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Gennaio 12, 2009 22:00 , by Unknown - | 1 person following this article.

O Papa e o Yoga Day

Giugno 22, 2015 2:02, by Débora Nunes - 0no comments yet

    

Dois eventos inspiradores aconteceram na semana que passou. No domingo, 21/06, 36 mil participantes, de 84 nacionalidades diferentes, praticaram ioga, juntos, na Avenida Rajpath, em New Delhi, em uma "sincronicidade espetacular", segundo o Times of India. O recém decretado Yoga Day, exatamente no dia do solistício de verão no norte do planeta e de inverno no sul, mobilizou multidões nas praças de grandes cidades, como Paris, New York, Londres, Tokyo e em muitas cidades brasileiras. Cerca de 190 países celebraram esse dia e milhões de pessoas ao redor do mundo realizaram exercícios respiratórios e corporais atendendo ao chamado das Nações Unidas. Provavelmente, apenas o Dia Internacional do Trabalho, decretado oficialmente há décadas, seja celebrado no mundo com tanta mobilização. E esse é apenas o primeiro Dia do Ioga oficial, no qual, a "mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo", como diz Joice em sua música, são chamados pela ONU para melhorar o mundo. 

Na quinta feira, 18/06 a nova encíclica do Papa Francisco sobre a crise ambiental suscitou a alegria daqueles que estão engajados na causa ambiental. Francisco pede a toda a humanidade para agir rapidamente para proteger a Natureza e evitar a catástrofe ambiental, mudando os hábitos de consumo e o modo de vida. A "encíclica verde", mostra a coragem do papa ao enfrentar, como disse Marcos Arruda, "os expoentes corporativos, políticos e midiáticos do Sistema do Capital Globalizado". Poucos documentos até hoje publicados são, ao mesmo tempo, tão profundos e tão agudos ao apontar as causas da crise e suas soluções.

Essas duas boas notícias apontam para o fato de que mais e mais pessos percebem que os problemas do mundo precisam ser enfrentados no âmbito pessoal e no âmbito político, ao mesmo tempo. As mobilizações de massas nas ruas não são apenas os protestos, bem vindos mas insuficientes. Os líderes religiosos não são mais os mesmos que se curvam facilmente ao poder estabelecido. O mundo está mudando. Talvez não na velocidade necessária, mas naquela que hoje é possível. O envolvimento de cada um em cuidar de si, como no ioga, e em cuidar dos outros e do mundo, como na encíclica do Papa, podem acelerar o processo. Coragem e harmonia interna: Isso muda o mundo.



Medo e Gestão de Conflitos – Consciência para Dialogar

Giugno 15, 2015 4:23, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

O texto a seguir introduz uma técnica importante para fazer-nos crescer tanto do ponto de vista pessoal, quanto coletivo. Sendo o medo um sentimento instintivo dos seres vivos - medo de morrer, medo de sofrer – e que no ser humano toma proporções mais sofisticadas – medo de não ser amado, medo de não estar à altura das expectativas, entre outros - percebê-lo, entendê-lo e lidar com ele, é uma tarefa árdua mas compensadora, como mostra Vivina Machado. No campo social, os grupos de diversos tipos, as nações, as classes sociais, têm também seus medos coletivos com grande impacto na sua forma de atuação e de legitimação das ações de seus dirigentes. 

O Diálogo, por sua vez, como caminho para um entendimento dos medos mútuos que nos dividem e impedem que vivamos em paz, é uma saída, um instrumento, e sobretudo um modo de enriquecimento. No campo pessoal, o diálogo é o conselho de sempre de qualquer pessoa minimamente madura para que se saia de um conflito. No campo social, as instituições de diálogo se multiplicam, sendo o próprio parlamento das democracias modernas, uma forma de diálogo. É o requisito para que o diálogo seja um caminho de gestão de conflitos que faz falta: “auto-reflexão e auto-responsabilidade, conosco, com o outro com a natureza”, nas palavras de Vivina. Convido o/a leitor/a para passear com a autora de uma situação concreta para uma visão geral de sua proposta. Sem dúvida, lidar de modo diferente com os conflitos, gerindo-os para solucioná-los sem opressão do outro, é um dos caminhos oferecidos pelas “práticas do futuro emergente”, sempre discutidas nesse blog para ilustrar novos paradigmas.

 

Medo e Gestão de Conflitos – Consciência para Dialogar 

Vivina Machado

 

Noite de quinta feira. Dia muito desafiante. Um acúmulo de tarefas e a maior parte do dia num hospital acompanhando uma bebezinha, que aos três meses se submeteu a uma cirurgia para retirada de duas hérnias. Tudo isto misturado com pitadas de tensões outras...

Faço parte do conselho de um prédio onde possuo um apartamento. Abro meu email e leio uma mensagem de uma conselheira que trás uma situação delicada e ameaça impugnar uma assembléia que porventura seja realizada sem a sua presença, já que está com viagem marcada e, na opinião dela a assembléia para validação de algumas contas já deveria ter sito feita.

Na mensagem, a conselheira também diz que alguns membros do conselho – e cita nominalmente, a mim e a outro conselheiro, assinam as pastas de prestação de contas sem ler e analisar.

Ao ler o que está escrito sou inicialmente tomada por um sentimento de cansaço e descrença. Depois de um dia desses... ninguém merece. Uma leviandade! Penso. Este pensamento misturado com alguns outros menos comportados...

No outro dia decido pedir uma reunião com a direção de prédio e o conselho fiscal. Por um desses golpes de sorte, todos podiam no final daquela mesma tarde.

Sentamos e eu iniciei a reunião dizendo que o objetivo daquela chamada  era encontrarmos um espaço de diálogo que conseguisse nos unir para uma ação conjunta diante de um cenário de desafios que estava ocorrendo naquele momento. Caso fossemos para uma assembleia com aquele nível de animosidade e desconfiança, os resultados para a gestão, assim como a tomadas de decisão ficariam bastante comprometidas.

Iniciamos uma conversa e conseguimos encontrar um espaço de convergência para agirmos conjuntamente  e posteriormente chamarmos a assembleia.  Concluída esta etapa o conselheiro que tinha sido citado junto comigo no e-mail da conselheira  anunciou que estava renunciando ao cargo pois tinha se sentido ofendido com o que tinha sido dito a seu respeito.

Este conselheiro se colocou de forma clara, situando como aquelas palavras ditas no e-mail, o atingiram  pois considerava importante ter na vida uma atitude séria, ética e responsável. Aquele e-mail ferira  sua dignidade.

Complemento o que ele diz, me colocando de forma semelhante.  Digo que pensei em renunciar, mas reavaliei em função do momento que estamos vivendo na gestão do condomínio.

 A conselheira fica emocionada com as falas, pede desculpas, diz que não imaginava que iria ferir nós dois e o conselheiro completa a sua fala expondo algumas situações que está vivendo que o coloca mais vulnerável que em outras circunstâncias. E ele contextualiza: A sra.  já pensou que ao escrever isto, desta forma, a senhora vai atingir uma pessoa que pode estar vivendo um momento particularmente delicado? Que em função disto a reação desta pessoa pode ser pior que a atitude  da senhora?

Novamente a emoção de fez presente   e entre lágrimas ela diz baixinho: eu tenho medo que a situação se agrave e fique fora de controle. Eu me sinto responsável e sinto medo.

Bingo.  Ali estava declarada a gênesis do conflito: o medo.

O medo é combustível para os conflitos, os medos que atuam em nós sem nos darmos conta da existência deles, de como eles atuam, podendo distorcer nossos pensamentos e ações. O medo é saudável, nos preserva, nos mantém vivos, no entanto, a inconsciência do medo nos afasta de nós mesmos, do outro, de uma vida mais plena, inteira de uma comunicação centrada no diálogo.

Expanda este caso que acabo de contar e pense numa mesa de negociação entre grupos, entre países que estão com dificuldades, desconfianças   nas relações entre si. A exceção do choro, da expressão de vulnerabilidade, a cena poderia ser transplantada para uma reunião com os dirigentes de grupos, ou de países que estão vivendo antagonismos, divergências e os transformando em conflitos. Ampliar a consciência é fundamental na nossa comunicação, para que possamos viver a plenitude do diálogo e da gestão de conflitos – com criatividade e inteireza.

A ampliação da consciência, no sentido da auto-reflexão e auto-responsabilidade, conosco, com o outro com a natureza, é combustível básico para o que é chamado de “futuro emergente” para quebra de paradigmas vigentes. Para isto, muitas iniciativas tem sido realizadas: os coletivos cidadãos – Débora Nunes e Ivan Maltcheff, a rede internacional Diálogos em humanidade,  o Brechó Eco solidário, a sobriedade feliz, de Pierre Rabhi e Patrick Viveret, as metodologias integrativas, de Valeria Giannella, as pesquisas sobre escuta que Maria Suzana Moura está desenvolvendo e tantas outras que unem metodologias, que avançam  para uma prática amorosa, solidária e mais  consciente.

Na rastro e na inspiração destas iniciativas, tenho compartilhado um método que desenvolvi em Diálogo e gestão criativa para lidar com os conflitos chamado de DGCC.  Este método contribui para expandir as  possibilidades de dialogarmos e gerirmos conflitos criativamente, ampliando nosso estado de consciência.

No post seguinte conheça  mais sobre o DGCC e a associação entre consciência, inconsciência,  medo, crenças e comunicação.

 

Comunicação e Comportamento – consciência e inconsciência

Ruídos de comunicação ou barulho de crenças?   

O DGCC é um método, cuja base é a complexidade do pensamento e a simplicidade da ação, que contribui para ampliarmos as possibilidades de repensarmos como nos comunicamos, os impactos que podemos causar com a nossa comunicação e da similaridade entre comportamento e comunicação.  

No processo de criação e desenvolvimento do DGCC algumas situações, individuais e coletivas-organizacionais serviram de suporte para um diagnóstico cujo um dos aspectos compartilho com você:

      

- Há um elevado nível de  inconsciência nas nossas ações comunicativas e nas repercussões geradas por essas ações – tanto  na nossa atuação individual quanto coletiva; ou seja, um reduzido conhecimento de como nos comunicamos e dos impactos gerados com a nossa comunicação.

 

Falamos no dia a dia de ruídos de comunicação, nos referindo a algo que é dito para ser escutado de uma forma e escuta-se, de outra,  atribuindo-se um significado diferente daquele que inicialmente era desejado. Quando isto ocorre, verificamos que houve um impacto na relação entre pessoas, entre grupos que estavam se comunicando. Alguns ruídos viram barulho, na maioria das vezes, confusão, conflito e até rompimentos. Tendemos a atribuir ao outro a distorção do entendimento. No entanto: 

Até que ponto ao nos comunicarmos ficamos atentos ao como nos comunicamos e aos impactos que esta comunicação pode gerar?

