Meio Ambiente em Salvador: RESÍDUOS
августа 26, 2015 10:51 - no comments yet
Segue a ultima parte do texto de Emerson Sales, com as Considerações finais e Bibliografia. Boa leitura e boas ações para melhorar o quadro!
Resíduos:
Conforme dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2012) cada brasileiro consumiu e descartou em 2008, em média, 21,9 kg de embalagens de papel ou papelão, 1,8 kg de embalagens de alumínio, 4,7 kg de embalagens de aço, 4,1 kg de embalagens de plástico, 5,5 kg de embalagens de vidro, e estes números são crescentes ano após ano. Com base neste ano (2008) só de embalagens houve uma geração de mais de 7 milhões de toneladas de resíduos sólidos, ou seja, mais de 19 mil toneladas por dia.
Quanto à coleta e recuperação destes materiais, as informações exatas são difíceis de se obter; uma amostragem em 131 municípios brasileiros indicou em 2008 uma recuperação de 3,4 Kg de papel, 2,0 kg de plástico, 0,8 kg de metais e 0,6 kg de vidro por habitante neste ano, o que representa apenas 18% do total de embalagens consumidas no mesmo ano. Uma estimativa da quantidade de material recuperado por programas de coleta seletiva em 994 municípios revelou um total de 579.200 toneladas em 2008, ou seja, um índice menor ainda de recuperação de embalagens, pois isso corresponde a apenas 8,3% do total gerado de embalagens.
Quanto à geração de resíduos totais, segundo o CEMPRE (2008)[1], a média de geração per capita no país gira em torno de 0,8 kg/hab./dia, sendo que nos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, este índice ultrapassa facilmente a barreira de 1,5 kg/hab./dia. Cidades turísticas como Rio de Janeiro e Salvador, por exemplo, tem uma alta taxa de população flutuante, que gera resíduos e não é incluída no cálculo do índice de geração per capita.
Quanto à coleta destes resíduos totais, segundo o IPEA (2012) neste mesmo ano de 2008 foram coletados em média 183.481,5 toneladas de resíduos totais por dia no Brasil, e existe uma discrepância alarmante entre as zonas rurais e urbanas; para este mesmo ano (2008) a cobertura média de coleta de resíduos nas áreas urbanas foi de 98,5%, enquanto que a média nas áreas rurais foi de 32,7%, e estes números são diferentes nas diversas regiões do país, como sempre os melhores índices são das regiões sul/sudeste.
Quanto ao destino final do que foi coletado, do total admitido em 2008, apenas 0,8% recebeu tratamento como compostagem, 1,4% foi direcionado para triagem e reciclagem menos de 0,1% incineração; 58,3% foi destinado a aterros sanitários, 19,4% para aterros controlados, e 19,8% foi destinado à vazadouros a céu aberto, o que chamamos de "lixões", estratégia ainda adotada por 50% dos municípios analisados em 2008.
começar aqui Analisando o perfil dos resíduos, foi estimado que 51,4% do total corresponde à matéria orgânica, ou seja 94.309,5 t/dia em 2008, mas por não ser coletado em separado, acaba sendo encaminhado para destino final junto com os demais resíduos, contaminando-se mutuamente e dificultando o destino correto de todos eles. Esta ação gera para os municípios despesas que poderiam ser evitadas, caso houvesse separação na fonte e tratamento específico, como por exemplo a compostagem da parte orgânica, valorizando o resíduo. Apenas 1,6% desta quantidade (ou cerca de 0,8% do total de resíduos em 2008) teve destinação para compostagem, segundo o relatório.
Ainda segundo a mesma fonte, 31,9% do total de resíduos coletados em 2008, ou 58.287,4 t/dia, seria de material reciclável, mas isso não é a realidade. Apenas com certos tipos de materiais de embalagens é que temos altas taxas de recuperação.
Conforme dados do CEMPRE (2008), apenas 7% dos municípios brasileiros tem programas de coleta seletiva, mas como geralmente são os maiores, estes representam cerca de 14% da população. Destes dados de 2008, tem-se ainda que deste total de 405 municípios 2% se localizam no Norte do país, 4% no Centro Oeste, 11% no Nordeste, 35% no Sul e o restante, 48%, no Sudeste. Quanto à composição do material coletado, tem-se em média que 1% é alumínio, 3% embalagens longa vida, 3% diversos materiais, 9% metais diferentes do alumínio, 10% vidros, 13% rejeito, 22% de plásticos e 39% papel e papelão.
Ainda conforme dados do CEMPRE, a taxa de reciclagem global de materiais em alguns países é: Suécia - 40%; Estados Unidos - 25%; Espanha - 25%; França - 25%; Reino Unido - 15%; Brasil - 11%; Tailândia - 10%; Grécia - 10%; Portugal - 5%; Polônia - 4%; México - 5%; Argentina - 3%. Conforme a BBC, a Suíça seria o campeão mundial, com 52% de reciclagem, seguido da Áustria com 49,7%, Alemanha com 48%, Holanda com 46%, Noruega com 40%, Suécia com 34% e Estados Unidos com 31,5%, dados de 2012.
Para exemplificar, um trabalhador de escritório norte americano utiliza cerca de 500 copos descartáveis por ano. Todos os anos, a quantidade de copos descartáveis plásticos e de papel, garfos e colheres descartáveis que os norte americanos jogam fora é suficiente para circundar o equador 300 vezes. Outro dado: cerca de 3,18 milhões de toneladas de PVC são jogados fora nos EUA a cada ano; apenas 8,17 mil toneladas, ou seja, 0,26% do que é descartado, é o total reciclado[2]. Tudo isto fica depositado inadequadamente no meio ambiente, poluindo e causando transtornos, como por exemplo o entupimento do sistema de drenagem pluvial das cidades, e estima-se que este material pode durar até cinco séculos para ser absorvido pela natureza.
Mesmo os polímeros que se intitulam oxibiodegráveis e são usados em embalagens tem sua biodegradabilidade considerada como um assunto polêmico na comunidade científica internacional. Por exemplo, Guilherme José Macedo Fechine (2009), professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, realizou uma bateria de testes com um tipo de plástico oxibiodegradável vendido no mercado nacional e constatou que, apesar dele se fragmentar e virar pó, não é consumido por fungos, bactérias, protozoários e outros microorganismos – condição necessária para ser considerado biodegradável e desaparecer do solo ou da água. A luz solar pode quebrar estes materiais em partículas menores e menores, mas elas contaminam o solo e a água e é caro e difícil removê-las. Quando estas pequenas partículas de sacos plásticos entram em contato com os ecossistemas, Biotoxinas são então passadas para a cadeia alimentar, chegando até os seres humanos.
Quanto à cidade de Salvador, segundo dados do IPEA (2012), a quantidade coletada de resíduos sólidos domiciliares e/ou públicos em 2008 foi de 2.541,9 t/dia, valor completamente discrepante do total de resíduos sólidos domiciliares e/ou públicos destinados em solo próprio, que foi de 6.523,0 t/dia (ou 2.380.895 toneladas por ano, cerca de 3,5% do total brasileiro), o que evidencia a transferência de resíduos entre municípios vizinhos.
Conforme observou Gardênia Oliveira David de Azevedo (2004), o resíduo total em Salvador aumentou bem mais que a população, no período analisado, de 1990 a 2002, numa taxa de até 6% ao ano, e um dos motivos apontados foi o incremento da utilização de embalagens, e mudanças na gestão municipal, com alteração na coleta melhoria da renda. O estudo realizado sobre o fluxo de resíduos sólidos urbanos (RSU) na cidade de Salvador identificou a possibilidade de redução da geração na fonte de 27,5%. Caso se fizesse o desvio de resíduos do aterro, com retorno ao processo produtivo como matéria-prima (ou seja, reuso), isso significaria um montante de um quarto do total de resíduos domiciliares coletados.
Quanto à coleta seletiva em Salvador, segundo Maria de Fátima Nunesmaia e colaboradores (2004) o que predominava no período estudado era a coleta seletiva informal, a qual normalmente não está inserida em nenhum programa oficial municipal nem em políticas sociais municipais. Os programas de coleta seletiva porta-a-porta e de entrega voluntária ainda são insignificantes em relação à coleta seletiva informal praticada pelos catadores de rua.
Maria de Fátima Jesus de Araújo e colaboradores (2008) analisaram a coleta seletiva na comunidade Canabrava em Salvador, onde existe a CAEC - Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava. A CAEC, assim como outras cooperativas, é apoiada pelo Governo Federal, que desenvolve ações de apoio aos catadores e, para isso, foi criada uma Comissão Internacional para cuidar exclusivamente desse público-alvo no programa Fome Zero. A ONG Pangea possui representantes nessa comissão junto ao Movimento Nacional de Catadores, e considera-se a “Secretaria Estadual do Movimento”. A Petrobras é a patrocinadora do Projeto, que conta também com o apoio da União Européia. Os autores concluíram que os catadores, através da cooperativa, obtêm benefícios tais como: bolsa escola, bolsa família, assistência médica, dentista, cursos, grupos de teatro, além da inserção no mercado de trabalho, renda, trabalho digno e seguro, adquirindo uma melhoria significativa da qualidade de vida. Eles afirmam que um dos grandes desafios para o chamado Desenvolvimento Sustentável é a ampliação das políticas públicas voltada para a inclusão social, e a distribuição da riqueza, pois sem elas há miséria e degradação ambiental.
Por outro lado, o aumento recente do poder aquisitivo de uma parcela considerável da população brasileira vem alterando o seu perfil de consumo, incluindo mais produtos industrializados, e este é um fator que contribui para o aumento da geração de resíduos sólidos em todo o país. Devem ser portanto estimuladas com igual veemência para todos os cidadãos práticas de uso racional dos recursos, e de consumo consciente.
Considerações finais:
Pelos dados e análises referenciadas acima, observa-se que Salvador encontra-se em uma situação bastante precária no que diz respeito a diferentes aspectos da temática meio ambiente e poluição. Os dados apresentados neste resumo são esparsos e nenhum deles foi obtido junto aos órgãos públicos que deveriam monitorá-los e desenvolver politicas públicas para seu controle e manejo, visando a qualidade ambiental da população soteropolitana. A tradição de ação pública na área ambiental é muito restrita em Salvador, com um panorama de pouca estrutura e raros profissionais capacitados para encarar este problema vital na cidade. Há um longo caminho a ser percorrido para que Salvador seja um cidade ambientalmente correta. Experiências internacionais bem sucedidas podem servir de exemplo, mas temos que aprofundar nossas questões específicas, locais e nacionais, enfrentando nossos problemas, e ressaltando nossas qualidades. Salvador é uma cidade abençoada, mas se continuar sofrendo os problemas gestão sinalizados, poderá atingir em curto prazo um colapso em termos de degradação ambiental, o que implicaria na perda irreversível da qualidade de vida de seus habitantes.
Referências:
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[1] CEMPRE - Compromisso Empresarial para Reciclagem, dados de 2008
[2]http://www.cleanair.org/Waste/wasteFacts.html
Meio ambiente em Salvador: POLUIÇÃO DO AR
августа 10, 2015 11:18 - no comments yet
Esse é o terceiro post em que divulgo importante fonte de dados sobre Salvador, a partir de um texto do Prof. Emerson Sales que cobre grande lacuna sobre um tema vital para a cidade.
Qualidade do ar em Salvador
(Emerson Sales)
O crescimento da cidade de Salvador, de modo acelerado sobretudo a partir do século XX, gerou uma série de problemas sociais e ambientais em seu espaço geográfico, limitado fisicamente pelo mar e pelos municípios vizinhos. Uma grande quantidade de pessoas vivendo em um ambiente estruturalmente não planejado, a alta densidade, somada à poluição de fábricas e veículos, tem como consequência, dentre outros fatores, a elevação dos índices de poluição atmosférica.
Os padrões de qualidade do ar definem legalmente o limite máximo para a concentração de um poluente na atmosfera, que garanta a proteção da saúde e do meio ambiente. Estes padrões são baseados em estudos científicos dos efeitos produzidos nos seres vivos por poluentes específicos, e são fixados em níveis que possam propiciar uma margem de segurança adequada. Os padrões nacionais foram estabelecidos pelo IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e aprovados pelo CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, por meio da Resolução CONAMA 03/1990.
São estabelecidos dois tipos de padrões de qualidade do ar: os primários e os secundários. São padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, ultrapassadas, poderão afetar a saúde da população. Podem ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo. São padrões secundários de qualidade do ar as concentrações de poluentes atmosféricos abaixo das quais se prevê o mínimo efeito adverso sobre o bem estar da população, assim como o mínimo dano à fauna e à flora, aos materiais e ao meio ambiente em geral. Podem ser entendidos como níveis desejados de concentração de poluentes, constituindo-se em meta de longo prazo.
