diversidade das práticas concretas. Fritjof Capra (2005) em seu trabalho para difundir novos paradigmas, trouxe um conjunto de seis conceitos que se inspiram no próprio modo como a Natureza sustenta incansavelmente a “Teia da Vida”: os ciclos, as redes, as parcerias, a diversidade e a resiliência, sustentadas pela energia solar. Já a Permacultura, conceito criado por Bill Mollison e David Holmgren na Austrália, nos anos 1970, tem princípios orientadores sobre a posse da terra e comunidade; o manejo da terra e a relação com a natureza; o espaço construído; uso das ferramentas e da tecnologia; a cultura e a educação; a saúde e o bem estar espiritual; assim como sobre a economia e finanças. (HOLMGREIN, 2013)

 

Princípios de Sustentabilidade para comunidades rurais

Fundamentando-se nos princípios da Permacultura (HOLMGREIN, 2013) e na contribuição de ANDRADE (2005) sobre os Princípios de Sustentabilidade para Reabilitação de Assentamentos Urbanos, chegou-se aos princípios adotados a seguir para análise das ecovilas. ANDRADE (2005) fundamenta-se na visão ecossistêmica das cidades, como sistemas interconectados e interdependentes, totalmente dependentes dos sistemas de suporte da vida, dos ecossistemas naturais. Chegando à definição dos princípios de sustentabilidade para assentamentos urbanos: proteção ecológica e biodiversidade, adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de bairro, desenvolvimento da economia local, transporte sustentável, moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, energias alternativas, políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar, reciclar).

A síntese dos dois autores que partem da visão sistêmica e ecológica permite integrar aspectos sociais e políticos mais presentes em HOLMGREIN (2013), e urbanísticos e construtivos mais presentes em ANDRADE (2005). Esta integração deu origem aos indicadores e critérios a seguir: Proteção ecológica e biodiversidade; Desenvolvimento político e econômico; interação social, cultural e saúde; Mobilidade sustentável; Energias alternativas; Gestão integrada da água; Política dos 3R’s; Construções sustentáveis. Para cada um desses itens foram desenvolvidos subitens que se observados identificam favoravelmente a ecovila em relação à sustentabilidade. O Quadro 1 detalha esses itens e subitens.

Quadro 1: Princípios de Sustentabilidade para Avaliação das Ecovilas.

1-       Proteção ecológica e biodiversidade

Localização

Preservação dos ecossistemas existentes

Preservação da paisagem rural

Relação com o território do entorno

Ocupação do solo

5-       Energias alternativas

Integração de energias renováveis (energia solar, eólica, hidráulica)

2-       Desenvolvimento político e econômico

Estratégias de geração de renda

Estatuto da comunidade

Acordos de convivência

Cultura econômica

6-       Gestão integrada da água

Reaproveitamento de águas de chuva

Sistemas de tratamentos de águas residuais e negras e amarelas

Drenagem natural

Tratamento de esgoto alternativo

3-       Interação social, cultural e saúde

Identidade cultural

Participação

Liderança

Educação

Espiritualidade

Cuidados com a saúde

Relação com o alimento

7-       Políticas baseadas nos 3R’s (Reduzir, Reusar, Reciclar)

Redução do consumo

Coleta seletiva

Reutilização e/ou reciclagem dos resíduos

4-       Mobilidade/ transporte sustentável

Facilidade de acesso

Meios de transporte

Caminhos para pedestres e ciclistas

Traçado das ruas

8-       Construções sustentáveis

Materiais e tecnologias construtivas

Estratégias bioclimáticas

Bioconstrução

Sistema de mutirão/ autoconstrução/ contratação de mão de obra

Fonte: Quadro baseado em ANDRADE (2005) e em HOLMGREIN (2013).

 

Breve descrição de Ecovilas Brasileiras e seus princípios de sustentabilidade

Os exemplos nacionais aqui apresentados resumem diversos aspectos de sustentabilidade encontrados em outras ecovilas brasileiras. De modo geral cada experiência consegue desenvolver melhor a sustentabilidade nas dimensões mais ligadas à sua própria filosofia e propósito enquanto comunidade. As características comuns encontradas são: uso de energias renováveis; processos coletivos de decisão; renda advinda de cursos, hospedagens e venda de produtos; número reduzido de moradores vivendo em grande integração; escolha de áreas rurais com recursos naturais abundantes para potencializar uma vida autossuficiente; respeito à escolha espiritual de cada membro e estilo de vida cooperativo e coletivo. Atuam localmente em projetos diversos, além de estarem em um processo cada vez mais crescente de interação e conexão com outras ecovilas nacionais e internacionais, criando grupos e projetos comuns além de favorecer intercâmbios entre os próprios moradores.

Com relação às ecovilas brasileiras, os exemplos raramente se repetem em trabalhos acadêmicos e publicações sobre o tema, o que evidencia que ainda não é fácil identificar ecovilas com posição de referência no cenário brasileiro, como ocorre com as ecovilas internacionais. Muitas experiências se encontram em processo de formação, experimentação, e poucas em consolidação. Mesmo as mais antigas possuem metade ou ainda menos tempo de existência considerando as experiências internacionais. De todo modo, a Fundação Terra Mirim, a Comunidade Campina e a Ecovila Piracanga, situadas no estado da Bahia, foram escolhidas por se destacarem por seu tempo de existência, atuação e consolidação. Será realizada a seguir uma descrição geral de cada ecovila em termos dos aspectos históricos e ecológicos, e destacados os aspectos relativos ao desenvolvimento político e econômico; interação social, cultural e saúde; mobilidade; energias alternativas; gestão integrada de água; políticas dos 3R’s e construções sustentáveis, conforme quadro apresentado anteriormente.

 

Ecovila Piracanga

A ecovila Piracanga, fundada em 2002, é fruto do sonho de Angelina Ataíde (Portuguesa) de criar uma comunidade para as pessoas viverem de acordo com os princípios espirituais na vida cotidiana, compartilhando tudo em união, na constante busca interior. Localiza-se na região leste da Bahia, na Península de Maraú no entorno de uma APA, na foz do rio Piracanga, beneficiada pelo encontro do rio com o mar tendo grande beleza natural, com coqueirais por toda a costa. Quando ocuparam o terreno, grande parte estava desmatada, ao longo dos anos desenvolveram a preservação e a recuperação da Mata Atlântica através de práticas de agrofloresta e de permacultura. Na ocupação do terreno destinaram 80% para área de preservação ambiental e 20% para ocupação com lotes.

Além das casas dos moradores, existe o Centro Inquiri, que compreende ao conjunto de edificações às margens do rio Piracanga, composto por recepção, administração, restaurante, lanchonete (espaço Açaí), 4 lojas, espaços para terapias, escola infantil, casa de artes, casa dos aromas, marcenaria, viveiro de mudas, espaço de permacultura, 4 cabanas para vivências além de alojamentos para 90 pessoas. No Centro os moradores realizam atividades comunitárias, espirituais, educacionais e de hospedagem. Além disso, são oferecidos cursos, retiros e programas de imersão, fonte da geração de recursos econômicos para a comunidade.

Os moradores criaram algumas regras para uso e ocupação do solo: a edificação pode ocupar o terreno em até 10%; as casas podem ter até dois pavimentos; a casa térrea com área até 70m² pode utilizar cobertura cerâmica, a partir de dois pavimentos deverá adotar a cobertura de piaçava; não pode ter cercas, só cerca viva; não pode ter piscina; o ponto de fogo (local para fogueira) tem que ser preservado envolto em um círculo de pedras; no caso de fogão a lenha ou a gás a cobertura será em telha cerâmica. Moram atualmente em Piracanga aproximadamente 120 pessoas, sendo pelo menos 35 crianças. A população moradora possui poder aquisitivo médio, com nível de escolaridade superior. A população é composta por estrangeiros europeus e brasileiros de diversas partes, com formações variadas: psicologia, arquitetura, pedagogia, artes, terapia, permacultura, bioconstrução, etc.

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

Segundo os moradores, a relação de vizinhança é boa, encontram-se freqüentemente nas casas uns dos outros, no centro de yoga, no rio e no mar. Também têm o hábito de comemorar os aniversários. Coletivamente cultivam como valores: honestidade, integridade, coerência, simplicidade, empatia, harmonia, confiança, liberdade, união, paixão e amor. Os moradores de Piracanga desenvolvem uma cultura própria alheia à cultura nacional e regional, não comemoram as festas tradicionais brasileiras como São João, carnaval, etc. Possuem duas lideranças espirituais, representadas por Angelina Ataíde e seu filho Raji Ataíde, são como gurus. Adotam a alimentação vegana, acreditam que a alimentação saudável à base de vegetais orgânicos, somados à prática de meditação, curas energéticas e uso de ervas, promovem a saúde física, que é o reflexo da saúde emocional e espiritual.

Na ecovila existe o Centro Inquiri onde são gerados recursos econômicos para Piracanga.  Realizam-se atividades comunitárias, espirituais, educacionais, além de funcionar como uma pousada. No local há lojas onde comercializam roupas e produtos de higiene confeccionados pela comunidade. Possuem três restaurantes de comida e lanches veganos. Promovem eventos variados na área de terapias alternativas, meditação, yoga, permacultura, educação, alimentação.  A distribuição dos recursos para quem trabalha no Centro é igualitária. Em 2014 todos recebiam hum mil reais por seus serviços prestados, independente da atividade realizada.

As decisões do Centro Inquiri sobre planejamento, aquisição de objetos, gestão, convivência, etc. são tomadas em reuniões semanais e existem reuniões específicas de cada setor de trabalho, como também reuniões gerais. A articulação política de Piracanga dá-se a nível internacional, com relações estreitas com outras ecovilas e mercado internacional no âmbito da divulgação de suas atividades e captação de recursos.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

Como para acessar Piracanga não existe transporte público, a Ecovila disponibiliza este serviço com carros especiais, que transportam moradores e visitantes à comunidade. Alguns funcionários (motoristas, zeladores, etc) moradores de localidades vizinhas, deslocam-se a pé, de bicicletas e motos. A melhor opção de acesso se dá por Itacaré, através de um barco fretado. Atravessa-se o rio e na outra margem funcionários da ecovila esperam os passageiros com carros off road. A ida desta praia à Piracanga é uma grande aventura, adentra-se a mata através de uma estreita estrada de barro, com muitas poças de lama, atravessa-se também alguns rios.

A energia elétrica e térmica é exclusivamente realizada através da captação solar, não há conexão com a mantenedora Coelba. Nas construções, observa-se a predominância da iluminação natural e ventilação cruzada. Procuram reduzir o consumo energético, evitam o uso de eletrodomésticos e ar condicionado, substituindo por geladeiras a gás ou soluções manuais. Adotam lâmpadas fluorescentes e led.

O abastecimento de água se dá através de poços perfurados, que captam a água dos lençóis freáticos. A água é potável, boa para consumo, não é tratada e é bombeada para os reservatórios.  Poucas casas captam e reutilizam a água de chuva, justificam que é devido à predominância das coberturas de piaçava, que deixa a água escurecida, dificultando a reutilização. Utilizam soluções permaculturais para o destino final das águas servidas amarelas, cinzas e negras. Adotam as bacias de evapotranspiração ou fossas sépticas com filtro biológico como solução das águas negras e círculo de bananeiras para as águas cinzas.