Naturalizamos o processo de comunicação. O que é dito, a forma como nos comportamos parece decorrente tão somente daquela interação – no presente OU é mera consequência da história daquela relação. Seja individual, seja coletiva.

Comunicação e comportamento estão entrelaçados. Paul Watzlawick diz que “comunicação é comportamento”.  Nossos comportamentos estão vinculados a nossa história de vida, ao lugar onde nascemos, a cultura em que nos inserimos, a família de onde viemos, a situação social, política e econômica, os conceitos e preconceitos que sorvemos, a nossa estrutura física, biológica, aos nossos antepassados. Nosso comportamento, nossa comunicação, estão marcados e em parte -  até determinados, pelas nossas crenças.  Nossas crenças formatam uma janela por onde percebemos, enxergamos - “um” mundo,  o nosso mundo - e nele, vivemos. Predominantemente, estamos inconscientes das nossas crenças.

Para gerirmos conflitos criativamente e dialogarmos é importante nos tornarmos conscientes que nossas crenças influenciam e determinam uma identidade, seja individual seja coletiva, que influenciam e determinam nossa relação com a vida e nossa comunicação. Assim, aquilo que desafia, que confronta  as nossas crenças,  ameaça a nossa identidade e tende a ativar nossos mecanismos defensivos. O medo é matéria prima nesta ativação.

Nem sempre é possível identificar a crença, mas é possível ampliarmos a consciência de que alguma crença está movendo as relões que estabelecemos: seja individual, seja coletivamente. Portanto, apesar das inconsciências,   estamos cada vez mais ampliando nossa consciência para encontrar e - já encontrando - novas formas de nos comunicarmos de nos relacionarmos, sendo amorosos,  autênticos e solidários, gerando ações que expressam inteireza, beleza e transformação – pessoal e social.

Da próxima vez que constatar um ruído de comunicação, pergunte-se com humor: será um barulho de crenças?

Meu nome é Vivina Machado,  desenvolvi o DGCC, método para dialogar e gerir conflitos, criativamente. Venho colocando minhas habilidades, amor e paixão para contribuir com pessoas e organizações, fornecendo consultoria, coach,  atendendo individualmente  e em grupo.  Formação como Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia, Executive Coach pela Royal Roads University, Canadá, Economista pela Universidade Católica do Salvador e em Psicologia Transpessoal pela Escola da Dinamica Energética do Psiquismo, São Paulo e Salvador.

Contato:  [email protected] e (71) 91488236

 

 

 



Por um mundo melhor: superando a dominância masculina

Giugno 7, 2015 7:55, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Para avançarmos em direção a uma sociedade melhor, na qual o espírito feminino seja incorporado, como foi defendido em postagem anterior (ver aqui), é necessário investigar mais profundamente porque os homens dominaram o mundo até aqui. A pergunta chave pode ser: “Como passamos de uma sociedade nômade e coletora, que durou cerca de 200 mil anos, com tarefas definidas por aptidão biológica e divisão igualitária de poder entre homens e mulheres, para uma sociedade com predominância masculina nos últimos 10 mil anos? ”. Essa questão se torna ainda mais importante se nos damos conta de que a dominação dos homens sobre as mulheres é a forma primária de dominação, a mais universal, e talvez a mãe de todas as outras.

Esse texto fará considerações gerais sobre as razões que levaram à dominação dos homens na civilização humana, elencando ideias relativamente bem conhecidas, assim como, mais audaciosamente, fazer uma tentativa de investigar essa dominação sobre o prisma da insegurança masculina no campo sexual e psicológico, temas menos explorados. Sua segunda parte discute a possibilidade de ter havido certa aceitação feminina a essa dominação. Além da literatura, de entrevistas a alguns homens interessados no tema e de minha experiência pessoal, entrevistei o antropólogo Ordep Serra, que trouxe observações relevantes sobre o tema.

A revolução neolítica, que implicou na sedentarização, na agricultura e no estabelecimento das primeiras civilizações e primeiras cidades, trouxe as bases para dominância masculina. A primeira é a instituição da propriedade privada e a generalização da prática da guerra entre territórios na sociedade humana. Para assegurar o domínio territorial e defender a propriedade, assim como para a própria defesa e sobrevivência do grupo familiar e social, instituiu-se a exaltação da força e da agressividade masculinas. A divisão de poder anterior, no qual as mulheres tinham o poder simbólico de geração da vida e os homens o poder da força, ficou então desequilibrada.

A instituição da herança, a transferência da propriedade privada por laços de sangue, foi outra causa do uso da força e da construção de regras morais para manter as mulheres sob o controle dos homens. Do ponto de vista desses, para garantir a certeza da paternidade sobre os beneficiários da herança familiar, era necessário evitar que relações extraconjugais trouxessem para a linhagem de sucessão filhos de outro sangue.  Como a força física não garante domínio contínuo e suficiente, machos humanos criaram mecanismos persuasivos e regras morais de submissão das mulheres para manter o controle e sentirem-se mais seguros, compelindo a mulher a um lugar secundário na sociedade. A força delas ficou guardada por longo tempo no âmbito privado, familiar e na esfera do mistério.

Uma terceira razão diz respeito ao conforto que a situação de dominação aufere aos dominadores. No caso das mulheres, a imposição dos trabalhos domésticos cotidianos e outros serviços, inclusive sexuais, que tornaram a vida masculina mais fácil. Essa imposição a outros de tarefas consideradas menores, desonrosas ou desconfortáveis é uma das raízes dos sistemas de desigualdade criados pelos humanos, e as mulheres podem ter sido as primeiras vítimas. Estabelecer relações igualitárias entre homens e mulheres é certamente um meio de melhorar o mundo já, mas, principalmente, de desnaturalizar a desigualdade na cultura das futuras gerações, a partir do âmbito doméstico.

O conjunto desses aspectos parece explicar as razões da dominância masculina, mas colocam os homens como vilões da história humana. Superar esse olhar maniqueísta é buscar a complexidade e, portanto, aproximar-se mais da realidade dos fatos. Se olharmos de outro ponto de vista, apenas um ser masculino descompensado pode basear sua existência na força e na agressividade para domínio sobre outros, ou mesmo na competitividade. Porque outros atributos masculinos, que poderiam ter levado a sociedades menos agressivas e menos competitivas não prevaleceram?  Também são qualidades ancestrais dos homens o enfrentamento do perigo para proteção dos mais fracos, o encantamento com a beleza do universo e o mistério feminin, particularmente em relação à gestação, assim como um forte espírito de equipe, entre outras.

As motivações para o desejo de domínio podem ser examinadas a partir de outro aspecto, pois a dominação serve para mascarar o medo de relações entre iguais, nas quais cada um vale pelo que é e é responsável por sua própria existência, sem uso da opressão. O domínio pode esconder assim uma grande fragilidade, falta de autonomia e mesmo de autoestima. Quais poderiam ser os motivos dessa insegurança masculina? O primeiro pode ser o sentimento de desamparo dos homens sem a presença feminina ao seu lado.  É o que o professor Ordep Serra, comentando um conceito de outro antropólogo, Victor Turner, comenta como sendo a secreta inveja dos “poderes dos fracos” que atinge os poderosos. Algumas qualidades femininas podem não lhes auferir poder de mando, mas lhes empoderam no âmbito privado, lhes dão status simbólico e lhes tornam imprescindíveis.

As mulheres, em geral, amadurecem mais cedo, têm maior resistência à dor e grande adaptabilidade inerentes à sua biologia, maior empatia nas relações sociais e uma intuição mais desenvolvida. Sem entrar em detalhes psicológicos das relações dos homens com suas mães, mulheres, filhas e mesmo irmãs, o espírito feminino pode ter surgido como uma força que amedronta os homens. Em suas pesquisas entre os povos do Parque Nacional do Xingu, assim como em seus estudos sobre a mitologia grega, Ordep Serra considera que os mitos, ritos e atitudes de povos tão diferentes revelam uma espantosa recorrência do tema da inveja masculina que tempera o discurso “justificador” da dominação sobre as mulheres.

Outro aspecto importante a ser observado no entendimento da dominância masculina sob o ângulo de sua fragilidade, é a sexualidade. Os condicionantes biológicos, evocados no post anterior, já nos ajudaram a entender atributos masculinos e femininos e os comportamentos induzidos pela própria Natureza. Relembrando alguns desses condicionantes e as diferenças entre gêneros a partir da forma dos órgãos sexuais e mesmo do ato sexual em si, temos: acolhimento feminino à semente masculina que dá a capacidade de gestar a vida nas mulheres e que distancia os homens no processo; maior passividade nas mulheres, exposição do órgão sexual e penetração ativa nos homens; obtenção do prazer de modo evidentemente localizado e visível (pênis) nos homens e de modo mais disperso, em todo o corpo, e com ápice em local escondido (clitóris) nas mulheres.    

De certo modo, os homens experimentam no campo sexual uma situação de fragilidade e exposição. O desejo masculino é evidente pela ereção, enquanto o desejo feminino é misterioso e só ela pode identificá-lo plenamente. Os clássicos relatórios Kinsey e Hite sobre sexualidade humana, entre outros, trazem informações importantes: O desejo masculino é muito difuso, suscitado prioritariamente pela visão, enquanto na mulher o toque, portanto a intimidade, é o meio preferencial para suscitar o desejo. Essas características fazem uma disposição sexual mais geral para os homens e mais específica e aproximada para as mulheres. Os medos de traição são também muito diferentes e esse talvez seja o motivo pelo qual, segundo os mesmos relatórios, os homens teriam mais ciúme do ato sexual da mulher com outros homens e as mulheres mais ciúmes das manifestações de carinho. Do mesmo modo, em termos de fantasias sexuais, as mais comuns para ambos os sexos, tratam de situações de dominação nos homens e de submissão nas mulheres.

Esses dados se relacionam com os papeis sexuais históricos dos gêneros para garantir a própria sobrevivência da raça humana. O princípio comum dos condicionamentos biológicos para todos os animais é o instinto de sobrevivência, garantido pela existência da prole e pela procriação posterior dessa prole. No caso dos humanos, um condicionamento cultural - o medo da morte, e sua “superação” pela descendência - reforça ainda mais os comportamentos sexuais biológicos. Assim, os homens - como outros machos - para garantir sua continuidade histórica, tenderiam à agressividade em relação a outros homens e a proteção do território de vida para conquistar ou manter sua mulher, garantidora da procriação. As mulheres – assim como outras fêmeas – pelo mesmo motivo, tenderiam a cuidar atenciosamente dos bebês, provendo-lhes aquilo que necessitam com atenção e intuição às suas demandas cotidianas, afetivas e materiais. Para manterem seus machos, parceiros da manutenção dos filhos, perto de si, tenderiam a buscar afastar as concorrentes por meios não físicos, ou simplesmente aceitá-las como cúmplices. Entre os meios não físicos de competição pelos machos, pode-se especular em torno das intrigas comunicativas (fofocas) ou dos diversos meios de sedução.