O objetivo do estabelecimento de padrões secundários é criar uma base para uma política de prevenção da degradação da qualidade do ar. Devem ser aplicados às áreas de preservação (por exemplo: parques nacionais, áreas de proteção ambiental, estâncias turísticas, etc.). Não se aplicam, pelo menos no curto prazo, em áreas de desenvolvimento, onde devem ser aplicados os padrões primários. Como prevê a própria Resolução CONAMA n.º 03/1990, a aplicação diferenciada de padrões primários e secundários requer que o território nacional seja dividido em classes I, II e III conforme o uso pretendido. A mesma resolução prevê ainda que enquanto não for estabelecida a classificação das áreas, os padrões aplicáveis serão os primários.
Os parâmetros regulamentados são os seguintes: partículas totais em suspensão, fumaça, partículas inaláveis, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, ozônio e dióxido de nitrogênio. A mesma resolução estabelece ainda os critérios para episódios agudos de poluição do ar. A declaração dos estados de Atenção, Alerta e Emergência requer, além dos níveis de concentração atingidos, a previsão de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes.
No estado da Bahia, estão sendo operadas duas redes de monitoramento da qualidade do ar: a rede de monitoramento do Polo Industrial de Camaçari e a rede de monitoramento da Região Metropolitana de Salvador. A rede de monitoramento do Polo é composta de 10 estações fixas do monitoramento do ar, distribuídas no entorno do mesmo, monitorando continuamente 54 poluentes atmosféricos em atendimento à Portaria CRA 5210/05. A rede é gerenciada pela CETREL, empresa responsável pela proteção ambiental do polo.
A rede de monitoramento da Região Metropolitana de Salvador é fruto do acordo de cooperação técnica assinada entre o Governo do Estado da Bahia, a CETREL, a Braskem e a Prefeitura de Salvador em 2010. A rede prevê a implantação de dez estações de monitoramento fixas e uma móvel. Em fase de implantação, a rede de monitoramento da região metropolitana de Salvador entrou em operação com a instalação da primeira estação localizada na paralela. Atualmente (em 2014) estão em operação, além de uma estação móvel, oito estações fixas localizadas na Paralela, Dique do Tororó, Campo Grande, Rio Vermelho, Pirajá, Detran, Itaigara e na Avenida Barros Reis. Os parâmetros monitorados visam estabelecer as emissões relacionadas aos grandes centros urbanos, associadas, sobretudo, às emissões automotivas.
Apesar de ser um grande avanço em relação à situação anterior, na qual sequer havia monitoramento, consideramos que a abrangência das substâncias monitoradas em Salvador (monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de Enxofre, Ozônio e material particulado inalável - MP10) não são suficientes para traduzir a real qualidade do ar, e subsidiar os gestores visando a adoção de medidas preventivas, ou alternativas, para minimizar os impactos na saúde dos soteropolitanos, e no meio ambiente em geral. Acreditamos que a rede pede evoluir para que seja atingida sua finalidade maior: proteger o cidadão.
Por exemplo, no Brasil usa-se muito o etanol como combustível; mesmo a gasolina comum já contém cerca de 25% deste álcool como aditivo, e nenhuma estação monitora os possíveis subprodutos da combustão do etanol, tais como aldeídos, 1,3-butadieno e diversos outros hidrocarbonetos que podem ser nocivos aos seres vivos. Altos níveis de formaldeído, composto também não monitorado, podem ser atribuídos à combustão incompleta do metano, principal constituinte do gás natural veicular, também muito usado em Salvador, principalmente por táxis.
Além disso, a queima do combustível diesel utilizado nos ônibus, caminhões e veículos utilitários emite para a atmosfera material particulado sólido fino, que o cidadão desinformado pode confundir com fumaça, constituído por carbono elementar, vários compostos de enxofre e de nitrogênio, metais pesados, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), dentre inúmeros outros componentes químicos com alto grau de toxicidade. Dependendo do seu tamanho, estas partículas podem se instalar em diferentes regiões do sistema respiratório humano ou de outros seres vivos.
As partículas inaláveis são as que possuem o diâmetro aerodinâmico médio (dp) abaixo de 10 mm (sigla: MP10), as quais, para efeito de comparação, são 6 a 8 vezes menores do que a espessura de um fio de cabelo, ou do tamanho aproximado de uma célula, e que justamente pela pequena dimensão podem penetrar no aparelho respiratório. As emissões diesel podem também conter partículas ainda mais finas, com diâmetros inferiores a 2,5 mm (MP2,5), ou seja, do tamanho das bactérias, e que podem ser acomodadas nos ramos mais profundos do trato respiratório (alvéolos). Além destas, podem ser emitidas partículas ultrafinas, ou nanométricas, com diâmetros menores que 0,1 mm (MP0,1) que são invisíveis ao olho humano.
Um estudo realizado por Nelzair Araújo Vianna e colaboradores (2011) mostrou que mais de 80% das partículas detectadas e analisadas em Salvador tinham tamanho inferior a 10 mm (MP10), e continham metais pesados com cádmio, cromo, chumbo, cobre e zinco, os quais intensificam os efeitos maléficos deste material particulado no corpo humano. Nenhuma estação de monitoramento da qualidade do ar em Salvador analisa parâmetros tais como as partículas MP2,5 ou metais pesados. Também não são monitorados em Salvador compostos como o benzopireno, considerado como marcador do total de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) carcinogênicos, que estão associados à estas partículas inaláveis.
Diversos estudos toxicológicos em outras cidades, como por exemplo o de F. W. Lipfert (1984), ou de Jôse Mára de Brito (2009), associaram a exposição a estas partículas à problemas cardiovasculares, respiratórios, como asma crônica, incidência de mortes prematuras e aumento de internações hospitalares de crianças e idosos. Por este motivo, muitos centros urbanos em países desenvolvidos evitam o uso de diesel para transporte público, dando preferência aos veículos elétricos, em vários modais de transporte, mas mesmo assim as partículas inaláveis de todos os diâmetros são monitoradas, em tempo real, ininterruptamente.
Estas partículas tem ao menos três origens:
- Emissões diretas para a atmosfera, devido à atividade industrial e veículos de transporte, principalmente;
- Reposição na atmosfera de partículas que estavam depositadas no solo, por ação dos ventos ou pela passagem dos veículos ao longo das ruas;
- Transformações químicas; por exemplo, em certas condições o dióxido de nitrogênio que já está no ar pode se transformar em partículas muito pequenas de nitrato, e o dióxido de enxofre em partículas muito pequenas de sulfatos;
Estas duas últimas fontes são as mais difíceis de quantificar, e são também as mais complicadas no que diz respeito à tomada de ações para reduzir o nível de partículas no ar.
A Organização Mundial de Saúde (OMS, ou WHO em inglês[1]) recomenda que a exposição máxima à MP10 seja a uma concentração de 50 mg/m3 média de 24 horas ou a 20 mg/m3 média anual; para as partículas menores, (MP2,5), as restrições são mais rigorosas, pois restringe a exposição humana a uma concentração de 25 mg/m3 média de 24 horas ou a 10 mg/m3 média anual. O Brasil tem seus atuais padrões de qualidade do ar estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 03/1990, possuindo padrões apenas para MP10, infelizmente.
A grande maioria dos países desenvolvidos adota as recomendações da OMS, e monitora em permanência estes parâmetros nos grandes centros urbanos, disponibilizando as múltiplas informações aos cidadãos em tempo real. O sistema de monitoramento da qualidade de ar de Salvador, recém instalado, também disponibiliza seus dados coletados, mas acreditamos que não são suficientes para um bom diagnóstico, conforme os argumentos explicitados acima. Como dito, ele não monitora as partículas MP2,5 ou MP0,1 nem vários compostos potencialmente danosos que são específicos ao uso local de combustíveis. Em 98% do tempo, o índice de qualidade do ar da cidade de Salvador tem se mantido bom, conforme indicado no website da CETREL[2], mas acreditamos que isso não traduz a realidade.
Como explicado no seção precedente (áreas verdes), Salvador tem uma densidade demográfica de 9.213 hab./km2, considerando dados de 2013, o que a coloca como a cidade brasileira com maior densidade demográfica, entre as maiores do mundo, e historicamente nunca foram tomadas medidas voltadas à mobilidade sustentável; o transporte é majoritariamente realizado por veículos pessoais, e transporte público (ônibus), todos usando combustíveis poluentes; então, como podemos concordar com os indicadores das nossas atuais estações de monitoramento do ar, informando que a qualidade do ar da cidade de Salvador tem se mantido boa em 98% do tempo, sobretudo em locais da cidade com menor dispersão atmosférica e alta concentração de veículos?
Alguns dados de outros países, revelados por estudos recentes, são alarmantes: por exemplo, a poluição do ar pode custar até US$ 300 bilhões anuais em saúde à China, segundo um relatório realizado em conjunto pelo Banco Mundial e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Estado do gabinete chinês, apresentado pela Agência France Press em 25/03/2014[3]. "A medida que a China se prepara para a próxima onda de urbanização, resolver as restrições ambientais e de recursos se tornará cada vez mais urgente, porque a maior parte da poluição na China está concentrada em suas cidades", Níveis elevados de mortalidade e outros problemas de saúde decorrentes da poluição atmosférica já são notórios neste país. Estudos mostraram que a poluição do ar causa até 500.000 mortes prematuras por ano na China. Este relatório apresentado em 25/03/2014 diz que as consequências no longo prazo para os Chineses podem incluir defeitos congênitos e funções cognitivas prejudicadas, porque as crianças e adolescentes são severamente afetadas pela má qualidade do ar.
Também segundo a Agência France Press, o governo francês decidiu restringir o tráfego de veículos na segunda-feira, 17/3/2014, em Paris e seus arredores, no momento em que a França enfrenta, há cinco dias, um dos maiores picos de poluição já vividos no país[4]. O rodízio de carros permite apenas que veículos com placas pares ou ímpares circulem na cidade em função dos dias. A medida foi testada apenas uma vez na capital francesa, em 1997. No sábado (15/03/2014), o número de partículas no ar ultrapassou o limite de segurança e acendeu novamente o alerta vermelho para a poluição. Este é o quinto dia consecutivo que a qualidade do ar atinge tais condições da região de Île-de-France - onde fica Paris - assim como em outros Departamentos do norte da França. Numa tentativa de conter o problema, as autoridades parisienses liberaram os transportes coletivos gratuitamente até a noite de domingo, para convencer os moradores a deixarem seus carros em casa. Medidas similares foram tomadas por diversas cidades na França, pois as partículas presentes no ar poluído podem provocar asma, alergias, doenças respiratórias cardiovasculares. As mais finas entre elas, com menos de 2,5 mícrons (partículas MP2,5) penetram nas ramificações mais profundas das vias respiratórias e do sangue, e algumas delas foram classificadas como "cancerígenas" pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esta mesma organização (OMS) publicou também em 25/03/2014 o resultado de um estudo informando que cerca de 7 milhões de pessoas morreram em 2012 - uma em cada 8 do total de mortes globais - como resultado da exposição à poluição do ar[5]. As estimativas confirmam que a poluição do ar é hoje no mundo o maior risco individual ambiental para a saúde. Os novos dados revelam uma ligação mais forte entre exposição à poluição do ar e as doenças cardiovasculares, como acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração, assim como entre a poluição do ar e câncer.
Por tudo o que foi exposto é que achamos que a cidade de Salvador deve melhorar seu sistema de monitoramento da qualidade do ar, ampliando pontos de medição e sobretudo incluindo parâmetros tais como as partículas MP2,5 e os demais parâmetros citados no texto, que possam monitorar a real qualidade do ar, e assim permitir aos gestores que medidas corretas sejam adotadas tanto de caráter emergencial, para amenizar os impactos à saúde dos cidadãos em eventos ou locais críticos, ou de médio e longo prazo, que visem a melhoria da qualidade de vida de todos que aqui vivem.
[3] Agência France Press; "Health costs of China's polluted air up to $300 bn a year"
http://www.afp.com/en/node/2217147
[4] Agência France Press; " Paris restricts driving as pollution hits danger level"
http://www.afp.com/en/node/2171049
[5] WHO - 7 million deaths annually linked to air pollution
http://www.who.int/phe/health_topics/outdoorair/databases/en/
Estudos sobre meio ambiente em Salvador: ÁREAS VERDES
августа 4, 2015 15:22 - no comments yetContinuando a publicação do texto do professor Emerson Sales, em que ele denuncia a falta de planejamento e as decisões tomadas para favorecer grupos e não a cidadania soteropolitana, veja agora uma abordagem geral sobre o verde urbano.
