Go to the content
Show basket Hide basket
Full screen
Dsc 0082

Blog

January 12, 2009 22:00 , by Unknown - | 1 person following this article.

Testemunhando a COP 21: um aumento do nível de consciência global

December 14, 2015 17:58, by Débora Nunes - 0no comments yet

De um lado, como em todas as Conferências internacionais, os sisudos delegados, em sua maioria homens brancos em terno e gravata, circulando por espaços confortáveis, porém vigiados e restritos. Do outro lado, milhares de cidadãos, de todas as cores, principalmente rapazes e moças em igual número, circulando por toda a cidade de Paris em lugares aonde fervilha a energia da mudança e o pensamento coletivo. Nessa COP, de um lado, o “Le Bourget” e de outro a Conferencia dos Cidadãos pelo Clima, em Montreuil, o ZAC (Zona Ação Clima) no Centro 104, e os espaços “Place 2 B” e Geração Clima, como centros de agregação. Além desses, centenas de outros lugares menores discutindo a questão climática democraticamente, denunciando suas causas e mostrando soluções.

Estive, logicamente, nos lugares aonde estava a cidadania, mas acompanhando de perto aquilo que acontecia internamente no Le Bourget, através de contatos diretos com pessoas trabalhando ali e pela imprensa francesa. Nos primeiros dias, com a interdição de manifestações de rua por causa do estado e emergência causado pelos atentados terroristas, o sentimento geral do lado cidadão era de desarticulação e de indignação. Sentimos o Le Bourget como uma confiscação do poder democrático da cidadania planetária de decidir pelo futuro das gerações presentes e futuras. Sabíamos que o lobby das grandes corporações, sobretudo das empresas petrolíferas, estava agindo a todo vapor dentro do Le Bourget - como nas 20 COPs anteriores - para impedir reais medidas que poderiam evitar catástrofes climáticas, enquanto nós não podíamos nem nos manifestar nas ruas.

Na medida em que o tempo foi passando a ideia de construção de um outro poder, para além dos interesses pequenos das nações e do tempo curto dos mandatos eleitorais, foi ganhando asas. A palavra de ordem “people power” gritada pelos jovens no espaço Geração Clima, ao lado do Bourget, somava-se, entre outros, à articulação de um manifesto por um poder cidadão direto, constituindo-se numa etapa superior de pensar a política, de forma planetária e sem fronteiras, como são o ar, os rios, os oceanos que temos que proteger. A paralisia inicial do lado cidadão começava a se transformar em projeto de forma múltipla e difusa, mas profundamente enraizada na história recente. Por outro lado, uma intensa ação pela internet fazia chegar aos delegados a indignação geral com a incapacidade da Conferência em avançar. O relato da Avaaz (aqui), que promoveu muitas ações nos últimos anos e agiu intensamente em 2015, mostra como se deu a intervenção cidadã por meios virtuais na COP 21.

Mas a Avaaz, com seus imensos serviços prestados e seus 42 milhões de internautas assinantes de petições e financiadores de ações, é apenas uma parte do todo que se move do lado da sociedade planetária. Na base da articulação cidadã estão movimentos ecológicos muito mais antigos, como o WWF e o Greenpeace, entre outros, assim como documentos pioneiros como o “Limites do Crescimento” do Clube de Roma (de 1972), ou “Nosso Futuro Comum” (de 1987), para citar apenas alguns dos que nos fizeram compreender a gravidade dos problemas ambientais. No campo da história da organização propriamente dita dos “side events” participativos das COPs, está a maravilhosa experiência dos Fóruns Sociais Mundiais, grande parlamento cívico mundial informal, que completa agora 15 anos e que tem brasileiros como seus fundadores, como Oded Grajew e Chico Whitaker. Assim, os “altermundialistas” do FSM que propõem que “outro mundo é possível e está em construção” e as primeiras ações e organizações ecologistas estão na origem da consciência que hoje se aprofunda e se organiza em todo o planeta. Daí nasce a força da pressão das redes sociais e das plataformas virtuais como a Avaaz.

Mas, e o Le Bourget, como evoluiu? Um dos mediadores do debate oficial disse a um grupo de ativistas, ainda na primeira semana da Conferência, que se os cidadãos não podiam entrar na COP, os lobistas estavam lá em grande número. Quando lhe perguntamos como a cidadania poderia influenciar os resultados da COP, ele nos respondeu: “pressionem aqueles que não querem que os países avancem, com boicotes que os façam sentir a pressão no bolso, é a única maneira”. As notícias que vinham do Le Bourget dessa forma não apontavam para avanços no curto prazo. Entretanto, a pressão social da mobilização cidadã mundial pela internet redobrou, assim como a força da ideia vinda de muitos focos de constituição de um poder cidadão planetário. Outro fator de pressão foi de caráter interno, sobre o governo francês anfitrião, que precisava ganhar pontos juntos aos seus cidadãos em plena época eleitoral e com ameaça da extrema direita de ganhar diversos governos locais.

Um fato à parte foi a ação do presidente francês da COP, Laurent Fabius, portador, segundo diversas fontes, de uma doença incurável e mortal, que o faz mais sensível à sorte de seus semelhantes e das futuras gerações. Em seu discurso de apresentação de uma proposta de acordo, Fabius disse, com voz embargada, que os delegados não poderiam decepcionar a sociedade e precisavam defender a Vida. A ação de Ban Ki Moon, secretário geral da ONU, de Christiana Figueres, secretaria executiva das Nações Unidas para as mudanças climáticas (UNFCCC), de Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP 20, em Lima/Peru e muitos outros e outras, trabalharam incansavelmente para que a COP de Paris avançasse.

Outro aspecto decisivo para se chegar a um acordo em Paris foi o fracasso da contraofensiva das corporações, sobretudo do petróleo, que tinha sido eficaz nas duas últimas décadas, em negar o aquecimento global por ação humana. Vencidas as mentiras pseudocientíficas, apenas razões econômicas motivavam os discursos dos que eram contra o acordo. Ninguém mais pode questionar as mudanças climáticas de forma crível durante a COP de Paris e assim a questão do financiamento aos países insulares que já começam a desaparecer com a elevação do nível dos oceanos e à reconversão dos países produtores de petróleo para as energias renováveis – entre outros impactos - tornou-se objeto maior dos debates. Vários grupos de pressão por um acordo, no interior mesmo da COP, tendo apoio aguerrido de ONGs presentes, foram se articulando. Pressão interna e pressão externa conduziram a que saísse um acordo, evitando um mal maior.

Mas que acordo é esse? E qual o papel da sociedade civil planetária para o fazer cumprir em cada país e em todo o mundo? Como na maior parte dos processos diplomáticos, o acordo fala bonito, mas de forma vaga. O teto do aquecimento, a partir do qual se calcula as emissões totais de CO2 no planeta, deve “buscar ficar entre 1,5 a 2 graus”, mas as metas nacionais hoje existentes levam à uma subida de 3 graus. Não se instituiu punições a quem ultrapassar nem mesmo as metas auto imposta que não atingem o total pretendido, assim, como atingir sua limitação em níveis menos catastróficos? Os recursos para mitigação dos efeitos do aquecimento e reconversão de economias para formas limpas só começarão a serem aplicados em 2020, enquanto as urgências se multiplicam, com enchentes, secas, furações e elevação do nível do mar.