Como foi feito no post anterior, para entendermos melhor o condicionamento de milhares de anos, vamos voltar ao tempo e observar algumas situações da relação homem/mulher nas sociedades nômades e coletoras, nas quais as mulheres ficavam no “acampamento” do grupo com crianças e idosos, enquanto os homens iam em busca da caça ou estavam em vigília para a proteção do grupo. Quando um homem se interessava por uma mulher, e vice-versa, isto podia, para ser simples, acabar em uma aceitação que gerava uma relação e talvez filhos, ou em uma rejeição, que gerava dor. Pode-se dizer que o mesmo acontecia para uma mulher, realização ou dor, porém, em meio à Natureza e com base na conformação física natural dos machos e das fêmeas e em suas tarefas cotidianas, as consequências da dor da rejeição são bem diferentes. 

Mulheres em disputa pelo mesmo homem no ambiente comunal de cuidado dos filhos e da sobrevivência do grupo, podem ter provocado muitos gritos e arranhões entre elas; homens em disputa em meio à uma caçada pode ter fragilizado o grupo no enfrentamento do predador ou na perda da presa, com consequências coletivas maiores. Talvez as reações dos machos para evitar as consequências de suas disputas tenham modelado, muito tempo depois, os dois mandamentos bíblicos mais estranhos aos nossos olhos de hoje: “Não pecarás contra a castidade” e “Não desejarás a mulher do próximo”. Talvez as reações masculinas para evitar a dor da rejeição tenham modelado também muitos dos comportamentos de agressividade em face de outros homens e de dominação em relação às mulheres, que perduram até hoje.

Para evitar a fragilidade da exposição do seu desejo, e mesmo de seu amor, assim como o medo de ser traído e o medo de ficar só, o dominador domina pela força e por uma cultura patriarcal imposta, mas para ele o dominado pode ser traiçoeiro, fonte de dissimulação, e mesmo de ódio. Dominar quase nunca é desfrutar e não traz paz, mas desconfiança.  Ao longo da história, tantos homens se perguntaram no íntimo, sobre suas mulheres: “Ela me ama, ou se adequa à mim porque sou mais forte?”, “Ela concorda comigo ou apenas se submete a mim?", “Ela tem prazer comigo, ou finge para me agradar?”, “Ela é fiel ou tem outros amores?”; essas e outras  questões irrespondidas, pela ausência de uma relação igualitária, podem ter atormentado os homens ao longo da história. Muitos aproximaram-se de suas mulheres tentando entendê-las; outros, mais frágeis, e talvez por isso mesmo compelidos a buscar mais poder e riqueza – usaram a força, o dinheiro e o poder patriarcal para submeter suas mulheres e filhas.

 

A aceitação pelas mulheres do domínio masculino

É preciso lembrar que o estabelecimento da dominância dos homens teve alguma aceitação das mulheres, já que historicamente elas têm tido papel preponderante na educação dos filhos e filhas. Se pelo menos parte significativa delas não tivesse acatado o modelo androcêntrico em sua relação com a prole, o machismo não poderia ter se expandido tanto de uma geração para outra. De um lado, nos primeiros tempos da civilização humana sedentária, as mulheres podem ter aceitado que os homens, mais fortes e agressivos, deveriam dominar a sociedade em contrapartida de proverem comida e segurança para a prole em face das guerras. O medo de perder a propriedade da terra, pode também ter sido uma importante alavanca, que fez com as mulheres educassem seus filhos homens para temerem sua própria feminilidade e reprimi-la.

Em outras situações, nas quais a dominância se estabeleceu mais pela força do macho do que pela aquiescência da fêmea, um segundo aspecto, a tendência natural das mulheres ao evitamento de conflitos, à não violência e à negociação, pode tê-las levado a evitar o afrontamento, submetendo-se, para pacificar a família. No espaço público, na coletividade, talvez predomine outro tipo de submissão, derivada da introjeção do estigma do oprimido. Paulo Freire, tratando dos pobres no nordeste brasileiro e de sua relação com os ricos coronéis, explicou esse conceito: a dominância toma tal relevância na cultura de uma sociedade que o próprio oprimido introjeta em si o sistema e o vê como a ordem natural das coisas. Assim, na maior parte dos casos, ele sequer percebe isso como opressão, embora sofra duramente seus efeitos. O fenômeno da introjeção da opressão pode ter sido um dos fatores que levaram à aceitação da dominância e da educação diferenciada de meninos e meninas por suas mães.

Freire explica outro aspecto da introjeção da opressão, que é a “aderência ao opressor”: ele exemplifica a passagem de um trabalhador braçal que se torna capataz e, por ter “aderido” ao modelo dominante, reforça o sistema, oprimindo os que antes eram seus iguais. No caso da história da submissão das mulheres, esse fator pode ter sido muito importante, e as mães, irmãs e sogras controlam elas mesmas o sistema que oprime outras mulheres, sob dominância masculina.

Há ainda outro aspecto a ser observado nas relações entre homens e mulheres: normalmente se trata mais da relação amorosa de tipo conjugal e da relação dos homens com suas filhas, mas muito pouco da relação dos homens com suas mães. Essa, de modo algum, pode ser caracterizada como uma relação de dominância, muito pelo contrário: a devoção dos homens às suas mães é fato psíquico e cultural amplamente conhecido. A complexidade humana faz com que formas sutis de poder tenham sido desenvolvidas pelas mulheres e que elas sejam parte ativa no jogo das relações.  Logicamente essas relações são diferentes em cada época e em cada família e dependem muito das características pessoais de cada mulher: algumas têm real poder, mesmo que invisível, sobre os homens de suas famílias e outras, mais tímidas e pacíficas, não têm quase poder nenhum.

O certo é que a força e a fragilidade masculinas que levaram à dominação não foram contrabalançadas por um feminino ativo, que desse limite ao poder masculino descompensado. É fato também que a dominação implica em responsabilidade de dar a direção e a submissão exime os dominados desse peso. Se o feminino tende ao trabalho nos bastidores, às decisões compartilhadas e se as mulheres são menos tentadas pelo risco, como foi discutido anteriormente nesse blog, elas podem ter evitado tomar a frente sozinhas da responsabilidade do grupo ou da família, o que tornou a dominação masculina mais fácil.

A superação da dominância masculina exigirá de homens e mulheres um profundo autoconhecimento e uma compreensão e aceitação da existência do espírito masculino e feminino em cada um. A harmonização dos indivíduos e da sociedade necessita do reconhecimento e valorização do Yin e do Yang, e provavelmente é no campo das relações pessoais que se está se construindo a superação da dominação, mais ainda do que no campo das leis e das políticas sociais. Quando as mulheres se empoderam, elas ajudam os homens a “descansar” dos seus atributos de comando e do mundo excessivamente másculo e sem aconchego que eles construíram dominando. Quando os homens se feminizam, eles ajudam as mulheres a encontrar saídas negociadas e a fazer um mundo mais acolhedor. Quando homens e mulheres dividem tarefas e partilham responsabilidades na casa, no trabalho, etc. eles constroem um mundo mais feminino porque menos descompensado pela supremacia masculina. O espírito feminino pode se desenvolver na experiência de cada pessoa, de cada casal, de cada família. As novas gerações serão beneficiadas e sem as travas da dominância poderão construir um mundo mais igual, não somente para homens e mulheres, mas para brancos e pretos, ricos e pobres e todas as outras vítimas das desigualdades que se espalharam pelo mundo.

 



Mais escuta para uma nova vida em comum

Maggio 24, 2015 2:38, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Estamos imersos em crises políticas e isso é fato em todo o mundo, e não apenas no Brasil. Em muitos países se continua a pensar que a solução virá institucionalmente, com reforma política, novos projetos partidários ou alguma inventividade que nos salve. Infelizmente, embora se possa aprimorar a democracia que existe, a política que se faz hoje não é mais adequada ao mundo em alta conexão e no qual o indivíduo é hiper valorizado. Desenvolverei esse tema em outro momento.

Só a emergência da inteligência coletiva pode dar respostas e trazê-las para o real, para o dia a dia, e a partir daí para o mundo institucional, em um movimento de baixo pra cima. Pensar e agir coletivamente, sem depender exclusivamente da representação política e avançando na democracia participativa, exige novos modelos  de ser  e de estar no mundo, individual e coletivamente.

Para que a inteligência coletiva possa emergir é preciso diminuir a dispersão mental, aprender a entrar em sintonia com os outros e aprimorar a liderança de serviço de cada um. A realização dos ideais coletivos exige um passo adiante na lógica política. A contribuição da professora Suzana Moura, sobre a "Escuta", aprofundando a discussão sobre "Novos Paradigmas" que propus em post anterior, é profunda e prática. Sem dúvida enriquecerá aqueles que não querem repetir o modelo ultrapassado e autodestrutivo de vida na Terra. Obrigada Suzana!

 

Dando seguimento a conversa de Débora Nunes sobre a virada paradigmática que estamos vivenciando – de uma visão centrada nas macromoléculas como instâncias fragmentadas e separadas, para a percepção e compreensão das relações e da unidade que a tudo permeia – queremos trazer aqui o tema da Escuta. Sim, vamos tecer algumas notas sobre este atributo e habilidade fundamental nos dias de hoje, em vários sentidos.

Como bem nos lembra Rubem Alves, em nossa sociedade ocidental existem muitos cursos e apelos à boa oratória e nada com relação a Escuta. O mesmo encontramos em Fiumara (1990) que inicia seu estudo sobre a Escuta, lembrando que a filosofia ocidental focaliza no logos, privilegiando o discurso e a argumentação. Podemos reconhecer aqui o predomínio do padrão patriarcal em nossa civilização e do lado ativo (yang) da consciência humana, pois a escuta, como veremos a seguir, requer um pouco de introspecção e de abertura para receber (Yin), mas não só.

O que significa escutar? No sentido de que fala Rubem Alves, vai além do ouvir, incluindo o silêncio e o tempo para processar. Sentido literário este, que complementa definições de pesquisadores do campo da comunicação e da educação , para os quais a Escuta é um processo de recepção, atribuição de significado e/ou de resposta a partir de uma mensagem verbal e/ou não verbal (Wolvin; Coakley, 1993; Purdy; Borisoff, 1997). Completando com Adelmann (2012), vemos que a escuta é um ato social, contextual, e dialógico, ou seja, não é individual, nem meramente psicológico, pois a atribuição de significados, assim como a recepção da mensagem e a resposta que será gerada posteriormente são mediadas pela cultura e pelo contexto social.

Como ato social e dialógico a escuta requer uma abertura para reconhecer que o outro traz uma percepção diferenciada e tem algo a contribuir (no processo de aprendizagem, na gestão das organizações, nas políticas públicas ...). Neste sentido, podemos assumir desde uma atitude passiva, mais fortemente yin (apenas registrar o que o outro diz em uma consulta popular, por exemplo); até um padrão de Escuta Ativa, que mescla yin e yang. Esta última, segundo Sclavi (2003) é uma modalidade de observação atenta (ao particular e a forma), inclui a reflexividade como parte do processo, além da observação e do ouvir atento. O propósito não é apenas ouvir para registrar uma opinião, é compreender o que está por traz, para além da aparência, é uma porta para o diálogo e revisão das próprias certezas.