(em breve publicarei as referências bibliográficas completas do texto, para os/as interessados/as)
Áreas verdes:
Inúmeros trabalhos atestam a importância das áreas verdes em centros urbanos, sobretudo a vegetação arbórea, por exercerem muitas funções benéficas, tais como a função ecológica, a social através do convívio, lazer e educação, além do embelezamento das cidades. Os múltiplos efeitos benéficos para a saúde e bem estar humano, assim como para todos os demais seres vivos, muitas vezes não é evidente ou tangível, e talvez por isso não receba a devida atenção e prioridade dos gestores públicos, e mesmo do cidadão comum, apesar de todos terem a sensação de bem estar quando vivenciam o contato com a natureza.
Além disso, a cobertura vegetal também desempenha um papel fundamental na manutenção da geomorfologia, na medida que impede a desagregação das camadas superficiais do solo, reduzindo o risco de erosão e de deslizamentos e dificultando o transporte de materiais para o sistema de drenagem que possam resultar em assoreamento dos cursos d'água e comprometimento da qualidade dos mananciais hídricos. A remoção da vegetação, principalmente quando associada a cortes acentuados das camadas de solo e a aterros mal planejados, se constitui em elemento de desestabilização das estruturas naturais, com efeitos danosos, de grande alcance e de difícil reversão, sobre o ambiente (CADERNOS DA CIDADE, 2009). A triste história de desabamentos de encostas de Salvador, que já custou tantas vidas, é consequência direta destes fatores.
Mais uma vez, decisões tomadas movidas por circunstancias, interesses de pequenos grupos, ou mesmo ausência de decisões, levaram Salvador ao seu atual estágio de degradação ambiental; inúmeros bairros populosos praticamente não apresentam cobertura vegetal; restaram apenas áreas de conservação já institucionalizadas, a exemplo das Áreas de Proteção Ambiental (APA) da represa do Cobre, do Joanes/Ipitanga, do Abaeté, do Parque da Cidade (Joventino Silva), do Parque Zoobotânico de Ondina, do Parque de Pituaçu, e do Parque São Bartolomeu, quase todas constantemente ameaçadas por ocupações urbanas. Além destas, devem ser mencionadas as reservas florestais sob domínio da União correspondentes às áreas de segurança do Exército e da Marinha, respectivamente a mata do 19° Batalhão de Caçadores, próxima ao Cabula, e a da Base Naval, na Baía de Aratu, além de outras menores mais centrais, também áreas de segurança, como nos bairros da Barra e Ondina.
Olhando Salvador do alto, com o uso de fotos aéreas, ou de satélites, pode-se realizar estimativas da área total do município, e das suas áreas verdes. A primeira contradição aparece em relação à área total: estimamos esse valor em torno de 310 km2, o que está coerente com os dados historicamente utilizados pelos profissionais da cidade, enquanto que o IBGE, através da Resolução no 24/1997, atribuiu ao Município de Salvador um território de 709,50 km², mais do que o dobro da área até então reconhecida, de 313 km², conforme o próprio Censo de 1991. Uma imprecisão dessa magnitude só poderia ser explicada pela inclusão de parte da Baía de Todos os Santos no território municipal, o que pode ser confirmado pelo mapa atualmente apresentado no próprio website do IBGE[1].
Para o Censo de 2000, a área de Salvador voltou a ser revista pela instituição, passando a ser 325 km², ainda assim díspar, uma vez que equivale à área existente antes da emancipação do Município de Madre de Deus, em 1989. Conforme dados da Prefeitura de Salvador (Cadernos da Cidade, Vol.1, página 30), a área de 313 km² é a mais próxima da realidade, embora para efeito dos estudos realizados para o Plano Diretor (especialmente o cômputo de áreas relativo ao espaço municipal) tenham sido adotadas as dimensões medidas na Base Cartográfica Digital (CONDER, 1992, referência interna da anterior), que resulta numa superfície de aproximadamente 309 km².
O território municipal é composto por dois espaços geograficamente distintos, o continente e as ilhas. A porção continental abrange 279 km², equivalentes a aproximadamente 90% do Município e corresponde à península onde está implantada a Cidade do Salvador. A porção insular compreende um pequeno arquipélago situado no interior da Baía de Todos os Santos, constituído pelas ilhas de Maré, dos Frades, do Bom Jesus dos Passos, de Santo Antônio e pelas ilhotas dos Santos e dos Coqueiros, que juntas perfazem 30 km², equivalentes aos 10% restantes do território municipal.
Para o Censo Demográfico de 2010, a área do Município de Salvador adotada pelo IBGE foi de 693,276 km², ou seja, volta a ser considerada uma grande superfície marítima, o que significa considerar a superfície da cidade mais que o dobro do seu valor físico, real, utilizável pelos cidadãos; com base neste valor, e também na população medida pelo IBGE em 2010 (2.675.656 hab.), a densidade demográfica de Salvador foi calculada em 3.859,4 hab./km2, a oitava maior do Brasil.
Área territorial é um parâmetro físico, real, geográfico, não deveria ser determinada por Decreto ou Resolução. Salvador tem seus limites físicos bem claros, determinados pelo contorno da península. Se considerarmos a área real da cidade, continental, de aproximadamente 313 km², pois a população não vive no mar, flutuando ou submersa, e a estimativa da população da cidade feita pelo próprio IBGE em 01/07/2013 de 2.883.682 habitantes, encontramos uma densidade demográfica de 9.213 hab./km2, o que coloca Salvador como a cidade brasileira com MAIOR densidade demográfica do país, e uma das maiores do mundo, e admitir isso certamente influenciaria os gestores municipais, estaduais e da esfera federal a adotarem políticas públicas adequadas à gestão de uma cidade tão populosa, ou no mínimo alteraria a prioridade nas ações de planejamento, voltadas à saúde, habitação, mobilidade, abastecimento de água e energia, saneamento e todas as demais necessidades dos cidadãos, incluindo o direito à áreas verdes, que tem relação direta com a qualidade de vida.
Quanto à quantificação das áreas verdes em Salvador, também fazendo-se uma estimativa com base em fotos do alto, encontramos uma superfície total de cerca de 80 km², coerente com o valor reportado por Anderson Gomes de Oliveira e colaboradores (2013), de 86 km² em 2009. Isto significa aproximadamente 25% do território do município, e um Índice de áreas verdes (IAV) em torno de 28 m²/hab., o que seria razoável, quando comparado o valor bruto com o de outras cidades no Brasil e no mundo. Por exemplo, com base nos dados disponibilizados pelo Eng. Urbanista Vagner Landi[2], este valor está acima do de capitais europeias como Viena (19,8 m²/hab.), Zurique (10,3 m²/hab.), ou mesmo do de Nova York, nos Estados Unidos (23,1 m²/hab.); também é bem maior que o IAV de São Paulo (5,2 m²/hab.), mas bastante inferior ao de cidades bem arborizadas como as brasileiras Curitiba (64,5 m²/hab.), Vitória (91 m²/hab.), ou a campeã Goiânia (94 m²/hab.), que tem quase o mesmo índice de área verde por habitante que a campeã mundial, Edmonton, no Canadá (100 m²/hab.)
Na nossa opinião, o maior problema no tocante aos espaços verdes em Salvador não se resume ao valor de um índice, tal como o IAV, em metros quadrados por habitante, e sim à má distribuição, ou segregação destes espaços, essenciais para a qualidade de vida de todos. Em muitos bairros o índice de cobertura vegetal não alcança sequer 1m²/hab., enquanto outras regiões da cidade apresentam uma boa cobertura vegetal, como o parque São Bartolomeu, grande reserva de Mata Atlântica que permaneceu abandonada por muitos anos e agora passa por obras de requalificação sob responsabilidade do governo do Estado. Além das áreas de conservação institucionalizadas já citadas, existem várias outras áreas com alta qualidade ecológica, mas de uso não público, como a da família Mariani, em frente à Igreja Santo Antônio da Barra, ou a imensa reserva da ilha dos Frades, que integra o município de Salvador. Vê-se também uma área remanescente de cobertura vegetal no miolo da cidade, em torno do bairro de Cajazeiras, e no entorno da Avenida Paralela, porém ambas vem sendo continuamente agredidas por ocupações imobiliárias desde as alterações impostas na LOUS/PDDU em 2008 e 2011. A recente decretação de inconstitucionalidade (ADIN) destas alterações, por iniciativa da sociedade civil organizada, certamente contribuirá para uma gestão mais racional dos recursos naturais de Salvador.
Maria Lucia Zuccari e colaboradores estudaram a relação das áreas verdes com a qualidade de vida em Salvador. Os autores se basearam em estudos anteriores, realizados em outras cidades, como o de Moreira e colaboradores (2007) onde índices de desenvolvimento humano (IDH) mais elevados foram encontrados em bairros de São Paulo mais arborizados; ou o de Takano e colaboradores (2002), que mostra correlação positiva entre a longevidade da população de Tóquio e o acesso às áreas verdes; ou ainda o de Lewis (1995) afirmando que a visitação de parques, jardins botânicos e áreas verdes em geral está relacionada ao bem-estar humano, como a redução de estresse, batimento cardíaco e pressão arterial.
Sobre o estudo em Salvador, os autores concluíram que os benefícios das áreas verdes ligados ao bem-estar da população podem ser tão importantes quanto seus benefícios ecológicos, e justificam esforços públicos para sua implantação e manutenção, mas em Salvador a maior densidade de cobertura vegetal está associada a bairros residenciais das classes socialmente mais privilegiadas. Bairros das classes sociais menos favorecidas, com ocupação já consolidada, normalmente apresentam alta densidade populacional e maiores percentuais de áreas construídas e impermeabilizadas.
Recentemente, Anderson Gomes de Oliveira e colaboradores (2013) apresentaram um estudo detalhado com dados do mapeamento de índices de cobertura vegetal dos bairros de Salvador, e confirmam o que foi dito acima, pois dos 163 bairros analisados, 108, ou seja, 66,26% possuem um Índice de áreas verdes (IAV) inferior ao recomendado pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), de 15 m²/hab., e apenas 53 bairros (32,52%) estão acima deste índice. Destaca-se a ocorrência de 30 bairros, onde este índice de cobertura vegetal não alcança sequer 1m²/hab. Estes bairros estão localizados nas áreas de consolidação mais antiga da cidade, com alta densidade populacional, variando de 8.904 hab./Km2 em Mares até 48.283 hab./Km2 em Pero Vaz, e predominância de população de baixa renda. Os autores chamaram a atenção para a situação preocupante dos bairros de Caminho de Areia, Curuzu, Uruguai e Massaranduba, os quais tem alta densidade populacional, todos acima de 30.000 hab./km2, e apresentam 0% de cobertura vegetal.
Conforme Ângelo Serpa (2008), "os problemas ambientais urbanos são de ordem sobretudo ética, política e econômica... Desenvolvimento Sustentável para quem? Metros quadrados de áreas verdes para quem? A questão emblemática da distribuição espacial dos espaços públicos de natureza nas cidades, por exemplo, deveria ser o cerne de uma discussão acadêmica profunda, que pudesse fundamentar em outras bases a gestão de áreas assim nos territórios municipais e metropolitanos... A correlação entre riqueza e pobreza de certos bairros da cidade e o valor ecológico de certas áreas, classificadas como unidades de conservação, são fatores importantes para a compreensão dos processos de segregação sócio-espacial em Salvador... Parques que passaram por processos recentes de reabilitação urbana como os de Pituaçu ou o Parque da Cidade encontram-se imediatamente próximos aos bairros considerados “nobres”... Assim, fica evidente que projetos, programas e intervenções recentes foram realizados em função de estratégias de valorização do solo urbano, em bairros com maior concentração de população de melhor poder aquisitivo. Estas estratégias baseiam-se em um modelo ideal de cidade, onde a criação de espaços públicos, o "embelezamento urbano", entre outros, constituem estratégias de marketing urbano, de acordo com o paradigma de Barcelona. As opções de desenho urbano adotadas e a estética desses espaços reforçam seu caráter mercadológico... O problema é que esses programas não atendem, via de regra, as áreas periféricas da cidade, onde o abandono de parques e praças é notório.
Em resumo, este é mais um tema que carece de um plano diretor urbanístico de longo prazo, multidimensional, estruturado para atender as necessidades de todos os cidadãos, reconhecendo os inúmeros benefícios que as áreas verdes trazem para a saúde e bem estar humano, assim como para todos os demais seres vivos que também habitam a cidade.
[1] http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=292740
[2] http://engvagnerlandi.com/2011/08/06/indice-de-areas-verdes-por-habitantes-nas-cidades
Estudos sobre Meio Ambiente em Salvador: ÁGUA
июля 26, 2015 15:44
O professor Emerson Sales publicou recentemente um texto que cobre uma lacuna de abordagem global sobre o meio ambiente em Salvador. Ele faz uma cuidadosa revisão de literatura sobre os temas da água, das áreas verdes, da qualidade do ar e dos resíduos urbanos. Divulgo esse texto a seguir, em quatro pequenas partes, visando maior divulgação de dados sobre a temática ambiental soteropolitana, que possam basear ações cidadãs em sua defesa.