De todo modo, houve um acordo e ele é ambicioso, mesmo que pareça um leão sem dentes. A sociedade planetária presente em Paris aponta inequivocamente para a constituição de um poder cidadão, que não apenas controle os governos, mas que seja um exemplo de coerência coletivamente construída, essa é a novidade. O “Juramento de Paris”, assinado por personalidades como Edgar Morin, disponível hoje em várias plataformas de petições (veja aqui a do FSM 2016 de Montréal) implica as pessoas que se engajam a construírem um processo político global, mas também a mudar suas escolhas de consumo, sua “pegada ecológica” ou o peso que sua forma de estar no mundo deixa no planeta. O nível de consciência está mudando e isso se refletirá, cedo ou tarde, em mudanças civilizatórias profundas.  Hoje podemos escolher ser parte do processo, comece assinando o compromisso.

Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx

Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx

Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx

Poder cidadão em portugues versão 09 de dec.docx



CIDADÃS\ÃOS DO POVO DA TERRA: Vamos constituir nosso próprio poder!

December 9, 2015 10:11, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Nós, cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, de todos os países, culturas e tradições, reunidos em Paris neste momento histórico, testemunhas do desequilíbrio climático e da degradação dos recursos naturais essenciais para a vida na Terra e da crescente desigualdade entre os seres humanos, estamos determinados a preservar a capacidade de bem viver das gerações presentes e futuras. Empoderados de nossos conhecimentos e culturas e tendo mobilizado nossa capacidade de agir em múltiplas iniciativas em todo o mundo visando a Grande Transição, vemos com preocupação a inadequação e a incapacidade do processo de negociação das Nações Unidas desde 1992 até 2015, de fazer um acordo ambicioso, corajoso e convincente para evitar maiores consequências de um desequilíbrio climático anunciado há muito tempo por cientistas e cujos efeitos desastrosos são agora evidentes.

É tempo de reconhecer que o sistema de representação da cidadania através dos Estados-Nação e de organizações multilaterais constituídas exclusivamente por esses, assim como o poder de uma oligarquia financeira e corporativa poderosa, sem qualquer legitimidade, são incapazes de preservar e gerir os bens comuns sem fronteiras da Terra, como o ar, a água, o solo, as florestas, dos quais depende fundamentalmente a vida humana e dos demais seres vivos. Precisamos inventar uma nova esfera de ação política que reconheça os povos em sua diversidade, mas também o Povo da Terra em sua unidade. É urgente construir uma ação pública global a médio e longo prazo, capaz de levar em conta os interesses das gerações futuras. Precisamos de ações e decisões urgentes em escala global, que tenham um horizonte de tempo de no mínimo duas gerações, e até de sete, como sabiamente o fazem os povos indígenas da América do Norte.

É hora de dar mais um passo na capacidade de nossa família humana de garantir seu destino comum, evitando que ela ameace a si mesma, destruindo a Mãe Natureza que nutre a vida. Este passo é um processo constituinte, que, baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a complete com o reconhecimento pleno dos direitos e responsabilidades de cada ser humano para com os outros e com a Natureza, não só como cidadãs e cidadãos de nações e povos diferentes, mas também como cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, cujo destino está intimamente relacionado com o do nosso belo e frágil planeta.

Estes direitos de cidadania planetária não podem continuar a serem reféns das organizações econômicas e políticas incapazes de resistirem ao poder do sistema oligárquico dominante que retarda as medidas urgentes que precisam ser tomadas para evitar maiores catástrofes sociais e ecológicas. Propomos, então, a construção de um poder cidadão que assuma de forma complementar ao dos Estados, a responsabilidade pelo futuro da humanidade no planeta. Estamos empenhados em construir juntos esse poder com aquelas e aqueles que, livres das pressões de lobbies oligárquicos, entendem a urgência da ação e da construção de sua permanência no médio e longo prazo.

Propomo-nos a buscar todas as formas de organização e expressão do poder cidadão, baseando-se em todas as reuniões internacionais que virão. Estaremos juntos por exemplo no Fórum Social Mundial Temático em Porto Alegre, em janeiro de 2016 e no Fórum Social Mundial em Montreal, em agosto de 2016, para se concentrar no que une os povos em defesa da vida e da própria humanidade, e ao mesmo tempo construir pontes para um reconhecimento oficial do poder cidadão pelas nações, pela ONU e suas agências, a fim de evitar a influência dos lobbies contrários à aventura humana Terra.

 

Portanto, nos comprometemos neste juramento solene:

 

Dedicar nossas capacidades, nossa criatividade, nossa experiência intelectual, emocional, artística, material e imaterial, à aceleração imediata da Grande Transição para a energia renovável e limpa, para o abandono de combustíveis fósseis e de padrões de produção e consumo destrutivos para os seres humanos e o planeta, e a aplicação em todos os lugares e em todas as escalas - nossas famílias, nossas aldeias e nossas cidades, nossas regiões e nações – de uma nova economia igualitária, respeitosa da vida, da saúde, do bem-estar humano, bem como da biodiversidade e do equilíbrio de todos ecossistemas terrestres e aquáticos dos quais depende a sobrevivência da humanidade.

Fazemos este juramento, deixando Paris, de não nos separarmos uns dos outros, nem no coração nem na mente; de manter nossas conexões através de todos os meios de meios de comunicação e de mídia cidadã; de se reunir sempre que as circunstâncias o exigirem; de exercer pressão sobre todas as instâncias de poder, seja governamental ou empresarial, corporativo e financeiro, local, nacional e global, para que assumam suas responsabilidades; de cooperar constantemente entre redes cidadãs para a implementação dos objetivos vitais e urgentes mencionadas acima; e, assim, fortalecer os nossos laços de amizade, irmandade, solidariedade e assistência mútua, a fim de expandir a rede global de cidadãs e cidadãos da Terra empenhados de corpo e alma nesta missão, atores da emergência de uma sociedade cívica mundial, portadores de um novo Contrato Social e Ecológico Planetário, garantidores desse juramento e desse compromisso em nosso nome e pela proteção das gerações vindouras.

Cidadãs e cidadãos do Povo da Terra, em Paris e em todo o mundo, confirmarão por sua assinatura esta inabalável resolução.

 

Paris, 09 de dezembro de 2015



COP 21: Quando o colapso parece promissor

December 4, 2015 10:44, by Débora Nunes - 0no comments yet

Texto em colaboração com Marcos Arruda

 

Numa das atividades da Rede Global Diálogos em Humanidade, em Paris, como parte das manifestações da sociedade cívica para pressionar os Estados a assumirem reais responsabilidades frente ao aquecimento global, um grupo de trabalho propôs incorporar a possibilidade de colapso da humanidade. O grupo deveria imaginar as bases com as quais a sociedade humana poderia ser reconstruída para desenvolver-se sem correr riscos de nova aniquilação.