Para Sclavi o bom escutador deve permitir-se a respeitar o interlocutor e ser curioso – abrir-se a outra visão de mundo. Um dos fundamentos é a compreensão da realidade como construção social e, por isso, reconhece que há várias visões e percepções possíveis sobre o mesmo fenômeno (situação). Ou seja, é necessário transitar do lugar em que se vê uma única verdade oposta ao diferente, em direção a um posicionamento de abertura para escutar outras verdades; abrindo-se ao diálogo e colocando em xeque suas próprias certezas.

Até aqui estamos nos referindo a escuta do outro e este outro pode ser uma pessoa, grupo, ou comunidade. Como parte e indo além desta, há outras dimensões a serem agregadas: a escuta de si e do ambiente. Para ampliar um pouco mais a nossa compreensão, trazemos a Escuta Profunda, uma das referências do Dragon Dreaming (DD) – abordagem de criação e gestão colaborativa de projetos na linha dos paradigmas emergentes (ecológico e holístico).

John Croft, um dos mentores do DD, trouxe de sua vivência com os Mardo, povo aborígene australiano , o Pinakari, expressão que representa “um estado natural de escuta no cotidiano, não só da linguagem verbal falada entre humanos, mas também dos sinais do ambiente mais amplo, da Natureza” No contexto da criação e gestão colaborativa de projetos, o Pinakari aparece como uma prática para diminuir a dispersão mental, muito comum na atualidade, ativar a presença pessoal e contribuir com a emergência da inteligência coletiva. O Pinakari, é um convite para exercitarmos uma escuta profunda, através do contato com nosso corpo (a natureza mais imediata) advém o silêncio e um estado de presença, na perspectiva da mente incorporada de Varela, Thompson e Rosch (2003).

Podemos dizer que a escuta, como atributo e habilidade, pode ser considerada como um nível de percepção consciente e intencional (de si, do outro, do grupo e do ambiente), que vai além do ouvir. Trata-se de um caminho para nos tornarmos seres mais perceptivos e atuantes de acordo com as reais necessidades e com o propósito do(s) coletivo(s) que estamos inserido, ao mesmo tempo em que contribui para que nossa fala seja pertinente e consciente do momento e das pessoas.

A escuta nessas bases é uma qualidade cada vez mais necessária, para educadores/aprendizes, para profissionais de todas as áreas, independente de lidar diretamente com pessoas; assim como para as pessoas em suas vidas cotidianas, isso por vários motivos:

• Em meio a tantas informações e perplexidades que convivemos na atualidade – nas salas de aulas e nas organizações, bem como na sociedade em geral - nos deparamos com a fragilidade dos nossos sistemas educacionais e de gestão para fomentar o engajamento das pessoas, indo além dos padrões de imposição e recompensa, de modo a que elas ajam e expressem-se com base nas reais necessidades coletivas e pessoais.
• Vivemos cada dia mais a interculturalidade e e desafio da convivência entre diferentes.
• A habilidade da escuta exercida em grupos contribui para ativar a inteligência coletiva (não apenas do grupo, como também da Terra, sendo cada pessoa um canal ativo desta inteligência).
• Em situações de desafio torna-se mais ainda necessária para evitar a expansão do caos, do pânico...
• No cotidiano serve para tornar mais pleno o dia a dia, o encontro de soluções e o compartilhamento de significados e tarefas adequadas.

Além dos aspectos relacionados acima, cabe destacar a ênfase dada a participação dos atores sociais para o desenvolvimento, nas últimas décadas (Moura, 2014). No entanto, ao tomarmos as práticas de participação e de gestão participativa vamos encontrar diferentes padrões, incluindo a ausência de instrumentos adequados de escuta das visões e reais anseios das comunidades. Isso porque é comum que a chamada participação seja utilizada como um meio de cooptação e de legitimação de políticas e projetos sociais (Moura, 2014) .
Em contextos de ampliação da democracia e do exercício da cidadania, em que convergem demandas sociais por participação e a vontade real de governos em prol de uma gestão participativa, a escuta pode ganhar destaque em um sentido duplo: de um lado caberia aos cidadãos escutarem as propostas e as prestações de conta dos governos, bem como as ponderações dos técnicos; de outro, caberia aos técnicos e governantes escutarem os posicionamentos e aspirações das comunidades. Algo semelhante pode acontecer em situações cujo propósito é melhorar o desempenho das políticas públicas.
Para finalizar, gostaria de deixar algumas questões para seguirmos refletindo. O quanto estamos abertos e preparados para escutar, de fato?. Quais os instrumentos que temos desenvolvido nos processos participativos e colaborativos, para chegar a um padrão dialógico e ativo de escuta? Qual o padrão de escuta que sobressai nos espaços que se pretendem participativos?


REFERÊNCIAS

ADELMANN, K. The Art of Listening in an Educational Perspective: Listening reception in the mother tongue. Education Inquiry, v. 3, n. 4, p. 513-534, 2012.
FIUMARA, G. C. The Other Side of Language: A Philosophy of Listening. New York: Routledge, 1990.
MOURA, Maria Suzana. Gestão participativa. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. p. 74-76.
PURDY, M.; BORISOFF, D., Eds. Listening in Everyday Life. A Personal and Professional Approach. Lanham: University Press of Americaed. 1997.
SCLAVI, M. Arte di ascoltare e mondi possibili. Milão: Ristampa Bruno Mondadori, 2003.
VARELA, F. THOMPSON, E. e ROSCH, E. Mente Incorporada: ciências
cognitivas e experiência humana. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
WOLVIN, A. D.; COAKLEY, C. G., Eds. Perspectives on Listening. Norwood: Ablex Publishing

 

 

 



E o futuro, a Deus pertence? Sri Aurobindo e Teilhard de Chardin

Maggio 16, 2015 2:19, by Débora Nunes - 0no comments yet

Dois sábios, um indiano e um francês, escrevendo no início do século XX, deram respostas muito parecidas sobre o que pode vir a ser o futuro da humanidade. Essas respostas são animadoras, embora saibamos, com Toquinho, que “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar” e que sobre ele “não se sabe ao certo onde vai dar”. Examinar a proposta evolutiva desses sábios e buscar entender como podemos contribuir, pessoal e coletivamente, pode ser inspirador. Vejamos:

Sri Aurobindo (1872 – 1950), foi um líder independentista indiano que viveu sua juventude na Inglaterra. Ao voltar à Índia e iniciar a luta que envolveu Gandhi, Nehru e outros, foi preso pelos britânicos que perseguiam os anticolonialistas. Durante a prisão, teve visões sobre a evolução humana e resolveu ampliar sua ação política para um trabalho mais universal. Exilou-se em seguida em Pondicherry -  domínio francês na Índia, aonde poderia estar seguro - e desenvolveu uma forma inovadora de Yoga, chamada de Integral. Com apoio de Mirra Alfassa, também conhecida como Mother, Aurobindo fundou uma comunidade espiritual (Ashram) e um inovador colégio em Pondicherry. Após sua morte, seus ensinamentos inspiraram a fundação da cidade futurística de Auroville, em 1968.

Teilhard de Chardin (1881 à 1955) foi um padre jesuíta francês, ao mesmo tempo teólogo, filósofo e Doutor em paleontologia, que estudou profundamente a evolução do Homo Sapiens. Por seu trabalho missionário ele viveu em vários países, inclusive na China, e por suas pesquisas em paleontologia esteve presente em sítios arqueológicos no mundo inteiro. Seu pensamento multidisciplinar, integrando noções recém descobertas de termodinâmica e física quântica, e suas experiências práticas, o levaram a um pensamento inovador. A Igreja, em princípio, condenou sua linha de pensamento e impediu a publicação de seus livros enquanto ele esteve vivo. Hoje, Teilhard de Chardin é um nome reverenciado na ciência e na religião.

Embora sem jamais se conhecerem e participando de universos culturais muito diferentes, Sri Aurobindo e Teilhard de Chardin têm em comum análises muito próximas sobre as etapas de evolução do cosmos, sobre o entendimento do papel humano nesse processo e a descrição da próxima etapa evolutiva. Estas abordagens foram possíveis pela visão inspiradora que tiveram sobre a relação entre matéria e espírito. Tanto na espiritualidade indiana, quanto na tradição religiosa cristã, o espírito é mais importante que a matéria, que costuma ser desprezada. Aurobindo e Teilhard de Chardin romperam com essas tradições encontrando uma harmonização no processo evolutivo da matéria e do espírito.

Em seus estudos sobre as espécies, Teilhard identificou uma evolução ao mesmo tempo biológica e moral: os mamíferos demonstram uma afeição pelos filhotes que não é vista nos répteis, que apareceram antes. A espécie humana, embora tenha acessos de violência esporádica, desenvolve redes de solidariedade que se manifestam na sociedade, por exemplo, no cuidado com os mais fracos, que na Natureza tendem a ser eliminados. Para Teilhard existem duas evoluções paralelas: a que levou a “hominização”, à espécie humana biológica, e a que está levando à “humanização”, ou a elevação espiritual dos humanos.

A complexidade crescente dos sistemas biológicos é acompanhada pelo crescimento da consciência até seu ápice nos humanos. O sistema nervoso humano é muito mais complexo que o de outros mamíferos, que por sua vez é mais complexo que o das aves, e assim sucessivamente com os repteis, peixes e micro-organismos. Para Teilhard de Chardin, toda a evolução da vida se deu e continua a se dar em direção à a uma maior espiritualidade, e, portanto, a mais amorosidade.  Mas essa complexificação em direção à espiritualidade ainda está em andamento: “A humanidade ainda é embrionária” dizia Teilhard.

Sri Aurobindo foi grande conhecedor das tradições indianas que entendem que por trás das aparências do Universo (Maya) existe a realidade da Consciência, o Ser de todas as coisas, uno e eterno. Ele observa que as espécies não conscientes percebem vivamente essa Unidade e vivem entregues ao presente, intimamente conectadas com outros de sua espécie e a todos os seres da Natureza. Essa percepção é dificultada para os humanos pela separatividade do Ego, que prioriza o eu, e pelo funcionamento limitado da mente que, a partir de certo ponto de consciência, deixa de evoluir, funcionando em círculos. A passagem para uma etapa posterior de consciência, na tradição indiana, é feita quando o indivíduo se desliga definitivamente do mundo para conectar-se com o divino pela prática de Yoga. Contrariamente ao ascetismo dos Yoguis eremitas tradicionais, Aurobindo propunha divinizar a vida e não renunciar a vida em busca do divino.