A maioria das casas possui sanitário seco, localizado na área externa, o design padrão possui dois vasos para fezes e um vaso separado para a urina. O resíduo sólido após seis meses de tratamento aeróbico, numa caixa de tampa metálica preta, que recebe a incidência solar, é levado ao minhocário e depois é utilizado como adubo na agrofloresta. A urina é canalizada para as composteiras, onde é misturada com o resíduo orgânico, gerando fertilizante.

 

 

Construções Sustentáveis e política dos 3R’S

A Ecovila avança nas soluções construtivas apesar dos materiais não serem do próprio terreno, e também precisam investir alto por conta do transporte dos materiais e do pagamento da mão de obra, que vem de localidades vizinhas que estão num raio de aproximadamente 100 quilômetros. Caracterizam-se por edificações bem construídas de padrão médio, projetadas por arquitetos ou engenheiros e construídas por empreiteiros de localidades vizinhas.

O processo construtivo é apoiado por profissionais (arquitetos, construtores, empreiteiros) contratados para projetar e construir suas casas. Utilizam-se tecnologias construtivas mistas, inicialmente em alvenaria de bloco cerâmico, estrutura em madeira eucalipto e cobertura de piaçava ou telha cerâmica. Atualmente têm sido realizadas várias experiências construtivas utilizando o bambu, o bloco de solo cimento, a madeira de reflorestamento ou de demolição (fig.9), o ferro-cimento, e introduzem o material reciclado como garrafas plásticas e/ou de vidro na alvenaria. Para reboco adotam a mistura de barro e cimento, e no piso predomina o uso de tabuado de madeira ou cimentado.

As construções são soltas do solo, a fim de evitar infiltrações e preservar a declividade natural do terreno. São predominantemente abertas, não existe preocupação com segurança. Possuem grandes vãos de iluminação e ventilação, as esquadrias são em madeira eucalipto e vidro, utilizam também elementos como brises, cobogós, pergolados a fim de minimizar a incidência solar, filtrar a luminosidade, e ao mesmo tempo, permitir a ventilação cruzada.

Em Piracanga faz-se a coleta seletiva, cada morador é responsável pelo destino final do seu lixo. Adotam solução para os resíduos orgânicos e papel que são enviados para as composteiras e reutilizados como composto orgânico nas plantações. Quanto aos plásticos, os vidros e metais são levados para Itacaré, cada morador é responsável pela destinação de seus resíduos. Os resíduos do Centro Inquiri são entregues para associações de reciclagem, ou para o lixão da cidade.

 

Fundação Terra Mirim

A Fundação Terra Mirim é uma comunidade intencional, fundada em 1992, por Alba Maria, xamã e escritora, que ali desenvolve formação e vivências xamânicas de cura individual, coletiva e do planeta. Possui uma população em torno de 30 habitantes, fato comum nas experiências brasileiras, destacando-se que a Terra Mirim encontra-se na segunda geração de moradores. A interação dos jovens com os moradores antigos, da primeira geração, é um exemplo de como laços afetivos profundos fortalecem o compromisso de manutenção da comunidade e favorecem a tomada de decisões coletivas mais sábias e abrangentes geracionalmente. Localiza-se no Município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador/BA, no Km 07 da Rodovia BA-093, no entorno da sub bacia do rio Itamboatá, afluente do Rio Joanes, inserida na Área de Proteção Ambiental Joanes Ipitanga. O objetivo maior dessa APA é a preservação das nascentes, das represas dos rios, propiciando a preservação, conservação e recuperação dos ecossistemas existentes.

Desenvolveram campanha junto às comunidades ribeirinhas para revitalização do rio Itamboatá, com a plantação de mais de 50.000 árvores no seu entorno. Ministram cursos sobre meio ambiente para a população nativa, envolvem-se na conscientização da população e dos gestores para questões sociais, ambientais, educacionais, políticas e econômicas da região. Conseguiram mostrar a importância das fontes de água do município aos gestores municipais e, recentemente, junto com a comunidade do entorno, travaram uma importante luta contra a implantação de um lixão na região e foram vitoriosos.

Sua estrutura física é composta por uma casa grande onde funcionam a recepção, a área administrativa e financeira, cozinha e refeitório, quartos e chalés onde acolhem pessoas, espaços para aluguel que comportam até 120 pessoas, templos cobertos para meditação: templo original e casa dos mestres, templos abertos para os Quatro Elementos da Natureza - Terra, Água, Ar e Fogo como veículo de cura e conexão profunda com a Mãe Terra - e muita área verde. Há áreas destinadas ao cultivo de plantas fitoterápicas e para meliponicultura. Um novo espaço contíguo, um loteamento intitulado Colméia, abriga boa parte das novas famílias da comunidade.

 

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

A cultura principal da comunidade é a natureza como centro de tudo. Desenvolveram uma forma de viver onde a meta é a busca da consciência no cotidiano. Vivem com simplicidade, plantam parte do que comem, sentam em volta da fogueira, tocam tambores, usam roupas do campo, tiram os sapatos para entrar nos espaços, lavam os próprios pratos e talheres após as refeições, cantam e celebram o alimento, possuem o hábito de se recolher cedo para suas casas e acordam cedo para suas rotinas diárias.

A espiritualidade da Terra Mirim diz respeito à religação com o divino e com a natureza, adotam o xamanismo como forma de viver, tendo a natureza comoMestra maior e a Deusa Mãe como guia e fonte”. Não possuem nenhuma vinculação com religião institucional ou seitas.

Por muito tempo funcionou uma Escola com o objetivo de tirar as crianças das ruas, promover a ampliação de seus conhecimentos, e que atuava como escola complementar ao ensino regular. Essa Escola tinha como princípio metodológico o aprendizado com a natureza, onde se aprendia experienciando os quatro elementos e respeitando todos os seres gerados pela Natureza. Atualmente essa escola para crianças foi desativada e estão desenvolvendo a Escola XamAM, que segue os passos dos ensinamentos do Xamanismo da Deusa Mãe em resgate da cultura espiritual milenar da América Nativa.

Uma das formas de sobrevivência é acolher pessoas que colaboram contribuindo financeiramente e participando da vida cotidiana local. Recebem visitantes que partilham o cotidiano da comunidade, celebrações, meditações, ritos, jornadas e grupos de estudo. Cada serviço desses tem um valor específico, depende do tempo de realização de cada um deles e do profissional que o focaliza.

Terra Mirim dispõe de produtos orgânicos para a comercialização:
húmus de minhoca (fertilizante), composto orgânico  (adubo), mudas de árvores nativas da Mata Atlântica (negocia-se valores pela quantidade), mudas de ervas medicinais e aromáticas e mel. Mantém um restaurante vegetariano, de predominância orgânica, que oferece essa opção para seus estudantes e a comunidade em geral, demonstrando seu compromisso cotidiano com a ecologia. É responsável pelo projeto Incubadora Eco solidaria de  produção familiar, que inclui os pequenos produtores do Vale do Itamboatá beneficiando agricultores e artesãos da região. Participação na implantação da política de segurança alimentar e nutricional do Município de Simões Filho com a Meliponicultura no Vale do Itamboatá.

Terra Mirim atualmente atende, com seus projetos, um público constituído por crianças, adolescentes e adultos, ONGs, instituições públicas e empresas da Região Metropolitana de Salvador, desenvolvendo cursos, workshops, eventos e projetos sociais. A instituição, ainda recebe, com seu serviço de hospedagem, pessoas de outros estados e de diferentes países, interessadas em conhecer a experiência comunitária e as ações socioambientais. A escola XamAM vem crescendo internacionalmente, recebendo dezenas de alunos de vários países e contribui para a manutenção da comunidade.

A Xamã Alba Maria foi a fundadora e continua a ser a liderança espiritual de Terra Mirim, sendo referência marcante para os moradores que possuem um grande respeito à sua pessoa. Ela hoje atua cada vez mais na esfera de aconselhamento da comunidade. O processo de decisões passa por um colegiado, previsto no estatuto, cujo conselho curador é formado por 1/3 de voluntários da fundação e os outros 2/3 são escolhidos pelos envolvidos na organização (incluindo gerências, voluntários, diretores, e superintendente). É sempre fomentado um processo de discussão e decisão horizontalizada. A tomada de decisões acaba sendo descentralizada, cada gerência tem certa autonomia dentro da sua esfera de atuação.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

Situa-se a 25 quilômetros de Salvador, nas margens da rodovia BA-93, em Simões Filho-BA, servida de transporte público convencional (ônibus). Os moradores da FTM utilizam deste modal ou de veículos particulares para sua mobilidade. A energia abastece a FTM é proveniente da rede elétrica convencional, fornecida pela COELBA. Alguns chalés têm banheiros privativos e atualmente possuem energia solar para água quente em alguns alojamentos. A FTM oferece a riqueza de viver na Mata Atlântica sob um lençol freático de água mineral, pura e cristalina. A água utilizada tem origem em poço artesiano, e não possui sistema de reaproveitamento ou tratamento, sendo descartada em fossas convencionais (sumidouros). Possui também a fonte da Guia em seu entorno, água puríssima e cristalina que abastecia os romeiros da Nossa senhora da Guia, em épocas remotas. A água do rio Itamboatá e da Lagoa não são apropriadas para uso potável.

A política dos 3R’s e a sustentabilidade das construções

A FTM vem introduzindo a coleta seletiva e buscando o lixo zero e o processamento de resíduos orgânicos é o mais antigo esquema de reciclagem existente na comunidade. Os resíduos orgânicos são acondicionados em composteiras e minhocários, sendo convertidos em fertilizantes e utilizados localmente ou vendidos a granel.

Na FTM alguns dos espaços existentes não foram construídos com tecnologias de baixo impacto, até pela época de fundação, uma da mais antigas ecovilas brasileiras. Observa-se que é difícil se conseguir ser sustentável em todas as ações e âmbitos mesmo nas ecovilas. Não há adoção sistemática de técnicas de permacultura e este conceito vem tornando-se  mais presente na ecovila com as novas gerações. Como as edificações, em sua maioria não são bioconstruídas, os materiais empregados são na sua maior parte vindos de fora, embora se observe a utilização de elementos provenientes do local, como bambu e partes das estruturas de madeira.

Com relação às expressões materiais da cultura, observam-se alguns detalhes que marcam as características locais, como a existência de construções circulares (especialmente as destinadas à meditação e a encontros), as pinturas decorativas em algumas edificações e as decorações da Casa das Artes com motivos regionais (bambu e tecidos de chita). A noção de construção circular tem a ver com os princípios do local: “o círculo permite uma maior circulação da energia, além de aproximar as pessoas”, conforme explica uma moradora. Além disso, os desenhos dos templos refletem a integração mística com os elementos da natureza.

 

 

Comunidade Campina

A Comunidade Campina existe desde 1991 e nasceu da reunião de amigos com o mesmo sonho de romper com a vida nas grandes cidades, com o consumismo material e com os valores de uma sociedade capitalista. Buscava a prática de um modo de vida simples e natural, a partir da dimensão de espiritualidade e da busca do autoconhecimento. Localiza-se no Vale do Capão, localidade pertencente ao Município de Palmeiras, no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina, banhada pelo rio Riachinho. A área da Campina é de 200 hectares, a ocupação com as casas é mínima, a maior parte da área é para preservação ambiental.