Num primeiro momento, o grupo ficou atônito ao imaginar a conjunção de dados reais: a aceleração do aquecimento global com suas cada vez mais nefastas consequências, mas também do terrorismo; os acidentes ambientais cada vez mais graves devidos aos excessos do capitalismo; a onda de refugiados de guerras e de mudanças climáticas que, buscando o justo direito de reconstruírem suas vidas, desestabilizam territórios já precários; a crise dos alimentos, cada vez mais caros e envenenados; a crise do endividamento, dos Estados nacionais até as famílias e as pessoas; entre outras. Esses dados juntam-se à forte probabilidade de um novo colapso financeiro mundial causado pela insustentável ciranda especulativa, muito mais grave do que a de 2008. Essa explosão torna-se inevitável pela aplicação de recursos oriundos do trabalho humano real junto a uma montanha de dinheiro imaginário (pura especulação), configurando um perigoso cassino global. Ao ruir, o sistema financeiro vai carregar consigo o sistema produtivo globalizado, principalmente bancos e empresas transnacionais, o emprego, as redes de seguridade social, e o nível já conquistado de bem estar.

Passado o momento inicial de impacto de se imaginar o colapso, o grupo pergunta-se o que fazer e imagina que restaram comunidades humanas espalhadas pelo interior dos continentes menos tocados pela catástrofe econômica e pelo aumento do nível dos oceanos. As grandes cidades - com poucos alimentos e energia, falência das grandes companhias atingindo as demais, governos desestabilizados e comunicação precária, expostas à barbárie dos sem esperança - foram em grande medida desertadas por suas populações. Milhões de sobreviventes se transformam em refugiados e buscam locais mais estáveis para reconstruírem suas vidas.

O panorama, aparentemente saído de um filme catastrófico de Hollywood, espelha na verdade os dados de pesquisas recentes sintetizadas no livro « Comment tout peut s'effondrer: Petit manuel de collapsologie à l'usage des générations présentes », de Pablo Servigne e Raphaël Stevens (“Como tudo pode entrar em colapso –pequeno manual de colapsologia para uso das gerações presentes”), ainda sem tradução no Brasil.  De modo mais artístico, esse é também o cenário do filme « A era da estupidez », de Franny Armstrong, que fez um misto de documentário, ficção e animação para contar a história da destruição da Terra, causada pela insensatez da humanidade.

O grupo de trabalho, formado por cidadãos e cidadãs de várias partes do mundo, começa a traçar um caminho de soluções possíveis, buscando enfrentar não só as questões de cunho político, ambiental, social e econômico, mas também criar um quadro cultural e psíquico, que evite que a humanidade desenvolva mais suas sombras que sua luz, e que aproveite ao máximo seus potenciais de conhecimento, criatividade e cooperação. A descontração criada pelo fato de que se tratava apenas de fazer um exercício coletivo de sonhar acordados, sem a pressão de « salvar o mundo », fez do trabalho uma alegre atividade, simples e inspiradora.

Em primeiro lugar, o grupo tratou de reorganizar a sociedade humana a partir dois fatores. Um, subjetivo – o acolhimento e o respeito às diferenças - e o outro, objetivo - as atividades locais que produzem o suficiente para a sobrevivência da comunidade de forma absolutamente ecológica, sem fertilizantes nem pesticidas nos alimentos, e utilizando fontes locais de energia como o sol, a biomassa, os ventos etc. A força de trabalho e os recursos naturais locais vão sendo valorizados por meio de tecnologias adequadas à realidade local e ecossistêmica, produzidas em todo o planeta, o que aumenta em grande medida a produtividade local, e permite a partilha dos seus ganhos com base na proporcionalidade. Volta-se, de certa forma, ao tempo das comunidades primitivas, enriquecidas agora pela consciência de todas as evoluções humanas, em termos sociais, políticos, culturais e tecnológicos.

Imaginando o pleno emprego dos membros da comunidade, chegou-se ao conceito de subsidiariedade, no qual só se mobiliza um nível posterior de escala territorial quando se esgotam as possibilidades de resolver desafios localmente. Em termos brasileiros, isso seria uma autonomia imensa para o nível de governança comunitária e municipal, passando-se para o nível estadual e federal apenas poucas questões, impossíveis de serem respondidas localmente. A subsidiariedade reforça a responsabilização da comunidade e dos indivíduos para a conquista de boas condições de vida para si e para o coletivo, de modo colaborativo. Ela propõe também a construção das escalas « superiores » a partir da prática da solidariedade entre as comunidades.

Na dinâmica da subsidiariedade, constrói-se a pirâmide de possibilidades e responsabilidades de baixo para cima, a partir das necessidades e dos recursos humanos e naturais existentes na comunidade, e não de cima para baixo, a partir do poder da força e/ou do controle do dinheiro, do conhecimento e das técnicas, como se fez na história pregressa da humanidade.

O segundo campo de trabalho do grupo foram os próprios membros da comunidade e a educação. Para evitar os efeitos desastrosos da condição e do sentimento de exclusão, é preciso que cada um tenha seu lugar na sociedade. Todo um programa de apoio ao autoconhecimento, fundado na busca da identificação dos talentos de cada um seria colocado em prática pela comunidade em um sistema educativo baseado na prática da pesquisa e da construção colaborativa do conhecimento, e na busca do bem viver integral. A ideia é que cada indivíduo, sem exceção, sabendo de suas potencialidades, busque ser feliz, disponibilizando seus talentos para que sejam uteis a si e aos demais. Assim, o desejo de cada humano de ser reconhecido e amado teria fundamento na contribuição dada ao todo e a cada outro, e não na supremacia sobre os demais. Apostou-se, como Teilhard de Chardin, o grande paleontólogo e humanista francês, que a crescente individuação naturalmente constrói a solidariedade entre todos, e que a história cósmica é a história da construção da Noosfera – a esfera da cooperação na riqueza da diversidade – após passar pela da geosfera, biosfera e tecnosfera.

O terceiro é o tema do poder: como organizar a partilha do poder de modo a não reproduzir o modelo político fracassado de hoje? Como resgatar, ao mesmo tempo, a história das conquistas democráticas da sociedade humana, que nos levou à noção de direitos humanos e de democracia representativa, sem cair nas armadilhas que enfrentamos hoje de insuficiência humanista e democrática? Partilha, co-responsabilidade e serviço, três palavras-chave que qualificam um tipo de poder político que canaliza a consciência coletiva e viabiliza a democracia co-criativa. Auto-estima, humildade e gratuidade, três atitudes que qualificam quem é investido daquele poder democrático co-criador. A trilha proposta por Patrick Viveret, de buscar o melhor da tradição e o melhor da modernidade, nos fez buscar o modelo político de muitas sociedades ancestrais (entre eles os índios bororos e ianomâmis do Brasil), nas quais o poder é entregue àqueles que são reconhecidos como os mais generosos entre os membros da tribo. Aqueles que têm, como diria São Francisco, maior capacidade de dar do que receber.