Abastecimento de água e contaminação de mananciais
Há cerca de 40 anos optou-se pela construção de uma grande barragem, denominada Pedra do Cavalo, na bacia hidrográfica do rio Paraguaçu, e uma longa adutora para fornecer água para a cidade de Salvador. Um dos argumentos para justificar a realização destas grandes obras foi a necessidade de deixar as reservas locais de água para prioritariamente atenderem à demanda das indústrias que estavam se instalando no maior complexo petroquímico da América Latina, o Polo Petroquímico de Camaçari[1].
Uma incoerência é logo evidente: trazer água de uma região semiárida, com cerca de 700 mm de precipitação por ano (INMET), para a capital, que está numa região úmida, com média de 2000 mm de precipitação por ano (PALMA, 2013). Acrescente-se a isto o fato da cidade de Salvador estar inserida numa bacia hidrográfica com plena capacidade de atendimento ao uso de água pelos cidadãos e dotada de imensas reservas subterrâneas deste recurso natural.
Analisando os dados pluviométricos com mais detalhes, vê-se que, no longo prazo, esta decisão talvez já tenha causado mudanças no clima do semiárido: o índice pluviométrico de Salvador manteve-se estável, numa séria histórica analisada por Joseval dos Santos Palma (2013), desde 1949 até 2008, apresentando uma precipitação média de 1964,6 mm/ano, com baixo grau de dispersão dos dados (7,4%). O mesmo não ocorreu com Feira de Santana: analisando os dados históricos disponíveis na base BDMEP do INMET[2], encontramos para a década de 1960, ou seja, antes da barragem, uma média anual de 1036,2 mm/ano de precipitação; dados recentes publicados por Aline Franco Diniz e Emerson Galvani (2013) mostram um índice de precipitação médio anual de 777,0 mm entre 1994 e 2010 para o município de Feira de Santana. Outros fatores podem ter contribuído para esta redução de 25% nas chuvas, mas acreditamos que a retirada contínua de um grande volume de água para Salvador tem influenciado o ciclo hídrico da região, já restrito.
Outro dado importante, que atesta a contradição: o consumo total de água do Polo de Camaçari, hoje em sua maturidade (cerca de 1000 litros por segundo), é cerca de um décimo do consumo de Salvador. A isso some-se o desperdício e a ineficiência na distribuição, pois cerca de metade de toda a água captada e tratada é simplesmente perdida na rede antiga, mal planejada e mal mantida, colocando a cidade de Salvador como uma das piores do mundo em termos de gestão da água. Órgãos internacionais como a UNESCO ou a IWA (International Water Association) consideram aceitáveis perdas menores que 15%; algumas cidades de grande porte, tais como Singapura, exibem índices de perda de água tratada menores que 5%. Países como o Japão ou Alemanha exibem perdas médias de 5%. Ou seja, com uma gestão eficiente, Salvador, assim como a maioria das cidades brasileiras, poderiam consumir metade do que hoje consomem de água.
Quanto ao aspecto energético, também há uma grande irracionalidade no processo. Cada metro cúbico de água vinda do semiárido é bombeado através da adutora de 120 Km utilizando energia elétrica fornecida pela CHESF, e necessita de 0,58 kWh, ou seja, energia elétrica gerada por 4,08 metros cúbicos (m3) de água passando pelas turbinas na barragem em Paulo Afonso, que vão para o mar logo em seguida, sem outra utilização, conforme cálculos de Fernando de Almeida Dultra (2007). Ainda segundo este mesmo autor, cada metro cúbico de esgoto elevado em Salvador, consome em termos energéticos 1,28 m3 de água do Rio São Francisco em Paulo Afonso. Em síntese, cada metro cúbico de água lançado no mar em Salvador, e não reutilizado, consome em termos de energia elétrica 5,36 m3 de água do Rio S. Francisco, e mais 1m3 do Rio Paraguaçu, ou seja, o próprio volume que foi transportado pela adutora, que também vai para o mar, totalizando 6,36 m3 de água doce que deixam de ser usados para atender outras finalidades, inclusive a irrigação.
Isto tem outra implicação além do desequilíbrio no ciclo hídrico regional: aumento da demanda de energia elétrica, que poderia ser destinada a outros fins. Vale ressaltar a correlação estre estes dois aspectos, pois o desequilíbrio hídrico afeta o clima, e, consequentemente, o regime de chuvas que abastecem as represas hidrelétricas, as quais no Brasil respondem por cerca de 80% do total de energia elétrica consumida no país. Em diversos momentos enfrentamos crises de fornecimento de energia elétrica por baixa capacidade dos reservatórios, e a lógica adotada para o abastecimento de água de Salvador vem contribuindo, no longo prazo, para este problema.
Quanto à instalação do Polo Petroquímico de Camaçari sobre o aquífero São Sebastião, consideramos um outro equívoco dos gestores públicos, pois em poucos anos causou a contaminação da água subterrânea com centenas de produtos químicos com alto grau de toxicidade, com consequências nefastas para os trabalhadores do complexo e para os habitantes de todas as cidades vizinhas, incluindo Salvador.
Segundo o professor Olivar Antônio Lima de Lima, coordenador do Departamento de Geociências da UFBA, em depoimento à jornalista Letícia Belém[3], o aquífero tem água doce até a profundidade de 1.500 metros e estoca seis bilhões de metros cúbicos, com disponibilidade de 500 milhões de metros cúbicos por ano, que poderiam abastecer todas as vilas e cidades do Recôncavo baiano, além de complexos industriais instalados na área, e ainda a população de Salvador. A contaminação industrial espalhou-se em riachos e lagoas, e a água, utilizada em todos os processos industriais e no resfriamento de caldeiras e tubulações, acabou se misturando às substâncias químicas e produtos tóxicos solúveis, que foram despejados sem controle no solo e nas redes de drenagem pluvial e fluvial.
Entre os contaminantes estão metais e uma grande variedade de compostos químicos tóxicos[4] todos com elevados graus de prejuízo à saúde humana. Destes, os metais são os mais perigosos, porque são mais densos que a água e tendem a contaminar o lençol mais profundo. Só na área da Caraíba Metais, foi identificado um volume de água contaminada estimado em 3,2 milhões de metros cúbicos. Se forem ingeridas, como se acredita que estão sendo tanto na região de Camaçari e Dias d'Ávila como indiretamente por habitantes de Salvador e da região metropolitana, estas substâncias se acumulam no organismo e, no longo prazo, podem causar altos índices de câncer de medula, fígado, pulmão e outros órgãos.
A preocupação dos estudiosos é com a real dimensão do que foi contaminado ao longo dos anos, em níveis verticais e horizontais, e até onde já chegou a contaminação, pois as águas subterrâneas fluem para a bacia do Rio Imbassaí, em Dias d'Ávila, onde estão as engarrafadoras de água mineral e as cervejarias, que extraem a água do aquífero profundo, e para o mar. As águas minerais de Dias d'Ávila são provenientes deste mesmo aquífero, das camadas mais profundas, que podem ser contaminadas pela proximidade do Polo (apenas sete quilômetros). Na década de 60, Dias d'Ávila era famosa pelas suas águas minerais, que atraíam turistas para a Estância Hidromineral de banhos medicinais.
Em 1995 uma medida paliativa foi adotada, com a implantação da Barreira Hidráulica do Polo (BHP). Constitui-se em um conjunto de 14 poços de extração e 19 poços de monitoramento das águas subterrâneas, alinhados perpendicularmente ao fluxo subterrâneo de modo a interceptar ao máximo possível as contaminações. Tomando-se como referência o fluxo das águas subterrâneas e superficiais, a BHP foi implantada à jusante do Polo, estrategicamente posicionada entre as nascentes dos rios Imbassaí e Dias D’Ávila. São, portanto, objetivos específicos da BHP: 1) conter a propagação das plumas contaminadas (camada superior, que concentra os contaminantes leves) para fora dos limites da área do Polo Industrial de Camaçari; 2) evitar a contaminação das nascentes do Rio Imbassaí, e minimizar a contaminação de mananciais subterrâneos (poços, cacimbas, etc.) utilizados pela população do entorno, sobretudo da cidade de Dias D´Ávila. Uma vez na superfície, a água extraída dos poços é encaminhada para o sistema de esgoto contaminado do Polo, e em seguida direcionada para o mar. O volume total extraído do sistema, em 2006, foi de aproximadamente um milhão de metros cúbicos, segundo Iara Brandão de Oliveira e colaboradores (2010). Estes autores afirmaram que, apesar da perda da capacidade específica e baixa produtividade de alguns poços desde sua entrada em operação em meados de 1995, a técnica vem sendo efetiva na redução da contaminação.
O eng. João Severiano Caldas da Silveira Júnior, apresentou na sua dissertação de mestrado no Teclim / UFBA em 2004 uma avaliação do sistema de água subterrânea do Polo Industrial de Camaçari, e concluiu que, mesmo após 30 anos de experiência na operação das indústrias, a tecnologia para a ocupação segura do solo, representada por controles de engenharia para minimização dos riscos das instalações e por procedimentos operacionais, em situações emergenciais ainda não é sistêmica de modo a assegurar, na maioria das empresas pesquisadas, a aplicação de padrões exigentes de prevenção e controle de perdas de contaminantes para o solo e consequentemente para o sistema aquífero. O autor recomendou a criação de um “Comitê Permanente de Gerenciamento dos Recursos Hídricos” da região na estrutura do COFIC, para coordenar e integrar as ações comuns no âmbito do Polo, dentro do programa de gerenciamento das águas subterrâneas, e promover debates sobre a gestão dos recursos hídricos da região, fomentando o intercâmbio técnico e institucional entre os principais usuários, órgãos reguladores e entidades científicas, contribuindo para a criação das condições estruturantes de modo que o planejamento e o uso dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos tenham como base as bacias hidrográficas abrangidas pela Formação São Sebastião.
A contaminação com produtos químicos perigosos foi também detectada através de análises químicas realizadas durante a execução de projetos de pesquisa em cooperação entre a UFBA e Empresas do Polo, na bacia de contenção de águas pluviais do complexo básico do Polo, e ainda em maior grau numa outra grande bacia vizinha, a do complexo metalúrgico do cobre, ou Caraíba Metais. Como resultado de dois destes projetos de pesquisa, foi proposto pela equipe de pesquisadores o reuso industrial destas águas contaminadas, inclusive da barreira hidráulica (BHP) (OLIVEIRA-ESQUERRE e colaboradores, 2006, 2009 e 2011). Em 2006 os pesquisadores mostraram no Io Congresso Técnico Braskem o trabalho "Bacia do Complexo Básico e Barreira Hidráulica: reuso de água para fins industriais". Em 2009 alguns destes mesmos pesquisadores publicaram no periódico Computer Aided Chemical Engineering um trabalho explicando a metodologia de gerenciamento para minimização do consumo de água e geração de efluentes num Complexo Petroquímico. Em 2011 outro grupo dentre os mesmos pesquisadores da UFBA e da Braskem publicou no periódico internacional Resources, Conservation and Recycling um trabalho falando do aproveitamento da água de chuva e bacias de retenção de água para minimização do uso da água em instalações industriais, mostrando dados históricos, apresentando a metodologia desenvolvida, e resultados concretos de redução no consumo de água e geração de efluentes na Braskem UNIB, como consequência da implantação de alguns projetos conceituais desenvolvidos pela equipe.
Como consequência de tudo isto, recentemente em 20/12/2013, foi inaugurado pela Cetrel, em parceria com a Braskem, um projeto de reutilização industrial da água contaminada, pluvial ou dos efluentes, chamado de projeto Água Viva. Todos estes estudos relacionados à gestão dos recursos hídricos na região do Polo, com reflexos para Salvador, tiveram sua origem no início do século 21, no Mestrado Profissional em Gerenciamento e Tecnologias Ambientais no Processo Produtivo, associado à Rede de Tecnologias Limpas, Teclim, da Escola Politécnica da UFBA. As idéias surgiram a partir de questionamento dos mestrandos, experientes profissionais do Polo, e continuaram a desenvolver-se nos projetos cooperativos de pesquisa citados acima, tais como os financiados pela FINEP e Copene/Braskem, chamados de Copene-Água, Braskem-Água, e depois EcoBraskem, sendo aprimoradas e levadas ao nível executivo, financeiro e de engenharia pela Cetrel.