Quando a comunidade chegou, o terreno era um pasto, o solo estava ácido e muito prejudicado por queimadas, além de grande parte estar em cima de rocha. A terra não era muito adequada para agricultura. Atualmente encontra-se recuperada, reflorestada, os moradores fizeram este trabalho deixando a própria natureza renascer e remanejando as mudas. Dedicam-se à preservação do meio ambiente, à restauração da biodiversidade do entorno do Parque Nacional e, quando necessário, ao combate aos incêndios, frequentes na região. Qualquer pessoa pode vir a ser morador da Campina, desde que trabalhe na comunidade um turno por dia e contribua com um valor em dinheiro. Após um ano, com a adaptação e a integração com a comunidade, pode construir a sua casa. Entretanto estas são de propriedade da comunidade. Atualmente as edificações e setores existentes são: cozinha comunitária; casa de beneficiamento de ervas; alojamento/biblioteca; apiário; oficina; horta orgânica; herbário; minhocário; SAF – Sistema de Agro Floresta; camping e moradias.

Interação social, cultural e saúde e desenvolvimento político e econômico

A Comunidade Campina é fundamentada nas práticas da permacultura, vegetarianismo e livre expressão. São poucas regras num ambiente familiar, propõem um estilo de vida alternativo, em contato direto com a natureza, constroem uma vida comunitária em busca da melhoria da qualidade de vida. Todos os dias, fazem as refeições principais na cozinha comunitária. A educação ambiental é um dos objetivos, incentivando pessoas que queiram aproximar-se desse modelo de vida. Entretanto a escolinha infantil da comunidade está desativada. Para seu desenvolvimento econômico, a comunidade se empenha na produção orgânica de mel e de outros alimentos, ervas medicinais, produtos medicinais e cosméticos (sabonetes, pomadas, tinturas). No herbário, cultivam ervas orgânicas, e destas produzem tinturas, que envazam ou também utilizam para produzir os sabonetes, cremes e shampoo, também comercializam arroz integral, aveia e açúcar demerara, ensacam e comercializam distribuindo na região, atendem pedidos para outros estados através da internet. Atualmente entre outras ações, a Comunidade aluga o espaço para realização de cursos de permacultura, bioconstrução, vivências, além de práticas de ecoturismo.

Na Campina as decisões são tomadas em reunião por consenso, entretanto identifica-se Luís como liderança, por ser o proprietário da terra e um dos fundadores, sendo o único que permaneceu e sustentou a proposta da comunidade até os dias atuais. Na Comunidade, existe uma escala de trabalho semanal onde os moradores e visitantes participam das atividades do dia por quatro horas, geralmente pela manhã após o café. O trabalho nas atividades é requerido para as pessoas que estão visitando, para facilitar a integração e  o conhecimento da vida comunitária. Em grupo, toda segunda feira, acontece uma reunião, cada membro coloca a sua pauta e a sua opinião, se for alguma coisa boa para todos é colocada em prática. Antes de começar cada um diz o assunto que quer falar, fazem o balanço das atividades realizadas e definem a escala da semana. As atividades podem ser escolhidas de acordo com a vontade, o talento de cada um e procuram executá-la da melhor forma possível.

Mobilidade e transportes sustentáveis, energias alternativas e gestão integrada das águas

O acesso à comunidade Campina não é fácil, pois não há transporte regular. Dista uns 5 quilômetros da Vila do Capão, pode ser feito a pé, de bicicleta, a carro ou moto. A estrada que dá acesso não é pavimentada, esburacada e com sítios nas suas laterais. A parada do ônibus escolar, dista 2 quilômetros da comunidade.

Na comunidade não há energia elétrica convencional, captam a energia solar com placas fotovoltaicas para três casas: a casa da cozinha comunitária, a casa amarela e a casa de um morador. Não possuem eletrodomésticos (geladeira, fogão a gás, televisão...). Utilizam latovelas (lanternas com velas) ou lampiões para iluminação à noite em suas casas. O fogão e o forno da cozinha comunitária são à base de lenha. No local não há sinal de telefone ou celular. Consegue-se acesso à internet em alguns pontos do terreno.

A água que abastece a comunidade Campina é a do Rio Riachinho e outra que vem direto da nascente da serra através da gravidade. Não existem tratamentos da água. Não fazem captação da água da chuva. Como solução para as águas cinzas e negras, utilizam os círculos da bananeiras, as bacias de evapotranspiração, sanitários secos e o “minhocagário”. Trata-se de um banheiro seco criado no local, integrado ao cultivo de minhocas que processa os resíduos e produz húmus para agrofloresta. Nos alojamentos, residências e camping adota-se o sistema de evapotranspiração (BET) e/ou as fossas secas para águas cinzas e negras.

Política dos 3R’s e sustentabilidade das construções

Os resíduos orgânicos são levados para o minhocário e depois são utilizados como adubo na agrofloresta. A urina é armazenada no coletor e misturada com água, em seguida é despejado na composteira e utilizado para biofertilização. Quanto aos outros resíduos sólidos, fazem a separação da seguinte forma: orgânico x inorgânico, seco x molhado, reciclável x dispensável, o papel higiênico é enterrado. Cada morador é responsável por seu lixo, o plástico, o vidro e o metal são levados para a cidade.

A maioria das casas da comunidade é construída em adobe, material abundante do local, através de mutirão. Utilizam também alguns materiais como pedra ardósia para revestimento de piso e parede, bancadas e telhas. A madeira nativa também é adotada para pilares, vigas e estrutura de telhado. O tijolinho de solo cimento e o telhado cerâmico também são adotados. As casas possuem espaço externo com chuveiro e lavanderia. No interior das casas utilizam a ventilação passiva, iluminação natural e onde tem energia elétrica adotam leds ou lâmpada fluorescentes.

     

Discussão

Ao longo da pesquisa, percebem-se pontos comuns nas ecovilas estudadas, particularmente em termos da busca de desenvolvimento pessoal e comunitário focado no autoconhecimento, na partilha de responsabilidades e no contato com a Natureza. Percebe-se também, e isso era esperado, grande variedade de soluções, em aspectos variados. Os itens do quadro metodológico esboçado anteriormente serão utilizados para a discussão a seguir que compara as três ecovilas.

Preservação ecológica e biodiversidade

Observa-se que, em todas as ecovilas estudadas, existe um trabalho sério de recuperação ecológica e de preservação das características ambientais locais e dos ecossistemas existentes, até porque todas estão situadas em áreas de preservação ambiental com forte biodiversidade, banhadas por rios e no caso de Piracanga, também por mar. A preservação dos ecossistemas existentes é evidente na mínima ocupação do solo com residências, na alta permeabilidade do solo e na presença de mata nativa, ou recuperada, em relação ao território total. No caso de Piracanga e Comunidades Campina esta área corresponde a aproximadamente 80% do total. Mesmo na menor das ecovilas estudadas, Terra Mirim, a área verde é muito maior do que a área ocupada por residências. Essa ecovila é também a que estabelece uma relação mais estreita com o território do entorno, promovendo trabalhos regulares e de longa duração com as comunidades vizinhas, enquanto Campina e Piracanga estão mais voltadas para o seu próprio espaço.

Desenvolvimento político e econômico

Todas as ecovilas estudadas buscam formas de autossustento, gerando renda principalmente através de oferta de cursos, hospedagem e produção de alimentos orgânicos, ou outros produtos ecológicos. Embora sendo a mais recente, Piracanga se destaca em termos de dinamismo econômico pela promoção de vivências e cursos, divulgação e marketing pela internet. Isso faz dela um expoente das ecovilas baianas, atraindo novos moradores constantemente, que trazem vitalidade ao local.

Em termos de práticas políticas, as ecovilas tentam uma governança horizontal e estimulam a participação de todos os membros, tendo estatutos que favorecem a gestão compartilhada. É comum a divisão de tarefas em grupos de trabalho e a descentralização da gestão. Piracanga e Terra Mirim, por terem lideranças espirituais fortes desde sua fundação, adotam também essa forma de liderança em seu sistema político, que valoriza a sabedoria dos guias espirituais. 

Interação social, cultural e saúde

A dinâmica sociocultural das ecovilas é intensa, pois, por serem comunidades intencionais, ou seja, pessoas que se juntam por valores e projetos comuns, elas tendem a organizar eventos, ações e encontros de todo tipo, vinculadas à sua “intenção”. Em relação a outras comunidades, sobretudo de mesmo tamanho, a vida social e cultural nas ecovilas é bem mais intensa. Uma dinâmica cotidiana que favorece a interação são as refeições partilhadas, comuns nas ecovilas estudadas, particularmente em Campina, onde todas as refeições são realizadas na cozinha coletiva.

Em termos de saúde, as pessoas que habitam as ecovilas são naturalmente engajadas em ter uma alimentação mais saudável, vegetariana ou vegana, a buscar um ritmo mais tranquilo de vida, a ter mais contato com a Natureza, a realizar trabalhos corporais coletivos ou individuais e a fazer uso de plantas medicinais, cultivadas localmente.  Tudo isso favorece grandemente a saúde, além de terem a facilidade de acesso a terapeutas alternativos de diversos tipos que moram nas comunidades e prestam serviços gratuitamente, por troca ou com preços moderados.

Sobre redes de serviços: mobilidade, energia e água

Em relação à sua integração com as redes convencionais, as ecovilas têm perfis muito diferentes, principalmente em função da sua proximidade, ou não, de centros urbanos importantes, e de seu tempo de fundação. Em termos de mobilidade, por serem comunidades que se situam áreas rurais, todas as ecovilas estudadas enfrentam desafios para acessar outros centros. O caso de Terra Mirim é o mais simples, pois ela é servida por uma rodovia movimentada com transporte público disponível, embora deficiente. Pirancanga, localizada em área rural remota, necessita de transporte off road para sair de seu perímetro, enquanto Campina acessa à pé a vila mais próxima, situada a cinco quilômetros. Para mobilidade interna, por serem pequenas vilas, priorizam a caminhada ou a bicicleta.

Em termos de abastecimento energético as três ecovilas têm soluções completamente diferentes: enquanto a Terra Mirim está conectada com a rede tradicional da COELBA, Campina e Piracanga têm abastecimento solar. Esse é reduzido em Campina, que o usa prioritariamente nas construções coletivas e usa velas e lampiões em construções residenciais. A energia solar é generalizada em Piracanga, cuja população tem um nível de renda mais alto que a das demais.

Sobre a gestão integrada das águas, as soluções também são variadas e são principalmente alternativas. Para a captação, existem os poços artesianos e das nascentes. Estranhamente, por motivos variados, nenhuma delas faz uso extensivo da captação da água de chuva. Como solução para as águas cinzas e negras, as ecovilas experimentam muito: existem círculos da bananeiras, bacias de evapotranspiração, sanitários secos (e sanitário seco integrado ao cultivo de minhocas – minhocagário), além de fossas ecológicas. Em Terra Mirim, usa-se a fossa tradicional tipo sumidouro, que, pelas distâncias entre elas, não prejudicam o lençol freático, nem o rio que foi recuperado em seu território.