Para evitar os excessos que podem ser cometidos quando alguém, ou um grupo de pessoas, mesmo consideradas generosas desvia-se de si mesma no exercício do poder, a noção moderna de controle social seria utilizada. Assim, as pessoas que governam os diversos territórios nos estritos domínios da subsidiariedade (ou seja, respeitando a autonomia individual, familiar e comunitária) seriam acompanhadas pelo conselho da comunidade, composto por sábios e especialistas da confiança da comunidade, recrutados em sua maioria entre jubilados com comprovado espírito público. Esse conselho de sábias e sábios, recriando a sabedoria ancestral, teria, como se concebe modernamente, a representação de todos os setores da sociedade, inclusive jovens e crianças.

O exercício do grupo de trabalho teve tempo limitado e, assim, outros temas não puderam ser tratados e muitos ficaram implícitos. O cultivo de uma relação profunda da humanidade com a Natureza, entendendo seu lugar como parte dela; a modelagem da organização dos serviços públicos e sociais; a pluralidade de lógicas econômicas que, tendo como referência comum a solidariedade e o suficiente, poderiam prevalecer para evitar o monopólio de uma só logica, como a do lucro ou a do Estado, e tantos outros desafios ficaram para novas oportunidades de encontro. As pessoas do grupo sentiram alegria com o trabalho e pode-se dizer que imaginar a possibilidade do colapso da civilização atual é como lidar com a própria morte. Pode nos ajudar a organizar a vida, de modo a tirar dela o melhor e dar a ela a melhor contribuição. As civilizações também podem morrer, como já morreram os impérios mundo afora, por viverem sem consciência da possibilidade de sua própria extinção. Pensar o colapso para além da tragédia das suas dores, pode ser instrutivo… e promissor.



Conferencia do clima em Paris (COP 21), esforço de seguir adiante

November 27, 2015 19:18, by Débora Nunes - 0no comments yet

Toda a atmosfera de entusiasmo da sociedade civil para construir uma pressão nunca vista sobre os negociadores da COP 21 em Paris transformou-se em esturpor, com os tenebrosos atos terroristas do 13 de novembro. O imenso esforço de articulação de redes, os milhares de eventos sendo organizados, a vontade de "virar o jogo" do aquecimento global foram violentamente atingidos com as medidas adotadas pelo governo francês após os ataques. A "Marcha pelo Clima" do dia 29/11, que prometia reunir toda essa imensa diversidade humana de nacionalidades, línguas, cores, idades, profissões, condições sociais, religiões, etc. foi proibida.

Mas a vida segue. Atônitas, à princípio, as redes se reorganizam e tentam encontrar alternativas. A COP 21 oficial está mantida e ainda é uma possibilidade de mudança de rumos. A cidadania planetária estará atenta e mobilizada. Na Praça da República, em Paris, uma imensidão de sapatos serão colocados no chão, representando as pessoas impedidas de se reunirem. Nas principais cidades do mundo acontecerão marchas para pressionar pela redução das emissões de gaz de efeito estufa, que está asfixiando a Terra e mudando seu clima. Se você quizer saber mais sobre a Conferência, clique aqui e veja a esclarecedora reportagem da EBC, a mesma da TV Brasil.

Não deixe de se manifestar e de associar aos milhões, que, a exemplo do Papa Francisco, exigem que as autoridades tenham espírito público e coragem. E que cada um de nós seja um exemplo de mudança. Força, Paris!

 



Para onde vai a democracia?

November 10, 2015 18:32, by Débora Nunes - 0no comments yet

Certamente, ela ainda irá muito longe. O modelo democrático que conhecemos, velho de 2400 anos e aperfeiçoado ao longo dos séculos até os modelos atuais, irá se desenvolver e se adaptar às novas necessidades. O papel da esquerda será fundamental nesses aperfeiçoamentos, mesmo que essa expressão “esquerda” possa até ser superada. Antes de tratar especificamente do ideal de igualdade, liberdade e fraternidade que vem da revolução francesa e historicamente representou a esquerda, tratemos da democracia, que exige amplo espectro de opções para ser legítima. Não se constrói democracia com um só ponto de vista.

No imaginário geral, as práticas eleitorais de hoje representam a democracia. O percurso histórico para se chegar ao modelo de democracia representativa foi longo e difícil e os brasileiros estão entre os que o conquistaram nas ruas. Os períodos ditatoriais do Brasil, particularmente o último, de 1964 a 1985, fez com que as eleições se apresentassem como símbolo da democracia. A memorável campanha pelas “Diretas Já”, nos idos dos anos 1980, arrancaram o país das mãos dos militares e lhe entregaram ao povo.  Sim, as eleições gerais, com o voto de todos os cidadãos em condição de maturidade para decidir sobre quem deve legislar (definir as regras) e executar (governar segundo as leis) é um grande avanço, mas certamente não é suficiente.

Quando os legisladores e governantes em geral, mesmo eleitos, deixam de contar com a confiança da sociedade, é hora de repensar a democracia representativa e pensar a democracia do futuro. De leste a oeste no mundo, de norte a sul, existe uma crise da democracia e grande distância entre o que fazem os representantes e o que querem os representados. Cientistas políticos de todos os matizes estão de acordo que, excetuando uma ou outra nação menos atingida pela crise democrática por particularidades históricas, a representação via eleições é insuficiente para que a democracia funcione bem hoje. Assim, nossa democracia brasileira está em crise não porque os políticos e governantes do Brasil sejam mais corruptos ou ineficazes em representar seu povo que os demais, mas porque os tempos mudaram.

Pode-se avançar que há pelo menos dois fenômenos universais que estão na base dessa crise da política democrática: um é a influência abusiva do poder econômico, já largamente comentado. Outro, menos examinado, é a elevação do nível educacional e de informação dos cidadãos e cidadãs do mundo, que se tornaram mais exigentes e assim pressionam pelo aperfeiçoamento do sistema de representação e por uma democracia mais direta. 

 

O poder econômico e a elevação do nível educacional e de informação da cidadania

Sobre a influência do poder econômico, há vários aspectos a analisar e trataremos apenas dois: o primeiro, muito caro aos brasileiros que estão fazendo verdadeira devassa na ação dos políticos, é a corrupção. O poder econômico manipula votos de parlamentares de acordo com seus interesses, assim como deturpa a ação governamental, que muitas vezes prioriza ações, obras e serviços para beneficiar alguns e não a todo o povo, como deveria ser sua missão. Outro aspecto importante é a distorção da representação democrática: quando se observa quem são os vereadores e deputados e quem é a base eleitoral do município, do estado ou da nação, evidencia-se as falhas do modelo. Nas democracias representativas dos EUA, da França, da Índia ou do Brasil, por exemplo, os ricos, os que têm estudos universitários e os homens (sem falar das questões étnicas) estão mais presentes no parlamento do que entre o povo em geral, o que revela que a representação é distorcida.