Segundo informações disponíveis no site da empresa Cetrel, o projeto Água Viva pretende recuperar uma vazão de 500 a 800 m3/h, equivalente em termos de água potável ao consumo de uma cidade de 150 mil habitantes. A iniciativa reduzirá a demanda da Braskem por recursos hídricos em, no mínimo, 4 bilhões de litros/ano, podendo alcançar em anos mais chuvosos o volume de 7 bilhões de litros/ano.
Além de permitir uma maior proteção dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos da região, o reuso representará uma considerável redução do volume de água extraído dos mananciais atualmente utilizados, assim como uma redução do volume de efluentes enviado para o emissário submarino. Vale ressaltar ainda que a água economizada na Região Metropolitana de Salvador (RMS) é água que deixa de ser retirada do semiárido, da bacia do rio Paraguaçu.
Paulo Roberto Penalva dos Santos e Iara Brandão de Oliveira (2013) avaliaram a vulnerabilidade do aquífero Marizal, na região de influência do Polo Industrial de Camaçari-Bahia, localizado entre as bacias hidrográficas dos rios Joanes e Jacuípe, que apresentam conexão hidráulica com os aquíferos de Salvador. Na região, a utilização da água subterrânea para abastecimento humano e industrial vem crescendo de forma desordenada, principalmente nas áreas urbanas, podendo provocar prejuízos de caráter irreversível para os sistemas aquíferos locais. Com base nas características envolvidas no método: geológicas, hidrogeológicas, topográficas, solo, clima e recarga, foi possível identificar as zonas vulneráveis do aquífero, variando de alta a extremamente alta em 19,8% (47,5 km2) da área, na porção norte da região de influência do Polo Petroquímico de Camaçari que coincide com a área de descarga do aquífero freático e a zona urbana de Nova Dias D’Ávila.
Sérgio Augusto de Morais Nascimento (2008) fez um diagnóstico hidrogeológico, hidroquímico e da qualidade da água do aquífero freático do Alto Cristalino de Salvador. Do ponto de vista quantitativo, este sistema aquífero constitui um reservatório pequeno, com uma reserva renovável capaz de abastecer cerca de 20 a 25% da população de Salvador durante o ano, mas se apresenta vulnerável à contaminação ao longo da sua planície litorânea por apresentar, principalmente, o nível hidrostático muito raso. Foi observado um maior risco de contaminação devido à utilização pela população de detergentes, saponáceos, inseticidas e pesticidas, além da participação dos esgotos domésticos, nas áreas do planalto costeiro rebaixado à montante das principais bacias hidrográficas que cortam o município de Salvador, particularmente das bacias hidrográficas do Camarujipe e do Jaguaripe, sobretudo em áreas de alta densidade demográfica e que apresentam serviços precários de saneamento básico. O autor identificou uma tendência de progressiva degradação ambiental de algumas áreas, como por exemplo da bacia de Pituaçu, onde bairros como Tancredo Neves, Pau da Lima e Sussuarana tem aumentado sua densidade demográfica, aumentando os impactos urbanos sobre os recursos hídricos superficiais.
Aucimaia de Oliveira Tourinho e Magda Beretta (2010) estudaram a qualidade da água das fontes naturais da cidade de Salvador, abrangendo parâmetros físico-químicos, bacteriológicos, compostos orgânicos voláteis e metais pesados, além da identificação dos usos atuais. As campanhas de coleta de amostras foram realizadas nos meses de julho de 2005 e abril de 2007. Do total de 52 fontes catalogadas, foi possível realizar coleta de água em 22 fontes, as quais foram georeferenciadas, além da caracterização do conjunto arquitetônico das mesmas. Foram realizadas entrevistas junto à comunidade para identificação dos usos da água de cada fonte. Dentre os 40 parâmetros analisados, preocupam os elevados teores de nitrato e os coliformes termotolerantes, ambos provenientes da introdução de efluentes de esgotos sanitários no manancial, que foram quantificados em várias fontes, e estavam em concentração acima da permitida para fins de potabilidade em 54,5% e 90,9% respectivamente. Como o nitrato está associado a efeitos adversos à saúde, é preciso um alerta em relação aos possíveis problemas aos quais os usuários se expõem. Quanto às estruturas arquitetônicas construídas para proteção destas fontes públicas, embora tenham elevado valor histórico, a maioria está sofrendo um processo de abandono e degradação física.
Adriana Pena Godoy (2013) realizou um estudo sobre o programa Vigiágua da Vigilância em Saúde Ambiental da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e a Potabilidade das Águas de Poços em Salvador. A autora afirma que as águas de poços de Salvador, antes potáveis, estão na sua maioria, impróprias para o consumo, principalmente devido à contaminação microbiológica, mas vários poços apresentaram também contaminação por metais tóxicos e compostos aromáticos carcinogênicos, atribuída às atividades de postos de combustíveis, oficinas e garagens nas vizinhanças dos poços. O programa Vigiágua monitorou a qualidade das águas de poços de 2007 a 2012 através de parâmetros físico-químicos e microbiológicos, mas atualmente apenas a água da rede de abastecimento é monitorada por esses mesmos parâmetros. As medidas independentes do trabalho da autora em quatro poços compreenderam as concentrações de alguns metais (Cr, Mn, Fe, Ni, Cu, Zn e Pb) e um semimetal, arsênio, além dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos, e nenhum poço analisado se mostrou em conformidade com os padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde (Portaria MS nº. 2.914/11).
Dentre as novas classes de poluentes orgânicos, ganham destaque os fármacos, que são concebidos para terem um modo específico de ação de serem persistentes e manterem suas propriedades para os fins terapêuticos originais. A administração por via oral, um dos métodos mais utilizados, normalmente é indicada em doses maiores para compensar a perda do medicamento no trajeto pelo trato gastrointestinal e posterior metabolização no fígado antes de atingir a circulação sanguínea. Dessa forma, uma grande parte desses medicamentos são eliminados na forma original e lançados nos corpos d´água, pelo esgotamento sanitário, em centros urbanos. Magda Beretta e colaboradores (2012) realizaram um estudo inédito para identificação de produtos farmacêuticos e de cuidado pessoal (sigla PPCPs) em amostras de sedimentos superficiais de dezessete estações localizadas na Baía de Todos os Santos (BTS) e ao longo do litoral norte de Salvador. Muitos compostos foram identificados e quantificados usando as técnicas de cromatografia líquida e gasosa acopladas a espectrômetros de massas. Os autores concluíram que a textura do sedimento é um fator importante na fixação e depósito de PPCPs, assim como na inibição da sua biodegradação; a presença de sedimentos lodosos em grande parte da área costeira e do fundo da BTS é responsável pela fixação desses compostos.
[1] Este polo industrial, por sua vez, teve uma injustificável implantação justamente sobre um imenso aquífero, o São Sebastião, o mais importante reservatório de água doce, potável, de excelente qualidade mineral do Estado da Bahia, e o segundo maior lençol subterrâneo do País, situado na região de Camaçari e Dias d'Ávila, a cerca de 40 km de Salvador.
[2] INMET - Instituto Nacional de Meteorologia (http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=home/page&page=rede_estacoes_auto_graf)
[3] Jornal "A Tarde", em 22/03/2005
[4] Hidrocarbonetos clorados, compostos aromáticos da indústria petroquímica, como benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos; organoclorados, como cloretos de etileno, de metileno, diclorobenzeno, dicloroetano, nitroclorobenzeno, tetracloreto de carbono; fluoretos, cianetos, nitratos, ácido sulfúrico, óleos, graxas e metais pesados, como arsênio, cádmio, cobalto, chumbo, cobre, cromo, manganês, mercúrio, zinco e sódio.
Homens e mulheres, diálogos em humanidade, COP 21
июля 18, 2015 5:49 - no comments yetPara um número cada vez maior de pessoas existe a percepção de que a paz no mundo, a justiça social e a solução dos problemas ambientais podem se tornar realidade pela construção do equilíbrio entre as forças Yang, da ação, e as forças Yin, da manutenção. Essas forças primordiais estão por toda a parte e são associadas ao princípio masculino e ao céu, o Yang, e ao princípio feminino e a Terra, o Yin. Acontece que na história humana, muito cedo, o Yang dominou o Yin, rompendo o equilíbrio da Natureza e construindo instituições, culturas e modos de vida nos quais conquistar, competir e mandar são mais presentes do que cuidar, cooperar e dividir tarefas igualmente. Reequilibrar o masculino e o feminino é um desafio político, econômico e ambiental.
A Rede Internacional Diálogos em humanidade, que articula movimentos cidadãos em vários países, percebeu, em seu recente encontro em Lyon, nesse mês de julho de 2015 (foto acima), que precisa avançar para uma estrutura que continue a reconhecer as tarefas ativas ditas "masculinas" (dos que estão à frente dos eventos e ações, por exemplo), mas também aquelas ditas "femininas" (que dão suporte e acolhimento para que os processos ativos tenham continuidade). Do mesmo modo, estruturas organizacionais que mantenham cooperação, fluidez e horizontalidade (Yin), como a dos Diálogos no mundo e a do Brechó Eco Solidário em Salvador, precisam ser capazes de vigorosa ação (Yang) coletiva em âmbito internacional. A intensidade das crises sistêmicas em que se encontra a humanidade se aprofunda e somos chamados/as a agir com urgência e sabedoria.
A Conferência do Clima da ONU, a COP 21, que acontecerá em dezembro de 2015 em Paris, será certamente um momento de mobilização da sociedade civil mundial. Muitas redes internacionais estão imaginando ações positivas, que mostrem o comprometimento cidadão com os desafios humanos e da Terra e que expressem nossa unidade na diversidade. Pode ser, por exemplo, o plantio de árvores em um dia preciso em vários cantos do planeta, para mostrar que enquanto os governos vacilam nos seus delírios capitalistas de crescimento econômico ilimitado, os cidadãos e cidadãs assumem responsabilidade duradoura de cuidar da Natureza, de manter a vida. Convido a todos e todas a conhecer esses movimentos cívicos que, de algum modo buscam equilibrar o masculino e o feminino em nós, como a rede Diálogos em humanidade, a rede Cidades em Transição, a rede Global de Ecovilas e muitas outras.
Quer um mundo sustentável e justo? Venha ser voluntário/a da 10ª. Edição do Brechó Ecosolidário/ Salvador - Ba
июня 29, 2015 11:56 - no comments yet
Os problemas do mundo são tão grandes que a gente pode pensar que pequenas ações engajadas não abalam seu curso. Mas a alegria de fazer algo, partilhada por muitos, é grande impulsionadora de mudanças. Como disse a antropóloga americana Margareth Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”. O Brechó Eco Solidário é parte de uma onda de pequenas revoluções tranquilas promovidas por pessoas engajadas em “práticas do futuro emergente”. No evento, um mercado de trocas de bens usados, que estimula a solidariedade e o consumo consciente, funciona usando a moeda social “grão”. Essa pequena mostra de um mundo com outras bases é organizada inteiramente através do trabalho voluntário, e você pode ser parte disso.
Todo o evento, desde a administração da circulação do “grão”, as atividades de educação ambiental, de auto-cuidado, de economia solidária, de cultura e arte reciclada, os debates públicos sobre temas atuais e muitas outras atividades, são realizadas de forma cooperativa e auto-gestionária. As inscrições para o curso que forma voluntários/as estão abertas (ver formulário aqui) e vão até dia 17 de julho. Já no dia 18/07 começam os encontros para que os voluntários entendam melhor a riqueza do processo em que estão se envolvendo e sejam treinados para realizar o evento. Certificados com validade em todas as universidades serão disponibilizados ao final. Todo o processo é teórico-prático e tem deixado boas lembranças, segundo quem passou pela experiência: fala-se do intenso aprendizado, das novas amizades e da alegria de ser agente de mudança, para si e para o mundo.
O Brechó Eco Solidário é parte da rede internacional “Dialogues en humanité”, que nasceu na França, mas que hoje está espalhada por quatro continentes. Os eventos de Bangalore/India, Riad/Marrocos, Porto Novo/Benin, Berlin/Alemanha, entre muitos outros, também mostram práticas alternativas, promovem o Diálogo e baseiam em um compromisso de integração entre o que se pensa, o que se faz e o que se diz. Os eventos da rede Dialogues possibilitam ao público a discussão e a vivência de inovações na sociedade para fazer face aos desafios econômicos, sociais, ambientais e espirituais da humanidade.
Hoje existem milhões de iniciativas de pessoas e redes que não esperam acontecer e nem se contentam em criticar a economia, a política, a sociedade, pois sentem-se responsáveis por promover mudanças. Gandhi, com sua frase cada vez mais citada e conhecida “Nós precisamos ser a mudança que queremos ver”, é um guia. Nosso Vandré, símbolo da luta contra a ditadura, vencida pelo povo brasileiro, é outro, e diz “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Ajude o Brechó diretamente, se você está em Salvador. Se não, participe da campanha de coleta de fundos pela internet que lançaremos em breve. Um mais um é sempre mais que dois.