 

A Política dos 3R’s e a sustentabilidade das construções

Todas as ecovilas demonstram preocupação com a reciclagem, destacando-se no aproveitamento dos resíduos orgânicos para compostagem. A separação do lixo em diferentes materiais para o reaproveitamento também é realizada, porém a responsabilidade é individual e a destinação é a mesma, a da cidade mais próxima. Em Piracanga, plásticos, papéis, metais e vidros produzidos no Centro Inquiri são enviados diretamente para cooperativas de reciclagem.

Em termos de construções busca-se soluções bioconstruídas, porém esse item não é generalizado. A população de Campina autoconstruiu seus imóveis adotando o adobe, a madeira nativa e pedras locais, como base, sendo, portanto, quase inteiramente bioconstruída, apenas usando telhas produzidas nas proximidades. Piracanga tem dificuldades, pela distância e pela indisponibilidade de energia para manejo de materiais locais e assim traz da região os materiais de construção, destacando-se pela qualidade arquitetural e construtiva e pela criatividade e variedade de tipos de construção. Terra Mirim, no seu início, adotou técnicas convencionais, mas vem inovando na bioconstrução nas obras mais recentes.

 

Considerações Finais

Essa pesquisa mostra que as ecovilas vêm constituindo-se em exemplos para a sustentabilidade dos aglomerados humanos. Elas demonstram, com suas práticas, que existem soluções simples para os desafios do convívio da humanidade com a Natureza, em diferentes frentes, tanto social, quanto ambiental, ou econômica. Observa-se que não se exige uma quantidade expressiva de recursos, apenas comunidades determinadas a viverem de outro modo e dispostas e encarar a busca da coerência entre o que dizem e o que fazem como desafio cotidiano. A divulgação das práticas das ecovilas pode estimular que mais e mais pessoas se disponham a mudar suas formas de viver, assim como influenciar as posturas profissionais em arquitetura e urbanismo e incentivar a comunidade acadêmica a ampliar pesquisas e ações que tenham como foco o exemplo das ecovilas, rumo à maior consciência ambiental.

É verdade que até aqui, mesmo experiências internacionais mais antigas e de peso, como Findhorn ou Auroville, ainda são comunidades que não ultrapassam três mil habitantes e que a ecovila baiana mais populosa, Piracanga, não chega a ter duas centenas de moradores. Esse fato mostra, de um lado, que o número de pessoas dispostas, ou que tenham condições objetivas, de passar do discurso à prática ainda é pequeno. Por outro lado, mostra que o agravamento da insustentabilidade da sociedade atual, tanto em termos de condições climáticas, quanto sociais e econômicas não está sem resposta e que modelos de comunidades e modos de vida alternativos à insustentabilidade já estão sendo testados e aprovados. A escala limitada não é empecilho para sua propagação e multiplicação.

Referências

ANDRADE, Liza Maria de Souza. Agenda verde x Agenda marrom: inexistências de princípios ecológicos como desenhos de assentamentos urbanos. Dissertação de Mestrado. Brasília: FAU-UNB, 2005.

AUROVILLE – The City of Dawn. Disponível em: <http://www.auroville.org/> Acesso: Outubro, 2015 e FINDHORN FOUNDATION. Disponível em: <https://www.findhorn.org/> Acesso: Outubro, 2015.

BRAUN, Ricardo. Novos Paradigmas Ambientais: desenvolvimento ao ponto sustentável. 3. Ed.  Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

CUNHA, Eduardo Vivian da. A sustentabilidade em ecovilas: práticas e definições segundo o marco da economia solidária. UFBA: 2012.

KASPER, Debbie Van Schyndler. Redefining Community in the Ecovillage. Human Ecology Review, Vol. 15, No. 1, 2008. Disponível em http://www.humanecologyreview.org/. Acessoem jan/2014.

HOLMGREN. David. Permacultura, Princípios e caminhos além da sustentabilidade. Tradução Luiza Araújo. Porto Alegre: Via Sapiens, 2013.

 

GEN- Rede Global de Ecovilas. Disponível em: <http://gen.ecovillage.org> Acesso: Outubro, 2015 e  GFN – Global Footprin Network- disponível em http://www.footprintnetwork.org Acesso: novembro, 2016.

KEELER, Marian, BURKE, Bill. Fundamentos de projeto de edificações sustentáveis. Tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2010.

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005.

BISSOLOTTI, Paula Miyuki Aoki. Ecovilas: Um método de avaliação de desempenho da sustentabilidade. 148f. Tese (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2004.

 

 



Lula não é um santo. Viva Lula!

6 de Abril de 2018, 13:22, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

 Lula não é santo viva lula

 

Lula não é um santo. O PT teve erros inaceitáveis. Mas a história avança sem perfeições. Quem sinaliza o lado certo em que podemos estar nela é a resposta à pergunta: A quem serve esse fato histórico? É incontestável que Lula mudou o Brasil incorporando os pobres como parte da Nação. É por isso que o povo lhe defende, assim como aqueles que têm sensibilidade social. Isso não quer dizer que todos os que estão "do outro lado" sejam insensíveis. A realidade política é complexa. Há muita gente que apenas quer os corruptos sejam presos, sem se darem conta da injustiça que está sendo cometida contra Lula, ou, dando-se conta, achando que esse é um mal menor.

É importante separar o joio do trigo e não misturar todos como "coxinhas". Eles e elas existem, voltados para seus próprios umbigos, não querendo mudanças no status quo que lhes benefecia. Querem um mundo exclusivo para a classe média e os ricos, os brancos, os heteros, os privilegiados de todas as naturezas. Por que iriam querer empregados que se valorizam e questionam, salário mínimo decente, cotas universitárias que tiram vagas de seus filhinhos, dinheiro público servindo ao povo em grandes programas sociais? mas os coxinhas de carteirinha não são tão numerosos assim.  

O que existe, imensamente majoritário na população brasileira, é uma indignação com a corrupção. E mesmo que a condenação de Lula por um apartamento que não está em seu nome, no qual ele nunca viveu, nem tirou qualquer proveito, seja esdrúxula, o fato de que o PT também se envolveu em corrupção comove a nação. Aliás, nós que votamos e defendemos Lula nesse momento também continuamos indignados e querendo que o PT finalmente faça sua autocrítica e se reconcilie com sua história. Mas a história não é um romance de mocinhos e se queremos estar do lado certo vamos nos perguntar: quem está mais próximo daquilo que acredito que é melhor para o Brasil?

Viva Lula!

 



Micro efeitos culturais do combate à corrupção no Brasil

23 de Março de 2018, 18:33, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

 Banner corrupção

Pode-se ter a sensação de que a corrupção atingiu níveis inimagináveis nos últimos anos pois esse tema tornou-se tão presente na mídia que parece que nunca tinha havido antes tanta roubalheira no âmbito público. Ok, nem vou citar inúmeros escândalos desde a época da ditadura até antes da Lava Jato pra dizer que o que tivemos nos últimos tempos foi apenas investigação e punição. Nem vou entrar na discussão sobre as disparidades entre os crimes, a parcialidade ou não de certos juízes, etc. etc., a perseguição de uns e as vistas grossas para outros, temas sobre os quais já se gastou muitas palavras. Vou falar de nós, pessoas comuns, honestas e que se deliciam ao lembrar que Cunha, Maluf e Geddel estão presos, na companhia de muitos outros notórios corruptos.

O que observo, feliz? Uma intolerância cada vez maior com os pequenos crimes que nos rodeiam. Quem não percebeu o quão é comum hoje falar criticamente sobre as “pequenas corrupções”, desde subornar um guarda de trânsito até ter carteira de estudante falsa? A sociedade está evoluindo muito para perceber o caráter cultural e sistêmico da corrupção e também para combatê-la nos micro espaços. Acompanho nos últimos tempos verdadeiras rebeliões pela ética até mesmo nos rincões mais privados e corporativos da sociedade.  Posso citar as mulheres que denunciam sem cessar os abusos masculinos, sejam eles sexuais ou puro machismo “ordinário” de homens que consideram que tudo lhes é devido.  As manifestações contra o racismo estrutural se multiplicam assim como contra o racismo “ordinário”.  Mas vou terminar focando no ambiente das Universidades, que é onde estudo e trabalho desde meu vestibular, há mais de três décadas.

Estudantes que compram trabalhos em plataformas na internet? Que copiam trabalhos já publicados em suas dissertações e teses? Estão sendo denunciados e punidos pelas bancas de avaliação. Professores que colocam informações falsas na plataforma nacional de currículos do CNPQ? Que acumulam horas em contratos múltiplos que lhes fazem ter até 80 horas remuneradas por semana ? Que faltam aulas injustificadamente e que não honram a profissão por não dedicar-se seriamente à formação de seus alunos e alunas? Estão sendo denunciados pelos próprios colegas que abrem processos muitas vezes unânimes e assim rompem com uma prática corporativa que vi por décadas. Talvez as reações à corrupção no país devessem estar sendo mais públicas, sobretudo quando malas de dinheiro vão e vêm. Mas a reação fulminante da sociedade brasileira em face do assassinato de Marielle Franco e os processos que tenho acompanhado em torno de mim mostram que podemos ficar otimistas com o futuro. Nossa sociedade está mudando em profundidade.

Publicado no Jornal A Tarde, 23/03/2018

 

Micro efeitos da luta contra a corrupção 23 03 18



Permacultura e Meditação

16 de Fevereiro de 2018, 8:45, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

Alto do parque horizontal

Acabei de viver um experiência única no município em que nasci, Miguel Calmon, nas imediações do Parque das Sete Passagens. A Escola de Sustentabilidade Integral - ESI, que criei e sustento em parceria com bravas pessoas, levou um grupo de 12 exploradores de si e do mundo para vivências com a Natureza e em sintonia com a Alma. Como disse alguém que estava lá, permacultura e meditação são dois lados da mesma busca de harmonia: pra fora e pra dentro.

Preparando pancsTodxs pintandoPeneirando o barro da tinta

O Sítio do Futuro, que há dez anos vem sendo reflorestado por nós e pela gente da Grota e que produz frutas, raízes, folhas, ervas e legumes livres de agrotóxicos e de fertilizantes, nos acolheu com alegria e beleza.  Os passarinhos, as borboletas, os sapos, as corujas, as iguanas e os jabutis, também. As agroflorestas do Sítio mostraram o caminho da produção de alimentos de forma que enriquece o solo e a biodiversidade, tão diversa do mórbido agronegócio.  Minha alegria de ver aquele ambiente pronto para acolher pessoas buscando uma transição para outro tipo de vida, calma, simples e abundante, cooperativa e alegre, foi enorme. 

A sede de campo da ESI, em contrução, permitiu uma oficina de pintura de terra, divertida e inspiradora, que mostrou o quanto é possível viver em beleza sem química, honrando a beleza que já está aí, numa explosão de cores da Natureza. A casa em adobe e madeira de reflorestamento, a BET- Bacia de EvapoTranspiração,  que transforma os resíduos da casa em fertilizantes, são outros exemplos de bioconstrução. A alimentação natural, os exercícios físicos feitos logo cedo, a cooperação entre os membros dessa pequena comunidade, os momentos de silêncio e meditação e o apoio das pessoas da região resultaram em bem estar e leveza. 