O aumento do nível de exigência da cidadania acompanha o nível de informação e de educação, como é natural. Quanto mais se tem uma opinião sobre o mundo, facilitada pela educação, e quanto mais se está informado sobre a ação governamental e parlamentar, e seus efeitos, mais a população cobra, felizmente. Nos tempos de ditadura militar sempre dissemos que manter o povo na ignorância era a forma mais engenhosa dos militares se manterem no poder. O nível educacional do povo brasileiro aumentou muito e muita coisa mudou, inclusive a chegada no poder de um novo projeto político, que foi representado por Lula e o PT por mais de uma década. Essa alternância no poder não foi suficiente para fortalecer definitivamente a democracia e a população está cada vez mais desalentada.

Como se sabe, o poder econômico, além de corromper parlamentares e governantes, manipula boa parte da mídia. Essa, ao se deixar comprar por diferentes lados das disputas eleitorais, torna-se uma expressão da submissão da política ao poder econômico, o que traz mais motivos para o desalento. Uma população mais educada também percebe melhor essa manipulação, mas as camadas menos críticas deixam-se envolver e a equação poder econômico, manipulação da mídia e falsa representação parecem desconstruir o ideal democrático de poder do povo para o povo.

 

Um novo modelo para a política democrática

O que há de novo na democracia é a emergência de um novo paradigma, que embora ainda atuando em nichos muito restritos, mostrou sua força no Brasil nas manifestações de julho de 2013, como tinha mostrado nos Estados Unidos através do movimento Occupy Wall Street, na Europa no movimento dos Indignados, no norte da África com a Primavera Árabe, no extremo oriente, em Hong Kong, com as manifestações juvenis do guarda chuva contra o governo da China, etc.. Olhados de perto esses movimentos, que herdam a histórica luta por liberdade, igualdade e fraternidade, têm muita disparidade, mas há pontos em comum que entendo serem variáveis que interferirão no futuro da democracia: sua liderança compartilhada, seu funcionamento em rede, e, nos casos mais avançados, sua busca de coerência entre o pensar e o agir.

Esses movimentos são a ponta de um iceberg subterrâneo constituído pelos “novos coletivos cidadãos”, que tentei descrever e entender, juntamente com Ivan Maltcheff, no livro de mesmo nome (acesso aqui). Essas iniciativas coletivas são variadas e atuam em vários campos: na economia solidária, nos movimentos culturais alternativos, nos coletivos de softwares livres, nos agricultores orgânicos e permacultores, nos grupos urbanos que atuam contra a disparidade de poder entre os simples cidadãos e cidadãs e o poder imobiliário e do mercado da mobilidade e do lixo, nos que vivem nas ecovilas, nos que constroem o movimento das cidades em transição, nos que defendem os orçamentos e planejamentos participativos, como as bicicletas, as hortas e canteiros coletivos... entre tantos outros.

Trata-se de um sem número de pequenos mundos alternativos construídos conjuntamente em modo mais ou menos autogestionário e mais ou menos em rede que fazem, em alguns momentos, política explícita. Os jovens estão à frente da maioria desses movimentos e em outro post busquei explicar porquê, falando em porque para eles a coerência entre o discurso e a prática é uma exigência tão importante.

Esses movimentos são o caminho da renovação democrática, na medida em que se articulem e percebam a força de sua credibilidade baseada em atos e não apenas em palavras.  A renovação democrática não virá de partidos que, mesmo ditos “de esquerda”, não se inspirem diretamente dos novos caminhos trilhados pela sociedade.  Cidadãos mais educados e informados não querem tutela, querem manter seus representantes sob seu controle e não entregar cheque em branco na eleição, que não é um fim em si mesma. Por praticarem no seu cotidiano aquilo em que acreditam, exigem coerência e não aceitam que os fins justifiquem os meios, pois sabem, cada vez mais, que é caminhando que se faz o caminho, como diria o poeta espanhol Antonio Machado.  

A passagem para uma democracia participativa está em curso e integra, em termos institucionais, mecanismo de controle social como conselhos e conferências de todos os tipos e escalas que estão sendo experimentados mundo afora e particularmente no Brasil.  Esses instrumentos participativos, quando bem aplicados e não extensão da manipulação política e econômica, atraem o público dos novos coletivos cidadãos e incorporam aos poucos suas características.  A integração de mecanismos de participação pela internet,  a internacionalização das causas humanas que mobiliza milhões como na plataforma Avaaz, a revolução que significa o financiamento colaborativo de projetos e tantas outras novidades são alento às nossas esperanças, mas ainda passam despercebidos por muitos quando se fala em democracia. Enquanto isso, a mídia nos faz pensar que o fim do mundo na política já chegou. Talvez haja um fim, mas significando um novo começo.



Sintese da encíclica ambientalista do Papa e seu efeito no Brechó EcoSolidário 2015

November 3, 2015 8:57, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

Vivemos no Brechó desse ano momentos de grande beleza, e vou partilhar um deles, que teve a magia dessa terra baiana de sincretismos e tolerância: Além dos convidados internacionais do Brechó, tivemos a presença de pessoas de muitos lugares do mundo, que estavam reunidas em Salvador para um encontro preparatório ao Fórum Social Mundial. Um dos "Diálogos" do Brechó foi em torno da encíclica do papa (sintetizada abaixo pelo jornal El Pais) que convida os humanos à paz e ao trabalho compartilhado pela recuperação da Natureza. Por um momento, falava um palestino sobre as imensas dificuldades vividas por sua família e seu povo pelas políticas impostas por Israel. Todo o público estava emocionado, e também sua tradutora, uma cantora  franco-americana, que ele não sabia que era judia e que tinha vivido em Israel. No dia anterior, ela tinha cantado uma música judia cuja letra tinha modificado para que falasse de paz e de partilha da cidade de Jerusalém por palestinos e israelenses. Ao terminar sua tradução ela veio ao centro da roda de Diálogos e novamente cantou a música. Os palestinos presentes, surpresos, vieram depois abraçá-la. Um a um, todos os presentes, brasileiros, franceses, peruanos, canadenses, curdos, marroquinos, tunisianos, americanos, etc, inspirados pela cena e pelo conteúdo da encíclica, vieram abraçá-los, como se o mundo todo abençasse aquela paz ali celebrada.

Aqui em Salvador, vivemos, no domingo 01 de novembro de 2015, um momento de cura de uma dor longínqua, mas que dói em cada ser humano sensível. Louvado seja!