O Papa e o Yoga Day
июня 22, 2015 2:02 - no comments yet
Dois eventos inspiradores aconteceram na semana que passou. No domingo, 21/06, 36 mil participantes, de 84 nacionalidades diferentes, praticaram ioga, juntos, na Avenida Rajpath, em New Delhi, em uma "sincronicidade espetacular", segundo o Times of India. O recém decretado Yoga Day, exatamente no dia do solistício de verão no norte do planeta e de inverno no sul, mobilizou multidões nas praças de grandes cidades, como Paris, New York, Londres, Tokyo e em muitas cidades brasileiras. Cerca de 190 países celebraram esse dia e milhões de pessoas ao redor do mundo realizaram exercícios respiratórios e corporais atendendo ao chamado das Nações Unidas. Provavelmente, apenas o Dia Internacional do Trabalho, decretado oficialmente há décadas, seja celebrado no mundo com tanta mobilização. E esse é apenas o primeiro Dia do Ioga oficial, no qual, a "mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo", como diz Joice em sua música, são chamados pela ONU para melhorar o mundo.
Na quinta feira, 18/06 a nova encíclica do Papa Francisco sobre a crise ambiental suscitou a alegria daqueles que estão engajados na causa ambiental. Francisco pede a toda a humanidade para agir rapidamente para proteger a Natureza e evitar a catástrofe ambiental, mudando os hábitos de consumo e o modo de vida. A "encíclica verde", mostra a coragem do papa ao enfrentar, como disse Marcos Arruda, "os expoentes corporativos, políticos e midiáticos do Sistema do Capital Globalizado". Poucos documentos até hoje publicados são, ao mesmo tempo, tão profundos e tão agudos ao apontar as causas da crise e suas soluções.
Essas duas boas notícias apontam para o fato de que mais e mais pessos percebem que os problemas do mundo precisam ser enfrentados no âmbito pessoal e no âmbito político, ao mesmo tempo. As mobilizações de massas nas ruas não são apenas os protestos, bem vindos mas insuficientes. Os líderes religiosos não são mais os mesmos que se curvam facilmente ao poder estabelecido. O mundo está mudando. Talvez não na velocidade necessária, mas naquela que hoje é possível. O envolvimento de cada um em cuidar de si, como no ioga, e em cuidar dos outros e do mundo, como na encíclica do Papa, podem acelerar o processo. Coragem e harmonia interna: Isso muda o mundo.
Medo e Gestão de Conflitos – Consciência para Dialogar
июня 15, 2015 4:23 - no comments yet
O texto a seguir introduz uma técnica importante para fazer-nos crescer tanto do ponto de vista pessoal, quanto coletivo. Sendo o medo um sentimento instintivo dos seres vivos - medo de morrer, medo de sofrer – e que no ser humano toma proporções mais sofisticadas – medo de não ser amado, medo de não estar à altura das expectativas, entre outros - percebê-lo, entendê-lo e lidar com ele, é uma tarefa árdua mas compensadora, como mostra Vivina Machado. No campo social, os grupos de diversos tipos, as nações, as classes sociais, têm também seus medos coletivos com grande impacto na sua forma de atuação e de legitimação das ações de seus dirigentes.
O Diálogo, por sua vez, como caminho para um entendimento dos medos mútuos que nos dividem e impedem que vivamos em paz, é uma saída, um instrumento, e sobretudo um modo de enriquecimento. No campo pessoal, o diálogo é o conselho de sempre de qualquer pessoa minimamente madura para que se saia de um conflito. No campo social, as instituições de diálogo se multiplicam, sendo o próprio parlamento das democracias modernas, uma forma de diálogo. É o requisito para que o diálogo seja um caminho de gestão de conflitos que faz falta: “auto-reflexão e auto-responsabilidade, conosco, com o outro com a natureza”, nas palavras de Vivina. Convido o/a leitor/a para passear com a autora de uma situação concreta para uma visão geral de sua proposta. Sem dúvida, lidar de modo diferente com os conflitos, gerindo-os para solucioná-los sem opressão do outro, é um dos caminhos oferecidos pelas “práticas do futuro emergente”, sempre discutidas nesse blog para ilustrar novos paradigmas.
Medo e Gestão de Conflitos – Consciência para Dialogar
Vivina Machado
Noite de quinta feira. Dia muito desafiante. Um acúmulo de tarefas e a maior parte do dia num hospital acompanhando uma bebezinha, que aos três meses se submeteu a uma cirurgia para retirada de duas hérnias. Tudo isto misturado com pitadas de tensões outras...
Faço parte do conselho de um prédio onde possuo um apartamento. Abro meu email e leio uma mensagem de uma conselheira que trás uma situação delicada e ameaça impugnar uma assembléia que porventura seja realizada sem a sua presença, já que está com viagem marcada e, na opinião dela a assembléia para validação de algumas contas já deveria ter sito feita.
Na mensagem, a conselheira também diz que alguns membros do conselho – e cita nominalmente, a mim e a outro conselheiro, assinam as pastas de prestação de contas sem ler e analisar.
Ao ler o que está escrito sou inicialmente tomada por um sentimento de cansaço e descrença. Depois de um dia desses... ninguém merece. Uma leviandade! Penso. Este pensamento misturado com alguns outros menos comportados...
No outro dia decido pedir uma reunião com a direção de prédio e o conselho fiscal. Por um desses golpes de sorte, todos podiam no final daquela mesma tarde.
Sentamos e eu iniciei a reunião dizendo que o objetivo daquela chamada era encontrarmos um espaço de diálogo que conseguisse nos unir para uma ação conjunta diante de um cenário de desafios que estava ocorrendo naquele momento. Caso fossemos para uma assembleia com aquele nível de animosidade e desconfiança, os resultados para a gestão, assim como a tomadas de decisão ficariam bastante comprometidas.
Iniciamos uma conversa e conseguimos encontrar um espaço de convergência para agirmos conjuntamente e posteriormente chamarmos a assembleia. Concluída esta etapa o conselheiro que tinha sido citado junto comigo no e-mail da conselheira anunciou que estava renunciando ao cargo pois tinha se sentido ofendido com o que tinha sido dito a seu respeito.
Este conselheiro se colocou de forma clara, situando como aquelas palavras ditas no e-mail, o atingiram pois considerava importante ter na vida uma atitude séria, ética e responsável. Aquele e-mail ferira sua dignidade.
Complemento o que ele diz, me colocando de forma semelhante. Digo que pensei em renunciar, mas reavaliei em função do momento que estamos vivendo na gestão do condomínio.
A conselheira fica emocionada com as falas, pede desculpas, diz que não imaginava que iria ferir nós dois e o conselheiro completa a sua fala expondo algumas situações que está vivendo que o coloca mais vulnerável que em outras circunstâncias. E ele contextualiza: A sra. já pensou que ao escrever isto, desta forma, a senhora vai atingir uma pessoa que pode estar vivendo um momento particularmente delicado? Que em função disto a reação desta pessoa pode ser pior que a atitude da senhora?
Novamente a emoção de fez presente e entre lágrimas ela diz baixinho: eu tenho medo que a situação se agrave e fique fora de controle. Eu me sinto responsável e sinto medo.
Bingo. Ali estava declarada a gênesis do conflito: o medo.
O medo é combustível para os conflitos, os medos que atuam em nós sem nos darmos conta da existência deles, de como eles atuam, podendo distorcer nossos pensamentos e ações. O medo é saudável, nos preserva, nos mantém vivos, no entanto, a inconsciência do medo nos afasta de nós mesmos, do outro, de uma vida mais plena, inteira de uma comunicação centrada no diálogo.
Expanda este caso que acabo de contar e pense numa mesa de negociação entre grupos, entre países que estão com dificuldades, desconfianças nas relações entre si. A exceção do choro, da expressão de vulnerabilidade, a cena poderia ser transplantada para uma reunião com os dirigentes de grupos, ou de países que estão vivendo antagonismos, divergências e os transformando em conflitos. Ampliar a consciência é fundamental na nossa comunicação, para que possamos viver a plenitude do diálogo e da gestão de conflitos – com criatividade e inteireza.
A ampliação da consciência, no sentido da auto-reflexão e auto-responsabilidade, conosco, com o outro com a natureza, é combustível básico para o que é chamado de “futuro emergente” para quebra de paradigmas vigentes. Para isto, muitas iniciativas tem sido realizadas: os coletivos cidadãos – Débora Nunes e Ivan Maltcheff, a rede internacional Diálogos em humanidade, o Brechó Eco solidário, a sobriedade feliz, de Pierre Rabhi e Patrick Viveret, as metodologias integrativas, de Valeria Giannella, as pesquisas sobre escuta que Maria Suzana Moura está desenvolvendo e tantas outras que unem metodologias, que avançam para uma prática amorosa, solidária e mais consciente.
Na rastro e na inspiração destas iniciativas, tenho compartilhado um método que desenvolvi em Diálogo e gestão criativa para lidar com os conflitos chamado de DGCC. Este método contribui para expandir as possibilidades de dialogarmos e gerirmos conflitos criativamente, ampliando nosso estado de consciência.
No post seguinte conheça mais sobre o DGCC e a associação entre consciência, inconsciência, medo, crenças e comunicação.
Comunicação e Comportamento – consciência e inconsciência
Ruídos de comunicação ou barulho de crenças?
O DGCC é um método, cuja base é a complexidade do pensamento e a simplicidade da ação, que contribui para ampliarmos as possibilidades de repensarmos como nos comunicamos, os impactos que podemos causar com a nossa comunicação e da similaridade entre comportamento e comunicação.
No processo de criação e desenvolvimento do DGCC algumas situações, individuais e coletivas-organizacionais serviram de suporte para um diagnóstico cujo um dos aspectos compartilho com você:
- Há um elevado nível de inconsciência nas nossas ações comunicativas e nas repercussões geradas por essas ações – tanto na nossa atuação individual quanto coletiva; ou seja, um reduzido conhecimento de como nos comunicamos e dos impactos gerados com a nossa comunicação.
Falamos no dia a dia de ruídos de comunicação, nos referindo a algo que é dito para ser escutado de uma forma e escuta-se, de outra, atribuindo-se um significado diferente daquele que inicialmente era desejado. Quando isto ocorre, verificamos que houve um impacto na relação entre pessoas, entre grupos que estavam se comunicando. Alguns ruídos viram barulho, na maioria das vezes, confusão, conflito e até rompimentos. Tendemos a atribuir ao outro a distorção do entendimento. No entanto:
Até que ponto ao nos comunicarmos ficamos atentos ao como nos comunicamos e aos impactos que esta comunicação pode gerar?
Naturalizamos o processo de comunicação. O que é dito, a forma como nos comportamos parece decorrente tão somente daquela interação – no presente OU é mera consequência da história daquela relação. Seja individual, seja coletiva.
Comunicação e comportamento estão entrelaçados. Paul Watzlawick diz que “comunicação é comportamento”. Nossos comportamentos estão vinculados a nossa história de vida, ao lugar onde nascemos, a cultura em que nos inserimos, a família de onde viemos, a situação social, política e econômica, os conceitos e preconceitos que sorvemos, a nossa estrutura física, biológica, aos nossos antepassados. Nosso comportamento, nossa comunicação, estão marcados e em parte - até determinados, pelas nossas crenças. Nossas crenças formatam uma janela por onde percebemos, enxergamos - “um” mundo, o nosso mundo - e nele, vivemos. Predominantemente, estamos inconscientes das nossas crenças.
Para gerirmos conflitos criativamente e dialogarmos é importante nos tornarmos conscientes que nossas crenças influenciam e determinam uma identidade, seja individual seja coletiva, que influenciam e determinam nossa relação com a vida e nossa comunicação. Assim, aquilo que desafia, que confronta as nossas crenças, ameaça a nossa identidade e tende a ativar nossos mecanismos defensivos. O medo é matéria prima nesta ativação.
Nem sempre é possível identificar a crença, mas é possível ampliarmos a consciência de que alguma crença está movendo as relões que estabelecemos: seja individual, seja coletivamente. Portanto, apesar das inconsciências, estamos cada vez mais ampliando nossa consciência para encontrar e - já encontrando - novas formas de nos comunicarmos de nos relacionarmos, sendo amorosos, autênticos e solidários, gerando ações que expressam inteireza, beleza e transformação – pessoal e social.
Da próxima vez que constatar um ruído de comunicação, pergunte-se com humor: será um barulho de crenças?
Meu nome é Vivina Machado, desenvolvi o DGCC, método para dialogar e gerir conflitos, criativamente. Venho colocando minhas habilidades, amor e paixão para contribuir com pessoas e organizações, fornecendo consultoria, coach, atendendo individualmente e em grupo. Formação como Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia, Executive Coach pela Royal Roads University, Canadá, Economista pela Universidade Católica do Salvador e em Psicologia Transpessoal pela Escola da Dinamica Energética do Psiquismo, São Paulo e Salvador.