 

 Viver é bomA alegria de son e joana

O Sítio do Futuro e a Escola de Sustentabilidade Integral mostram que o Bem Viver e a alegria que decorrem de uma vida simples, cooperativa e em sintonia com a Natureza estão disponíveis para todo mundo. Milhares de outras iniciativas de permacultura, de autoconhecimento e de vida comunitária ecológica estão por aí. Cada pessoa que quer contribuir para que a humanidade passe a outro patamar de amorosidade precisa viver na prática experiências assim e apoiar aqueles que estão desbravando esse novo mundo, como nós. Venham, estamos abertos a acolhê-los em nossa próxima atividade. Acompanhem a Escola de Sustentabilidade Integral pelas redes sociais e saiba quando:

https://www.facebook.com/escoladesustentabilidadeintegral/

Joana preserva o sítio



A emergência da cidadania planetária

6 de Outubro de 2017, 17:49, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

Cidadania planetária

 

 

EMERGÊNCIA DA CIDADANIA PLANETÁRIA

Transformar a Visão da Política e da Geopolítica: do Poder Dominador ao Poder Co-criador

A grande questão geopolítica atual não é saber que Potência dominará o século 22, mas se haverá para a Humanidade um século 22. A civilização humana está ameaçada de desaparecer. Mas o que a ameaça é sua irresponsabilidade ecológica e social, sua própria barbárie interior e não exterior. Isto muda a maneira como vemos a questão da defesa.

A defesa, pois, consiste na capacidade dos humanos de organizar seu viver juntos, num planeta que permaneça habitável. As questões ecológica e humana, isto é, a capacidade da humanidade confrontar seus demônios interiores e crescer em humanidade torna-se o centro de uma nova abordagem da geopolítica. Esta visão integral e planetária do lugar do humano na natureza muda nosso olhar, que se torna mais apto à compaixão e mais construtivo. Cada ser humano se torna, naturalmente, cidadão da Terra, portanto, do Universo. Pequenino e ao mesmo tempo responsável pelo seu futuro. Mas, de fato, propenso à humildade e à solidariedade, por ser um elemento frágil da família humana e da de todos os seres vivos.

É, portanto, necessário passar do Poder dominador, que fundamenta a geopolítica clássica, ao Poder co-criador. Isto conduz a uma mudança da noção de governança. E a uma mutação qualitativa da democracia competitiva e delegativa a formas de Democracia participativa e colaborativa. É também a passagem de uma política fundada na inimizade (a figura do inimigo) à que Aristóteles e Derrida chamavam de “uma política da amizade”, fundada na ideia de que a/o “irmã/o” (no sentido de filhas e filhos da Mãe Terra) só pode sobreviver superando suas pulsões violentas. Isto não significa o fim dos conflitos nem dos desacordos, mas a capacidade de entende-los de maneira fecunda e não violenta. Isto é importante tanto nas relações interpessoais quando nas interações no seio da sociedade civil planetária na sua diversidade.

Isto leva a uma mudança da visão jurídica: passagem da “soberania solitária” dos Estados-Nações à “soberania solidária”, capaz de levar em conta “bens comuns” ecológicos e societários. Ela se apoia desde já em novas abordagens jurídicas tais como a noção de ecocídio, ou de crime contra o ambiente que coloca em risco a humanidade. A Corte Penal Internacional se reconhece competente se um crime contra a humanidade de natureza ambiental é provado; este já é um primeiro passo naquele sentido.

É também uma superação da abordagem puramente “internacional” para avançar no sentido da “mundialidade”: a mundialização se opõe à globalização que é somente econômica e financeira, por levar em conta o conjunto das questões ecológicas e sociais mundiais a partir do nível local. Isto significa tratar destas questões em termos de subsidiaridade, para que a mundialidade não entre em contradição com as diferentes identidades. Assim, cada comunidade é responsável pela gestão do seu espaço apoiada, quando necessário, pelos outros níveis. Isto permite, ao mesmo tempo, a construção de identidades-relações entre comunidades e entre diferentes níveis (territórios, países, continentes). Assim, o reconhecimento de uma cidadania planetária, que dá a todo ser humano direitos e deveres definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Carta da Terra, torna-se compatível com a cidadania local, nacional ou continental. A identidade-relação envolve a co-responsabilidade entre as diferentes escalas de vida, para a sobrevivência do conjunto do povo da Terra.

Há também, evidentemente, mudança em relação à economia. Uma Economia plenamente ecológica, que promove a consciência da necessidade de uma boa gestão de todas as nossas moradas: nosso corpo, nossas casinhas terrestres, nossas comunidades, nossos biomas, nosso país e a grande casa planetária.  Isto exige uma economia do suficiente, que reconheça os limites dos recursos da Terra, promova o consumo sóbrio e responsável de bens materiais e ponha limites ao crescimento; novos conceitos e indicadores de riqueza; e uma abordagem da contabilidade que resgate ao termo benefício seu verdadeiro sentido de atividades benéficas, fontes de melhoras qualitativas e não quantitativas, para todas e todos, e não apenas para um pequeno número de privilegiados. Ora, diversos valores monetários correspondem, de fato, a atividades destruidoras do ser humano, da natureza, da saúde…, tais como a mercantilização da exploração humana, das guerras, das doenças, dos acidentes rodoviários, o agravamento das catástrofes naturais (extrativismo ou construções anárquicas) e os vícios, como o consumo de cigarros.

O que conta numa casa é o Bem Viver de todas e todos os que a habitam. O verdadeiro sentido da atividade econômica deve ser o Viver em Plenitude, e não o lucro e a acumulação de dinheiro e de propriedades. Viver em Plenitude inclui ter acesso a todas as condições que facilitem o desenvolvimento dos potenciais, qualidades e talentos de cada pessoa, comunidade, território e povo. A partilha da propriedade e da gestão dos bens produtivos, seja a terra, as unidades industriais e financeiras, seja a tecnologia e o conhecimento nutrem a solidariedade, a reciprocidade e a complementaridade.

Isto leva a outras mudanças profundas, como a transição para uma economia plural e o deslocamento do centro das atividades econômicas da empresa privada para as comunidades humanas nos seus territórios e ecossistemas, auto gestionárias e solidárias entre si. O planejamento participativo do desenvolvimento socioeconômico e humano auto gestionário orienta a oferta para a produção de bens e serviços que respondem às necessidades reais dos sujeitos sociais e dos modos de governança participativos e não-hierárquicos organizados do local às esferas mais gerais. Esta vocação de serviço ao Bem Viver integral das pessoas se estende ao Estado democrático, cujas responsabilidades abrangem a orquestração da diversidade social e a proteção dos direitos humanos e da soberania nacional e popular; a promoção de relações harmônicas e igualitárias entre as comunidades e as regiões, assim como o respeito à diversidade; a produção das infraestruturas que servem às esferas regionais e nacional; a garantia de uma gestão responsável dos bens comuns, dos biomas e ecossistemas; a proteção da resiliência dos ambientes alterados pela ação humana; e a gestão dos assuntos internacionais e planetários.

Há igualmente mudança em relação à espiritualidade. Espiritualidade aberta, fundada na relação com a beleza, com o mistério da interioridade que permite superar as várias religiões organizadas em torno do medo, da culpa, da submissão e do sacrifício. Em particular há a superação da lógica da Potência dominadora, que corrompeu profundamente diversas instituições religiosas e conduziu às piores guerras, aquelas realizadas em nome de Deus. Essa espiritualidade aberta, criadora e não dominadora pode, então, ser plenamente coerente com uma abordagem aberta da laicidade. A espiritualidade se torna, assim, uma pesquisa íntima da missão profunda de cada uma e cada um nesta vida, o que nos leva à prática da alegria de viver consigo mesmo, com os outros e com a Natureza. É, pois, uma mudança da relação entre micro e macrocosmo, que conduz a uma visão fractal tanto do universo exterior quanto do interior, e abre à abordagem de uma transformação tanto pessoal quanto social. Isto supõe, claro, a abertura a uma inteligência global aberta tanto ao coração e ao corpo, quanto ao espírito.

A partir de agora há uma mudança da noção de civilização. A perspectiva de uma Cidadania mundial permite oferecer uma alternativa não só à noção de civilização colonizadora, mas também à guerra de civilizações teorizada pelos neoconservadores estadunidenses. Isso vale, em particular, para o diálogo necessário, ao mesmo tempo exigente e aberto entre Modernidade e Tradição, capaz de conservar o melhor dos dois. Da Modernidade guardaremos a liberdade de consciência, o reconhecimento da singularidade e, portanto, dos direitos de todos os seres humanos, sem o pior – a coisificação ou mercantilização da Natureza, da Vida e até dos Humanos. E operaremos a mesma “triagem seletiva” entre a parte luminosa da Tradição – a reconexão com a Natureza, com os outros e com as questões do sentido), rejeitando sua parte sombria: a dependência derivada da dominação patriarcal (controle social, fundamentalismo identitário e ecologia misantrópica).

É toda a perspectiva do humanismo que se encontra assim transformada. Co-construção de um Humanismo a serviço do Ser Vivo e da cidadania planetária, e não o humanismo de dominação da natureza e de imposição da visão ocidental do mundo.

 

O desafio do “Bem viver”

 

Nessa perspectiva, a visão manifestada pelos povos originários da América Latina, e divulgada com força a partir do FSM de Belém em 2009, propõe uma transição no sentido de sociedades do “Bom Viver” (sumak kawsay em quechua), do Bem viver, que ganha pleno sentido hoje e cria a reviravolta espiritual de que nosso mundo necessita.

Mas o Bem Viver não se tornará um verdadeiro projeto de sociedade a menos que seja encarnado por um movimento cidadão que o leva a sério para se organizar consequentemente em torno desse eixo e realizar ações concretas. Precisamos responder ao desafio da experiência e não só da esperança. A simplicidade dos 13 passos propostos pelos povos originários dos Andes para exprimir o sumak kawsay no cotidoano pode servir de inspiração a todas e todos que querem empreender uma transformação pessoal e assim contribuir a uma transformação social. Esta transformação começa pela vida cotidiana na escala individual para ampliar-se à escala de toda a sociedade global. É um novo sentido da vida que se exprime na busca do “Viver Plenamente”, no sentido integral: Bem Viver conosco mesmos, com os que nos cercam e com a busca, com aqueles que nos cercam e com aquela que nos nutre, a Mãe Terra. Os 13 princípios do Bem Viver na busca do equilíbrio são:

 

1) saber nutrir-se do que é saudável;

2) saber beber favorecendo o fluxo da vida;

3) saber dançar no ritmo do Universo;

4) repousar, dormir de um dia para o outro;

5) ser capaz de trabalhar com alegria;

6) saber calar-se e buscar o silêncio meditativo;

7) pensar, em conexão com o coração e o espírito;

8) saber amar e ser amada/o;

9) saber ouvir-se, os outros e a Mãe Terra;

10) saber falar de modo construtivo;

11) saber sonhar com uma realidade melhor;

12) aprender a caminhar acompanhado das boas energias; e

13) saber dar e receber.