 

LAUDATO SI/ LOUVADO SEJA ( ENCICLICA )*

(12 pontos principais)

  1. "A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada"..
  2. "Se a atual tendência continua, este século poderia ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e de uma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós".
  3. "Chama a atenção a debilidade da política internacional. A submissão da política ante a tecnologia e as finanças aparece no fracasso das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e muito facilmente o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipular a informação para não ver afetados seus projetos.
  4. "O gemido da irmã terra se une ao gemido dos abandonados do mundo".
  5. "É previsível que, frente ao esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas por trás de nobres reivindicações".
  6. "É preciso eliminar as causas das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente".
  7. O enorme consumo dos países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres, sobretudo a África, onde o aumento da temperatura unido à seca faz estragos no rendimento dos cultivos".
  8. "A terra, nossa casa, parece converter-se cada vez mais em um imenso depósito de porcarias"
  9. "Convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem somente com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. É realista esperar que quem se obceca para obter o máximo benefício se detenha para pensar nos efeitos ambientais que deixará para as próximas gerações?
  10. "Sabemos que a tecnologia baseada em combustíveis fósseis altamente poluidores - sobretudo o carvão, mas também o petróleo e, menor escala, o gás - necessita ser substituída progressivamente e sem demora. Enquanto não houver um amplo desenvolvimento das energias renováveis, que deveria estar já em marcha, é legítimo optar pelo menor mal ou usar soluções transitórias".
  11. "As finanças afogam a economia real. Não foram aprendidas as lições da crise financeira mundial e com muita lentidão estão sendo aprendidas as lições da deterioração ambiental. Em alguns círculos se acredita que a economia atual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais!.
  12. "Dado que tudo está relacionado, também não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto. Não parece factível um caminho educativo para acolher os seres fracos que nos rodeiam, que às vezes são incômodos ou inoportunos, se não se protege a um embrião humano, mesmo que sua chegada seja causa de problemas e dificuldades".

*Fonte - consulta ao site El Pais Internacional / 29/10/2015 -Enciclica de Francisco en 12 frases -18/06/2015 -tradução

 



Brechó Ecosolidário 10 anos: este fim de semana, 31 out e 01 nov 2015

October 29, 2015 23:04, by Débora Nunes - 0no comments yet
from October 29 to 31, 2015 http://redeprosolidarios.org/ Solar Boa Vista -Brotas

Dois dias vivendo o “futuro emergente” no Solar Boa Vista, em Brotas - Salvador: um mundo mais sustentável, mais justo, mais solidário e mais democrático.  Este é o amplo conceito do Brechó EcoSolidário que acontece no final de semana dos dias 31 de outubro e 01 de novembro, das 9h às 18h. Lá se pode encontrar um grande mercado de trocas de bens usados através da moeda social “grão”, uma feira de economia solidária, rodas de diálogo, aulas de ioga, de reiki, tai chi, oficinas de automassagem, além de apresentações de música e dança, exposição de arte reciclada e variadas atividades de educação ambiental. Realizado anualmente desde 2006, o Brechó desempenha uma papel importante de sensibilização dos soteropolitanos sobre os efeitos do consumo para as mudanças climáticas atuais.  A participação no Brechó incentiva os participantes a pensarem em outras formas de consumo mais saudáveis, com menos desperdício e priorizando produtos das cooperativas de economia solidária. As trocas começaram em setembro, porém, o público poderá trocar seus bens por "grãos" nos postos que funcionarão no local no sábado e domingo.

Universidades baianas foram pioneiras na realização do Brechó em Salvador (Unifacs, UFBA, Universo, UNEB, UFRB, Fama, entre outras). No entanto, a cada ano foram sendo construídas parcerias com diversas outras instituições do setor público, ONGs e setor privado. Estas parcerias constituem uma comissão autogestionária que organiza o evento coordenado pela Associação Rede de Profissionais Solidários pela Cidadania. Cerca de 300 pessoas trabalham como voluntárias no evento, sobretudo professores e estudantes das universidades parceiras, empreendedores da Economia Solidária, artistas e terapeutas holísticos. Conseguimos captar recursos para a realização do evento através da plataforma de financiamento cooperativo Catarse https://www.catarse.me/pt/brechoecosolidario2015

Intercâmbio internacional - O Brechó Eco Solidário é uma das expressões brasileiras da rede Dialogues en humanité, que teve origem em 2002 em Lyon, na França, e vem se descentralizando, estando presente em países tão diferentes quanto a Índia, o Marrocos, a Alemanha, a Etiópia, entre outros (http://dialoguesenhumanite.org/). Esta rede baseia-se no diálogo público sobre os desafios econômicos, sociais, ambientais e espirituais da humanidade e coloca a transformação pessoal ao lado das transformações coletivas para a construção de um mundo melhor. Os eventos da rede Diálogos propiciam a experimentação de soluções inovadoras da própria sociedade para fazer face aos desafios humanos. No Brasil, os Diálogos se realizam também no Rio de Janeiro e em Itacaré, na Bahia, ele 2015 será realizado no dia 07 de novembro Ver http://www.pedradosabia.com/ 

No Brechó 2015, os temas das “Rodas de Diálogo” do sábado e domingo serão em torno das mudanças climáticas e da preparação para a conferência de Paris, que acontecerá em dezembro. Como cada pessoa e instituição pode ser um agente para resolver a crise climática? Vários participantes nacionais e internacionais estarão em Salvador, enriquecendo as discussões e o diálogo com o público do evento, entre eles Geneviève Ancel, co-fundadora da rede Diálogos em humanidade e coordenadora do evento em Lyon-França; Tapas Bhatt, coordenadora do evento em Auroville - India; Irène Kekoui coordenadora do evento em Porto Novo – Benin; Anne Marie Codur, coordenadora da comissão que organizará o evento em Boston – EUA; Hugues de Rincquesen, coordenador do 3º Diálogos em humanidade de Itacaré, na Pedra do Sabiá; Débora Nunes – co-fundadora do evento em Salvador e membro do Conselho Internacional da rede Diálogos em humanidade; Nadine Outin, membro da rede Diálogos engajada no direito à educação e na proteção às crianças e Fazette Bordage, musicóloga e psicóloga, trabalha com arte e cidadania e dirige um centro que incentiva esta relação no porto Le Havre, na França e Régine Fauze, escritora, professora e animadora de grupos com base na ecologia profunda.

 

 



For a better world: overcoming male dominance

October 15, 2015 14:16, by Débora Nunes - 0no comments yet

 

In a previous post, I argued that a society better than ours would be one in which the female spirit is incorporated.  To advance toward that objective, we need to investigate further why men dominated the world so far. The key question may be: "How did we move from a nomadic and gatherer human kind, which lasted about 200,000 years, with men and women dividing tasks set by biological capacity and equal division of power, to a male-dominated society in the last 10, 000 years? “

This issue becomes critical if we realize that the domination of men over women is the primary form of domination, the most universal, and perhaps the mother of all others.

In a first part, this text will make general observations about the reasons that led to the domination of men in human civilization, listing fairly well known ideas. More boldly, it will also try to investigate the domination over the prism of less-explored themes such as male insecurity in the sexual and psychological fields. The second part of the text discusses the possibility of  some female acceptance of this domination. In addition to sources in literature, in interviews with some men interested in the subject and in my personal experience, I also interviewed the anthropologist Ordep Serra, who brought relevant observations on my subject.

The Neolithic revolution, which resulted in a sedentary way of life, in the development of agriculture and in the establishment of the first civilizations and the first cities, also brought the foundations for male dominance.