Contato: [email protected] e (71) 91488236
Por um mundo melhor: superando a dominância masculina
июня 7, 2015 7:55 - no comments yet
Para avançarmos em direção a uma sociedade melhor, na qual o espírito feminino seja incorporado, como foi defendido em postagem anterior (ver aqui), é necessário investigar mais profundamente porque os homens dominaram o mundo até aqui. A pergunta chave pode ser: “Como passamos de uma sociedade nômade e coletora, que durou cerca de 200 mil anos, com tarefas definidas por aptidão biológica e divisão igualitária de poder entre homens e mulheres, para uma sociedade com predominância masculina nos últimos 10 mil anos? ”. Essa questão se torna ainda mais importante se nos damos conta de que a dominação dos homens sobre as mulheres é a forma primária de dominação, a mais universal, e talvez a mãe de todas as outras.
Esse texto fará considerações gerais sobre as razões que levaram à dominação dos homens na civilização humana, elencando ideias relativamente bem conhecidas, assim como, mais audaciosamente, fazer uma tentativa de investigar essa dominação sobre o prisma da insegurança masculina no campo sexual e psicológico, temas menos explorados. Sua segunda parte discute a possibilidade de ter havido certa aceitação feminina a essa dominação. Além da literatura, de entrevistas a alguns homens interessados no tema e de minha experiência pessoal, entrevistei o antropólogo Ordep Serra, que trouxe observações relevantes sobre o tema.
A revolução neolítica, que implicou na sedentarização, na agricultura e no estabelecimento das primeiras civilizações e primeiras cidades, trouxe as bases para dominância masculina. A primeira é a instituição da propriedade privada e a generalização da prática da guerra entre territórios na sociedade humana. Para assegurar o domínio territorial e defender a propriedade, assim como para a própria defesa e sobrevivência do grupo familiar e social, instituiu-se a exaltação da força e da agressividade masculinas. A divisão de poder anterior, no qual as mulheres tinham o poder simbólico de geração da vida e os homens o poder da força, ficou então desequilibrada.
A instituição da herança, a transferência da propriedade privada por laços de sangue, foi outra causa do uso da força e da construção de regras morais para manter as mulheres sob o controle dos homens. Do ponto de vista desses, para garantir a certeza da paternidade sobre os beneficiários da herança familiar, era necessário evitar que relações extraconjugais trouxessem para a linhagem de sucessão filhos de outro sangue. Como a força física não garante domínio contínuo e suficiente, machos humanos criaram mecanismos persuasivos e regras morais de submissão das mulheres para manter o controle e sentirem-se mais seguros, compelindo a mulher a um lugar secundário na sociedade. A força delas ficou guardada por longo tempo no âmbito privado, familiar e na esfera do mistério.
Uma terceira razão diz respeito ao conforto que a situação de dominação aufere aos dominadores. No caso das mulheres, a imposição dos trabalhos domésticos cotidianos e outros serviços, inclusive sexuais, que tornaram a vida masculina mais fácil. Essa imposição a outros de tarefas consideradas menores, desonrosas ou desconfortáveis é uma das raízes dos sistemas de desigualdade criados pelos humanos, e as mulheres podem ter sido as primeiras vítimas. Estabelecer relações igualitárias entre homens e mulheres é certamente um meio de melhorar o mundo já, mas, principalmente, de desnaturalizar a desigualdade na cultura das futuras gerações, a partir do âmbito doméstico.
O conjunto desses aspectos parece explicar as razões da dominância masculina, mas colocam os homens como vilões da história humana. Superar esse olhar maniqueísta é buscar a complexidade e, portanto, aproximar-se mais da realidade dos fatos. Se olharmos de outro ponto de vista, apenas um ser masculino descompensado pode basear sua existência na força e na agressividade para domínio sobre outros, ou mesmo na competitividade. Porque outros atributos masculinos, que poderiam ter levado a sociedades menos agressivas e menos competitivas não prevaleceram? Também são qualidades ancestrais dos homens o enfrentamento do perigo para proteção dos mais fracos, o encantamento com a beleza do universo e o mistério feminin, particularmente em relação à gestação, assim como um forte espírito de equipe, entre outras.
As motivações para o desejo de domínio podem ser examinadas a partir de outro aspecto, pois a dominação serve para mascarar o medo de relações entre iguais, nas quais cada um vale pelo que é e é responsável por sua própria existência, sem uso da opressão. O domínio pode esconder assim uma grande fragilidade, falta de autonomia e mesmo de autoestima. Quais poderiam ser os motivos dessa insegurança masculina? O primeiro pode ser o sentimento de desamparo dos homens sem a presença feminina ao seu lado. É o que o professor Ordep Serra, comentando um conceito de outro antropólogo, Victor Turner, comenta como sendo a secreta inveja dos “poderes dos fracos” que atinge os poderosos. Algumas qualidades femininas podem não lhes auferir poder de mando, mas lhes empoderam no âmbito privado, lhes dão status simbólico e lhes tornam imprescindíveis.
As mulheres, em geral, amadurecem mais cedo, têm maior resistência à dor e grande adaptabilidade inerentes à sua biologia, maior empatia nas relações sociais e uma intuição mais desenvolvida. Sem entrar em detalhes psicológicos das relações dos homens com suas mães, mulheres, filhas e mesmo irmãs, o espírito feminino pode ter surgido como uma força que amedronta os homens. Em suas pesquisas entre os povos do Parque Nacional do Xingu, assim como em seus estudos sobre a mitologia grega, Ordep Serra considera que os mitos, ritos e atitudes de povos tão diferentes revelam uma espantosa recorrência do tema da inveja masculina que tempera o discurso “justificador” da dominação sobre as mulheres.
Outro aspecto importante a ser observado no entendimento da dominância masculina sob o ângulo de sua fragilidade, é a sexualidade. Os condicionantes biológicos, evocados no post anterior, já nos ajudaram a entender atributos masculinos e femininos e os comportamentos induzidos pela própria Natureza. Relembrando alguns desses condicionantes e as diferenças entre gêneros a partir da forma dos órgãos sexuais e mesmo do ato sexual em si, temos: acolhimento feminino à semente masculina que dá a capacidade de gestar a vida nas mulheres e que distancia os homens no processo; maior passividade nas mulheres, exposição do órgão sexual e penetração ativa nos homens; obtenção do prazer de modo evidentemente localizado e visível (pênis) nos homens e de modo mais disperso, em todo o corpo, e com ápice em local escondido (clitóris) nas mulheres.
De certo modo, os homens experimentam no campo sexual uma situação de fragilidade e exposição. O desejo masculino é evidente pela ereção, enquanto o desejo feminino é misterioso e só ela pode identificá-lo plenamente. Os clássicos relatórios Kinsey e Hite sobre sexualidade humana, entre outros, trazem informações importantes: O desejo masculino é muito difuso, suscitado prioritariamente pela visão, enquanto na mulher o toque, portanto a intimidade, é o meio preferencial para suscitar o desejo. Essas características fazem uma disposição sexual mais geral para os homens e mais específica e aproximada para as mulheres. Os medos de traição são também muito diferentes e esse talvez seja o motivo pelo qual, segundo os mesmos relatórios, os homens teriam mais ciúme do ato sexual da mulher com outros homens e as mulheres mais ciúmes das manifestações de carinho. Do mesmo modo, em termos de fantasias sexuais, as mais comuns para ambos os sexos, tratam de situações de dominação nos homens e de submissão nas mulheres.
Esses dados se relacionam com os papeis sexuais históricos dos gêneros para garantir a própria sobrevivência da raça humana. O princípio comum dos condicionamentos biológicos para todos os animais é o instinto de sobrevivência, garantido pela existência da prole e pela procriação posterior dessa prole. No caso dos humanos, um condicionamento cultural - o medo da morte, e sua “superação” pela descendência - reforça ainda mais os comportamentos sexuais biológicos. Assim, os homens - como outros machos - para garantir sua continuidade histórica, tenderiam à agressividade em relação a outros homens e a proteção do território de vida para conquistar ou manter sua mulher, garantidora da procriação. As mulheres – assim como outras fêmeas – pelo mesmo motivo, tenderiam a cuidar atenciosamente dos bebês, provendo-lhes aquilo que necessitam com atenção e intuição às suas demandas cotidianas, afetivas e materiais. Para manterem seus machos, parceiros da manutenção dos filhos, perto de si, tenderiam a buscar afastar as concorrentes por meios não físicos, ou simplesmente aceitá-las como cúmplices. Entre os meios não físicos de competição pelos machos, pode-se especular em torno das intrigas comunicativas (fofocas) ou dos diversos meios de sedução.
Como foi feito no post anterior, para entendermos melhor o condicionamento de milhares de anos, vamos voltar ao tempo e observar algumas situações da relação homem/mulher nas sociedades nômades e coletoras, nas quais as mulheres ficavam no “acampamento” do grupo com crianças e idosos, enquanto os homens iam em busca da caça ou estavam em vigília para a proteção do grupo. Quando um homem se interessava por uma mulher, e vice-versa, isto podia, para ser simples, acabar em uma aceitação que gerava uma relação e talvez filhos, ou em uma rejeição, que gerava dor. Pode-se dizer que o mesmo acontecia para uma mulher, realização ou dor, porém, em meio à Natureza e com base na conformação física natural dos machos e das fêmeas e em suas tarefas cotidianas, as consequências da dor da rejeição são bem diferentes.
Mulheres em disputa pelo mesmo homem no ambiente comunal de cuidado dos filhos e da sobrevivência do grupo, podem ter provocado muitos gritos e arranhões entre elas; homens em disputa em meio à uma caçada pode ter fragilizado o grupo no enfrentamento do predador ou na perda da presa, com consequências coletivas maiores. Talvez as reações dos machos para evitar as consequências de suas disputas tenham modelado, muito tempo depois, os dois mandamentos bíblicos mais estranhos aos nossos olhos de hoje: “Não pecarás contra a castidade” e “Não desejarás a mulher do próximo”. Talvez as reações masculinas para evitar a dor da rejeição tenham modelado também muitos dos comportamentos de agressividade em face de outros homens e de dominação em relação às mulheres, que perduram até hoje.
Para evitar a fragilidade da exposição do seu desejo, e mesmo de seu amor, assim como o medo de ser traído e o medo de ficar só, o dominador domina pela força e por uma cultura patriarcal imposta, mas para ele o dominado pode ser traiçoeiro, fonte de dissimulação, e mesmo de ódio. Dominar quase nunca é desfrutar e não traz paz, mas desconfiança. Ao longo da história, tantos homens se perguntaram no íntimo, sobre suas mulheres: “Ela me ama, ou se adequa à mim porque sou mais forte?”, “Ela concorda comigo ou apenas se submete a mim?", “Ela tem prazer comigo, ou finge para me agradar?”, “Ela é fiel ou tem outros amores?”; essas e outras questões irrespondidas, pela ausência de uma relação igualitária, podem ter atormentado os homens ao longo da história. Muitos aproximaram-se de suas mulheres tentando entendê-las; outros, mais frágeis, e talvez por isso mesmo compelidos a buscar mais poder e riqueza – usaram a força, o dinheiro e o poder patriarcal para submeter suas mulheres e filhas.
A aceitação pelas mulheres do domínio masculino
É preciso lembrar que o estabelecimento da dominância dos homens teve alguma aceitação das mulheres, já que historicamente elas têm tido papel preponderante na educação dos filhos e filhas. Se pelo menos parte significativa delas não tivesse acatado o modelo androcêntrico em sua relação com a prole, o machismo não poderia ter se expandido tanto de uma geração para outra. De um lado, nos primeiros tempos da civilização humana sedentária, as mulheres podem ter aceitado que os homens, mais fortes e agressivos, deveriam dominar a sociedade em contrapartida de proverem comida e segurança para a prole em face das guerras. O medo de perder a propriedade da terra, pode também ter sido uma importante alavanca, que fez com as mulheres educassem seus filhos homens para temerem sua própria feminilidade e reprimi-la.
Em outras situações, nas quais a dominância se estabeleceu mais pela força do macho do que pela aquiescência da fêmea, um segundo aspecto, a tendência natural das mulheres ao evitamento de conflitos, à não violência e à negociação, pode tê-las levado a evitar o afrontamento, submetendo-se, para pacificar a família. No espaço público, na coletividade, talvez predomine outro tipo de submissão, derivada da introjeção do estigma do oprimido. Paulo Freire, tratando dos pobres no nordeste brasileiro e de sua relação com os ricos coronéis, explicou esse conceito: a dominância toma tal relevância na cultura de uma sociedade que o próprio oprimido introjeta em si o sistema e o vê como a ordem natural das coisas. Assim, na maior parte dos casos, ele sequer percebe isso como opressão, embora sofra duramente seus efeitos. O fenômeno da introjeção da opressão pode ter sido um dos fatores que levaram à aceitação da dominância e da educação diferenciada de meninos e meninas por suas mães.