 

Para que uma transição a sociedades do Bem viver, já iniciada nos quatro cantos do mundo, seja amplificada de modo significativo, é preciso que ela seja atraente. A antecipação deste mundo do devir, que já é praticado e experimentado por um novo tipo de movimento social e cidadão, está criando este desejo em todas e todos de participar dele e de demonstrar que é realizável em grande escala. Devemos, portanto, construir uma verdadeira “aliança das forças da vida”, capaz não só de resistir às lógicas mortíferas, mas também de promover essa grande Transição a sociedades do Bem viver, na linhagem dos movimentos Cidades em Transição, Programa Educação Gaia, Rede Global de Ecovilas, movimento Nação Pachamama, Rede intercontinental de promoção da economia social solidária (RIPESS), o pulular educativo e empreendedor da entidade Gawad Kalinga, nas Filipinas, Ekta Parishad (o movimento gandhiano de Rajagopal) e Vikalp Sangham (grande rede de grupos e movimentos alternativos), ambos na Índia, e todas as iniciativas que manifestam em todo o mundo uma formidável criatividade cultural, ecológica, econômica, societal e cidadã.

No centro deste projeto de Transição para uma sociedade do Bem viver, há, contudo, um ponto cego importante que, não sendo plenamente entendido, conduz vários projetos transformadores ao fracasso ou a ter limitada sua potência criadora. Este ponto cego é que vários projetos alternativos na História terminaram por fracassar não pela força dos seus adversários (o capitalismo, o despotismo, o imperialismo, por exemplo), mas pela implosão causada pelas rivalidades fratricidas e pela insuficiência de energia interior criadora. Sempre encontramos, ao analisar as causas desses fracassos, o fato de que formas de mal viver, e também de maus tratos estavam sempre presentes no seio dessas movimentos. Ora, todo mal viver, coletivo ou individual, traduz-se por um déficit de energia interior que leva à busca no exterior da energia que falta. Isto se traduz pela rivalidade nas relações com o outro, a predação nas relações com a natureza e a depressão na relação da pessoa consigo mesma. Interessa, neste sentido, ver como problemas ditos “pessoais” desempenharam um papel decisivo nas bifurcações negativas de forças transformadoras: quer seja entre Danton e Robespierre, Marx e Proudhon, Lenin e Trotsky, Castro ou Mao Tse Tung, com diversos dos seus companheiros de revolução respectivamente. É longa a lista destas influências negativas de falta de sabedoria, que se traduzem em formas brutais de modos de organização e de liderança. Podemos sem dificuldade encontrar diversos exemplos disso em organizações atuais às quais pertencemos.

A necessidade de mudar esta dinâmica para dar mais lugar a movimentos que renovam a energia dos participantes que desejam mudar o mundo aqui e agora torna-se evidente. Existem diversos movimentos que, baseados na autogestão e na liderança compartilhada, valorizam a contribuição de todas e todos, confirmando esta necessidade cada vez mais consciente. Esses coletivos se tornam mais fortes e atraentes, em especial para a juventude, porque promovem laços de amizade enquanto força política. Esta política da amizade e da confiança repousa na benevolência de um/a em relação ao outro, no acolhimento das diferenças, mas também na exigência de responsabilidade individual e coletiva em coerência com os valores compartilhados. Estes coletivos, graças à sua capacidade de construir unidades na diversidade, se tornam uma força de ação maior para a transformação do mundo. Todos os exemplos que existem aqui e ali desde há decênios são sementes de renovação e são portadores de frutos abundantes, mas frequentemente desconhecidos, à exceção de exemplos políticos emblemáticos como os de Rosa Luxembourg, Rosa Parks, Wangari Matthaai, Leymah Gbowee, Rigoberta Menchú, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Martin Luther King e Gandhi, cuja célebre citação resume a filosofia destes novos movimentos cidadãos: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”, retomada pelo Papa Francisco na sua Encíclica Laudato Si.

A Alegria de Viver no seio do Bem Viver constitui a alternativa individual e societária às economias do mal estar e dos maus tratos. Assim, segundo as Nações Unidas, as despesas anuais com drogas e entorpecentes representam dez vezes as somas que permitiriam a satisfação das necessidades vitais da humanidade; e as despesas com armamentos, vinte vezes! Acrescente-se que a publicidade que participa desta economia do mal estar, vendendo promessas da ordem do SER (beleza, felicidade…) para melhor alimentar a corrida ao TER, é avaliada em mais de dez vezes as somas exigidas para erradicar a fome, permitir acesso a água potável ou aos cuidados básicos. O déficit energético provocado pela insuficiência de alegria interior deságua na compensação do que o filósofo Spinoza chamava de paixões tristes. Se, em termos ecológicos, o mal viver está também na origem de formas insaciáveis de produtivismo  e extrativismo, só uma sobriedade feliz (contanto que enfatizando este segundo termo) e uma economia do suficiente têm o poder de inverter este processo deletério. Mas isto só é possível se a qualidade de consciência e de presença da Vida nos permite este avanço.

Como podem os atores que colaboram para “a Grande Transição” melhor coordenar-se em escala global? O conceito de cidadania planetária oferece a possibilidade de um projeto mundial ambicioso, que permite a todas as energias criadoras presentes hoje de forma fragmentada, unir-se na sua diversidade e ampliar-se, pois os bens mais preciosos se multiplicam quando são compartilhados. Reunamo-nos, pois, em torno deste projeto comum! Trabalhemos para identificar os sinais de pertencimento à nossa grande família (logos, colantes, ferramentas comuns de comunicação, bandeira, etc.) a fim de torna-la visível, natural, evidente, incontornável. Esta visibilidade é essencial a fim de que seus membros, cada vez mais numerosos, possam dizer-se: sim, temos o poder de agir; sim, estamos em casa em qualquer lugar do planeta; sim, somos todas e todos cidadãs e cidadãos do Povo da Terra; sim, podemos nos organizar para garantir juntos a nossa autonomia em relação ao sistema dominante e para experimentar novas formas de vida que consideramos ecológica e socialmente as mais desejáveis!

De fato, nós ainda estamos na origem de uma célula fractal deste movimento cidadão mundial pelo Bem Viver. Mas todos os grandes projetos na História começaram assim e, se muito atores presentes, por exemplo, no Fórum Social Mundial se aprestam a co-construir um tal Projeto, ele poderá rapidamente se expandir. A Visão deve ser imensa, e a Ação levará tempo, dando pequenos passos para segui-la, em confiança e consciência, brilhando pela qualidade dos seus resultados e atraindo sempre mais energias criadoras do futuro. Este é um paradigma complexo inédito que estamos ajudando a vir à luz .

Ele supõe abordagens múltiplas e ações concretas, tentativas-erros, com uma visão comum, novos espaços de criação, novas relações, novas transversalidades, novas hierarquias de valores, uma nova linguagem a invertarmos com a colaboração de todas as pessoas criativas, em todos os campos – cultural, econômico, político, religioso, agnóstico, espiritual…!

Para servir a esta visão, a rede Diálogos em Humanidade propõe a criação de um Conselho de Segurança da Humanidade. Frente aos colapsos maiores, - tais como as crises financeiras, catástrofes ecológicas, explosões sociais, riscos ligados ao uso voluntário ou acidental de armas de destruição maciça, etc., - a ideia de construir, a partir da sociedade civil mundial, um Conselho de Segurança da Humanidade poderia ser um projeto comum aos nossos movimentos. Sobre este ponto o Conselho de Segurança das Nações Unidas está longe de estar à altura da sua missão de promover a paz com justiça. O fato de seus cinco membros permanentes, que deveriam ter a maior responsabilidade sobre o desafio mundial da paz, sejam também os cinco principais vendedores de armas, constitui uma trágica ilustração. Precisamos, portanto, construir as condições para que seja um autêntico “Conselho de Segurança da Humanidade”, combinando dois tipos de recursos. Por um lado o conjunto de atores susceptíveis de formular alertas e contra propostas relativas aos grandes riscos que corre a Humanidade: as grandes organizações da sociedade civil que atuam nos domínios ecológico, humanitário, social, tecnológico, mas também todo tipo de ator, de qualquer forma institucional, que possa compartilhar de forma descentralizada o conjunto de informações e propostas que possam alimentar esta perspectiva.

Para servir a esta visão, a rede Diálogos em Humanidade retoma a ideia da “Cúpula das Consciências” ocorrida durante a COP21 e propõe a criação de um Conselho de Segurança da Humanidade. Frente aos colapsos maiores, - tais como as crises financeiras, catástrofes ecológicas, explosões sociais, riscos ligados ao uso voluntário ou acidental de armas de destruição maciça, etc., - a ideia de construir, a partir da sociedade civil mundial, um Conselho de Segurança da Humanidade poderia ser um projeto comum aos nossos movimentos. Sobre este ponto o Conselho de Segurança das Nações Unidas está longe de estar à altura da sua missão de promover a paz com justiça. O fato de seus cinco membros permanentes, que deveriam ter a maior responsabilidade sobre o desafio mundial da paz, sejam também os cinco principais vendedores de armas, constitui uma trágica ilustração. Precisamos, portanto, construir as condições para que seja um autêntico “Conselho de Segurança da Humanidade”, combinando dois tipos de recursos. Por um lado o conjunto de atores susceptíveis de formular alertas e contra propostas relativas aos grandes riscos que corre a Humanidade: as grandes organizações da sociedade civil que atuam nos domínios ecológico, humanitário, social, tecnológico, mas também todo tipo de ator, de qualquer forma institucional, que possa compartilhar de forma descentralizada o conjunto de informações e propostas que possam alimentar esta perspectiva.

Por outro lado a criação de um “Conselho de Sábias e Sábios”, com a função de aconselhar e apoiar o Conselho de Segurança da Humanidade,  o que permitiria um diálogo exigente e transparente com o atual Conselho de Segurança da ONU. Um  tal Conselho da cidadania poderia manifestar, para além de todo interesse econômico, político ou religioso, uma consciência do futuro da nossa família humana.  Um primeiro desafio desse Conselho seria participar da mobilização pela Missão 2020, divulgada na revista Nature (junho de 2017). Nesse apelo diversas personalidades propuseram mudanças concretas em seis campos de ação que resultariam na diminuição significativa na emissão de gases-estufa. Isso permitiria à Humanidade ganhar cerca de vinte anos para prosseguir seu caminho de desaceleração da mudança climática. A partir desse apelo decisivo é preciso realizar a aliança de que precisamos entre as forças sociais e cidadãs, os grandes agentes científicos e espirituais, e os atores em posição de responsabilidade política ou econômica. Este poderia ser o primeiro assunto a ser tratado pelo Conselho de Segurança da Humanidade, numa incitação a mobilizar-nos coletivamente por uma agenda dinâmica, na perspectiva de ação da cidadania planetária.

 

 

Texto proposto em nome da rede internacional Diálogos em Humanidade, por Patrick Viveret, Débora Nunes, Marcos Arruda, Anne Marie Codur, Christine Bisch, Siddhartha, Laurence Baranski, Geneviève Ancel et Hugues de Rincquesen. 