A proposta de Sri Aurobindo com a Yoga Integral é alcançar um estágio superior de consciência sem se afastar do mundo, permitindo que a percepção da Unidade desça até nós, através de uma prática contínua, disciplinada e longa de abrir-se e deixar-se penetrar pelo poder da Consciência Una. Essa evolução pode acontecer com a disciplina psicológica da Yoga Integral, que não é um processo mental, nem físico, mas uma interiorização meditativa com concentração no coração. Os humanos podem ir além de sua natureza limitada e encontrar o divino em si mesmos e remover o véu que esconde a união e a divindade que existe em tudo. Para Aurobindo, a busca humana, espontânea, pelo belo, pelo harmônico e pelo verdadeiro é um sinal de que somos guiados pela consciência universal, e de que fagulhas do fogo divino tocam constantemente nossa alma, mesmo que tenhamos pouca consciência disso.

Na proposta de Aurobindo, encontrar a consciência divina é uma busca existencial pessoal, mas também um processo coletivo pelo qual a “unidade humana” poderá ser vivida e assim superar a monstruosidade das guerras e das demais mazelas sociais. A proposta da cidade universal de Auroville é viabilizar esse processo de unidade numa escala protótipo, dentro de um coletivo que represente a humanidade, na medida em que muitos indivíduos de culturas diferentes vivem juntos. Reinventar a sociedade, evoluindo pessoal e coletivamente na prática de Yoga Integral é o desafio em curso para os Aurovilianos... e para o resto da humanidade.

Como Sri Aurobindo, Teilhard entendia a matéria e espírito como dois lados de uma mesma realidade e não como contraditórios. Ambos foram certamente inspirados pela teoria da evolução de Darwin, com a qual concordavam, mas que achavam insuficiente. À proposta darwiniana de seleção natural de espécies, eles incorporaram o aspecto da evolução espiritual como tendência natural da existência cósmica. Eles viram a evolução do Universo em três estágios: Matéria, Vida e Mente, para Aurobindo a Geosfera, Biosfera e a Tecnosfera, para Teilhard, com o mesmo significado: da matéria inerte para o aparecimento da vida e dessa para o aparecimento do Homem. Ambos imaginaram a etapa evolutiva posterior, chamada de Noosfera, por Teillhard e de Supermente, por Aurobindo.

Tanto a Noosfera quanto a Supermente são estágios nos quais as inteligências humanas conectadas e em cooperação constroem uma realidade espiritual superior. A Noosfera é explicada por Teilhard como “Uma película de pensamento envolvendo a Terra, formada de comunicações humanas”, muito próxima do papel que a internet, de forma incipiente, desempenha hoje.  A Supermente é como uma mente coletiva que superou os limites da mente e tornou-se espiritualizada, em conexão com a Unidade maior, uma alma coletiva.

Fiel às tradições indianas, Aurobindo desenvolveu na Yoga Integral uma proposta para aproximar-se dessa Unidade, que Chardin chamava também de “Cristo Cósmico” ou de “Ponto Ômega”. Enquanto Chardin, coerente com a tradição ocidental, usou um raciocínio científico e priorizou explicar o processo evolutivo espiritual, Aurobindo, coerente com a tradição mística oriental, buscou vivenciar esse processo e descrevê-lo. A Yoga Integral não é uma técnica com ássanas e exercícios respiratórios, mas uma prática perceptiva dos vários níveis de consciência a partir do nosso corpo material, de sua dimensão vital e do domínio da mente, até que, passo-a-passo, se chegue a conexão com a Supermente. Embora Sri Aurobindo proponha um processo de aperfeiçoamento pessoal que não precisa ser feito fora do mundo, é necessária uma grande disciplina para o domínio do corpo, suas necessidades, voracidades e desejos, assim como um trabalho meditativo em busca da própria alma. Para Aurobindo a presença de um mestre é essencial, alguém que tenha feito o caminho de devoção, amor e entrega e que possa comunicar sua força espiritual para a pessoa que busca evolução.

Teilhard chama de “Ponto Ômega” o ponto de convergência da evolução material e espiritual, no qual o homem encontra Deus, em perfeita espiritualidade. Esse ponto se manifesta em uma era de harmonização das consciências, fundada sobre o princípio de “coalescência dos centros”. Cada centro, ou consciência individual, é levada a entrar em colaboração cada vez mais profunda com as consciências com as quais ela comunica e essa convergência se transforma em um todo “noosférico”. A identificação não homogeneizante do Todo ao sujeito que percebe, provoca um crescimento de consciência e o Ponto Ômega é o polo de atração, tanto para a escala individual, como na coletiva. A multiplicação dos centros como imagens relativas do conjunto de centros harmonizados participa à construção do “Cristo Cósmico”. Ao se comunicarem as consciências criam um “super-ser”, dão um salto qualitativo, do mesmo modo que as moléculas ao se associarem deram um salto do inerte ao vivo.

 



Future cities: incorporating the feminine spirit

Maggio 10, 2015 5:19, by Débora Nunes - 0no comments yet

In a previous post, I discussed the emergence of a new paradigm of thinking and living and I advanced that this paradigm approaches a feminine way of being in the world. These divisions between masculine and feminine forms of existence are linked to the long human history. About 200,000 years ago we lived in the midst of Nature, before the invention of cities. Our urban world is less than 10,000 years old and therefore our behaviour is closely linked to our previous history of nomadic hunters and gatherers. Biological conditions of the two human genders stem from different intellectual abilities, behaviour, emotional particulars as well as a diverse relationship with the mystery of life and spirituality.

In pre-urban times, before private property and male dominance became the norm, the daily journeys built skills that defined the cultural roles that were consolidated later. Women, on account of this long history are more suited for a multi-dimensional perception of the world- with a focus on relationships, more attentive to the equitable distribution of resources for their caregiver status in the family and community; more compassionate and focused on the needs of each one, particularly those in fragile situations; more concerned with the care of living spaces and more qualified for intuitive intelligence and action, inspired by emotion and negotiation. Men, on the other hand, are better attuned to focusing their thoughts on the logical and objective world and hence are more aggressive in their actions, including being extremely competitive.  They are more apt to abstraction and spatial reasoning that enables them to conquer new spaces. These gender characteristics operate on an average and may be present in both men and women, but they are, of course, more visible in one sex, for biological and cultural constraints that are discussed below.

The hormonal and physical structure of women is tuned towards creation and the care of offspring. The final period of pregnancy reduces women's mobility, as does feeding and caring for small children. As women in prehistoric times became pregnant almost every year, it was normal for them to be homebound and also provide care to the older, disabled and sick people in the family. However, the hormonal and physical apparatus of men gives them more physical strength and also more aggressiveness on account of the presence of testosterone. The hunting activity, important for feeding their tribes, before the invention of agriculture and grazing, implied the conquest of territories and also their protection including preventing the weakest of the tribe from being exposed to the aggression of wild animals.

To illustrate these differences, from the numerous studies that compare male and female patterns, I will use the distinction made by David Bakan, in which men, on account of their physical strength, tend towards “strong action”, while women tend to a “relational action” arising from their reproductive capacity. LECOMPTE, in his book "Human Kindness" (2012), brings the study of Eagly and Crowly, testing them in real-life situations as well as the differences established by Bakan: the generous actions of men and women are as follows: Men are more capable of generous action in emergency situations and danger whilst women tend towards emotional support and practical care to people in distress situations.

From their presence in communities, women are historically known to harvest edible plants near their habitat, by selecting the larger grains, the tastiest roots, the sweetest fruits and more digestible food. It is to them and to their observations that we owe the discovery of agriculture. Likewise, they hunted and then domesticated small animals, and the more docile ones, paving the way for grazing. Men took on other roles requiring greater physical strength and are closely linked to processing technologies: the cutting of trees and the construction of shelters, the manufacture of tools for hunting and for leather treatment, bones, etc. and later, also metallurgy. These technologies, which involve force, require abstract calculations, from logical and mathematical fields, also developed by men.

Hormonal functions can also deduce reasons for the differences in skills and behaviours: women have a cyclical biology, with major hormonal ups and downs and a lot of flexibility to deal with physical changes as with the monthly hormonal cycle as well as pregnancy. Both cause significant changes in the body that comes back at least to the same state, post- menstruation or childbirth. These changes are caused by internal mysterious factors, which make women most perceptive of invisible changes; more physically resilient and more attentive to emotional shifts. Men have a simple, continuous biology, with hormonal changes j caused just by external, visible factors: particularly danger or sexual arousal. If a man should go through the colossal hormonal changes that women undergo every month, they would have a hard time adapting because they are not biologically capable of it.

Several female skills arise from the fact that women have historically spent most of the time amongst children, old and the infirm and the restricted space within the tribe whilst camping or moving. Men, on the other hand are habituated to moving in more remote areas and encountering danger situations. Research has shown that the female brain is more perceptive of details and emotions and is better able to multitask as well as focus on relationships and communication. Similarly, men have a greater ability to focus on tasks as well as higher spatial identification ability and capacity for abstractions, resulting from long hours in hunting activities involving waiting and silent observation- to study the behaviour of the prey and then act quickly and aggressively.

It is also due to their domestic presence that women involved themselves in cooking and the equitable distribution of food. Physical strength and testosterone resulted in men being more aggressive and also having the ability to handle strenuous activities. These allocations, favoured by biology and in existence since millennia ultimately define different brain abilities.

The kind of intelligence of each sex stems from their daily historical roles: women in a restricted world that demands many different tasks (taking care of offspring, food, agriculture and several manual activities like pottery and weaving), multidimensional reasoning and the capacity to perform different activities simultaneously. This reasoning is also very concrete and related to the experience of the here and now. Men, with the primary task of hunting in the open and being in the company of other men, have developed the ability to focus as well as comprehend abstract concepts and spatial reasoning and logic. For both men and women with regard to the tasks performed over those 200,000 years, the quality of planning was important. In women's tasks, the main planning was long-term with respect to survival and education of offspring, and for men it was short-term planning in carrying out immediate tasks, like the protection of offspring from the dangers posed by the surroundings.

Either by genetic inheritance, shaped by long history, or on account of biological and cultural factors, or perhaps cosmological reasons like opposite poles (yin and yang), men and women are very different. We see today an approximation of sex roles, in others words, more men developing their feminine skills and vice versa, without, however, losing their intrinsic characteristics. This movement is domestic and personal, but also collective and global and will influence the thinking, acting and building of more just, democratic and sustainable cities.

Male attributes without the opposition and the complement of feminine attributes lose out. The exaggerated masculine model of a predatory and competitive society focuses on things and in its operation is mainly interested in winning and accumulation. This imbalance becomes a threat today. The emergence of the feminine spirit integrates values ​​historically developed by women and will help men in nurturing their positive attributes of anchoring and protection forces and also appreciating creative female power and pregnancy. The combination of physical strength and the intensity of male action with female resistance and flexibility; the male ability to focus, with the natural female ability to be interdisciplinary; objectivity and logic  combined with intuition and emotion; the expansion of territories with their maintenance, and above all, the combination of a policy based on individual leadership combined with one based on the coordination of talent within a collective management, will build more balanced societies in which complementarities between the two genders will result in harmony in personal and collective development.