The first foundation is the institution of private property and the widespread practice of war for territories in human society. The exaltation of strength and masculine aggression was instituted to ensure territorial control, property defense, as well as self-defense and survival of the family and of the social group. The previous power-sharing -in which women had the symbolic power of generating life and men the power of force- became unbalanced.

The second foundation of male dominance is the institution of inheritance, which is the transfer of private property by blood. This led to the construction of moral rules to keep women under the control of men. From men´s point of view, to ensure the conviction of fatherhood on the family´s heritage beneficiaries, it was compulsory to prevent extramarital affairs, to avoid foreign-blood children to enter the line of succession. As physical strength does not guarantee continuous and sufficient domination, human males have created persuasive mechanisms and moral rules for women's submission, in order to maintain the control and feel safer, thus compelling women to a secondary place in society. Women´s strength was then kept for a long time within the private and family scope and in a mystery sphere.

A third basis concerns the comfort that the domination situation earns the rulers. The imposition of daily housework and other services, including sexual ones, to women made male´s life easier. One of the roots of unequal systems created by humans is this imposition of tasks considered minor, dishonorable or uncomfortable to others. Women may have been the first victims of the system. One way to improve the world is certainly by establishing equal relations between men and women in the domestic sphere. This would mainly turn out the inequality abnormal in the culture of the future generations .

All this seems to explain the reasons of male dominance, but also puts men as villains in human history. One way to overcome this Manichean view is to seek complexity and thus get closer to the facts and to the reality. Then, from another point of view, only one uncompensated person can base its existence on strength and aggression, or even competitiveness, to rule over others. Why other male attributes, which could have led to less aggressive and less competitive societies did not prevail? Men have ancestral qualities like -among others- the courage of confronting danger to protect the weakest, the enchantment with the beauty of the universe and with the feminine mystery, particularly in relation to pregnancy, as well as a strong team spirit.

The motives for desiring  dominance can be scanned from another side: domination could serve to mask the fear of relationships between equals. In such relationships, each one is valued by what he/she is worth and each one is also responsible for its own existence, without need of oppressing anyone. The domination may then hide a great weakness, lack of autonomy and even lack of self-esteem. What could be the reasons for the male´s insecurity? One of them may be men´s feeling of helplessness without women's presence at their side. Professor Ordep Serra -when commenting on a concept of Victor Turner, another anthropologist- refers to this feeling and says that a secret envy of "the powers of the weak" reaches the powerful. Some feminine qualities cannot earn men the power of command, but could empower them in privacy, giving them a symbolic status and make them indispensable.

Women generally mature earlier; they have a greater resistance to pain and a great adaptability inherent in their biology, greater empathy in social relations and a more developed intuition. Without going into details on the psychological relations of men with their mothers, spouses, daughters and even sisters, the female spirit may have emerged as a force that frightens men. From his research on native Indian tribes of the Xingu National Park, as well as his studies of Greek mythology, Ordep Serra believes that the myths, rituals and attitudes of so different people reveal an astonishing recurrence of male jealousy of women´s power. This issue may justify the domination over women.

Sexuality is another important thing to note for understanding male dominance from the perspective of his fragility. Biological conditions, evoked in the previous post, have helped us to understand masculine and feminine attributes and behavior induced by Nature herself. Some of these conditions and gender differences make the shape of the sexual organs -and the sexual act itself- show the following: the female hosts the male´s seed, which give women the ability to gestate life and keep men away of the process; in the sexual act, there is a greater passivity in women, while there is an exposure of his sexual organ and an active penetration in men; orgasm in located and visible (penis) in men while more diffuse in the whole body, with a peak in a hidden location (clitoris), in women.

In a way, we can say that men experience weakness and an exposed situation in the sexual field. The male desire is evident by the erection while female desire is mysterious and only she can fully identify it. The classic Kinsey and Hite reports on human sexuality, among others, provide important information with respect to this situation: the male desire is very diffuse, raised primarily by the sight; while for the woman the preferred mean to arouse desire is the touch, which takes place in the intimacy. These characteristics make the sexual mood more general and diffuse for men and more specific and focused for women. The fears of betrayal are also very different among men and women. This is perhaps the reason why, according to the same reports, men would be more jealous of the woman having sex with other men and women would be more jealous of affective demonstrations to other women. Similarly, the most common sexual fantasies for both sexes address dominance situations in men and subjection in women.

These data relate to the historical sexual roles of both genders to ensure survival of human race. Gene-survival instinct is the common principle of biological conditioning for all animals. The existence of the offspring and the subsequent breeding of this offspring guarantee this survival. In the case of human beings, cultural conditioning - the fear of death, and his "overcome" by offspring’s - further strengthens the biological sexual behaviors. To ensure their historical continuity, men - like other males - tend to be aggressive towards other men and protective to their life´s territory to conquer or maintain their wives, who guaranties the procreation. For the same motivation, women - as many other females do-  tend to take care of their babies, perceiving their emotional and material daily demands and attentively provide them with what they need. To keep their children-maintenance male-partners near them, women tend to fend off competitors by non-physical means, or by simply accepting them as accomplices. Among non-physical means of competition for the males, we can speculate about the use of communicative intrigue (gossip) or the various means of seduction.

As in the previous post, to better understand the conditioning of thousands of years, let´s go back to ancient times and observe some situations about the male / female ratio in the nomadic and gatherer societies. In these times, women were in the camp with children and the elderly, while men went in search of hunting or kept awake to protect the group. To make it simple, when a man was interested in a woman, or the other way round, this could end up in an acceptance -which generated a relationship and maybe children- or a rejection, which generated pain. Acceptance or pain similarly was true for the woman. In the midst of Nature, based on the natural physical conformation of males and females and on their everyday duties, however, the rejection and consequent  pain are quite different.

In the middle of the protected common place of the community, women fighting over the same man may have generated a lot of screaming and scratching. Meanwhile, amid a hunt or while confronting a predator, men in contention may have weakened the group or make them loose a prey. This would have raised larger consequences for the community. Perhaps male´s behaviors to prevent dispute consequences may have, long after, modeled the two biblical commandments that seem the strangest to our modern eyes: "Thou shalt not sin against chastity" and "Do not covet your neighbor's wife." Perhaps male´s behaviors to avoid the pain of rejection have also modeled aggressiveness in front of other men as well as domination over women, which persist up to day.

To avoid looking fragile, when exhibiting his desire or even his love, and to circumvent the fear of being betrayed or of being alone the domineering dominates by force and by imposing a patriarchal culture. For him, therefore, the mastered-one can be unfaithful, source of conceal and even source of hatred. Conquering is almost never enjoyable and brings not peace, but mistrust. Throughout history, many men secretly wondered on their wives : "Does she love me, or she suits me because I'm stronger?", "Does she agree with me or just submits to me?", "Does she take pleasure with me, or only pretends to, just to please me? "," In she  faithful or has other lovers? ". These, and other unanswered questions, may have tormented men throughout history because of the absence of an egalitarian relationship. Many men came to their women trying to understand them. Other more-fragile ones -and perhaps for that reason compelled to seek more power and wealth- used force, money and patriarchal power to surrender their wives and daughters.