 



Dicas para um bom texto acadêmico

2 de Setembro de 2017, 10:06, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

 

 

Escrever

Dicas para um bom texto acadêmico

 

Débora Nunes

Depois de muitos anos orientando estudantes de graduação, mestrado e doutorado, identifiquei alguns erros recorrentes e fui anotando, um a um. Essa experiência de orientadora é a base desse texto - que já vem sendo útil há muitos anos - e também minha prática como escritora de livros que têm uma reputação de serem fáceis de ler. Espero que pessoas interessadas em escrever melhor, sobretudo no âmbito da Universidade, possam se beneficiar dessas dicas e propiciar a seus leitores e leitoras momentos agradáveis. Então vamos lá.

Um bom texto, mesmo o acadêmico, parece uma boa conversa, que flui agradavelmente, sem deixar subentendidos, nem incompreensões e encantando os interlocutores no prazer de aprender, e de certa forma, de trocar idéias. Como o leitor, ou a leitora, não tem como falar com o autor ou autora, é importante dar-lhe tempo para falar consigo mesmo enquanto lê, fazer pausas, mesmo rápidas, para pensar. Estas pausas podem ser propiciadas pelas pontuações bem usadas, pelas frases curtas, os parágrafos bem ritmados (e que não cansem quem lê), a presença de intertítulos no texto, os capítulos que se sucedem de forma clara...

Escrever bem é saber expressar idéias de forma clara e rápida, pra manter a atenção de quem lê, mas também de forma persuasiva, com capacidade de convencer pela lógica e pela competência demonstrada pela autora ou autor. Uma boa redação revela capacidade de raciocínio e muito esforço pessoal – mesmo para aqueles que têm mais facilidade de escrita. Nenhum bom texto é escrito de uma só vez, mesmo os melhores autores e autoras retrabalham várias vezes seus escritos para brindar quem lê com o melhor. Vamos fazer o mesmo. No final do post há uma lista para que você faça uma auto avaliação: seu texto, ou o texto de sua equipe, está bom?

 

Para escrever de modo agradável e compreensível, faço algumas recomendações.

I - Sobre o tema:

O melhor tema é o que nos desperta muita curiosidade e preenche o autor/a, de alguma forma, enquanto pessoa. Só assim ela pode entregar o melhor de si mesmo/a em seu estudo e na finalização escrita da sua pesquisa. Seja qual for o trabalho acadêmico em que você esteja envolvido.a, busque saber em que ele contribui pra alegria do seu aprendizado ra que você possa dar o melhor de si.

Um bom texto deve mostrar ao leitor o processo intelectual que foi percorrido para que o autor chegue às mensagens que quer lhe passar, tanto dos autores com os quais aprendeu sobre o tema, como dos pontos de vista e formas de aproximações/abordagens que foram usadas para o entendimento do tema e das proposições e/ou conclusões tiradas. Dizendo de outra forma, suas referências teóricas e metodológicas precisam ficar claras no texto.

Importante! Tudo o que você escreve é guiado pelo tema de sua escolha. Assim, observe se você não faz digressões excessivas, rodeios, como se diz, desviando-se demais do que você quer desenvolver. Perder-se no seu próprio texto é um perigo que você não pode correr e para isto, guie-se sempre no seu Sumário e evite parágrafos e parágrafos que não têm relação direta com seu tema. O Sumário é uma peça que ajuda a reflexão do autor e estabelece um compromisso deste com a leitora e o leitor. O Sumário, no processo de escrita, ajuda a organizar suas idéias e não sair do seu tema, trabalhando-o de forma correta. O leitor tem ali uma percepção geral do que vai ler, despertando (ou não) seu interesse. Por isso mesmo, fique atenta.o com os títulos do seu Sumário...

II- Sobre o leitor:

O/a leitor/a deve ser tratado sempre como alguém inteligente e que não tem tempo a perder. Por isto mesmo o leitor deve ter possibilidade de apreender rapidamente, em uma primeira leitura, o que o autor quer dizer. Havendo clareza no texto, o leitor pode se posicionar de acordo, contra ou manter-se em dúvida em face ao que lê e esta dinâmica o estimula a prosseguir.

Em tempos em que falta tempo, o Sumário, a Introdução e a Conclusão são os itens mais garantidos de serem lidos no texto e assim podem fazer o texto ser lembrado ou esquecido. Escreva-os com o maior cuidado, perguntando-se sempre se não podem ser melhorados para expressar de forma mais clara o que de fato você quer dizer. Um Sumário que funciona como um roteiro de viagem, uma Introdução que fornece ao leitor/a um panorama das informações iniciais que ela/e precisam ter pra aproveitar a viagem e uma Conclusão que sintetize a experiência tida na viagem são uma garantia de que seu texto está indo bem. E que a viagem será proveitosa e agradável.

A técnica de leitura dinâmica, usada por muitos leitores, onde se lê principalmente a primeira frase de cada parágrafo, faz com que seja aconselhável começar o parágrafo, o subcapítulo e o capítulo, pelo enunciado mais importante a ser dito ali, e só depois abordar os fatores secundários ou dados menos importantes.

 

III- Sobre a organização do texto ou componentes de um bom texto

Um trabalho começa com uma Apresentação que é onde o/a autor/a explica ao leitor/a o contexto em que o trabalho foi realizado: explica suas experiências anteriores com o tema, o que motivou sua produção, etc e até mesmo o contexto concreto, teve tempo suficiente ou não, foi um período com dificuldades ou possibilidades específicas, etc. É a parte mais pessoalizada do texto acadêmico, depois dos Agradecimentos, claro!

No Resumo, de cerca de 20 linhas (250 palavras), precisam estar respondidas as perguntas: o que é o trabalho, por que foi realizado, onde e quando, como se desenvolveu e quais as conclusões tiradas. É preciso que este importante texto seja bem trabalhado, pois é uma referência geral para quem lê. Para quem escreve é uma comprovação da clareza conseguida em todo o texto.

O Sumário, do mesmo modo, deve ser feito com cuidado e deve ser específico do trabalho e não genérico, apenas com as palavras Introdução, Metodologia, etc. como títulos.  Mostrar a capacidade de organização e síntese das idéias do (a) autor (a) e facilitar a leitura dos leitores é a função do Sumário.

Na Introdução o tema é que é apresentado.  Em linhas gerais se contextualiza a discussão e ao final é apresentado de forma resumida o trabalho que virá a seguir (sugestão: pelo menos um parágrafo para explicar cada capítulo, se for um texto de mais de 15 páginas). Na Metodologia se reafirma o objetivo do trabalho e se descreve as atividades desenvolvidas e as características da abordagem (exploração, descrição, interação participativa, elaboração de proposições, etc) que você escolheu. É importante descrever detalhadamente tudo o que não for tão usual, como metodologias participativas, por exemplo. Explicite onde e como você coletou os dados que usou no trabalho e explique os métodos de análise usados para tratar os dados.

Sobre o desenvolvimento do texto, serão feitas recomendações a seguir, nos itens IV e V, porém é preciso lembrar que se escreve para confirmar hipóteses levantadas previamente, ou seja, argumentar sobre aquilo que quem redige quer transmitir. Todas as considerações apresentadas sobre o tema devem ser argumentadas pelo autor/a e é importante que muitas tenham confirmações bibliográficas, estudos de outros autores e autoras, tabelas, fotos, diagramas... Cada argumento, dado ou informação de pesquisa deve ser referenciada com fontes ali onde elas são feitas pela primeira vez. Isso é muito importante pra que a leitura seja clara, faça isso mesmo que de forma bem sintética, que será desenvolvida depois. Quando autores/as e e argumentos estão presentes em outras partes na frente do texto, sem terem sido antes anunciados, isto dificulta o diálogo autor(a)/leitor(a), essencial em um trabalho acadêmico. Lembre, pegue sua leitora e leitor pela mão e conduza firmemente e com clareza a viagem que fazem juntes, ou o aprendizado em curso.

As afirmações/negações acerca do tema precisam ser feitas de forma clara e organizada para que exista real processo argumentativo a ser seguido pelo leitor. Só assim, ao final, as conclusões do trabalho poderão ser partilhadas entre o autor/a e o leitor/a ou se evidenciará uma discordância entre esses dois pólos da escrita. E, em ambos casos o trabalho argumentativo foi válido já que o leitor/a saiu ganhando em aprendizado sobre o que você pensa e sobre o que ele/a pensa sobre o assunto.

Na “Conclusão” se resume rapidamente o trabalho e se expõe o que foi aprendido. Não deve haver dados novos do trabalho e é o momento mais apropriado para o autor se posicionar livremente sobre o tema, em consonância com a argumentação defendida ao longo do trabalho, mantendo assim a coerência do texto.  Recomendo que a Introdução e a Conclusão tenham em torno de 10% do total de páginas do texto geral.

Os Anexos são aquelas partes, importantes, que são retirados de outra fonte para serem juntadas ao trabalho. Os Apêndices também são adendados ao trabalho no final, mas são produzidas pelo autor (roteiro de entrevista, modelo de questionário, etc). Os anexos grandes, recortes de jornal, por exemplo, devem ter marcação das informações que se referem diretamente ao tema  (com marcador colorido, ou outro, pra ajudar o leitor/a a ler mais rápido) e devem estar organizados em ordem cronológica. Quando os anexos são mapas, é bem produtivo quando eles podem ser reproduzidos em pequeno formato no texto, só pra dar uma idea do que contêm.

 

IV- Ao tratar de um fenômeno, no desenvolvimento do texto:

  • Escrever de forma clara significa ter hierarquias claras: A cada aspecto a ser abordado no texto, discuta o tema atentando para a hierarquia, passando: 1) do geral para o particular, ou seja fornecer uma dimensão geral do problema e depois tratar do específico; 2) do grande para o pequeno; tratar primeiro as causas, depois os efeitos, a cidade e depois o bairro, a história em geral do tema e depois a história do tópico espcífico; 3) partir dos consensos e só depois entrar nas exceções ou nas polêmicas, ou seja vá do grandemente aceito para o duvidoso, comece pelos aspectos afirmativos (positivos) e só depois trate os ‘mas´ e ‘poréns` (negativos);
  • Busque tratar o tema sob vários pontos de vista, em termos micro e macro, abordagens de diferentes disciplinas e de diferentes estudiosos da questão, atentando para a hierarquia citada anteriormente;
  • Um recurso muito útil para dar amplitude ao tema é a apresentação da etimologia do(s) conceito(s) em questão, ou seja, a origem da palavra e suas diferentes acepções constantes no dicionário. Estas abordagens devem ser separadas em parágrafos, ou em subitens ou em capítulos diferentes;
  • Atentar para a cronologia, que deve ser crescente ou decrescente (por exemplo, do tempo mais anterior ao mais presente, ou partindo dos fatos do presente e indo buscar suas origens e causas no passado). A cronologia deve ser inteligível, ou seja, compreensível sem dificuldades e respeitada em sua lógica. Quando o autor decide por uma forma de abordar o tema em termos cronológicos, não poderá mudar no meio do caminho, pois confundirá o leitor;
  • Para que o leitor não se canse e não se perca, compreendendo bem o que está sendo lido, fazer frases curtas (máximo em torno de quatro linhas) e parágrafos também curtos (máximo em torno de 12 linhas). Bons textos têm normalmente um bom ritmo, ou seja, parágrafos mais ou menos do mesmo tamanho: uma referência para um bom parágrafo seria ter em torno de doze linhas, com cerca de três frases. Tudo funciona com ritmo no mundo, pense em qual é a "música" do seu texto;
  • Este ritmo de tamanho de frases e parágrafos deve ser mantido com certa regularidade, sem se tornar monótono, pois é quebrado com intertítulos, figuras, divisão em capítulos, etc.
  • Uma das principais formas de orientar o leitor a melhor saborear o texto é através dos títulos e intertítulos. Trate-os de forma criteriosa, nomeando-os com precisão e síntese a cada vez que o tema tiver subtemas.
  • Atentar para jamais fazer referência a um dado ou idéia que não tenha sido citado ou discutido anteriormente. É na primeira vez que se fala de algo, que se explica se que se trata, seja uma abreviatura, um conceito, um dado, um raciocínio. A seguir, salvo em casos raros, como textos muito grandes, não é necessário repetir;
  • O leitor deve ser considerado como distante do tema para não tornar o texto excessivamente ‘doméstico’ (por exemplo, quando se cita as instituições com abreviações sem dar o nome por extenso, como se todo mundo conhecesse, ou quando se situa os fatos num bairro, sem dizer a cidade a que pertence e até o país, para texto publicado no exterior);
  • O fenômeno deve ser abordado com segurança, demonstrando claramente a opinião do autor em relação ao que está sendo discutido, mas sem que isto seja feito de forma “panfletária”, ou dogmática, em forma de verdades definitivas. Suas dúvidas também devem ser explicitadas para que possa haver um diálogo com outros autores e com o leitor;
  • Incluir frases que ajudem o leitor a passar de uma ideia a outra, de um capítulo a outro, acompanhando o que você quer dizer (“Vendo o problema por um outro ponto de vista”, “retomando o que foi dito anteriormente”, “será abordado a seguir”);
  • As figuras, sejam elas fotos, desenhos, gráficos, quadros ou tabelas são instrumentos preciosos de síntese e em alguns casos, imprescindíveis. Lembrar que as figuras devem ser autoexplicativas e de boa qualidade e também de colocar a fonte e se é elaboração do autor/a, citar isto. Atentar para dizer brevemente a que veio aquela ilustração, mas não dizer tudo que a figura já vai dizer por sí só;
  • Lembrar que uma tabela não tem linhas no corpo e é qualitativa, enquanto que um quadro tem linhas e é quantitativo. Tabelas e quadro têm que ser bem formatados se não parece desleixo;
  • Texto mal escrito pode significar desrespeito ao leitor. Atente para revisar seu texto, ou pedir ajuda de alguém pra fazê-lo, pra evitar a impressão de desleixo, que é imperdoável. Uma dica que ajuda é usar a revisão automática do programa Word para que erros gramaticais, ortográficos, de pontuação e formatação sejam identificados automaticamente e assim corrigidos.
  • Revisar, simplificar e cortar são regras de ouro. Por exemplo, substitua “fazer um debate” por “debater”, e “com o propósito de”, por “para”. Retirando redundâncias o texto fica mais leve e agradável;
  • Deixe o texto descansar antes de revisá-lo pela ultima vez. Ao revisar tente estar no lugar da pessoa que lê, crítica, imparcial e querendo passar um bom momento de leitura;

 

V - Sobre o estilo:

  • Um erro ortográfico ou de conjugação é um pecado muito grande nestes tempos de revisão ortográfica automática. Observe o que diz o programa de escrita do computador, Word por exemplo, e não perca a confiança do seu leitor.
  • Seja direto, evite clichês, não seja empolado falndo palavras difíceis, não use jargões, aproxime-se o mais possível da linguagem cotidiana. Evite tanto as expressões excessivamente coloquiais, como as excessivamente rebuscadas. 
  • Evite abreviações, siglas e símbolos, pois o leitor pode não os conhecer. Se o fizer, explique o que significa e faça lista de abreviações, se forem muitas.
  • Fornecer sempre uma ordem de grandeza compreensível para o leitor não especialista no tema em questão. Se você fala em hectares, mantenha esta referência do início ao fim do texto;
  • O objetivo de um autor deve ser de tratar o tema o mais exaustivamente possível dando o mínimo de trabalho ao leitor, assim, evite redundâncias. “Enxugue” o texto retirando seus excessos e jamais repita o que já foi dito a não ser em situações muito particulares, assinalando para o leitor que você sabe que já falou daquilo, para não parecer descuido.
  • Jamais seja vago. Na medida do possível dê dados precisos e diga suas fontes. Evite o uso de advérbios vagos e não esclarecedores, como “muito”, “pouco”, razoavelmente. É melhor dar uma medida precisa: ao invés de “Esta ideia é muito antiga” (vago) tente substituir por algo como “Esta idéia foi difundida na década de 40 do século XX” (preciso);
  • Em cada parágrafo usa-se sempre o mesmo tempo verbal.
  • Ao fornecer o dado tempo, período histórico, por exemplo, colocá-lo entre vírgulas ou entre parênteses;
  • Não se começam frases com números. Exemplo “40% da população...” coloque uma palavra antes, ou escreva o número po extenso;
  • Uma palavra mal-usada causa má impressão, pois é sinal de ignorância: consulte o dicionário sempre que tiver a mínima dúvida;
  • Escreve-se o número por escrito quando este for menor que 10 (cinco, seis...);
  • Palavras em outras línguas, como “container” e “blitz” devem ser escritas em itálico;
  • Sempre que citar dados históricos, populacionais, técnicos, etc, citar a fonte.
  • Os mapas devem conter a escala, a fontes e as datas de levantamento.
  • Padronizar a unidade de área usada no trabalho – m² ou ha, por exemplo e só usar medidas diferentes que sejam compatíveis entre si (1 ha = 100 x 100m = 10.000m²     41,26 ha = 440.260m²), explicando isto ao leitor.
  • É imprescindível dar legenda a fotos e não só citar no texto a que elas se referem.
  • Citar as pessoas entrevistadas sempre com nome e sobrenome e dar informações rápidas de referência, como brevíssimo CV, se for o caso de especialistas. Outros exemplos: função na empresa, líder comunitário, etc. Quando há várias entrevistas, fazer lista de entrevistados/as com data e tempo de entrevista.

 

VI - Sobre as referências citadas ou as referências bibliográficas:

 

1- Um bom trabalho acadêmico implica em uma pesquisa por parte do autor sobre outros autores que trataram do tema, que sejam citados e enriqueçam o trabalho.

2- Um bom trabalho acadêmico é aquele cujo autor verificou bem, dentro das suas possibilidades e do seu horizonte do trabalho (monografia, dissertação ou tese) os textos locais, nacionais e internacionais sobre o tema;

A ética manda que cada ideia que foi originada por outro texto seja citada. Isto se passa dentro dos limites do bom senso já que existem idéias e dados que são do senso comum e que não precisam ser referenciadas;

Utilizar um autor para dizer algo que é obvio ou amplamente conhecido (exemplo: a segregação urbana é causada pela desigualdade socioeconômica entre os moradores da cidade) demonstra insegurança intelectual do autor/a;

Utilizar de forma ética a credibilidade de outros autores/as, na medida em que se faz uma leitura inteligente dos mesmos, com bons resumos, boas críticas/comentários e boas relações intelectuais com elas e eles faz com que todo mundo ganhe;

3- Entretanto, o melhor do trabalho é aquilo em que a autora/autor tem a dizer, o que ela/ele aprendeu sobre o tema e que repassa a seu leitor/a.

 

Exemplos de referência bibliográfica.

  • Para livros: SINGER, Paul; SOUZA, André Ricardo de (Orgs.) (2000). A economia solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 360 p.
  • Para artigos: FRANÇA, Genauto C. Novos arranjos organizacionais possíveis? O fenômeno da economia solidária em questão (precisões e complementos). In: Organizações & Sociedade/Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, v. 8, n. 20, p. 125-137, janeiro/abril 2001.
  • Para sites: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2017. Banco de Dados. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br. > Acesso em: 15 maio 2017.
  • Para citar uma informação de jornal, diga o nome do jornal, o n°, a data e a página.
  • Citação no texto é feita em minúsculo “Segundo Santos... ou SANTOS (data).

 

VII - Relação com o (a) orientador (a), professor (a):

A técnica da escrita depende da forma de trabalho de cada pessoa. Você pode escrever todas as idéias que lhe veem a cabeça e depois melhorar, clarear o pensamento, classificar e colocar no local devido (parágrafo, capítulo, etc.), ou pode escrever só o que já está amadurecido. Pense se vale a pena repassar seus esboços ao seu orientador (a), pois ele (a) não vai gostar de perder tempo com isto.

A orientação é feita geralmente de uma pessoa experiente para uma menos experiente. Escute, anote, busque entender as sugestões da orientação mesmo que não concorde. Se não confia no orientador (a), é melhor trocar o mais breve possível.

 

VIII – Auto avaliação: seu texto está bom?

  • Seu resumo é sintético e espelha suas premissas e conclusões?
  • O Sumário diz claramente o que o leitor encontrará no texto?
  • Há uma lógica entre os títulos dos capítulos entre si?
  • Há lógica entre os títulos dos capítulos e os intertítulos contidos nele?
  • Há intertítulos, pelo menos, a cada cinco páginas?
  • A primeira frase de cada parágrafo (que é lida com maior atenção) anuncia o que você vai desenvolver em seguida?
  • O primeiro parágrafo de cada item anuncia o que você vai desenvolver ao longo do item?
  • O último parágrafo de cada intertítulo faz um resumo do que foi dito no item anterior e anuncia o que vai ser discutido depois?
  • Você revisou se todos os autores citados estão na Bibliografia?
  • As normas atuais de citação e de formatação bibliográfica foram seguidas?
  • Suas Introdução e Conclusão são capazes de darem, juntas, uma ideia geral do trabalho realizado? seu tamanho está em torno de 10% do total do texto cada uma?
  • A pessoa que você pediu para revisar o texto disse que ele está claro, mesmo para uma pessoa leiga? Ela não encontrou repetições, erros em geral, digressões (rodeios)?
  • Você está satisfeito consigo mesmo? Busque ser exigente, mas não ao extremo. Lembra que o ótimo (geralmente não realizado) é o pior inimigo do bom (efetivamente feito)

Espero ter lhe ajudado. Reveja várias vezes o texto se guiando por essas e outras dicas (há várias na Internet) para ter um trabalho melhor, mais lido e mais respeitado.

 



Brechó EcoSolidário: Link gratuito do livro sobre sua história e metodologia

20 de Agosto de 2017, 10:59, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

                                                                  Aqui Link do livro

 

 

Capa livro brechó

 

 



Gandhi x Capitalismo

8 de Agosto de 2017, 19:43, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

Gandhi e o capitalismo.



A Universidade é um lugar de emancipação dos pobres e negros

29 de Julho de 2017, 21:46, por Débora Nunes - 0sem comentários ainda

No seu estilo provocativo, Paulo Henrique Amorim fala das teses do professor Jessé Silva. Vale a pena ver, lembra o magnífico filme "Que horas ela volta?" sobre a realidade brasileira contemporânea. Recomendo o link abaixo e o filme, seguramente!

"O ódio não é à corrupção. Mas ao PT e à ralé!"

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