Cidades do Futuro: incorporando o espírito feminino

Maggio 1, 2015 7:27, by Débora Nunes - 0no comments yet

Em post anterior discuti a emergência de um novo paradigma de pensar e viver e adiantei que esse paradigma se aproxima de um modo feminino de estar no mundo.  Essas divisões entre formas masculinas e femininas de existir estão vinculadas à longa história humana, e particularmente aos cerca de 200 mil anos em que vivemos em meio à Natureza, antes da invenção das cidades. Nosso mundo urbano tem menos de 10 mil anos e portanto nossos comportamentos estão muito vinculados ao nosso passado anterior de caçadores e coletores nômades. Dos condicionantes biológicos dos dois gêneros humanos decorrem diferentes habilidades intelectuais, comportamentos, particularidades emocionais, assim como uma relação diversa com o mistério da vida e com a espiritualidade.

Nos tempos pré-urbanos, antes da propriedade privada e da dominância masculina, as tarefas do existir construíram habilidades que definiram os papéis culturais que se consolidaram posteriormente. As mulheres, por esse longo passado, são mais aptas à uma percepção multidimensional do mundo e a um foco nos relacionamentos, mais atentas à distribuição equitativa dos recursos pela sua condição de cuidadora da família e da comunidade,  mais compassivas e focadas nas necessidades de cada um pelo convívio com pessoas em situação de fragilidade; mais relacionadas ao cuidado dos espaços de vida e mais habilitadas para uma inteligência intuitiva e um agir inspirado na emoção e na negociação. Os homens, por sua vez, estão mais habilitados para uma percepção focada, lógica e objetiva do mundo, para um agir mais agressivo, incluindo a competição, e  são mais aptos à abstração e ao raciocínio espacial que os habilita para a conquista de novos espaços. Essas características de gênero são uma média e podem se revelar tanto em homens como em mulheres, mas são, claro, mais comuns em cada sexo, por condicionantes biológicos e culturais discutidos a seguir.

O aparato hormonal e físico das mulheres às destinaram à geração e à manutenção da prole. O período gestacional final diminui a mobilidade feminina, assim como o aleitamento e o cuidado com as crianças pequenas. Como as  mulheres na pré-história engravidavam quase a cada ano, era normal que suas vidas decorressem majoritariamente no território de repouso de povos nômades, onde estavam também os mais velhos, os incapacitados e os doentes. Já o aparato hormonal e físico dos homens lhes dá mais força física e também mais agressividade, pela presença da testosterona. A atividade da caça, importantíssima para a alimentação da tribo antes da invenção da agricultura e do pastoreio,  implicava na conquista de territórios e também na sua proteção, evitando que os mais fracos da tribo ficassem expostos à agressão de animais selvagens. 

Para ilustrar essas diferenças a partir de inúmeros estudos que comparam padrões masculinos e femininos, usarei a diferenciação feita por David BAKAN, na qual os homens, pela sua força física, tenderiam à uma “ação enérgica”, enquanto que as mulheres tenderiam a uma “ação relacional”, advinda de sua capacidade reprodutiva. LECOMPTE, em seu livro “A bondade humana” (2012), traz os estudos de EAGLY e CROWLY, que testam, em situações reais, as diferenças estabelecidas por Bakan: a ação generosa de homens e mulheres se distinguiriam em: os homens estariam mais aptos à ação generosa em situações de urgência e de perigo e as mulheres mais aptas ao apoio emocional e cuidados concretos continuados para pessoas em situação de sofrimento.

Assim, as mulheres historicamente ocuparam-se da colheita de plantas comestíveis das redondezas do local de pouso, escolhendo os grãos maiores, as raízes mais saborosas, as frutas mais doces e os alimentos mais digestivos. É a elas e às suas observações, que devemos a descoberta da agricultura.  Do mesmo modo, elas caçavam e depois domesticaram pequenos animais, e os mais dóceis, abrindo caminho para o pastoreio. Os homens assumiram outros papéis que exigiam maior força física e estão intimamente ligados às tecnologias de transformação: o corte de árvores e a construção de abrigos, a fabricação de ferramentas para caça e para tratamento de couro, ossos, etc. e posteriormente também a metalurgia. Essas tecnologias, favorecidas pela força, exigem cálculos abstratos, de cunho lógico e matemático, também desenvolvidos por eles.   

Do funcionamento hormonal também se pode deduzir motivações para diferenças de  habilidades e comportamentos: as mulheres têm uma biologia cíclica, com grandes altos e baixos hormonais e uma grande flexibilidade para lidar com modificações físicas, seja do ciclo hormonal mensal, seja da gravidez. Ambos provocam transformações expressivas no corpo que volta mais ao menos ao mesmo ponto, passada a menstruação ou o parto. Essas modificações são provocadas por fatores internos, misteriosos, o que faz as mulheres mais perceptivas das mudanças invisíveis, mais resilientes fisicamente e mais atentas às alterações emocionais. Os homens têm uma biologia simples, contínua, com alterações hormonais provocados apenas por fatores externos, visíveis: principalmente perigo ou excitação sexual. Se um homem devesse passar pelas mudanças hormonais colossais pelas quais passam as mulheres todos os meses, teriam muita dificuldade de adaptação, pois não são biologicamente capacitados para isto.

Várias habilidades femininas são advindas do fato das mulheres terem historicamente passado a maior parte do tempo em meio às crianças, velhos e doentes, no espaço restrito do entorno da tribo, acampada ou em movimento, enquanto os homens deslocam-se em áreas mais longínquas e vivem em situação de perigo. Pesquisas comprovam que o cérebro feminino é mais perceptivo de detalhes e emoções, mais capacitado para multitarefas simultâneas, assim como focados nos relacionamentos e na comunicação. Do mesmo modo, identificam uma grande capacidade de foco na tarefa nos homens, assim como maior capacidade de identificação espacial e de abstração, advindas das longas horas na atividade da caça, implicando em espera e observação silenciosa, projetando o comportamento da caça, para agir em seguida, de modo rápido e agressivo.

É também em função de sua presença doméstica que as mulheres se envolveram na culinária e na distribuição equitativa dos alimentos. A força física e a testosterona destinaram aos homens atividades mais agressivas e extenuantes. Essas atribuições, favorecidas pela biologia e continuadas por milênios e milênios, acabam por definir habilidade cerebrais diferentes. O tipo de inteligência de cada sexo adviria desses papeis históricos cotidianos: as mulheres em um mundo restrito que demanda dela muitas tarefas diferentes (cuidar da prole, da comida, da agricultura e de atividades manuais diversas com a cerâmica e a tecelagem), um raciocínio multidimensional, capaz de efetuar diferentes atividades ao mesmo tempo. Esse raciocínio é também muito concreto, relacionado com a experiência do aqui e do agora. Os homens, por sua tarefa prioritária da caça em campo aberto e em sintonia com outros homens (para evitar o perigo, prever o comportamento futuro da presa e abatê-la), teriam desenvolvido uma capacidade de foco, de abstração, de raciocínio espacial e lógico. Tanto para as tarefas das mulheres quanto para as dos homens ao longo desses 200 mil anos, a qualidade do planejamento era importante, sendo que nas tarefas femininas, o planejamento principal era de longo prazo, no que diz respeito a sobrevivência e educação da prole, e para os homens o planejamento de curto prazo, na realização das tarefas imediatas, como a proteção da prole dos perigos do entorno.

Seja por herança genética modelada pela longa história, portanto por fatores objetivos biológicos e culturais, seja por uma tendência cosmológica, imaterial e intemporal, definida por uma tendência à construção do movimento harmônico a partir de polos opostos (yin e yang), homens e mulheres são muito diferentes. Vê-se hoje uma aproximação dos papeis sexuais, ou seja, os homens desenvolvendo mais suas habilidades femininas e vice-versa, sem que, entretanto, percam suas características intrínsecas. Esse movimento é doméstico, pessoal, mas também coletivo e global e irá  influenciar os modos de pensar, de agir e de construir cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.

Os atributos masculinos, sem a contraposição e a complementaridade dos atributos femininos, se esgotaram para nos fazer avançar em relação ao que até aqui evoluímos como humanidade. A masculinidade exacerbada modelou uma sociedade predadora e competitiva, focada nas coisas e no seu funcionamento e interessada principalmente na conquista e na acumulação.  Esse desequilíbrio se torna hoje uma ameaça. A emergência do espírito feminino integra valores historicamente desenvolvidos pelas mulheres e vão trazer a masculinidade para seus atributos positivos das forças de ancoramento, de proteção e de maravilhamento do homem diante da potência criativa e de gestação do feminino. A combinação da força física e da intensidade de ação masculinas com a resistência e a flexibilidade femininas; a capacidade de foco masculina com a natural interdisciplinaridade feminina; a objetividade e lógica com a intuição e a emoção; a exploração de territórios com sua manutenção, e, sobretudo, a combinação de uma política baseada na liderança individual com outra baseada na coordenação de talentos dentro de uma gestão coletiva, irão construir sociedades mais equilibradas, nas quais as complementaridades entre os dois gêneros humanos promovem harmonia e desenvolvimento pessoal e coletivo.

 



Cidades do futuro: quais os efeitos do crash ambiental?

Aprile 24, 2015 3:03, by Débora Nunes - 0no comments yet

Imaginar que Roma, a maior cidade do mundo na época do nascimento de Jesus, tenha diminuído sua população de um milhão de habitantes para apenas 15 ou 20 mil depois da decadência do império romano é ilustrativo. Após mil anos de poder sobre grande parte do mundo, o fim da civilização romana já inspirou filmes e livros que fazem alusão a essa derrocada como ilustrativa da crise que vivemos hoje. Há décadas, antes que as implicações da questão ambiental ficassem mais evidentes, o filme “As invasões bárbaras”, já tratavado assunto.

Será que nossas cidades hiper-engarrafadas, estressantes, poluídas, caras e violentas irão pelo mesmo caminho na medida em que os efeitos das mudanças climáticas se tornarem mais e mais severos? Alguns indícios, ainda muito pequenos e de crescimento lento, podem apontar para o decrescimento futuro: O movimento de retorno de migrantes nordestinos de São Paulo para as calmas pequenas cidades de onde migraram décadas antes; a saída de populações das metrópoles para cidades menores próximas em busca de qualidade de vida e aproveitando as possibilidades do trabalho pela internet; a proliferação de projetos de ecovilas, nas quais pessoas insatisfeitas com o mundo consumista, organizam-se para construírem modelos alternativos... Assim como Roma foi aos poucos desertada por seus habitantes, a crise da civilização ocidental, apontada em inúmeras pesquisas, podem indicar que o decrescimento das metrópoles e uma descentralização urbana serão uma tendência.