The women acceptance of male dominance

Since women have historically had a leading role in the education of sons and daughters, we can say that the establishment of men dominance raised some acceptance from women. If at least part of the women had not applied the androcentric model when interacting with their offspring, machismo could have not diffused so much through generations.

On the one hand, in the early days of sedentary human civilization, women may have accepted that strong and aggressive men should dominate society in return for food and security for the offspring, i.e. in war conditions. Women may also have educated their sons to fear and suppress their own femininity because of the fear of losing land ownership.

In other situations, the male force itself -more than female's consent- may have imposed the dominance. In that case, the other women natural tendency -to  avoid conflicts, to be non-violent and to negotiate- may have taken them to avoid the confrontation and to submit them, in order to reach family peace. We can think that in the public space and in the community, perhaps predominates another type of submission: the one derived from the internalization of the oppressed stigma. Paulo Freire, referring to the poor in Northeastern Brazil and to their relationships with the rich colonels, explained this concept. The dominance takes such importance in the society´s culture that the oppressed one internalizes the system and sees it as the natural order of things. Thus, in most cases, he may not perceive the oppression even though he severely suffers from its effects. This phenomenon, the “internalization of oppression” by the mothers may have been one of the factors that led to the acceptance of dominance and to their differentiated ways of educating boys and girls.

Freire explains another aspect of the internalization of oppression, which is the "commitment to the oppressor". He exemplifies the passage of a handyman who becomes foreman: for having "stuck" to the dominant model, the foreman reinforces the system and overwhelms those who previously were his equals. In the case of the women's submission history, this factor may have played a very important role for having mothers, sisters and mothers in law control the system that oppresses other women and preserves the male dominance.

Another aspect can be perceived in the relations between men and women: it´s more usual to comment about conjugal and father-daughter relationships than about the liaison of men with their mothers. These latter can never be characterized as a dominance relationship, but rather quite the opposite since the devotion of men to their mothers is a widely known psychical and cultural fact. Human complexity has made subtle forms of power been developed by women and they play an active role in the game of family ties. Of course, these relationships are different in every stage and in every family and they also heavily rely on the personal characteristics of each woman: some of them have a real power, even if it is invisible to the men and to their families while others, more timid and peaceful, have almost no power.

Actually, male strength and fragility that led to male domination were not counterbalanced by an active feminine that would have given limits to the uncontrolled masculine power. It is also true that domination implies the responsibility to give directions, while submission discharges the dominated of this weight. As discussed earlier in this blog, if females tend to work in the back office, tend to share decisions and are less tempted by risk, they may have avoided taking forward alone the responsibility of the group/the family. At least, they may have not fought for this responsibility and may have rendered the male domination easier.

Overcoming the male dominance will require from men and women a profound self-knowledge and an understanding and acceptance of the existence of male and female spirits in each of them. Harmonization of individuals and society needs recognition and appreciation of Yin and Yang. Maybe more than in the field of laws and social policies, it is probably in the field of personal relations that a room to overcome the domination is being built. When women empower, they help men to "rest" from their commanding attributes and from the overly masculine and rough world they have built. When men become more feminine, they help women to find negotiated exits and to turn the world more welcoming. When men and women share tasks and responsibilities at home, at work, etc. they build a more feminine -less unbalanced by male supremacy- world. The feminine spirit can develop itself in the experience of every person, of every couple, of every family. Without the locks of dominance,  new generations will be favored. They will be able to build a more equal world, not only for men and women but also for white and black, rich and poor and for all the other victims of the inequalities that spread around the world.

 



O avanço da coerência

September 28, 2015 20:09, by Débora Nunes - 0no comments yet

Claro que não estou falando da coerência dos membros da elite política, se é que podemos utilizar o termo “elite” para tantas personalidades que estão entre a ralé moral da humanidade. Os políticos que se mantêm honestos consigo mesmos e com suas bases eleitorais certamente se questionam se vale a pena estarem ali, em meio a tanta incoerência e mentira. Bem, como somos nós que os elegemos, é bom nos perguntarmos se estamos sendo coerentes como eleitores e se nossos representantes estão à altura das nossas expectativas e de nossa moralidade. O mundo da política reflete o mundo em geral e pra ele evoluir em integridade, nós precisamos ser mais exigentes.

Mas quero falar da coerência enquanto conceito e prática da sociedade atual e de como vejo essa palavra tornar-se um divisor de águas. Duas frases que são expressões de sabedorias antigas sobre coerência, uma milenar e outra de quase um século, foram ressuscitadas insistentemente nos últimos anos. “Se queres mudar o mundo, primeiro dê três voltas em sua própria casa” (provérbio chinês) e Nós precisamos ser a mudança que queremos ver”(Mahatma Gandhi). É sintomático que o mundo ocidental, que inventou o consumismo e a democracia representativa, encontre em um provérbio oriental e em um pensamento de Gandhi inspiração recorrente para a busca de coerência nos dias atuais.

O fato de que começamos a ouvir e ler estas expressões em ambientes acadêmicos, de engajamento político, empresariais, religiosos, etc., mostra o prestígio que a coerência começa a ter na atualidade. Não que ela já tenha se tornado uma prática tão difundida, pois o “jeitinho” brasileiro, por exemplo, tem mais prestígio e abre portas para corrupções cotidianas. Até a maravilhosa frase de São Francisco, “É dando que se recebe” tem deturpações no mundo político brasileiro que desonram sua origem de serviço desinteressado ao mundo humano e de relação com o divino. Apesar dos tropeços, o avanço da consciência humana é inexorável, e a vida com coerência é melhor de ser vivida. Mais uma vez Gandhi tem uma frase lapidar: “felicidade é quando o que você pensa, faz e diz estão em harmonia”.

Fiz uma tentativa de explicação sobre o avanço do nexo entre pensar- fazer- dizer no postJuventude e coerência”, mas hoje gostaria de mostrar provas sobre esse avanço através de experiências concretas e links que levam a elas. Vejam o caso dos jovens que reflorestam desertos no projeto Sadhana Forest, na India; ou de pessoas que resolvem compartilhar carros elétricos em Recife e no Canadá; ou de comunidades que vivem de modo sustentável em Simões Filho/Brasil e Auroville/India; ou da experiência Songhai, onde a África levanta a cabeça, e produz riqueza limpa e cooperativa; ou de movimentos que funcionam a partir de voluntariado e liderança compartilhada, como Brechó EcoSolidário e a rede internacional Diálogos em humanidade.

Se você tiver tido a curiosidade de entrar em alguns desses links você terá visto que um mundo mais coerente é um mundo melhor... e que ele existe!. Ajude-o a crescer fazendo a sua parte.



Para que pressa? Carta de Caymmi para Jorge Amado

September 25, 2015 22:26, by Débora Nunes - 0no comments yet

“Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.

Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?

Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o  firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?

Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.  Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.

A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.