Freire explica outro aspecto da introjeção da opressão, que é a “aderência ao opressor”: ele exemplifica a passagem de um trabalhador braçal que se torna capataz e, por ter “aderido” ao modelo dominante, reforça o sistema, oprimindo os que antes eram seus iguais. No caso da história da submissão das mulheres, esse fator pode ter sido muito importante, e as mães, irmãs e sogras controlam elas mesmas o sistema que oprime outras mulheres, sob dominância masculina.
Há ainda outro aspecto a ser observado nas relações entre homens e mulheres: normalmente se trata mais da relação amorosa de tipo conjugal e da relação dos homens com suas filhas, mas muito pouco da relação dos homens com suas mães. Essa, de modo algum, pode ser caracterizada como uma relação de dominância, muito pelo contrário: a devoção dos homens às suas mães é fato psíquico e cultural amplamente conhecido. A complexidade humana faz com que formas sutis de poder tenham sido desenvolvidas pelas mulheres e que elas sejam parte ativa no jogo das relações. Logicamente essas relações são diferentes em cada época e em cada família e dependem muito das características pessoais de cada mulher: algumas têm real poder, mesmo que invisível, sobre os homens de suas famílias e outras, mais tímidas e pacíficas, não têm quase poder nenhum.
O certo é que a força e a fragilidade masculinas que levaram à dominação não foram contrabalançadas por um feminino ativo, que desse limite ao poder masculino descompensado. É fato também que a dominação implica em responsabilidade de dar a direção e a submissão exime os dominados desse peso. Se o feminino tende ao trabalho nos bastidores, às decisões compartilhadas e se as mulheres são menos tentadas pelo risco, como foi discutido anteriormente nesse blog, elas podem ter evitado tomar a frente sozinhas da responsabilidade do grupo ou da família, o que tornou a dominação masculina mais fácil.
A superação da dominância masculina exigirá de homens e mulheres um profundo autoconhecimento e uma compreensão e aceitação da existência do espírito masculino e feminino em cada um. A harmonização dos indivíduos e da sociedade necessita do reconhecimento e valorização do Yin e do Yang, e provavelmente é no campo das relações pessoais que se está se construindo a superação da dominação, mais ainda do que no campo das leis e das políticas sociais. Quando as mulheres se empoderam, elas ajudam os homens a “descansar” dos seus atributos de comando e do mundo excessivamente másculo e sem aconchego que eles construíram dominando. Quando os homens se feminizam, eles ajudam as mulheres a encontrar saídas negociadas e a fazer um mundo mais acolhedor. Quando homens e mulheres dividem tarefas e partilham responsabilidades na casa, no trabalho, etc. eles constroem um mundo mais feminino porque menos descompensado pela supremacia masculina. O espírito feminino pode se desenvolver na experiência de cada pessoa, de cada casal, de cada família. As novas gerações serão beneficiadas e sem as travas da dominância poderão construir um mundo mais igual, não somente para homens e mulheres, mas para brancos e pretos, ricos e pobres e todas as outras vítimas das desigualdades que se espalharam pelo mundo.
Mais escuta para uma nova vida em comum
мая 24, 2015 2:38 - no comments yet
Estamos imersos em crises políticas e isso é fato em todo o mundo, e não apenas no Brasil. Em muitos países se continua a pensar que a solução virá institucionalmente, com reforma política, novos projetos partidários ou alguma inventividade que nos salve. Infelizmente, embora se possa aprimorar a democracia que existe, a política que se faz hoje não é mais adequada ao mundo em alta conexão e no qual o indivíduo é hiper valorizado. Desenvolverei esse tema em outro momento.
Só a emergência da inteligência coletiva pode dar respostas e trazê-las para o real, para o dia a dia, e a partir daí para o mundo institucional, em um movimento de baixo pra cima. Pensar e agir coletivamente, sem depender exclusivamente da representação política e avançando na democracia participativa, exige novos modelos de ser e de estar no mundo, individual e coletivamente.
Para que a inteligência coletiva possa emergir é preciso diminuir a dispersão mental, aprender a entrar em sintonia com os outros e aprimorar a liderança de serviço de cada um. A realização dos ideais coletivos exige um passo adiante na lógica política. A contribuição da professora Suzana Moura, sobre a "Escuta", aprofundando a discussão sobre "Novos Paradigmas" que propus em post anterior, é profunda e prática. Sem dúvida enriquecerá aqueles que não querem repetir o modelo ultrapassado e autodestrutivo de vida na Terra. Obrigada Suzana!
Dando seguimento a conversa de Débora Nunes sobre a virada paradigmática que estamos vivenciando – de uma visão centrada nas macromoléculas como instâncias fragmentadas e separadas, para a percepção e compreensão das relações e da unidade que a tudo permeia – queremos trazer aqui o tema da Escuta. Sim, vamos tecer algumas notas sobre este atributo e habilidade fundamental nos dias de hoje, em vários sentidos.
Como bem nos lembra Rubem Alves, em nossa sociedade ocidental existem muitos cursos e apelos à boa oratória e nada com relação a Escuta. O mesmo encontramos em Fiumara (1990) que inicia seu estudo sobre a Escuta, lembrando que a filosofia ocidental focaliza no logos, privilegiando o discurso e a argumentação. Podemos reconhecer aqui o predomínio do padrão patriarcal em nossa civilização e do lado ativo (yang) da consciência humana, pois a escuta, como veremos a seguir, requer um pouco de introspecção e de abertura para receber (Yin), mas não só.
O que significa escutar? No sentido de que fala Rubem Alves, vai além do ouvir, incluindo o silêncio e o tempo para processar. Sentido literário este, que complementa definições de pesquisadores do campo da comunicação e da educação , para os quais a Escuta é um processo de recepção, atribuição de significado e/ou de resposta a partir de uma mensagem verbal e/ou não verbal (Wolvin; Coakley, 1993; Purdy; Borisoff, 1997). Completando com Adelmann (2012), vemos que a escuta é um ato social, contextual, e dialógico, ou seja, não é individual, nem meramente psicológico, pois a atribuição de significados, assim como a recepção da mensagem e a resposta que será gerada posteriormente são mediadas pela cultura e pelo contexto social.
Como ato social e dialógico a escuta requer uma abertura para reconhecer que o outro traz uma percepção diferenciada e tem algo a contribuir (no processo de aprendizagem, na gestão das organizações, nas políticas públicas ...). Neste sentido, podemos assumir desde uma atitude passiva, mais fortemente yin (apenas registrar o que o outro diz em uma consulta popular, por exemplo); até um padrão de Escuta Ativa, que mescla yin e yang. Esta última, segundo Sclavi (2003) é uma modalidade de observação atenta (ao particular e a forma), inclui a reflexividade como parte do processo, além da observação e do ouvir atento. O propósito não é apenas ouvir para registrar uma opinião, é compreender o que está por traz, para além da aparência, é uma porta para o diálogo e revisão das próprias certezas.
Para Sclavi o bom escutador deve permitir-se a respeitar o interlocutor e ser curioso – abrir-se a outra visão de mundo. Um dos fundamentos é a compreensão da realidade como construção social e, por isso, reconhece que há várias visões e percepções possíveis sobre o mesmo fenômeno (situação). Ou seja, é necessário transitar do lugar em que se vê uma única verdade oposta ao diferente, em direção a um posicionamento de abertura para escutar outras verdades; abrindo-se ao diálogo e colocando em xeque suas próprias certezas.
Até aqui estamos nos referindo a escuta do outro e este outro pode ser uma pessoa, grupo, ou comunidade. Como parte e indo além desta, há outras dimensões a serem agregadas: a escuta de si e do ambiente. Para ampliar um pouco mais a nossa compreensão, trazemos a Escuta Profunda, uma das referências do Dragon Dreaming (DD) – abordagem de criação e gestão colaborativa de projetos na linha dos paradigmas emergentes (ecológico e holístico).
John Croft, um dos mentores do DD, trouxe de sua vivência com os Mardo, povo aborígene australiano , o Pinakari, expressão que representa “um estado natural de escuta no cotidiano, não só da linguagem verbal falada entre humanos, mas também dos sinais do ambiente mais amplo, da Natureza” No contexto da criação e gestão colaborativa de projetos, o Pinakari aparece como uma prática para diminuir a dispersão mental, muito comum na atualidade, ativar a presença pessoal e contribuir com a emergência da inteligência coletiva. O Pinakari, é um convite para exercitarmos uma escuta profunda, através do contato com nosso corpo (a natureza mais imediata) advém o silêncio e um estado de presença, na perspectiva da mente incorporada de Varela, Thompson e Rosch (2003).
Podemos dizer que a escuta, como atributo e habilidade, pode ser considerada como um nível de percepção consciente e intencional (de si, do outro, do grupo e do ambiente), que vai além do ouvir. Trata-se de um caminho para nos tornarmos seres mais perceptivos e atuantes de acordo com as reais necessidades e com o propósito do(s) coletivo(s) que estamos inserido, ao mesmo tempo em que contribui para que nossa fala seja pertinente e consciente do momento e das pessoas.
A escuta nessas bases é uma qualidade cada vez mais necessária, para educadores/aprendizes, para profissionais de todas as áreas, independente de lidar diretamente com pessoas; assim como para as pessoas em suas vidas cotidianas, isso por vários motivos:
• Em meio a tantas informações e perplexidades que convivemos na atualidade – nas salas de aulas e nas organizações, bem como na sociedade em geral - nos deparamos com a fragilidade dos nossos sistemas educacionais e de gestão para fomentar o engajamento das pessoas, indo além dos padrões de imposição e recompensa, de modo a que elas ajam e expressem-se com base nas reais necessidades coletivas e pessoais.
• Vivemos cada dia mais a interculturalidade e e desafio da convivência entre diferentes.
• A habilidade da escuta exercida em grupos contribui para ativar a inteligência coletiva (não apenas do grupo, como também da Terra, sendo cada pessoa um canal ativo desta inteligência).
• Em situações de desafio torna-se mais ainda necessária para evitar a expansão do caos, do pânico...
• No cotidiano serve para tornar mais pleno o dia a dia, o encontro de soluções e o compartilhamento de significados e tarefas adequadas.
Além dos aspectos relacionados acima, cabe destacar a ênfase dada a participação dos atores sociais para o desenvolvimento, nas últimas décadas (Moura, 2014). No entanto, ao tomarmos as práticas de participação e de gestão participativa vamos encontrar diferentes padrões, incluindo a ausência de instrumentos adequados de escuta das visões e reais anseios das comunidades. Isso porque é comum que a chamada participação seja utilizada como um meio de cooptação e de legitimação de políticas e projetos sociais (Moura, 2014) .
Em contextos de ampliação da democracia e do exercício da cidadania, em que convergem demandas sociais por participação e a vontade real de governos em prol de uma gestão participativa, a escuta pode ganhar destaque em um sentido duplo: de um lado caberia aos cidadãos escutarem as propostas e as prestações de conta dos governos, bem como as ponderações dos técnicos; de outro, caberia aos técnicos e governantes escutarem os posicionamentos e aspirações das comunidades. Algo semelhante pode acontecer em situações cujo propósito é melhorar o desempenho das políticas públicas.
Para finalizar, gostaria de deixar algumas questões para seguirmos refletindo. O quanto estamos abertos e preparados para escutar, de fato?. Quais os instrumentos que temos desenvolvido nos processos participativos e colaborativos, para chegar a um padrão dialógico e ativo de escuta? Qual o padrão de escuta que sobressai nos espaços que se pretendem participativos?
REFERÊNCIAS
ADELMANN, K. The Art of Listening in an Educational Perspective: Listening reception in the mother tongue. Education Inquiry, v. 3, n. 4, p. 513-534, 2012.
FIUMARA, G. C. The Other Side of Language: A Philosophy of Listening. New York: Routledge, 1990.
MOURA, Maria Suzana. Gestão participativa. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. p. 74-76.
PURDY, M.; BORISOFF, D., Eds. Listening in Everyday Life. A Personal and Professional Approach. Lanham: University Press of Americaed. 1997.
SCLAVI, M. Arte di ascoltare e mondi possibili. Milão: Ristampa Bruno Mondadori, 2003.
VARELA, F. THOMPSON, E. e ROSCH, E. Mente Incorporada: ciências
cognitivas e experiência humana. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
WOLVIN, A. D.; COAKLEY, C. G., Eds. Perspectives on Listening. Norwood: Ablex Publishing