Os dados de um estudo de publicado por Safa Motesharri e colegas em 2014, financiado em parte pela NASA, dão mais concretude ao que muitos percebem também no seu dia a dia nas cidades: a insustentabilidade da civilização capitalista de consumo (ver sumário em inglês abaixo). Usando uma nova metodologia, denominada HANDY (Human And Nature DYnamical), que incorpora dados históricos, ambientais e de desigualdade, a pesquisa mostra que nas próximas décadas (20, 30 anos, ou seja, ainda em nosso tempo de vida), os efeitos do modelo civilizatório no clima, na água, na agricultura, na energia e na população já imporão mudanças profundas, levando ao colapso da civilização. A diminuição da população prevista pelo estudo, se dará tanto pela fome quanto por desastres climáticos e começará pelos pobres, menos protegidos, mas alcançará inevitavelmente os ricos.

Para além de tentarmos frear as tendências de crash ambiental com o crescimento de movimentos locais e globais, é importante que nos preparemos para uma transição mais sensata para outra etapa civilizatória. Cada pessoa e cada comunidade que mudar seu comportamento geral de consumo, de mobilidade, etc. estará em transição. Cada pessoa que começar a compensar sua pegada ecológica com plantio de árvores e alimentos, por exemplo, estará contribuindo para a transição coletiva. Diminuir o consumo material e compensar os efeitos de nossa própria existência na Terra é um caminho necessário, mas restabelecer uma vida mais calma e um ritmo mais sereno, indo na contracorrente do modelo atual, é outro desafio importante, uma verdadeira revolução tranquila. A matéria e energia estão interligadas profundamente como os novos paradigmas do conhecimento evidenciam.  Nós somos ao mesmo tempo parte dessa matéria e dessa energia universal e está em nossas mãos fazer nossa parte, enquanto o resto do mundo não acorda.  

 

Human And Nature Dynamics (HANDY):  Modeling Inequality and use of resources in the collapse or sustenability of societies

(Safa Motesharri,  Jorge Rivas, Eugenia Kalnay)

 

SUMMARY

Collapses of even advanced civilizations have occurred many times in the past five thousand years, and they were frequently followed by centuries of population and cultural decline and economic regression. Although many different causes have been offered to explain individual collapses, it is still necessary to develop a more general explanation.  In this paper we attempt to build a simple mathematical model to explore the essential dynamics of interaction between population and natural resources. It allows for the two features that seem to appear across societies that have collapsed: the stretching of resources due to strain placed on the ecological carrying capacity, and the division of society into Elites (rich) and Commoners (poor).

The Human And Nature DYnamical model (HANDY) was inspired by the Predator and Prey model, with the human population acting as the predator and nature being the prey. When small, Nature grows exponentially with a regeneration coefficient γ, but it saturates at a maximum value λ. As a result, the maximum regeneration of nature takes place at λ/2, not at the saturation level λ. The Commoners produce wealth at a per capita depletion rate δ, and the depletion is also proportional to the amount of nature available. This production is saved as accumulated wealth, which is used by the Elites to pay the Commoners a subsistence salary, s, and pay themselves κs, where κ is the inequality coefficient. The populations of Elites and Commoners grow with a birth rate β and die with a death rate α which remains at a healthy low level when there is enough accumulated food (wealth). However, when the population increases and the wealth declines, the death rate increases up to a famine level, leading to population decline.

We show how the carrying capacity —the population that can be indefinitely supported by a given environment [Catton, 1980]— can be defined within HANDY, as the population whose total consumption is at a level that equals what nature can regenerate. Since the regrowth of Nature is maximum when y = λ/2, we can find the optimal level of depletion (production) per capita, δ∗ in an egalitarian society where xE ≡ 0, δ∗∗(≥ δ∗) in an equitable society where κ ≡ 1, and δ∗∗∗ in an unequal society where xE ≥ 0 and κ > 1.

In sum, the results of our experiments, discussed in section 6, indicate that either one of the two features apparent in historical societal collapses —over-exploitation of natural resources and strong economic stratification— can independently result in a complete collapse. Given economic stratification, collapse is very difficult to avoid and requires major policy changes, including major reductions in inequality and population growth rates. Even in the absence of economic stratification, collapse can still occur if depletion per capita is too high. However, collapse can be avoided and population can reach equilibrium if the per capita rate of depletion of nature is reduced to a sustainable level, and if resources are distributed in a reasonably equitable fashion.

In the upcoming generations of HANDY, we plan to develop several extensions including: (1) disaggregation of Nature into nonrenewable stocks, regenerating stocks, and renewable flows, as well as the introduction of an investment mechanism in accessibility of natural resources, in order to study the effects of investment in technology on resource choice and production efficiency; (2) making inequality (κ) endogenous to the model structure; (3) introduction of “policies” that can modify parameters such as depletion, the coefficient of inequality, and the birth regions to represent countries with different policies, trade of carrying capacity, and resource wars.

 

 



Aprofundando os novos paradigmas

Aprile 16, 2015 2:55, by Débora Nunes - 0no comments yet

Em post anterior escrevi brevemente sobre a história do paradigma dito “cartesiano-mecanicista”, hoje dominante nas Universidades, na mídia e no senso comum. Tratei do seu o papel positivo que esse teve na história humana e apontei também seu esgotamento. Essa forma de ser e estar no mundo privilegia a racionalidade, a objetividade e a medição para chegar ao conhecimento. Do mesmo modo, para afrontar a complexidade do mundo, esse paradigma divide os conhecimentos em partes desconectadas umas das outras, para se tornarem passíveis de análise objetiva. Para evitar confusões no entendimento, ele cultiva a certeza e evita respostas múltiplas, assumindo que apenas uma é a verdade. Por fim, para entender e agir sobre o mundo, esse paradigma prevê uma hierarquia que organiza o pensamento e a ação.

Observe como essas maneiras de pensar lhe parecem de modo geral bem naturais...na medicina, por exemplo, esse é o paradigma dominante e todos somos “tratados” segundo esse ponto de vista, item por item. Nos consultórios não há muita conversa, só se acredita nos números dos exames; dividem cada parte de nós em especialidades e as causas profundas e integradas de nossos males não são buscados; procura-se um diagnóstico/certeza para ter uma única prescrição e no final quem tem o poder é o médico e não nós, que somos desaconselhados até a abrir os resultados dos nossos próprios exames.

Se observarmos com atenção, veremos que as consequências de organizarmos o mundo a partir do paradigma cartesiano-mecanicista são: tornar naturais a dominação e a desigualdade; ter foco na quantidade e na análise fria dos fatos, excluindo ou deixando em segundo plano as razões do coração e da intuição; fazer da competição pela verdade única, por posições sociais, pela atenção dos outros, etc., a norma do agir pessoal e coletivo, e, por fim, é ver a exploração dos recursos naturais e humanos como absolutamente convenientes, sem se questionar de fato sobre o desperdício de recursos ou o sofrimento no trabalho, ou pensar na cooperação, na reciclagem e na restauração de recursos.

A necessidade de construir um mundo mais justo, democrático, cooperativo e sustentável exige, politicamente, outro tipo de paradigma. Porém, é da ciência mesma, em diferentes abordagens, que chegam os questionamentos mais firmes à validade do paradigma instaurado por Descartes e Newton séculos atrás. Desde o início do século XX, a física, a biologia, a psicologia, a filosofia, a sociologia etc. identificam as fragilidades do paradigma anterior para explicar e viver o mundo e propõem um paradigma emergente, com diferentes denominações: quântico, holístico, sistêmico, complexo, orgânico ou ecológico. Esse novo paradigma, como se verá, favorece a interdependência, a intuição e a síntese, a cooperação, a qualidade, a conservação dos recursos e o poder compartilhado.

A física foi a primeira a insurgir-se contra o determinismo mecanicista, pois, no microcosmo do átomo, não há certezas, apenas possibilidades. Um dos marcos dessa reação foi o Princípio da Incerteza estabelecido em 1927 por Heisenberg, pelo qual aceita-se que, sendo os elétrons ao mesmo tempo ondas (energia) e partículas (massa), não é possível afirmar categoricamente sua localização (massa), em dado momento, ou sua velocidade (energia). Para entender o átomo, o pesquisador precisa lidar com estimações e não com certezas; ele precisa fazer escolhas de observação assumindo naquele momento que o átomo comporta-se como onda ou como partícula. Mais desafiador ainda: saber que o próprio pesquisador interfere nos resultados de suas pesquisas pela simples proximidade que seus instrumentos têm do átomo.

Então, se os resultados de uma pesquisa são determinados pelo observador, pelo Princípio da Incerteza, como aceitar verdades absolutas? Como não entender que cada ponto de vista humano depende de sua história, cultura e posição social?. A academia insiste ainda hoje, quase cem anos depois das descobertas de Heisenberg, que existe uma neutralidade científica, e que é possível ao pesquisador não enviesar os resultados de seu trabalho pelo seu próprio olhar... A antropologia ensina que o máximo que podemos fazer é estarmos atentos e entendermos qual é o nosso próprio ponto de vista e integrá-lo à pesquisa. Só assim seremos capazes de ver o outro, os outros e entendê-los.

A física quântica trouxe ainda outro questionamento ao paradigma racionalista ao descobrir o que é chamado de “não localidade quântica”. No momento em que um elétron, por exemplo, passa de um nível energético a outro no interior do átomo, não se consegue identificar sua localização. Objetos quânticos deixam de existir “aqui” e simultaneamente passam a existir “lá” e não podemos dizer que passaram pelo espaço interveniente. É como se eles “não estivessem nesse mundo”, fazendo com que se possa supor a existência de outra dimensão, que não está no aqui e agora. Na verdade, a ciência já descobriu a existência de diversas dimensões, dessas primeiras descobertas quânticas até hoje, e nosso aparato racional é limitado para entender o funcionamento dessas outras dimensões. É a intuição, segundo o próprio Einstein, que nos ajuda a entender o mundo, inexplicável apenas com o uso da racionalidade.

A física quântica é tão cheia de exemplos desconcertantes para o paradigma cartesiano-mecanicista, que o novo paradigma emergente é chamado de quântico por muitos estudiosos. Um dos mais renomados entre eles é Amit Goswami e, no Brasil, Wallace Liimaa, é um dos divulgadores mais conhecidos e inspirados do paradigma emergente. Seu livro, “Princípios quânticos no cotidiano: a dimensão científica da consciência, espiritualidade, transdisciplinaridade e transpessoalidade” é uma boa leitura. Ali ele trata de outros fenômenos que a física quântica explica bem, como a conexão e a interdependência entre todas as coisas (“Bootstrap”) e o “salto quântico”, no qual um acúmulo de mudanças quantitativas favorece uma mudança qualitativa, em saltos.

Tenho usado esses princípios em meu blog para tratar das diferentes “revoluções tranquilas” que estão acontecendo hoje no mundo e que podem estar prenunciando um salto qualitativo de dimensões políticas enormes que é o advento de uma cidadania planetária engajada e conectada pela internet.

Outro pensador que vem contribuindo destacadamente para o desenvolvimento do novo paradigma é Edgar Morin, com sua “Teoria da Complexidade”. Ciente dos avanços das descobertas das ciências exatas, como a física, Morin traz essas novas percepções para o campo das ciências humanas e explica que complexo é diferente do complicado: Enquanto o complicado tende ao ininteligível, incompreensível, o complexo tende ao indeterminado, às respostas múltiplas e à conexão e interdependência entre todas as coisas e seres. A Teoria da Complexidade propõe a superação da dualidade, e sugere a lógica do “terceiro incluído”, ou seja, convida-nos a imaginar outras possibilidades, o caminho do meio budista. Posso dar alguns exemplos: entre o capitalismo e o socialismo, trazer a concepção de uma “economia plural”, como propõe Jean Louis Laville; entre democracia representativa e democracia participativa, inovar com a concepção de uma liderança compartilhada, que sugiro no meu livro “os novos coletivos cidadãos”; entre desigualdade e igualitarismo, a possibilidade de uma equanimidade, na qual os diferentes são tratados diferentemente, mas sempre buscando a justiça para o todo. 

Outra contribuição excepcional para a superação do paradigma racionalista vem das descobertas do biólogo Rupert Sheldrake, com sua “Teoria dos Campos Mórficos” e a ideia da “ressonância mórfica”. Para entender melhor a teoria, o próprio Rupert conta a história do “centésimo macaco”: em um conjunto de ilhas habitadas por macacos de uma determinada espécie, um macaco descobre por acaso o prazer de comer raízes lavadas na água do rio. Outros macacos observam e fazem o mesmo, mas ao chegar ao macaco de número 99, a mudança alcançaria um patamar no qual não é mais necessário o contato direto para aprender a nova maneira de fazer. Assim macacos de outras ilhas, sem qualquer contato, começam a fazer o mesmo, pelo mecanismo de ressonância mórfica.

Para Sheldrake, os campos mórficos são estruturas que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material. Assim, quando uma mudança necessária (que harmoniza um processo) se dá em pequena escala, ela se propaga de forma linear, causal (um macaco que aprende vendo o outro fazer) mas também dentro da não localidade quântica, independente de contato direto, através da ressonância mórfica. Esse seria o motivo que explicaria porque um conjunto suficientemente grande de pessoas meditando juntas pela paz seria capaz de fazer decrescer o número de crimes cometidos nas imediações de Washington, como nos conta Gregg Braden.

A psicologia é um dos campos de estudos mais contributivos para a emergência de um novo paradigma. Desde o início do século XX, quando Gustav Jung propôs o conceito de “Inconsciente Coletivo”, ele estava muito próximo dos campos mórficos de Rupert Sheldrake, descobertos no final do século. Jung descobriu que se pode encontrar em diferentes culturas símbolos muito próximos, independente de terem tido contato. Um exemplo é o mito bíblico da vida que nasce do barro, como o qual Deus fez o corpo do homem, ou a ideia de que o bem mora no céu, no alto, e o mal nas profundezas. Essas simbologias estão presentes em muitas e muitas culturas espalhadas pelo mundo e constituem, segundo Jung, “arquétipos” que os humanos partilham. O conjunto dos arquétipos constitui uma inteligência compartilhada, que não precisa de contato direto, e seria explicada, hoje se sabe, também pela “não localidade quântica”.

Outro exemplo da contribuição da psicologia é o trabalho sobre as “constelações familiares”, de Bert Hellinguer. Esse profissional e pesquisador defende que uma situação vivida pela alma de um indivíduo pode ser sentida por outros não presentes. Assim, uma dada relação interpessoal interpretada por outras pessoas em uma sessão de psicoterapia pode revelar o que sente cada uma das partes e também a constelação de sentimentos interdependentes daquela situação. Pode-se assim curar uma relação dolorida nesse processo no qual um interpretante comunica-se com a alma do interpretado e pode lhe transferir, por exemplo, a compreensão e o perdão para dada situação. Numa interessante entrevista a uma jornalista que perguntava como era possível entender o funcionamento da terapia, Bert Hellinguer responde algo como “tenho 40 anos vendo o processo funcionar; sei que não é possível compreendê-lo pela forma atual de pensar, portanto, não quero explicar, convido-a a viver isso”.

As mudanças de paradigmas, explicadas por Thomas Kuhn em seu livro “A estrutura das revoluções científicas” e muito interessantemente mostradas em um pequeno vídeo, podem ser lentas, mas são, geralmente, largas. Gente de várias áreas, em diversos países, trabalham na direção de um novo modo de ver o mundo, de compreendê-lo e de agir sobre ele, e de repente, num salto quântico, elas passam a ser mais e mais escutadas e compreendidas. Mudar de paradigma não significa enterrar completamente o anterior, que pode continuar a ser válido em aspectos da existência e complementado pelo novo.

Os novos paradigmas propiciam novas formas de pensar, novos valores e novas práticas. Coerente com o que se disse até aqui em relação ao paradigma emergente da complexidade, não se quer negar a lei da gravidade de Newton, nem o princípio da dúvida racional de Descartes, nem o papel da racionalidade para vivermos melhor no mundo, nem a utilidade dos números e das especialidades no saber. Defende-se a integração de novas formas de entender o mundo, válidas em muitos e muitos campos e que inspirem outros modos de conhecimento e organização da vida comum.

Para tentar resumir o que foi dito até aqui, pode-se dizer que a passagem do paradigma cartesiano-mecanicista para o paradigma holístico ecológico, significará passar da lógica auto afirmativa para a integrativa ou do pensamento único para diversidade, ou do “ou” para o “e”; de uma inteligência apenas racional para  uma inteligência  múltipla, incluindo a intuição, a inteligência do corpo e a do coração;  do privilégio da análise para as tentativas de síntese que suscitam ação e nova análise; da forma reducionista e compartimentada de conhecimento para uma abordagem holística e sistêmica; da ação linear, que explora recursos e pessoas, para a não linear, que foca na conservação da riqueza humana e natural.

Do mesmo modo, os valores predominantes nos dois paradigmas são diferentes e passa-se da dominação para parceria e para a liderança partilhada; da expansão, (seja ela territorial, de mercados, de riqueza, implicadas numa visão quantitativa) para a conservação, a manutenção; da competição para a cooperação; do curto para o longo prazo, dos fins justificam os meios para a valorização do processo, do caminho se faz ao andar... Essas formas de pensar e de valorar as coisas e os processos são próximas da energia feminina... mas isso é tema de outro post.  

 



Cidades do Futuro: sustentabilidade ecológica

Aprile 15, 2015 1:04, by Débora Nunes - 0no comments yet

Como ter bases seguras para saber o que é e o que não é sustentável e como construir cidades mais ecológicas? O conceito de sustentabilidade é tão comentado que parece difícil apreendê-lo em profundidade. Nas discussões sobre cidades sustentáveis ele acaba por se reduzir a questões tecnológicas do tipo reciclagem de lixo, reuso de água, tetos verdes, etc. Essas práticas, embora importantes, são apenas instrumentos de sustentabilidade, mas quais os critérios para defini-la em cada campo da intricada questão urbana? Fritjof Capra, em seu incansável trabalho para difundir novos paradigmas, trouxe um conjunto de conceitos que se inspiram no próprio modo como a Natureza sustenta a vida incansavelmente.

Assim, a partir da observação e do estudo dos sistemas vivos oriundos de autores diversos (Ilya Prigogine, Humberto Maturana, Francisco Varela, Gregory Bateson, etc. ) ele chama de sustentabilidade ecológica o conjunto de práticas da Teia da Vida: os ciclos, as redes, as parcerias, a diversidade e a resiliência, sustentadas pela energia solar. Examinar cada uma dessas práticas é nossa tarefa a seguir, pois buscar um funcionamento das cidades o mais próximo possível de como a Natureza funciona significa ser sustentável. A própria longevidade do planeta Terra, com seus 4,56 bilhões de anos de existência e centenas de mutações dramáticas que transformaram completamente sua superfície e sua dinâmica, mostra que ela se sabe se auto sustentar. Se a espécie humana continuar a existir sem se inspirar nos processos naturais, é ela que vai se extinguir. Acesse aqui um interessante filme mostra a Terra depois de nós.

Parâmetros da sustentabilidade ecológica, para ajudar a pensar os serviços, equipamentos e modos de vida urbanos:

  • Redes

Em todas as escalas da natureza, encontramos sistemas vivos alojados dentro de outros sistemas vivos, de modo interdependente. Cada folha, cada célula, cada rio, cada animal é constituído de redes e se encontra dentro de redes maiores. Os limites entre esses sistemas não são limites de separação, mas limites de identidade, pois todos os sistemas vivos comunicam-se uns com os outros e partilham seus recursos, transpondo seus limites. A saúde de cada um, sua harmonia e seu desenvolvimento melhora o sistema geral, assim como esse interfere no bem estar de cada um/a.

Como organizar o abastecimento alimentar, o trânsito, a comunicação, etc. em redes?

 Ciclos

Todos os organismos vivos, para permanecer vivos, têm de alimentar-se de fluxos contínuos de matéria e energia tiradas do ambiente em que vivem; e todos os organismos vivos produzem resíduos continuamente. Entretanto, um ecossistema, considerado em seu todo, não gera resíduo nenhum, pois os resíduos de uma espécie são os alimentos de outra. Assim, a matéria recicla-se continuamente dentro da teia da vida.

Como organizar o abastecimento de energia, o lixo,  os esgotos, etc. em ciclos nas cidades?

  • Alianças

As trocas de energia e de recursos materiais num ecossistema são sustentadas por uma cooperação generalizada. A vida não tomou conta do planeta pela violência, mas pela cooperação. Nenhum ser é capaz de viver sem o apoio de outros.

Como organizar a economia, a política, a educação, etc. através de parcerias?

  • Diversidade

Os ecossistemas alcançam a estabilidade e a capacidade de recuperar-se dos desequilíbrios por meio da riqueza e da complexidade de suas teias ecológicas. Quanto maior a biodiversidade de um ecossistema, maior a sua resistência e capacidade de recuperação.

Como organizar a habitação, a socialização, a paisagem etc. de modo diversificado?

  • Flexibilidade

Um ecossistema é uma rede em equilíbrio dinâmico, em permanente flutuação. Sua flexibilidade é uma consequência dos múltiplos elos e anéis de realimentação que mantêm o sistema sadio. Nenhuma variável chega sozinha a um valor máximo; todas as variáveis flutuam em torno do seu valor ótimo.

Como organizar a saúde, as leis urbanísticas, o consumo etc. com flexibilidade?

  • Energia Solar

É a energia solar, transformada em energia química pela fotossíntese das plantas verdes, que move todos os ciclos ecológicos.

Como utilizar melhor essa imensa força de vida no dia a dia das cidades?